quinta-feira, 29 de maio de 2014

29 de março de 2000: México e Zapatistas

México e Zapatistas

Para compreender a ação do Exército Zapatista de Libertação Nacional, é necessário levar em conta que o processo de independência do México (nos anos 20 do século XIX) e a revolução mexicana (cuja data mágica é 1911, mas que se prolongou por vários anos, até estabilizar-se). 

Nos anos 30, o governo mexicano foi dirigido por Cardenas (pai do Cuautemoc Cardenas que hoje é prefeito da Cidade do México), que fez várias reformas econômicas e sociais muito importantes, entre elas a nacionalização da indústria petrolífera. 

Desde então e até os anos 80, os governos mexicanos passam a ter uma condição ambivalente: ao mesmo tempo que são um ponto de apoio para Cuba e para revolucionários exilados de todo mundo (Trotsky foi para lá, Francisco Julião foi para lá), também são governos repressivos contra sua própria classe trabalhadora. 

No final dos anos 60, ocorre uma grande mobilização estudantil, que é brutalmente reprimida, talvez com a morte de centenas de estudantes (nunca se descobriu ao certo). 

De forma semelhante ao Brasil, este é o ponto de partida para o surgimento de várias organizações guerrilheiras, que operam com pouca ou nenhuma solidariedade internacional. Cuba, por exemplo, não se envolvia com as atividades destas organizações: vale lembrar que o México foi base de operações para Fidel Castro organizar a viagem do Granma. 

Essas organizações são brutalmente reprimidas ao longo dos anos 70. Uma destas organizações, que tenta construir uma base na região de Chiapas, perde a maior parte de seus quadros. Os remanescentes desenvolvem um trabalho organizativo extremamente paciente, entre as populações indígenas e camponesas de Chiapas, que é um dos estados mais pobres do México, próximo a Guatemala. 

Durante cerca de 10 anos, eles atuam de maneira discreta e subterrânea, até virem a tona no ano novo de 1994, na tomada de várias cidades importantes do estado de Chiapas, anunciando a existência do Exército Zapatista de Libertação Nacional. 

Zapatista, no caso, em homenagem a Emiliano Zapata, um dos líderes da revolução mexicana de 1911. 

Embora tenham sido reprimidos pelo Exército Mexicano, os zapatistas conseguem sobreviver, em grande medida graças ao fortíssimo apoio urbano que receberam. 

Desde 1994 até hoje, os zapatistas e o governo mexicano vem negociando. Embora tenham mantido seu poder de fogo, os zapatistas não realizaram mais nenhuma ação armada de envergadura. Sua ação é basicamente política. 

Nos últimos anos, eles têm tentado dar dimensão nacional e internacional à sua ação, com a criação da Frente Zapatista de Libertação Nacional e com a realização de consultas (plebiscitos-referendos informais, em que consultam a população sobre seus próprios rumos); bem como através dos Encontros pela Humanidade e contra o Neoliberalismo (México, Espanha e Belém). 

Na verdade, sabemos pouco sobre os zapatistas. Sabemos que na origem está um núcleo urbano (seu principal expoente é o "subcomandante Marcos"), marxista e maoísta, bastante ortodoxo, que desenvolve um trabalho político junto aos camponeses e indígenas. 

Hoje, é difícil classificar o pensamento dos zapatistas. Sob vários aspectos, eles lembram as posições da esquerda do PT e do MST; mas noutras questões, eles defendem posições de natureza anarquista (por exemplo, a idéia de que eles "não lutam pelo poder", o que pode ser bonito de dizer e até mesmo poético, mas não faz o menor sentido do ponto de vista político). 

Outra questão é a dificuldade que eles estão enfrentando para constituir-se como "partido político não-eleitoral": a Frente Zapatista de Libertação Nacional. Uma coisa é ter a simpatia e o apoio, outra coisa é dirigir politicamente as massas urbanas. 

Uma terceira questão é a relação entre os zapatistas e o Partido da Revolução Democrática, que é o partido oposicionista mais forte do México, onde milita Cuautemoc Cardenas, que disputou e perdeu as eleições presidenciais por duas vezes e deve disputar uma terceira vez. 

