Esta é a terceira versão, elaborada após debate na reunião da comissão de teses acerca do cenário
internacional. Sem revisão.
Conhecer a situação internacional e seus impactos na sociedade brasileira é indispensável para formular uma política adequada. O texto a seguir busca contribuir neste sentido.
Um resumo da situação
1.As principais
características do cenário internacional são as crises, as guerras e
a instabilidade generalizada.
2.Tais
características decorrem do predomínio avassalador do capitalismo,
do domínio do capital oligopolista e financeiro, do decorrente aguçamento
dos conflitos intercapitalistas e do declínio da potência hegemônica.
3.As políticas
neoliberais, hegemônicas em âmbito mundial desde os anos 1990, resultaram numa ampliação
da polarização social e política, bem como resultaram no
aprofundamento das agressões imperialistas contra a soberania nacional dos países
economicamente mais frágeis.
4.As políticas
neoliberais e as ações
imperialistas impulsionadas pelo consórcio formado pelos Estados Unidos,
União Europeia e Japão geram alternativas e reações de diferentes tipos e
conteúdos.
5.É o caso dos BRICS,
com destaque para a China, Rússia e – durante os governos Lula e Dilma – também
o Brasil. É o caso, também, dos
chamados governos progressistas e de esquerda na América Latina. É o caso, ainda, das lutas
políticas e sociais impulsionadas por forças de esquerda que atuam na
Europa, África, Ásia e Estados Unidos.
6.A resposta às
políticas encabeçadas pelos EUA também assume formas historicamente reacionárias. Uma destas formas é o fundamentalismo terrorista, inclusive onde constitui uma reação ao terrorismo de Estado praticado pelos Estados Unidos e seus aliados maiores e
menores, entre os quais Israel e Arábia Saudita.
7.Outro exemplo
de alternativa reacionária é o populismo de direita expresso por
Trump e Le Penn, assim como pelas forças fascistas e neonazistas na Ucrânia, Grécia e em
diversos países do Leste Europeu, pelos partidos ultraconservadores cuja força
eleitoral cresce em todos os países da Europa Ocidental, inclusive nos países nórdicos
conhecidos por seu estado de bem-estar social.
8.Tanto o
neoliberalismo quanto o populismo de direita conduzem, por diferentes caminhos,
ao agravamento da instabilidade, das crises e das guerras.
9.O
“protecionismo” e o “globalismo” de grande potência são diferentes formas que o
imperialismo pode assumir. Ambas já conduziram o mundo, ao longo do século
passado e deste, a inúmeras guerras e crises.
10.Exemplo disto são os grandes tratados comerciais transoceânicos que estavam sendo negociados durante o governo Obama e foram questionados por Donald Trump.
11.Tanto a tentativa de viabilizar os tratados, quanto a decisão de desistir deles, expressam diferentes interesses do grande capital. Num caso e noutro, não se considera os interesses da maioria da população do planeta, nem tampouco a soberania política e econômica da maior parte das nações.
10.Exemplo disto são os grandes tratados comerciais transoceânicos que estavam sendo negociados durante o governo Obama e foram questionados por Donald Trump.
11.Tanto a tentativa de viabilizar os tratados, quanto a decisão de desistir deles, expressam diferentes interesses do grande capital. Num caso e noutro, não se considera os interesses da maioria da população do planeta, nem tampouco a soberania política e econômica da maior parte das nações.
12.Hoje, como já
aconteceu no passado, a manutenção da paz e da democracia, as perspectivas de
desenvolvimento e até mesmo a sobrevivência da humanidade dependerão da classe trabalhadora, dos setores
populares, das forças progressistas, democráticas e de esquerda. Não se deve absolutamente nada dos grandes capitalistas e dos Estados que os representam.
13.Temos pela
frente uma luta longa e dura. Mas podemos vencer e precisamos vencer, pois como
disse o grande Luís Fernando Veríssimo, cada vez mais fica claro que a
alternativa é entre barbárie e socialismo.
