Fora
FHC!
O II Congresso do PT deve ser encarado pela militância como
um momento privilegiado para o debate político sobre o futuro do país e do
próprio PT. A conjuntura que nos cerca voltou a colocar em debate um velho e
atual dilema: ou o PT, neste momento de aprofundamento da crise econômica,
social e política, retoma a ofensiva política no sentido de apresentar uma
alternativa dos trabalhadores frente ao esgotamento do modelo neoliberal em
nosso país, ou simplesmente padece frente a mais uma manobra da burguesia
nacional e seus sócios no sentido de retomar a ofensiva na solução da crise.
No início deste ano, o país sofreu um enorme abalo em função
do agravamento da crise econômica. Após quatro anos, onde a burguesia apoiou-se
no discurso da “moeda forte” e da “estabilidade”, o Real veio abaixo com uma
desvalorização acelerada que contribuiu para aumentar as dívidas externa e
interna, corroer ainda mais o poder de compra dos salários e, aliado a taxa de
juros mais alta do planeta, provocar uma recessão de proporções históricas,
onde o desemprego é o mais alto dos últimos 20 anos.
Como resultado desta conjuntura, que envolveu também as
denúncias em torno da CPI dos bancos e, agora, a retomada das denúncias acerca
do comprometimento de FHC nos leilões das teles, a popularidade do presidente
atingiu o pior índice de aprovação popular (17%) desde o início do seu primeiro
mandato. Um governo que já não conta com a mesma unidade da própria burguesia e
que colocou-se de joelhos frente às exigências do FMI, que quer o
aprofundamento do ajuste neoliberal.
A dívida externa total do Brasil atingiu patamares
insuportáveis, de aproximadamente 230 bilhões de dólares. Ao total, a dívida
cresceu 70 bilhões de reais em apenas um mês. Apesar do discurso do governo, de
que o “pior já passou”, o Brasil e demais países da América Latina caminham a
passos largos em direção ao aprofundamento de maiores e mais fortes crises. As
medidas adotadas após a desvalorização de janeiro são incapazes de inverter a
tendência recessiva da economia para este ano, limitando a zona de ação do
governo que, subordinado às ordens de Washington, terá que aplicar medidas
ainda mais impopulares.
Como parte desta conjuntura, temos ainda que destacar o
papel que foi cumprido pela direção majoritária do partido, que não apostou na
mobilização popular para derrotar o modelo econômico e o governo que o
sustenta. A visita de Lula a FHC, no final de 1998, a participação dos
governadores petistas na reunião com FHC, a paralisia da CUT e as sucessivas
vezes em que a maioria do DN-PT recusou a defesa da suspensão do pagamento da
dívida externa compõem uma política que gera confusão e desânimo na militância.
Felizmente, o PT não se resume a maioria do Diretório
Nacional. Importantes Diretórios Regionais têm impulsionado mobilizações e
assumido a defesa do Fora FHC/Fora FMI. Os militantes petistas na CUT, no MST,
na CMP e na UNE tem jogado peso nas mobilizações decididas pelo Forum Nacional
de Lutas e, também, nas suas lutas setoriais. Nos governos estaduais, nossos companheiros
têm travado batalhas importantes –a maior das quais foi a do governo gaúcho
contra a Ford. Mesmo na bancada federal, criaram-se condições para que fosse
apresentada, em nome de vários partidos, um pedido à mesa da Câmara para que
abrisse um processo contra o presidente da República.
Cabe ao II Congresso do PT ser consequente com isto e com as
enormes possibilidades da conjuntura, enterrando a política de centro-esquerda
que orienta a maioria do DN, política baseada na busca desesperada por aliados
na burguesia e nos setores conservadores da política brasileira.
As privatizações, a possibilidade de importar componentes e
matérias primas mais baratas, a farra dos títulos públicos, os empréstimos a
juros baixos lá fora e os lucros com a diferença frente aos juros internos, a
festa das bolsas, a entrada de sócios estrangeiros... de uma forma geral, a
burguesia brasileira conseguiu “ganhar algum” durante os anos de fluxo
abundante de capitais estrangeiros para o país. Alguns ganharam mais do que os
outros, mas todos ganharam um pouco, mesmo aqueles que tiveram que vender seu
patrimônio.
A medida que o fluxo de capitais estrangeiros tornou-se mais
escasso, setores do empresariado passaram a criticar a política econômica do
governo. A insatisfação manifestou-se nas eleições de 1998, através da
tentativa de lançar Itamar candidato a presidente pelo PMDB, da candidatura de
Ciro Gomes e de alguns governadores de estado. Esta insatisfação aparece,
também, nas críticas à equipe econômica e no debate entre os “monetaristas” e
os “desenvolvimentistas”.
A pauta desta “oposição burguesa” é igual a do governo:
câmbio, juros, abertura comercial, exportações, ajuste fiscal, reforma
tributária. Se a crise agravar-se, esses setores podem até mesmo defender a
ruptura com o FMI, controle de câmbio, moratória e estatização (como fizeram
Vargas, Juscelino e os milicos de 64). Mas não faz parte de sua pauta a reforma
agrária radical, a tributação maciça sobre o capital e as grandes fortunas, os
aumentos salariais, a redução da jornada de trabalho e a ampliação das
políticas sociais. Estas e outras medidas, ou virão pelo povo, contra os
capitalistas, ou não virão.
As alternativas do empresariado sempre despejam sobre o
andar de baixo a conta da crise. O empresariado “crítico” quer que o governo o
defenda, mas não quer por para correr os sócios transnacionais. Tampouco querem
ruptura total com a especulação, até porque também têm dinheiro aplicado na
jogatina financeira e seriam prejudicados por retaliações do capital internacional.
