Os debates preparatórios ao II Congresso do PT ocorrem
num momento de agravamento da crise social, de permanência da crise econômica e
de aguçamento da disputa entre os diversos setores da classe dominante
brasileira. Por outro lado, é enorme a insatisfação com FHC e crescente a
mobilização social contra seu governo.
Esta mobilização não pode se limitar a contestar o
governo, nem a exigir o impeachment do presidente e a antecipação das eleições.
Isto é importantíssimo, mas não basta. Cabe ao PT garantir que a mobilização
popular vá além disso, encampando também um programa alternativo para o país.
Nas eleições, o PT sempre apresenta programas de
governo. Nos governos municipais e estaduais, o Partido tem sido capaz de implementar
soluções para um sem-número de questões. Nos momentos de crise econômica mais
aguda, o Partido já chegou a apresentar programas de emergência.
Hoje, do que precisamos é um programa alternativo para
o país. Ou seja, um conjunto de medidas que resolvam, do ponto de vista dos
trabalhadores, a crise econômica, a crise social e a crise política.
Não se trata, portanto, de uma lista de
reivindicações. Nem de um programa de natureza conjuntural, fortemente limitado
pela correlação de forças e/ou pelo nível de poder (prefeitura, governo
estadual ou federal) que se está disputando.
Do que precisamos é um programa que corresponda ao
tamanho da crise porque passa o país e o mundo, bem como à grandeza das
alternativas que estão em jogo.
De forma sintética, o Brasil tem diante de si três
grandes caminhos. Ou prossegue na rota neoliberal, caso em que aumentará a
crise social e o país será paulatinamente transformado numa província econômica
dos Estados Unidos. Ou se repete o que ocorreu nos anos 30, em que um setor da
própria classe dominante deu início a um ciclo desenvolvimentista. Ou os
setores populares assumem a direção do país, rompem com a ordem neoliberal e
com 500 anos de exploração, realizando reformas democráticas e populares de
sentido socialista.
O II Congresso do PT deve ser capaz de traduzir esta
terceira alternativa em medidas programáticas. Sem este programa, o debate
acerca da estratégica do Partido fica capenga. Afinal, queremos o poder para
fazer o quê? Sem este programa, o debate acerca da tática do Partido também
fica capenga. Afinal, nossas ações e propostas imediatas visam chegar aonde?
Há duas maneiras de expor o nosso programa. A primeira
delas é afirmar nosso objetivo programático (o socialismo) e a partir dele
deduzir as medidas que, a partir da sociedade atual, podem construir o
socialismo.
Outra maneira é partir dos problemas atuais, que
afligem a maioria dos habitantes da Terra e a também a maioria dos brasileiros,
e mostrar o que fazer para solucionar estes problemas.
Preferimos este segundo caminho, que tem a vantagem de
ser mais compreensível para a maioria dos trabalhadores, que não sabem o que é
o socialismo, mas querem ter condições de vida e de trabalho decentes.
Quais são os problemas essenciais do povo brasileiro?
O desemprego, que numa sociedade capitalista priva as pessoas da sobrevivência.
No caso dos que estão empregados, o problema maior são os salários baixos,
somados à longas jornadas de trabalho, falta de segurança, pressão por mais
produtividade etc. Outro problema generalizado, em especial entre os setores
mais pobres, é a carestia –que no caso dos alimentos provoca fome e desnutrição
em larga escala.
Os trabalhadores brasileiros carecem também de saúde,
de acesso às escolas, de habitação, de um transporte bom e barato. Milhões de
residências não têm acesso à rede de água e esgoto, luz e telefone.
No caso dos trabalhadores que são pequenos
proprietários, há dois outros grandes problemas: o crédito inacessível e a
exploração que sofrem por parte das grandes empresas, tanto na hora de comprar
quanto na hora de vender.
Não só as condições econômicas de vida são péssimas.
As condições sociais de vida, especialmente nas grandes cidades, ameaçam
constantemente a sobrevivência dos trabalhadores: a violência, o tráfico de
drogas, o stress, o longo tempo perdido nos deslocamentos.
O acesso à cultura e à informação também é limitado.
Enquanto as rádios e televisões comerciais oferecem um lixo cotidiano, enquanto
algumas igrejas exploram a fé popular, os livros, jornais e revistas de melhor
qualidade são caríssimos, os eventos culturais de qualidade são geralmente
reservados para a elite.