Detalhamento das principais características
14.Como já
dissemos, as principais características do cenário internacional são as crises, as guerras e a instabilidade
generalizada. Por que isso ocorre?
15.Para responder a esta questão, é preciso levar em consideração um conjunto de fatores, surgidos em diferentes momentos da história recente, mas que hoje conjugam-se na composição do cenário internacional. Citamos entre estes fatores:
15.Para responder a esta questão, é preciso levar em consideração um conjunto de fatores, surgidos em diferentes momentos da história recente, mas que hoje conjugam-se na composição do cenário internacional. Citamos entre estes fatores:
a) a hegemonia do capitalismo: nunca como antes na
história, os capitalistas e o capitalismo como modo de produção foi tão
hegemônico quanto hoje;
b) a natureza do capitalismo contemporâneo: com a
financeirização e a especulação, há uma contradição e dissociação cada vez
maior entre os circuitos da produção material e os circuitos da valorização do
capital. Sendo importante lembrar que, depois de 2008, os “bancos grandes
demais para quebrar” se tornaram ainda maiores, produto da inexorável tendência
à concentração e centralização do capital;
c) a crise do capitalismo: desde os anos 1970,
convivem níveis de crescimento muito baixos, a ocorrência em espaços de tempo
cada vez menos de crises de variados tipos e profundidade, desembocando em 2008
em um colapso geral que recorda o de 1929. As causas que produziram a crise de 2008 não foram superadas,
pelo contrário;
d) o declínio da potência hegemônica: embora seja a
principal potência militar e emissora da moeda de maior trânsito internacional,
os Estados Unidos perderam peso econômico, vivem uma crise interna de grandes
proporções e tem sua hegemonia crescentemente contestada, motivos que tornam possível
falar do declínio relativo de sua hegemonia;
e) a ascensão de outros polos de poder: ao
contrário do unilateralismo pretendido pelos EUA após o fim da URSS, o mundo
atual é crescentemente multipolar, com destaque para os BRICS. Mas um mundo multipolar não é necessariamente um mundo pacífico, como demonstram os acontecimentos que precederam as Guerras Mundiais;
f) a formação de blocos e acordos: como o cenário internacional é profundamente diferente daquele prevalecente no imediato pós-Segunda Guerra, as instituições multilaterais como a ONU, o FMI, o Banco Mundial e mesmo a Organização Mundial do Comércio vão perdendo peso e importância frente a uma multiplicidade de acordos e tratados, que -– como ocorreu antes da Primeira e da Segunda guerras mundiais – são sintomas de desarranjo e crise, não de ordem e estabilidade;
f) a formação de blocos e acordos: como o cenário internacional é profundamente diferente daquele prevalecente no imediato pós-Segunda Guerra, as instituições multilaterais como a ONU, o FMI, o Banco Mundial e mesmo a Organização Mundial do Comércio vão perdendo peso e importância frente a uma multiplicidade de acordos e tratados, que -– como ocorreu antes da Primeira e da Segunda guerras mundiais – são sintomas de desarranjo e crise, não de ordem e estabilidade;
g) a disputa entre diferentes vias de
desenvolvimento capitalista: enquanto no período 1945-1991 os
conflitos internacionais estavam fortemente atravessados pela luta entre
capitalismo e socialismo, hoje o conflito dominante se dá entre diferentes
maneiras de organizar o capitalismo, cabendo às alternativas socialistas uma
pequena influência. Dito de outra forma, algumas das forças que impunham limites às forças destrutivas do capitalismo são mais fracas, atualmente, do que já foram antes;
h) a defensiva estratégica da classe trabalhadora:
aumento das taxas de exploração, redução na remuneração, piora nas condições de
trabalho, reversão de direitos sociais, estreitamento das liberdades
democráticas, enfraquecimento dos sindicatos e partidos, perda de espaços
institucionais, fortalecimento de valores individualistas, ampliação dos
conflitos entre os diferentes segmentos de trabalhadores e recomposição da
própria classe trabalhadora. As derrotas e as dificuldades da classe trabalhadora são um fator fundamental para compreender o que está ocorrendo, hoje, no cenário internacional. Afinal, a luta da classe trabalhadora sempre foi um fator de civilização e humanismo contra a barbárie do Capital.
