O texto abaixo foi escrito
a convite da Editora Boitempo, para uma coletânea que será publicada
proximamente.
Entregue o texto, a Editora
propôs mudanças.
Os autores informaram que
as mudanças propostas alterariam aspectos centrais da posição de ambos.
Então, a proprietária da empresa
informou que o texto não seria mais incluído na referida coletânea.
Em seguida, propôs sua
publicação no blog da Boitempo.
Somente quando estiver a
venda a coletânea supracitada, será possível compreender plenamente as motivações
editoriais e políticas pelas quais o texto foi encomendado, depois recusado e
novamente convidado (mas para um blog).
Até lá, os leitores de
Página 13 podem formar sua opinião. Pois aqui, neste site, não se tem dúvida
acerca da pertinência e conveniência, tanto política quanto editorial, de um
texto que defende claramente a reeleição de Dilma Rousseff.
A Copa, as eleições e o que virá depois
Valter Pomar e Lício Lobo
Como vem ocorrendo desde 1989, a eleição
presidencial cristaliza o estado da arte da luta de classes no Brasil. O
Partido dos Trabalhadores tem como objetivo vencer as eleições
presidenciais de 2014. Ou seja: eleger a presidenta Dilma Rousseff para
um segundo mandato presidencial. Mas é preciso vencer criando as
condições para um segundo mandato superior ao atual.
Por isso o programa
de governo 2015-2018 deve ser muito incisivo, reconhecendo que continua posta a
tarefa de superar a herança maldita proveniente da ditadura, do
desenvolvimentismo conservador e da devastação neoliberal.
Esta herança possui três dimensões principais: o
domínio imperial norte-americano, a ditadura do capital financeiro e
monopolista sobre a economia, e a lógica do Estado mínimo. Superar estas três
dimensões da herança maldita é uma tarefa simultaneamente nacional e regional,
motivo pelo qual devemos defender e aprofundar a soberania nacional, acelerar e
radicalizar a integração latino-americana e caribenha, com uma política externa
que confronte os interesses dos Estados Unidos e seus aliados.
As quase três décadas perdidas (metade dos anos
1970, anos 1980 e 1990) produziram uma tragédia que começou a ser debelada, nas
duas gestões do presidente Lula e na primeira gestão da presidenta Dilma. Mas
para continuar democratizando o país, ampliando o bem-estar social e trilhando
um caminho democrático-popular de desenvolvimento, será necessário combinar
ampliação da democratização política e políticas públicas universalizantes do
bem estar-social, com um padrão de desenvolvimento ancorado em reformas estruturais.
Lula fez um segundo
mandato superior ao primeiro. Graças a isso, não apenas o povo melhorou de
vida, mas também Dilma foi eleita em 2010. Analogamente, se a esquerda quiser
continuar governando o país a partir de 1 de janeiro de 2019, é indispensável
que o segundo governo Dilma seja superior ao primeiro.
As mesmas pesquisas que apontam Dilma como a preferida da maioria do eleitorado, também indicam que o povo quer mudança, ou seja, que Dilma faça um segundo mandato superior ao primeiro.
A oposição, o grande capital e o imperialismo tentam pegar carona no desejo de mudanças manifesto por amplos setores da população. Evidentemente, a mudança que eles desejam se traduz na derrota de Dilma e do PT, bem como na adoção de outro programa de governo. A mudança que a oposição, o grande capital e o imperialismo desejam é mudança para pior. Já as mudanças desejadas pelo povo se traduzem em mais Estado, mais desenvolvimento, mais políticas públicas, mais emprego, mais salário, mais democracia.
A contradição entre a mudança desejada pelo povo e a mudança desejada pelas elites é uma contradição antagônica. Por isto, a oposição não pode assumir abertamente seu programa: seria a derrota antecipada. Por isto, a oposição aposta na deterioração e na crise. Por isto, a oposição precisa manipular a população.
Para viabilizar o que a oposição de direita, o grande capital e o imperialismo querem, o ideal seria recuperar plenamente o governo federal, através da vitória de um de seus candidatos. Caso isto não seja possível, eles continuarão trabalhando para impor, tanto ao atual quanto ao segundo mandato Dilma, as políticas preferidas pela oposição de direita. Vale dizer que estas “duas táticas” da direita vem sendo aplicadas pelo menos desde o dia 1 de janeiro de 2003.
Para tentar recuperar o controle pleno do governo federal, a oposição de direita conta com duas candidaturas presidenciais: a candidatura Aécio Neves e a candidatura Eduardo Campos.