Finalmente, mas não menos importante, outro problema
fundamental para a maioria dos trabalhadores e do povo brasileiro é a falta de
democracia. Não bastasse a influência do poder econômico, a manipulação dos
meios de comunicação de massa e a parcialidade da justiça, o processo eleitoral
em si tende a favorecer os candidatos do grande empresariado, da direita. Quem
manda na maioria dos governos e dos parlamentos brasileiros é uma minoria
endinheirada.
Para solucionar os problemas do povo, é preciso atacar
suas causas fundamentais: a concentração de propriedade e de renda; a hegemonia
do capital financeiro e a produção voltada para poucos; a associação dependente
com o capital estrangeiro; a concentração de poder, materializada
principalmente no Estado e no monopólio dos meios de comunicação.
Para isso, o programa do PT pretende atingir quatro
objetivos fundamentais: mudar a nossa estrutura de propriedade e de produção;
romper com a dependência externa; e democratizar radicalmente o país.
Na versão final de nossa tese ao II Congresso,
defenderemos que o Programa do PT inclua as seguintes medidas:
Sobre a propriedade
1)estatização do sistema bancário e financeiro;
2)re-estatização das empresas privatizadas;
3)reforma agrária;
4)controle público sobre as empresas privadas que
atuam em áreas estratégicas, tais como saúde, educação, habitação, transportes;
5)controle social sobre as empresas monopolistas;
6)tributação progressiva dos lucros, heranças e
remessas de capital;
7)moratória da dívida pública interna;
Sobre a produção
1)elevação dos salários e aposentadorias;
2)redução da jornada de trabalho e defesa dos direitos
dos trabalhadores;
3)subsídio para as pequenas e médias empresas,
inclusive cooperativas;
4)estímulo às empresas que produzem bens de consumo de
massa;
5)recuperação da infra-estrutura nacional e dos
serviços públicos;
Sobre a dependência externa
1)suspensão do pagamento da dívida externa, seguido de
auditoria;
2)ruptura dos acordos com o FMI e congêneres;
3)controle do fluxo de capitais;
4)recuperação da estrutura de pesquisa científica e
tecnológica;
5)política diplomática independente;
6)adoção de uma política de defesa contra as agressões
dos EUA e aliados;
Sobre a democratização
1)participação popular em todos os níveis do governo
do país, bem como no controle da produção e do consumo;
2)revisão das licenças e concessões de rádio e
televisão, quebra dos monopólios de comunicação, ampliação da rede pública de
tv e rádio, incentivo à mídia democrática e popular;
3)convocação de um Congresso Constituinte, que dote o
país de um novo arcabouço jurídico-legal;
O objetivo fundamental deste conjunto de medidas é
elevar rapidamente a qualidade de vida do povo brasileiro, garantindo trabalho,
moradia digna, terra, saúde, educação, transporte para todos.
O programa aprovado pelo II Congresso não implica na
destruição de toda e qualquer propriedade privada e/ou capitalista. Ao
contrário, prevê o apoio do governo aos pequenos e médios proprietários, bem
como a ampliação do número de proprietários, através da reforma agrária.
O programa aprovado pelo II Congresso não supõe a
realização prévia de uma transformação socialista em escala internacional.
Nosso programa é a orientação a ser seguida pelo primeiro governo realmente
popular brasileiro.
O programa aprovado pelo II Congresso é democrático,
popular e socialista. Podemos dizer, também, que se trata de um programa
anti-latifundiário, anti-imperialista e anti-monopolista.
As medidas indicadas em nosso programa colocarão sob
controle popular um setor importante da economia, via cooperativas, controle
dos trabalhadores sobre a produção, controle público ou estatal sobre empresas
etc. Este setor da economia –nossa “área de propriedade socialista”— deve se
tornar o pólo dinâmico da economia nacional, de forma similar a como, hoje, os
grandes monopólios constituem o carro-chefe da economia brasileira.
O programa aprovado pelo II Congresso é radical.
Propõe medidas que afrontam os últimos 500 anos de nossa história. Medidas que,
para serem sustentáveis, exigem transformações semelhantes em outros países, em
direção a um mundo socialista.
Achamos que só com medidas radicais poderemos
enfrentar os desafios deste final de século. Medidas tão radicais quanto foram,
a seu tempo, as propostas neoliberais, que venceram entre outras coisas porque
disputaram a hegemonia na sociedade com suas propostas, não com remendos ou
posições tomadas de empréstimos a outras forças políticas.
Texto escrito para o caderno de debates do II Congresso do
PT, realizado em novembro de 1999.
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