16.Como o mundo hoje é mais capitalista que nunca,
é fundamental compreender o que está ocorrendo hoje com este modo de produção
baseado na exploração do trabalho assalariado.
17.O cerne da questão está no atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo, especialmente nos Estados Unidos e na Europa.
17.O cerne da questão está no atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo, especialmente nos Estados Unidos e na Europa.
18.Quanto mais se eleva a produtividade do trabalho e, portanto, a extração de mais-valia relativa, mais o capitalismo se enreda em suas variadas tendências estruturais:
a) decréscimo de sua taxa média de lucro;
b) concentração, centralização e exportação de capitais, tanto na forma financeira quanto na forma de transferência de plantas industriais, promovendo crescente globalização do capitalismo;
c) redução da participação de trabalho vivo no processo produtivo;
d) crescente desemprego estrutural e pauperização das massas trabalhadoras das sociedades capitalistas, tanto desenvolvidas quanto periféricas e avassaladas ao capitalismo central;
e) acentuação da natureza de classe do Estado;
f) incompatibilidade crescente entre capitalismo, bem-estar, democracia e soberania nacional.
a) decréscimo de sua taxa média de lucro;
b) concentração, centralização e exportação de capitais, tanto na forma financeira quanto na forma de transferência de plantas industriais, promovendo crescente globalização do capitalismo;
c) redução da participação de trabalho vivo no processo produtivo;
d) crescente desemprego estrutural e pauperização das massas trabalhadoras das sociedades capitalistas, tanto desenvolvidas quanto periféricas e avassaladas ao capitalismo central;
e) acentuação da natureza de classe do Estado;
f) incompatibilidade crescente entre capitalismo, bem-estar, democracia e soberania nacional.
19.Essas tendências foram acirradas a partir de
2008, com as crises financeiras e econômicas globais que tiveram como epicentros
os Estados Unidos, a Europa e o Japão.
20.No imediato pós-crise de 2008, muito se falou em abandonar as chamadas políticas neo-liberais. Mas as políticas efetivamente adotadas foram no sentido de reafirmar o que já vinha sendo feito: parques industriais serem desmontados por políticas de
“relocalização” de unidades fabris, e/ou concentração na produção de commodities minerais e agrícolas, e/ou
disseminação do rentismo como forma de reprodução do capital, e/ou destruição das políticas sociais e trabalhistas. Características
comuns tanto aos países capitalistas desenvolvidos, quanto àqueles que se
subordinaram ao “Consenso de Washington”.
21.Esse conjunto de processos leva à acumulação, em
extratos diminutos da população, da maior parte das riquezas real e fictícia
produzidas pelas corporações e sociedades capitalistas. Noutras palavras, uma
burguesia mundial cada vez mais rica e cada vez menos numerosa.
22.Ao mesmo tempo, aquele conjunto de processos faz
com que encolha a capacidade social de consumo, ao serem criadas massas cada
vez maiores de trabalhadores deserdados e/ou mal remunerados.
23.Nos Estados Unidos, Europa e Japão, a questão do
desemprego, inclusive de trabalhadores qualificados –até então considerados como
parte de uma suposta “classe média”—tornou-se um dos aspectos mais grotescos da
crise, em contraste com a riqueza acumulada por 1% a 2% da população.
24.Frente a este quadro que recorda o que ocorreu
no princípio do século XX, alguns acreditam que a solução poderia vir da adoção
de políticas semelhantes as que foram implementadas, nos anos 1930, durante o New Deal de Roosevel.