Uma quarta questão é a composição social do Exército Zapatista: índigena? camponesa? plural? 

Uma quinta questão diz respeito as relações entre os zapatistas e o ERP, Exército Revolucionário do Povo, outra organização armada que atua no México, sobre a qual temos menos informações ainda. 


Uma coisa é certa: a emergência do zapatismo, no México, teve relação com as mudanças que os governos neoliberais introduziram na Constituição, alterando o artigo relativo a propriedade da terra. 

Sobre sua organização, seus líderes e a participação das mulheres, o que sabemos é muito pouco. Sabemos que eles têm uma organização que mistura traços militares com métodos indígenas-comunais; sabemos que há uma forte presença de mulheres no exército, inclusive em postos de comando, mas não sabemos quantificar. E sabemos que o subcomandante Marcos tem um papel bastante destacado na organização, tendo conseguido trabalhar com aquela dose de "mistério romântico" tão forte no imaginário popular (Zorro, Robin Hood). 
Texto escrito em 29 de março de 2000





entI � 5 3 � �� n style='font-size:14.0pt;mso-bidi-font-size:10.0pt;font-family: "Arial","sans-serif";mso-bidi-font-family:"Times New Roman"'>Os efeitos do programa neoliberal sobre a burguesia foram variados. Mas durante um certo período, o abundante fluxo de capitais estrangeiros permitiu que sobrasse um pouco para todos. As privatizações, a possibilidade de importar componentes e matérias primas mais baratas, a farra dos títulos públicos, os empréstimos a juros baixos lá fora e os lucros com a diferença frente aos juros internos, a entrada de sócios estrangeiros... de uma forma geral, a burguesia brasileira –todos os seus setores— conseguiu “ganhar algum” durante os anos de fluxo abundante de capitais.

