Abril de 1999
Não se espere do empresariado que ele
defenda
uma alternativa programática de interesse do
povo.
É da sua natureza buscar um acerto pelo
alto.
E que se cuide quem estiver por baixo.
Durante a maior
parte da história brasileira, os setores populares foram coadjuvantes. Nos
últimos dez anos, entretanto, conseguimos nos transformar em alternativa de
governo: não mais apoiar este ou aquele candidato da burguesia, mas sim votar
no candidato dos trabalhadores.
A novidade foi
tamanha que desde 1990, setores da esquerda passaram a alimentar um sonho:
ganhar para nós o apoio de uma fração da burguesia, realizando com sinais
(supostamente) trocados a estratégia nacional-democrática do velho Partido
Comunista. Vários esforços foram feitos nesse sentido: diálogo, flexibilidade,
“realismo” programático, moderação, abertura até mesmo para o apoio popular a
candidatos de partidos burgueses.
Resultado: a
esquerda não se tornou alternativa de poder e corre mesmo o risco de deixar de
ser alternativa de governo. Hoje, a “oposição” burguesa trabalha com afinco
para tornar-se a principal protagonista da luta contra FHC, fazendo da esquerda
uma força secundária e/ou subalterna. E, o que é mais grave, mantendo a maioria
de nosso povo onde sempre esteve: sob intensa opressão e exploração.
A burguesia
brasileira sempre alternou momentos de ampla unidade, com momentos de
divergência aberta. Nossa história está cheia de exemplos de como a disputa
interburguesa pode atingir temperaturas extremas, indo até a luta armada, como
ocorreu em 1930 e 1932. Mas nunca, até hoje, a burguesia deixou sua disputa
colocar em risco sua dominação de classe. E os farelos que cairam da mesa nunca
foram suficientes para matar a fome do povo.
Claro que a briga
no andar de cima é motivo de festa para os de baixo. Até porque a disputa
interburguesa pode “transbordar”, estimulando ou potencializando a luta dos
setores populares, como aconteceu em 1984 (Diretas) e 1992 (Fora Collor). E
como pode ocorrer agora, na CPI dos bancos.
Nos anos 80, por
exemplo, a divisão e consequente proliferação de candidatos burgueses foi
essencial para que, pela primeira vez em nossa história, um candidato da
esquerda ameaçasse vencer as eleições presidenciais.
Foi para evitar a
vitória de Lula que as elites unificaram-se em torno de Collor. Mas a aliança
“no susto” consagrou, também, a adesão da maior parte da burguesia ao projeto
neoliberal ou, vale dizer, ao projeto defendido pelos setores monopolistas da
burguesia, aqueles com maiores vínculos com o capital estrangeiro e financeiro.
O apoio a Collor
foi minguando, mas a adesão ao neoliberalismo não. Apesar de derrotas pontuais
(impeachment, plebiscisto sobre
sistema de governo e revisão constitucional), seguiram-se quatro anos de
consolidação do ideário neoliberal e, finalmente, a eleição de Fernando
Henrique Cardoso.
Ao contrário da
unidade em torno de Collor, feita no susto, a unidade em torno de FHC-94 foi
planejada, desejada, consciente, uma unidade por opção.
Os efeitos do
programa neoliberal sobre a burguesia foram variados. Mas durante um certo
período, o abundante fluxo de capitais estrangeiros permitiu que sobrasse um
pouco para todos. As privatizações, a possibilidade de importar componentes e
matérias primas mais baratas, a farra dos títulos públicos, os empréstimos a
juros baixos lá fora e os lucros com a diferença frente aos juros internos, a
entrada de sócios estrangeiros... de uma forma geral, a burguesia brasileira
–todos os seus setores— conseguiu “ganhar algum” durante os anos de fluxo abundante
de capitais.
Alguns ganharam
mais do que os outros, mas todos ganharam um pouco, mesmo aqueles que tiveram
que vender seu patrimônio. Valeu, então, a máxima que caracteriza a burguesia
brasileira: melhor ser sócia minoritária
do grande empreendimento capitalista internacional, do que ser sócia
majoritária num projeto de capitalismo nacional autônomo.
A medida que a
fonte secou, ou seja, a medida que o fluxo de capitais estrangeiros tornou-se
mais escasso, importantes setores do empresariado começaram a criticar a
política econômica do governo, a abertura comercial “sem critérios”, os juros
altos, o privilégio à estabilidade em detrimento do desenvolvimento, os
benefícios conferidos ao capital estrangeiro.
A insatisfação
desses setores manifestou-se nas eleições de 1998, seja através da fracassada
tentativa de lançar um candidato a presidente pelo PMDB, seja através da
candidatura de Ciro Gomes. Mas a dissidência empresarial estava numa sinuca:
cada dólar para Ciro era uma ajuda indireta para que Lula fosse ao segundo
turno. E, entre FHC e Lula, a maior parte da burguesia preferiu votar “em
legitima defesa” e dar a vitória, ainda no primeiro turno, ao
presidente-candidato.