25.Noutras palavras, alguns acreditam que a solução
estrutural para a crise atual poderia resultar da ampliação dos investimentos
públicos, que resultariam na melhoria das condições sociais dos milhões de
desempregados e “excluídos”, produzindo um efeito “dinamizador” sobre a
economia e a geração de empregos, contribuindo assim para superar a crise.
26.Evidentemente somos a favor de ampliar os
investimentos públicos. Mas tomado isoladamente, isto é insuficiente para
enfrentar a crise atual. Aliás, cabe lembrar que nos Estados Unidos dos anos 1930:
a) para ampliar os investimentos públicos, foi
necessário enfrentar a oposição dos capitalistas, que tudo fizeram para impedir
que as ações do Estado tivessem um efeito positivo real na dinamização da
produção e do emprego;
b) apenas a participação na Segunda Guerra Mundial retirou
a economia capitalista dos EUA da crise iniciada em 1929.
27.Talvez nada explicite melhor o caráter
destrutivo e mortífero do capitalismo: sua dependência frente a guerra, a produção de armas, a destruição total de cidades, o assassinato em escala industrial de dezenas de milhões de pessoas, a
destruição das riquezas até então acumuladas, os lucros produzidos pelo mercado paralelo e pela reconstrução posterior, a nova correlação de forças internacional derivada da Segunda Guerra, a Guerra Fria e as guerras
quentes ocorridas depois, as novas tecnologias, inclusive digitais e nucleares resultantes. A guerra, nas suas variadas formas, jogou um papel fundamental na criação
das condições para um novo ciclo de crescimento econômico capitalista, que se
estendeu até o final dos anos 1960, início dos anos 1970.
28.O complexo industrial-militar –- absolutamente
irracional do ponto de vista dos interesses da sociedade como um todo -- é
extremamente “eficiente” para os fins da acumulação de capitais.
29.Mas a indústria bélica também experimenta –- em
escala ainda mais acelerada -- as mesmas transformações científicas e
tecnológicas do conjunto da “indústria produtiva”. Aliás, a indústria bélica é uma
das que mais reduz o uso de força de trabalho em seu processo produtivo. Ou
seja, é uma das indústrias que mais tende a elevar a produtividade do trabalho
e a extração da mais-valia relativa. E, portanto, é uma das indústrias que
tende a adotar níveis muito acelerados de descarte do trabalho vivo, agravando os distúrbios sociais e econômicos típicos -- como o desemprego -- do capitalismo.
30.Uma das perguntas que se pode fazer é porque
quais motivos os capitalistas e o modo de produção capitalista, mesmo quando
estão em crise, não adotam “natural” e “espontaneamente” políticas de emprego e
renda, que poderiam resultar em ampliação do consumo e da produção,
reestabelecendo assim os ciclos econômicos cuja interrupção constitui a causa e o efeito
da crise.
31.A resposta é simples: o grande capital,
especialmente aquele situado nas altas esferas financeiras, prefere produzir
mais-valia sem passar pelo processo de
produção material. Dito de outra forma, prefere transformar o conjunto
da mais-valia anterior em mais-valia ampliada, sem “desperdiçar” nada disto em
salários diretos e indiretos.
32.Talvez esta seja outra das maiores provas do caráter
anti-social dos capitalistas e do capitalismo: eles repudiam os “investimentos públicos”,
especialmente aqueles que voltados a resolver “problemas sociais”, porque implicam
numa certa distribuição da mais-valia fora do circuito real do capital.
33.Este é um dos motivos pelos quais clama no
deserto aqueles que pretendem civilizar e humanizar o capitalismo e os
capitalistas, tentando convencê-lo de que eles poderiam lucrar mais se todos
vivessem melhor. Claro que o chamado keynesianismo pode converter-se novamente em uma
opção para setores do capital, mas isto só acontecerá se e quando a classe
trabalhadora colocar sobre a mesa uma alternativa mais radical, que converta –
aos olhos da burguesia -- a intervenção do Estado na economia em “mal menor”
que protegerá o capitalismo de seus próprios demônios.