Numa das recentes fugas de capital, por exemplo, a maioria dos que remeteram
dinheiro para fora do país era de “empresários nacionais”.
A disputa interburguesa
deve se aprofundar nos próximos meses. A história do Brasil está cheia de
exemplos de como esta disputa pode atingir temperaturas extremas, indo até a
luta armada, como ocorreu em 1930 e 1932; “transbordando”, estimulando,
potencializando ou facilitando a luta dos setores populares, como aconteceu em
1984 (Diretas), 1989 (campanha Lula) e 1992 (Fora Collor).
Na história do Brasil, a
guerra entre as elites é a ante-sala do pacto, da transição pelo alto. O lugar
do povo nessa peça tem sido de massa de manobra no primeiro ato e bucha de
canhão no segundo ato –como descobriram os tenentes de 35 e os estudantes de
68.
Hoje, a “oposição” burguesa
trabalha para tornar-se a principal protagonista da luta contra FHC, fazendo da
esquerda uma força secundária e/ou subalterna. Se quisermos ter outro destino,
é bom não apostar nossas fichas no diálogo com FHC e com setores supostamente
“democratas” do PSDB, como Covas. Nem tampouco participar do governo de Itamar.
Cabe ao PT dizer como
derrotar o atual bloco de poder e substituí-lo por outro. A nosso ver, isto se
faz combinando mobilização social e disputa eleitoral. Vale dizer que o acento
principal deve ser a mobilização social, que não deve ser encarada apenas como
mobilização “cívica”. Ao contrário, compreendemos que a mobilização social deve
ter também um caráter de classe, de mobilização da classe trabalhadora e dos
pequenos e médios proprietários por suas reinvidicações. Greves, paralisações,
marchas, corte de estradas, passeatas, atos públicos... colocar as classes
trabalhadoras em movimento é a chave para os rumos da conjuntura.
Nossos objetivos principais
--a mobilização contra o programa dominante e contra o governo atual, a favor
de outro programa e a favor da antecipação de eleições gerais-- se
materializam, hoje, na palavra de ordem Fora FHC, Fora o FMI.
Embora FHC diga que “o
pior já passou”, a verdade é outra. A situação social é catastrófica, a
“estabilidade” econômica é muito frágil e o desgaste político de seu governo é
monumental.
Um espirro da economia internacional, uma atitude mais
agressiva da oposição burguesa e/ou de esquerda, uma manifestação mais forte da
insatisfação espontânea do povo podem acelerar a crise e colocar o governo em
questão. Caso os governadores de oposição tivessem adotado uma postura mais
firme frente ao governo federal, a campanha pelo Fora FHC seria hoje muito maior.
A situação é tão instável que os partidos governistas já
discutem alternativas. Lançamento de candidaturas presidenciais, reforma
ministerial, parlamentarismo, adiamento das eleições municipais, medidas
extraordinárias adotadas pelo executivo. Caso não haja mobilização popular,
pode prevalecer uma saída de direita.
Nesse quadro, o PT recusa o cálculo eleitoral ingênuo ou
oportunista: “nas próximas eleições o governo ficará mais fraco e nós seremos
favorecidos”. Não podemos esquecer que cada dia deste governo significa o
sofrimento para milhares de trabalhadores e tempo para elites criarem
alternativas.
Dizem que o Fora FHC “desrespeita a normalidade
democrática”. Mas quem desrespeita as leis e a normalidade democrática neste
país é, antes de mais nada, o presidente FHC, seu governo e seus aliados, que
atropelam a Constituição e rebaixam o Congresso Nacional ao papel de
despachante presidencial e das elites.
Os que criticam hoje o “fora FHC” são os mesmos que
questionaram, ontem, o Fora Collor. A
eles respondemos que há base legal, institucional, para defender o afastamento
do presidente: estelionato eleitoral, desrespeito a Constituição, danos ao
patrimônio público e à soberania nacional, favorecimento a empresas etc.
O PT quer o afastamento de FHC e o cumprimento da
Constituição, que prevê novas eleições. Em 1992, Itamar só conseguiu tomar
posse porque, erradamente, não exigimos a antecipação das eleições. A
antecipação das eleições constitui uma saída democrática para a crise atual.
Mas para que a antecipação das eleições seja possível, e para que a direita não
a capitalize, é preciso que haja um grande movimento de massas.
Todas as ações do Partido –no parlamento, nas administrações
municipais e estaduais; nos movimentos sociais— devem se organizar em torno
desse eixo. Num cenário de crise, as ações administrativas, as políticas
públicas, são um elemento auxiliar no acúmulo de forças. O elemento principal é
a disputa política contra o modelo neoliberal e contra o governo FHC.
Nossa preparação para as eleições do ano 2000 também deve
basear-se neste eixo. Tenhamos ou não sucesso na antecipação da eleição
presidencial, as eleições 2000 devem ser um momento da disputa política
nacional contra o governo FHC e sua política econômica, um momento de
apresentarmos uma alternativa democrática, popular e socialista para o Brasil.
Nossa política de alianças
deve limitar-se ao campo democrático popular e excluir aqueles partidos que
tenham comprometimento com a política do governo, expressem os interesses do
grande empresariado, tenham práticas fisiológicas, corruptas, criminosas de
qualquer tipo.
O
próximo período será muito rico em debates político-ideológicos. Nesse sentido,
o PT deve jogar-se com força na campanha "Brasil: 500 anos de Resistência
Negra, Índigena e Popular", contrapondo-se às comemorações oficiais e
afirmando a interpretação popular da história do Brasil.
Texto
escrito para o caderno de debates do II Congresso do PT, realizado em novembro
de 1999.
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