Alguns ganharam mais do que os outros, mas todos ganharam um pouco, mesmo aqueles que tiveram que vender seu patrimônio. Valeu, então, a máxima que caracteriza a burguesia brasileira: melhor ser sócia minoritária do grande empreendimento capitalista internacional, do que ser sócia majoritária num projeto de capitalismo nacional autônomo.
A medida que a fonte secou, ou seja, a medida que o fluxo de capitais estrangeiros tornou-se mais escasso, importantes setores do empresariado começaram a criticar a política econômica do governo, a abertura comercial “sem critérios”, os juros altos, o privilégio à estabilidade em detrimento do desenvolvimento, os benefícios conferidos ao capital estrangeiro.
A insatisfação desses setores manifestou-se nas eleições de 1998, seja através da fracassada tentativa de lançar um candidato a presidente pelo PMDB, seja através da candidatura de Ciro Gomes. Mas a dissidência empresarial estava numa sinuca: cada dólar para Ciro era uma ajuda indireta para que Lula fosse ao segundo turno. E, entre FHC e Lula, a maior parte da burguesia preferiu votar “em legitima defesa” e dar a vitória, ainda no primeiro turno, ao presidente-candidato.
Impossibilitada de manifestar-se plenamente na disputa presidencial, a dissidência empresarial deu o ar de sua graça no segundo turno dos estados (onde comemorou a vitória de alguns candidatos tidos como “centro-esquerda”) e numa intensa onda de críticas à equipe econômica. Difundiu-se então a idéia de que o governo FHC estaria dividido entre os “monetaristas” e os “desenvolvimentistas”, entre os defensores do ajuste fiscal e os adeptos de uma “política social” mais intensa.
O grande empresariado paulista chegou a patrocinar um “Pacto pela produção e pelo emprego”, que de prático resultou num ato público, realizado em dezembro de 1998, na Fiesp, com a participação de dirigentes sindicais da CUT e da Força Sindical, além de parlamentares, na maioria petistas. Diante disto, houve até quem disesse que o governo FHC “não representa nenhum setor organizado da sociedade” –a base social do governo FHC estaria “em Washington”.
Na verdade, a pauta do empresariado “crítico” é igual a do governo: câmbio, juros, abertura comercial, exportações, ajuste fiscal, reforma tributária. Se a crise agravar-se, nossos “críticos” podem chegar até mesmo a defender a ruptura com o FMI, controle de câmbio, moratória e estatização (não esqueçamos de Vargas, Juscelino e dos milicos de 64).
Mas não nos iludamos. Junto não virá a reforma agrária radical, a tributação maciça sobre o capital e as grandes fortunas, os aumentos salariais, a redução da jornada de trabalho e a ampliação das políticas sociais. Estas e outras medidas, ou virão pelo povo, contra os capitalistas (inclusive os “críticos”), ou não virão.
O empresariado brasileiro é geneticamente incapaz de combinar capitalismo com bem-estar social. O neoliberalismo só veio agravar esta característica. Acontece que nosso capitalismo chegou tarde ao mundo. Para compensar, nossos burgueses lançaram mão de todos os expedientes, entre eles o latifúndio, a superexploração da força de trabalho, a concentração de renda, a intervenção estatal e a sociedade com o grande capital internacional.
Ultimamente, é verdade, os gringos têm aumentado demasiadamente seu espaço no “negócio Brasil”. Parece, as vezes, que seu objetivo é transformar a economia brasileira num anexo da americana. Como reação, o discurso nacionalista voltou à moda, inclusive entre setores do grande empresariado. Mas o que eles querem?
Que o governo os defenda, mas não que esta defesa ponha para correr os sócios transnacionais. Tampouco querem ruptura total com a especulação, até porque os “críticos” também têm dinheiro aplicado na jogatina financeira e seriam prejudicados por retaliações do capital internacional. Numa das recentes fugas de capital, por exemplo, a maioria dos que remeteram dinheiro para fora do país era de legítimos “empresários nacionais”.
No final das contas, as alternativas do empresariado sempre terminam despejando sobre o andar de baixo a conta da crise. A desvalorização cambial, por exemplo, criou sérios problemas para os empresários brasileiros que contraíram dívidas em dólar. Para solucionar o problema, o governo já prepara a estatização da dívida externa das empresas privadas, repassando a conta para o povão.
Outro exemplo é a proposta de renovação da frota automobilística, encampada pelo sindicato dos metalúrgicos do ABC e apresentada como uma alternativa para o desemprego. Sem esquecer que os empregos continuam sendo eliminados, vale perguntar: quem paga a conta dos subsídios? E a quem interessa perpetuar este padrão de consumo privado, concentrador de renda, poluente, esgotado como alternativa de transporte e veículo (sem trocadilho) da hegemonia de um grupo de empresas monopolistas por sobre a economia brasileira?
É provável que a disputa interburguesa esquente ainda mais, nos próximos meses e anos. E caso a crise internacional reduza as vantagens relativas, para a burguesia brasileira, de manter-se acoplada ao grande capital internacional, nada impede que ela aja como nos anos 30 e esboce uma carreira solo, para depois –como é de sua natureza—cair de novo nos braços do grande capital internacional.
Como outras vezes na história do Brasil, a guerra entre as elites é a antesala do pacto, da transição pelo alto. O lugar do povo nessa peça é massa de manobra no primeiro ato e bucha de canhão no segundo ato –como descobriram os tenentes de 35 e os estudantes de 68. Se desta vez quisermos ter outro destino, é bom não oferecer o lombo para o escorpião atravessar o rio.

Box

Nos próximos meses, três variáveis decidirão o rumo e o ritmo da crise brasileira: a situação internacional, a disputa interburguesa e o comportamento dos setores populares. Especial importância terá o comportamento do Partido dos Trabalhadores, principal partido da esquerda brasileira, que realiza em novembro seu II Congresso Nacional. Já em agosto e setembro começarão a ser eleitos os delegados para este Congresso, que deve debater o programa e a tática do petismo. A esperança dos setores radicais do petismo é que –como na prévia que escolheu Olívio Dutra candidato a governador-- a militância dos movimentos populares compareça aos encontros de base, compensando a presença também maciça dos filiados não-militantes.


Abril de 1999.

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