Texto escrito em 29 de março de 2000
Sobre a revolução russa, foram escritos alguns milhares de livros. Assim, é difícil fazer um resumo aceitável...
O Império Russo é bastante antigo, tendo suas origens lá pelo século XI. Foi criado a ferro-e-fogo contra invasões, submetendo outros povos e seu próprio campesinato.
No século XVII, há um episódio bastante importante que é uma grande revolta camponesa, chamada de Revolta de Pugachev.
No século XIX, o Império Russo é um grande império feudal, encravado entre a Ásia "atrasada" e uma Europa que estava se tornando, rapidamente, capitalista.
Assim, a história do século XIX na Rússia é a história da introdução do capitalismo e das mudanças que isso provocou na estrutura social e política daquele país.
Até 1848, os setores progressistas da sociedade russa eram pró-capitalistas. Viam no capitalismo a condição para a liberdade política (a democracia) e social (o fim da servidão). Mas quando as revoluções européias de 1848 são reprimidas pela burguesia, aqueles setores progressistas se decepcionam e começam a evoluir para posições pró-socialistas.
Falando de outra forma: antes, eles viam no Ocidente capitalista o caminho para a liberdade. Depois, eles passaram a buscar um caminho "oriental" para o socialismo, dispensando o capitalismo.
Isso criou um problema político e teórico muito grande. Teóricamente: é possível construir o socialismo sem passar pelo capitalismo? Politicamente: quem seria a base social da luta pelo socialismo, num país em que ainda não existia a classe operária?
Quem buscou dar uma resposta para estas questões foi o chamado "movimento populista" (populista em russo: narodnik. Quer dizer: os que vão ao povo. Não tem nada a ver com o populismo como entendemos hoje, ou seja, demagogia etc).
Os narodniks achavam que era possível construir o socialismo sem passar pelo capitalismo, tomando como base a comunidade agrícola camponesa (o chamado mir). E viam no campesinato a base social e política para a luta pelo socialismo. Por isso, "foram ao povo": milhares de jovens, intelectuais, profissionais liberais, se dirigiram às aldeias camponesas, para politizar e educar o povo.
Este movimento não deu certo. O campesinato reagiu com desconfiança a presença dos narodniks. Por outro lado, o capitalismo já tinha penetrado na sociedade russa, inclusive na comuna camponesa.
Diante da apatia do povo, os narodniks mudam de tática: uma parte expressiva deles passa a se dedicar ao terrorismo, ou, para ser mais preciso, a tentar matar o Czar (czar=césar, o imperador russo).
Depois de várias tentativas fracassadas, eles conseguem seu intento. O que provoca um enorme isolamento dos narodniks, até porque o Czar assassinado foi o responsável pela "emancipação dos servos" (ocorrida em 1863). Para fazer um paralelo, seria como se os abolicionistas matassem a Princesa Isabel: certamente haveria uma confusão na cabeça do povo.
O assassinato do Czar marca o fim do movimento narodnik-terrorista. A partir daí, um setor do movimento faz autocrítica dos métodos terroristas (eles falavam assim mesmo, usando estas palavras) e também faz autocrítica das concepções programáticas. Passam a dizer que não é possível construir o socialismo sem que a Rússia passe pelo capitalismo, e que a base da luta pelo socialismo é a classe operária.
É assim que surge o movimento social-democrata russo e, em 1903, o Partido Operário Social Democrata Russo, dirigido por Plekhanov, Martov, Lenin, Vera Zassulich, Axelrod etc.
Os social-democratas (que, na época, eram revolucionários e socialistas) russos atuavam na clandestinidade. Suas lideranças eram frequentemente presas e exiladas (fora do país ou na Sibéria). Sua literatura e seus jornais eram clandestinos. Muito excepcionalmente eles participavam de eleições --a Rússia era uma ditadura, uma autocracia. Tinham uma fortíssima atuação na classe operária, que veio a se formar exatamente nos anos 90 do século XIX.
Além dos social-democratas, havia os anarquistas e os socialistas-revolucionários (que eram a continuação dos velhos narodniks, tendo uma forte base no campo).
A economia russa era muito frágil; e a política dependia em grande medida da violência, da repressão. É por isso que foi em momentos de guerra (contra o Japão, em 1904-1905; e na Primeira Guerra Mundial, em 1914-1918) que a Rússia viveu crises revolucionárias.
A revolução de 1905 é conhecida como a "avant-premiére", o ensaio-geral da revolução de 1917.
Quais foram os traços principais da revolução de 1917:
1)a combinação entre um movimento operário contra o capitalismo, um movimento camponês por terra, um movimento das nações oprimidas pelo Império Russo, um movimento da burguesia contra o domínio dos aristocratas feudais;
2)o fato dos camponeses terem sido reunidos, organizados e armados para a guerra, pelo governo, ajudou na sua politização e na sua participação no processo revolucionário;
3)embora fossem menos de 10% da população, os operários dirigiram a revolução;
4)a combinação entre a insurreição nas cidades e a guerra civil no campo, depois do poder ter sido tomado nas cidades;
5)a existência de um duplo poder: os sovietes de camponeses, operários e soldados e o governo provisório;
6)a importância do Partido, no caso do Partido Operário Social-Democrata Russo (conhecido pelo apelido: bolcheviques), na condução do processo revolucionário.
A revolução russa começou espontaneamente, em 8 de março de 1917, a partir de uma manifestação em comemoração do dia da Mulher, que terminou transformando-se numa greve geral, que provocou a renúncia do czar e a instalação de um governo provisório.
O governo provisório não promoveu a paz, nem fez a reforma agrária, nem melhorou as condições de vida dos trabalhadores urbanos.
A partir de abril, depois de uma forte luta interna no Partido, Lênin convence os bolcheviques a defender a luta direta pelo socialismo, a luta pelo poder dos sovietes, a luta pela derrubada do governo provisório.
Mas só em novembro, depois de várias reviravoltas, os bolcheviques conseguem tomar o poder.
Após a tomada do poder, há uma guerra civil que dura até 1921. Quando a guerra civil termina, a Rússia está destruída. Isto faz com que o processo de construção do socialismo seja muito mais complexo do que imaginavam os bolcheviques, até porque nenhum outro país do mundo vive uma revolução vitoriosa: a Rússia socialista está só.
Este isolamento e as condições econômicas atrasadas explicam grande parte dos problemas ocorridos de 1921 até 1990-91, quando é dissolvida a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
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