34.Isto ajuda a entender por quais motivos a
especulação financeira e o saqueio direto de riquezas, como é o caso dos
recursos naturais, assumem crescente importância a partir dos anos 1970. O
capitalismo maduro assume formas que lembram cada vez mais a violência brutal da acumulação
primitiva de sua infância. Isto vai das patentes, licenças e propriedade
intelectual que recordam os monopólios contra os quais se levantou a burguesia
nascente, passa por uma divisão internacional de trabalho de tipo colonial, por
uma destruição implacável da natureza que rememora o ocorrido em países onde se
instalaram os latifúndios escravistas, tudo isto se combinando com as formas
mais extremadas de extração da mais-valia relativa, com novidades tecnológicas
como as nanotecnologias e a biotecnologia.
35.Também por isto, o complexo industrial-militar
dos Estados Unidos e da Europa Ocidental continuam sendo desenvolvidos como
pilares estratégicos. Isto não só para a defesa de seus territórios e
sociedades, mas principalmente para a subordinação de outros territórios e
sociedades.
36.Estados Unidos e Europa Ocidental necessitam de
recursos minerais e energéticos de outros países, assim como de mercados, e
áreas de contenção ou de ataque. Não por acaso os Estados Unidos têm mais de 1.000
bases militares em todo o mundo, e há muito interferem militarmente em toda
parte onde seus interesses estejam, real ou imaginariamente, em perigo.
37.As guerras de Reagan, nos anos 1980,
disseminaram-se pela América Central, África e Oriente Médio. As guerras de
Bush, nos anos 2000, afetaram ainda mais os já conflagrados Afeganistão e
Iraque, devastando grandes regiões. As guerras de Clinton causaram imensas
destruições no sul da Europa (antiga Iugoslávia). As guerras de Obama,
realizadas por drones, e as de
ingleses e franceses, com o emprego de bombardeiros, na África do Norte e no
Oriente Médio, destruíram grande parte da Líbia e da Síria, e são responsáveis
pelas provocações contra a Rússia, que levaram aos conflitos na Ucrânia, assim
como pelo evidente “cerco” de contenção à China, no arco que vai do Japão às
Ilhas Spratley. E antes mesmo de tomar posse, Trump iniciou uma escalada verbal
com a China.
38.Os Estados Unidos têm sido o principal agente de
geração e difusão do chamado “terror jihadista” por todo o mundo. Eles
financiaram e armaram a Al-Qaeda. Depois, financiaram e armaram outros grupos
do mesmo tipo para, hipoteticamente, enfraquecer a Al Qaeda, e/ou para derrubar
governos que não lhes eram simpáticos, a exemplo da Síria.
39.O resultado mais dramático dessa intervenção
imperial nos assuntos internos de outros países, em especial no Oriente Médio,
foi o surgimento do Estado Islâmico e a disseminação de grupos terroristas
islâmicos por todo o norte da África, por vários países da Ásia, e no próprio
interior dos Estados Unidos e de países europeus. Muitos deles são apoiados,
financeira e militarmente, por governos aliados dos Estados Unidos, a exemplo
da Arábia Saudita, Catar, Emirados Árabes e Turquia.
40.Os Estados Unidos, depois do fracasso da guerra
do Vietnã, e dos desastres de sua intervenção direta no Iraque e no
Afeganistão, se esforçam para fazer com que “suas guerras” sejam manejadas por
controle remoto e lutadas por outros, inclusive mercenários, conforme vem sendo
feito por Obama.