Nos referimos à “oposição de direita”, por dois motivos. O primeiro motivo é que há setores de direita que apoiam o governo (e que, pelo menos por enquanto, ainda não são oposição). O segundo motivo é que, em nossa opinião, ser de “direita” ou de “esquerda” na conjuntura atual está vinculado à natureza do projeto de desenvolvimento defendido por cada candidatura, partido e movimento. Os que defendem um projeto de desenvolvimento submisso aos Estados Unidos e de natureza neoliberal ou social-liberal são, em nossa opinião, forças de direita e centro-direita. Os que defendem um projeto desenvolvimentista conservador estão ao “centro” (falando em tese, porque de fato o centro se inclina e se divide em favor da direita e/ou da esquerda). Já os que defendem um projeto de desenvolvimento autônomo, de natureza social-desenvolvimentista ou democrático-popular são forças de centro-esquerda ou esquerda.
Somadas, as candidaturas Aécio+Eduardo/Marina expressam o interesse de conjunto do grande capital. Claro que haverá empresários apoiando e votando em Dilma. Mas enquanto classe, a burguesia estará financiando, apoiando, votando e torcendo pela oposição.
Mesmo que perca as eleições, mesmo que Dilma vença as eleições presidenciais de 2014, a oposição de direita não vai deixar de existir. Pelo contrário, vai continuar com suas duas táticas: por um lado preparando-se para as eleições presidenciais de 2018, por outro lado trabalhando para impor a política deles ao segundo governo Dilma.
Na luta política
contra o PT, a oposição de direita usa e abusa das insuficiências e
contradições do governo e do próprio Partido. Por exemplo, a incompreensão
acerca do papel do grande capital. Este não é “ingrato” nem “desiformado”,
apenas considera que certas intenções que manifestamos, certas opções que
fizemos e os êxitos que acumulamos, são incompatíveis com o padrão de
acumulação hegemônico no grande empresariado brasileiro.
Desta incompreensão acerca da postura do grande
Capital, decorre a incorreta insistência numa política de alianças com setores
da direita, assim como dúvidas sobre o papel positivo e indispensável dos
movimentos e das lutas sociais, para nossas vitórias eleitorais e
principalmente para o êxito dos nossos governos.
O tema da Copa é um “bom exemplo” dos erros e
insuficiências, não apenas do governo do PT, mas também de aliados e opositores
de esquerda.
Vai ter Copa, mas em condições de
temperatura e pressão ainda não precisamente determinadas. E tanto o desempenho
da seleção brasileira como a forma com que lidemos com os inúmeros
questionamentos, controvérsias e contradições que cercam a questão podem
incidir de forma importante no debate e no resultado eleitoral.
Desde as manifestações de junho de 2013, o tema
frequenta o imaginário da população e é trabalhado pela mídia de alto coturno
de forma subliminar e com uma ambiguidade marota, ora se aproveitando das
oportunidades bilionárias proporcionadas pelo “negócio da Copa”, surfando na
onda da torcida pelo hexa campeonato, ora ressaltando os “gastos perdulários”
com estádios que supostamente subtraem recursos da saúde e da educação.
Os cartazes cobrando “educação e saúde padrão
Fifa”, presença constante em todas as manifestações de junho de 2013, em cada
uma das cidades em que estas tiveram lugar, e as enormes passeatas que tiveram
o Mineirão, o Maracanã e outros estádios como “alvo” nos jogos do Brasil na
Copa das Confederações são exemplares neste sentido.
A respeito destas manifestações, é preciso
denunciar e derrotar os que pretendem, usando pretextos como a “atualização do
marco legal” e a “proximidade da Copa”, adotar uma legislação “celerada”, que
legalize a violência policial-militar contra os movimentos sociais e contra a
população pobre em geral.
Claro que devemos combater a violência nas
manifestações. Mas isto envolve a
a desmilitarização das polícias: grande parte
dos atos de violência ocorridos nos últimos meses tem origem na ação ou falta
de ação dos aparatos policiais. É preciso denunciar a atitude predominante nas
polícias: a provocação e a permissividade quando interessa gerar o caos; o
racismo, a violência desmedida e atitudes militaristas, quando interessa impor
o medo. E as vítimas, em sua grande maioria, sempre jovens e negras.
Envolve a necessidade de tratar no grau, nos
termos da legislação vigente, atos individuais de violência. O que temos visto
em algumas manifestações não é qualitativamente distinto do que assistimos nos
estádios, no conflito entre torcidas. Não é preciso lei “anti-terrorista” para
enfrentar esta situação, não há fatos novos que exijam nova legislação.