Impossibilitada de
manifestar-se plenamente na disputa presidencial, a dissidência empresarial deu
o ar de sua graça no segundo turno dos estados (onde comemorou a vitória de
alguns candidatos tidos como “centro-esquerda”) e numa intensa onda de críticas
à equipe econômica. Difundiu-se então a idéia de que o governo FHC estaria dividido
entre os “monetaristas” e os “desenvolvimentistas”, entre os defensores do
ajuste fiscal e os adeptos de uma “política social” mais intensa.
O grande
empresariado paulista chegou a patrocinar um “Pacto pela produção e pelo
emprego”, que de prático resultou num ato público, realizado em dezembro de
1998, na Fiesp, com a participação de dirigentes sindicais da CUT e da Força
Sindical, além de parlamentares, na maioria petistas. Diante disto, houve até
quem disesse que o governo FHC “não representa nenhum setor organizado da
sociedade” –a base social do governo FHC estaria “em Washington”.
Na verdade, a
pauta do empresariado “crítico” é igual a do governo: câmbio, juros, abertura
comercial, exportações, ajuste fiscal, reforma tributária. Se a crise agravar-se,
nossos “críticos” podem chegar até mesmo a defender a ruptura com o FMI,
controle de câmbio, moratória e estatização (não esqueçamos de Vargas,
Juscelino e dos milicos de 64).
Mas não nos
iludamos. Junto não virá a reforma agrária radical, a tributação maciça sobre o
capital e as grandes fortunas, os aumentos salariais, a redução da jornada de
trabalho e a ampliação das políticas sociais. Estas e outras medidas, ou virão
pelo povo, contra os capitalistas (inclusive os “críticos”), ou não virão.
O empresariado
brasileiro é geneticamente incapaz de combinar capitalismo com bem-estar
social. O neoliberalismo só veio agravar esta característica. Acontece que
nosso capitalismo chegou tarde ao mundo. Para compensar, nossos burgueses
lançaram mão de todos os expedientes, entre eles o latifúndio, a
superexploração da força de trabalho, a concentração de renda, a intervenção
estatal e a sociedade com o grande capital internacional.
Ultimamente, é
verdade, os gringos têm aumentado demasiadamente seu espaço no “negócio
Brasil”. Parece, as vezes, que seu objetivo é transformar a economia brasileira
num anexo da americana. Como reação, o discurso nacionalista voltou à moda,
inclusive entre setores do grande empresariado. Mas o que eles querem?
Que o governo os
defenda, mas não que esta defesa ponha para correr os sócios transnacionais.
Tampouco querem ruptura total com a especulação, até porque os “críticos”
também têm dinheiro aplicado na jogatina financeira e seriam prejudicados por
retaliações do capital internacional. Numa das recentes fugas de capital, por
exemplo, a maioria dos que remeteram dinheiro para fora do país era de
legítimos “empresários nacionais”.
No final das
contas, as alternativas do empresariado sempre terminam despejando sobre o
andar de baixo a conta da crise. A desvalorização cambial, por exemplo, criou
sérios problemas para os empresários brasileiros que contraíram dívidas em
dólar. Para solucionar o problema, o governo já prepara a estatização da dívida
externa das empresas privadas, repassando a conta para o povão.
Outro exemplo é a
proposta de renovação da frota automobilística, encampada pelo sindicato dos
metalúrgicos do ABC e apresentada como uma alternativa para o desemprego. Sem
esquecer que os empregos continuam sendo eliminados, vale perguntar: quem paga
a conta dos subsídios? E a quem interessa perpetuar este padrão de consumo
privado, concentrador de renda, poluente, esgotado como alternativa de
transporte e veículo (sem trocadilho) da hegemonia de um grupo de empresas
monopolistas por sobre a economia brasileira?
É provável que a disputa interburguesa esquente
ainda mais, nos próximos meses e anos. E caso a crise internacional reduza as
vantagens relativas, para a burguesia brasileira, de manter-se acoplada ao
grande capital internacional, nada impede que ela aja como nos anos 30 e esboce
uma carreira solo, para depois –como é de sua natureza—cair de novo nos braços
do grande capital internacional.
Como outras vezes na história do Brasil, a guerra
entre as elites é a antesala do pacto, da transição pelo alto. O lugar do povo
nessa peça é massa de manobra no primeiro ato e bucha de canhão no segundo ato
–como descobriram os tenentes de 35 e os estudantes de 68. Se desta vez
quisermos ter outro destino, é bom não oferecer o lombo para o escorpião
atravessar o rio.
Box
Nos próximos meses, três variáveis decidirão o rumo
e o ritmo da crise brasileira: a situação internacional, a disputa
interburguesa e o comportamento dos setores populares. Especial importância
terá o comportamento do Partido dos Trabalhadores, principal partido da
esquerda brasileira, que realiza em novembro seu II Congresso Nacional. Já em
agosto e setembro começarão a ser eleitos os delegados para este Congresso, que
deve debater o programa e a tática do petismo. A esperança dos setores radicais
do petismo é que –como na prévia que escolheu Olívio Dutra candidato a
governador-- a militância dos movimentos populares compareça aos encontros de
base, compensando a presença também maciça dos filiados não-militantes.
Abril de 1999.
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