41.Que um presidente dos EUA, responsável direto
por autorizar milhares de execuções sem julgamento, execuções realizadas por
drones que lançam bombas que matam indiscriminadamente quem estiver próximo dos
alvos, seja tratado como figura simpática e premiado como “Nobel da Paz” é
apenas um exemplo mais da linguagem orwelliana que predomina em certas esferas da politica, onde as palavras muitas vezes querem dizer seu contrário: paz é guerra, verdade é mentira, solidariedade é egoísmo...
42.O resultado da política dos EUA e seus aliados tem sido o armamento contínuo de
Estados e grupos que utilizam o terrorismo como uma das principais formas de
ação e que, na prática, ao invés de “disseminarem a democracia”, procuram
instaurar regimes absolutistas, despóticos e sanguinários, a exemplo do ISIS.
43.Em tais condições, não é qualquer ponto fora da
curva que tenha se originado uma dolorosa e mortífera onda de refugiados,
oriundos principalmente da África, Oriente Médio e Ásia, que tenham se
multiplicado grupos terroristas por toda parte, e que tenham surgido ou
ressurgido correntes políticas semelhantes ao fascismo e ao nazismo, tanto na
Europa quanto nos Estados Unidos.
O caso dos
Estados Unidos
44.Em 2008 a crise econômica teve como epicentro os
Estados Unidos. Hoje, a crise política mundial também tem seu epicentro lá. Crise
que tem na incerteza um componente adicional, uma vez que há uma grande dose de
imprevisibilidade no comportamento do futuro presidente dos EUA.
45.A eleição de Donald Trump nas recentes eleições
para a presidência dos Estados Unidos é um símbolo dos tempos em que vivemos,
no cenário internacional. Quem quer que preste atenção séria às entrevistas e
aos discursos de Trump e os compare ao que diziam os populistas de direita na
Alemanha e na Itália dos anos 1920 e 1930, encontrará muitas semelhanças. Como
também encontrará muita semelhança entre as massas populares alemãs daquela
época -- desempregadas e desesperadas, que se deixaram envolver pelo hitlerismo--,
do mesmo modo que os desempregados e desesperados brancos norte-americanos,
assim como parcelas dos setores médios e inclusive de migrantes legalizados,
estão sendo envolvidos pelo “trumpismo”, ou pelo Tea Party norte-americano.
46.Evidentemente há imensas diferenças entre Trump
e Hitler, entre os anos 1930 e a época atual. Entretanto, é preciso estar alerta
para o fato de que estamos vivendo um momento internacional que possui
semelhanças inquietantes com o que ocorreu na crise dos anos 1930 e, de forma
mais ampla, no período entre guerras (1914-1945).
47.Naquela época, sob hegemonia do liberalismo,
ocorreu uma imensa crise econômica e social, política e militar. Por diversos
motivos, as revoluções socialistas não foram vitoriosas, senão na Rússia de
1917. De conjunto, tanto a social-democracia quanto o comunismo fracassaram em
transformar aquela crise em ponto de partida para a superação do capitalismo. Seja
para superar a crise, seja para debelar a ameaça de uma revolução social,
parcelas crescentes do grande capital e da direita tradicional foram aderindo
às teses do populismo de direita, que também atraíram parcelas importantes das classes trabalhadoras. Estas foram algumas das causas da ascensão do
fascismo na Itália, do franquismo na Espanha e do nazismo na Alemanha. O
populismo de direita não era liberal: pelo contrário, fez crescer o papel do
Estado, do planejamento e do protecionismo nacionalista. Mas o populismo de
direita, na medida que estava à frente de grandes potências capitalistas, era
também expansionista, imperialista, racista, anti-democrático, anti-socialista
e anti-comunista. O resultado disto foi a Segunda Guerra Mundial.
48.Como dissemos, há muitas diferenças entre aquele
época e os tempos atuais. Não se deve concluir daí que os riscos do nazi-fascismo
sejam menores ou inexistentes. Seria mais correto dizer que as grandes crises econômicas e sociais estimulam as tendências fascistas. E que estas tendências se tornam mais fortes, a depender da política adotada pelas forças democráticas e de esquerda.