Envolve uma ação preventiva contra a proliferação
de grupos fascistas, racistas, homofóbicos, de “vigilantes”. Há setores médios
que, atendendo ao discurso histérico de certa direita e/ou tomados de
esquerdismo inconsequente, estão sendo estimulados, financiados e dirigidos
no sentido de gerar situações de conflitos.
Finalmente, combater a violência envolve adotar,
nas manifestações organizadas pelos movimentos sociais, populares, estudantis,
sindicais e pelos partidos de esquerda, de “serviços de ordem”, a saber,
equipes identificadas e treinadas para impedir a ação de infiltrados e
provocadores.
Como já dissemos, vai ter Copa. Por isto mesmo,
do ponto de vista estratégico, deveríamos ter desmistificado o tal “padrão
Fifa” com a adoção de uma postura muito mais altiva na relação com esta
entidade, pois a experiência da Copa do Mundo na África do Sul e toda a
trajetória da Fifa indicam que o correto seria que o governo tivesse assumido o
gerenciamento e execução estatal das obras, e ao mesmo tempo enfrentado a
quadrilha que comanda os grandes negócios do mundo esportivo nacional e
internacional. Tal postura teria impedido que o preço dos ingressos fosse
impeditivo para amplos setores da população.
Cabe ao PT e ao governo entender o fenômeno e
ter humildade e capacidade para dialogar com o sentimento real da população,
sem ufanismos, sem “chapa branquismo” e com um enfrentamento real dos problemas
advindos da tumultuada e mal resolvida relação com a Fifa, que tenta se impor
como autoridade plenipotenciária em solo brasileiro.
Assim, ao lado da postura de anfitrião da Copa
que a situação exige, é importante capacidade de diálogo no sentido de superar
as contradições que são apontadas por setores populares vítimas reais dos
“efeitos colaterais” das obras que caracterizam o controverso “legado da Copa”.
É forçoso reconhecer que há problemas sérios de
remoções forçadas de 150.000 a 170.000 famílias nas doze cidades que serão sede
do mundial, em ações comandadas pelos poderes públicos municipais, com apoio
das instâncias estaduais e, em alguns casos, federais, que concorreram para a
retirada abrupta de moradias que teriam garantido o direito à permanência no
local pelo instituto da usucapião urbano, via de regra retiradas que deram
lugar a projetos que para além das obras de “mobilidade urbana” ensejaram valorização
imobiliária que geraram lucros fabulosos para investidores privados “bem
posicionados” no mercado.
Abrir um canal de interlocução sério com as
entidades representativas desta população é um passo que o governo precisa dar,
se quisermos combater com argumentos sólidos o oportunismo eleitoreiro dos que
querem transformar o “não vai ter Copa” em plataforma política.
Na mesma linha, é mesmo inadmissível aceitar a
política de “trabalho voluntário” na Copa do Mundo, mal e mal escondendo o
suporte deste trabalho não pago ao funcionamento da engrenagem que dará
oportunidades de lucros extraordinários para centenas de grandes empresas
privadas. Cabe às centrais sindicais e às entidades estudantis combater esta
verdadeira afronta à luta contra a precarização das relações de trabalho.
Portanto, recusamos a
palavra de ordem “não vai ter Copa”. Esta palavra de ordem poderia ser parte
legítima do debate, quando se discutia se o Brasil pleitearia ou não ser sede
do evento. Agora, não há maneira de considerar como tempestiva, nem como
correta, esta palavra de ordem: “não vai ter Copa” significaria na prática
inviabilizar o evento, com os danos imensos que isto causaria, tanto do ponto
de vista econômico e social, quanto do ponto de vista político.
Igualmente recusamos a postura daqueles que,
pela esquerda ou pela direita, confundem o legado de 12 anos de governos
federais encabeçados pelo PT, com o mal denominado legado da Copa. Ou das
Olimpíadas.
A Copa e as Olimpíadas não sintetizam, nem para
o bem, nem para o mal, o projeto de mudanças que defendemos para o Brasil. De
maneira geral, os grandes eventos e as grandes obras não podem ser analisadas,
defendidas ou rejeitadas nem em si, nem como um pacote indiviso.
O conjunto da esquerda brasileira deve lembrar
que, aos 50 anos do golpe, as eleições de 2014 ocorrem num ambiente marcado
pelo confronto entre o udenismo histérico e as forças políticas que sustentam o
resgate das reformas de base. Este confronto –-muito mais que um jogo,
uma copa ou uma olimpíada-- é que decidirá o futuro imediato do Brasil.
*Valter Pomar é militante do PT e doutor em
história pela USP
*Licio Lobo é militante do PT, mestre em
“Planejamento e Gestão do Território” pela UFABC
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