49.Aliás, se comparamos a atitude hegemônica da esquerda europeia com a atitude hegemônica da esquerda latino-americana e caribenha, fica claro que a combatividade é muito mais eficaz do que a capitulação, quando se trata de combater a ascensão da direita. O compromisso de amplos setores da esquerda europeia com as políticas neoliberais, a dificuldade de tratar o tema das migrações, o bom-mocismo frente às forças de direita e extrema-direita, a acomodação crescente à uma democracia cada vez menos democrática, o compromisso com determinadas políticas imperialistas, tudo isto contribuiu para o crescimento da extrema-direita.
49.Aliás, se comparamos a atitude hegemônica da esquerda europeia com a atitude hegemônica da esquerda latino-americana e caribenha, fica claro que a combatividade é muito mais eficaz do que a capitulação, quando se trata de combater a ascensão da direita. O compromisso de amplos setores da esquerda europeia com as políticas neoliberais, a dificuldade de tratar o tema das migrações, o bom-mocismo frente às forças de direita e extrema-direita, a acomodação crescente à uma democracia cada vez menos democrática, o compromisso com determinadas políticas imperialistas, tudo isto contribuiu para o crescimento da extrema-direita.
50.Aliás, os que lamentam a vitória de Trump precisam
incluir, dentre suas reflexões, a seguinte: a esquerda estadounidense não
possui expressão partidária e eleitoral independente.
51.Talvez como nunca na história recente, tivesse
sido tão necessária a existência de uma alternativa partidária e eleitoral da
esquerda nos Estados Unidos. Benny Sanders tinha mais chances de disputar o
voto dos setores populares que optaram por Trump, entre outros motivos para
rejeitar a candidata “democrata” Hillary Clinton, inicialmente a preferida de Wall
Street, cúmplice das políticas neoliberais adotadas pelos governos Clinton e
Obama, defensora acérrima do intervencionismo militar dos Estados Unidos.
52.Olhando em perspectiva histórica, a principal
surpresa nas eleições americanas não foi Trump, mas sim a vitalidade demonstrada pela pré-
candidatura Bernie Sanders, que procurou conquistar os desempregados e
desesperados americanos para outra perspectiva. Que isso tenha emergido nos
Estados Unidos é algo alentador. No entanto, é preciso reconhecer que ainda
falta um longo caminho para que os movimentos sociais e políticos de esquerda daquele
país se desenvolvam a ponto de impor outra política, capaz por exemplo de impedir aventuras
militaristas.
Os cenários
internacionais
53.Só as forças de esquerda, populares e
democráticas têm condições de deter a contraofensiva reacionária que empurra o
mundo para crises cada vez maiores e nos ameaça com guerras cada vez mais
destrutivas.
54.Mas para isto será preciso que a classe
trabalhadora e seus representantes políticos percam todas as ilusões em que
será possível defender o bem-estar social, defender as liberdades democráticas,
defender a soberania nacional e defender uma nova ordem mundial, sem impor uma
derrota profunda às forças capitalistas e a seus representantes políticos, sem
oferecer uma alternativa nova e radical para o mundo em que vivemos.
55.Nunca o mundo foi tão capitalista quanto é hoje.
E é exatamente por isto que nunca o mundo foi tão desigual, conservador e
violento. Devemos tirar todas as consequências desta verdade simples: é preciso
colocar a luta pelo socialismo na ordem do dia, como uma alternativa realista aos problemas que estamos vivendo.
56.É preciso recolocar em debate uma alternativa
global ao sistema dominante no mundo. Até para evitar o mal maior, até para
conseguir as mínimas reformas, é preciso lutar por transformações efetivas no
modo de produzir e distribuir as riquezas em nossa sociedade, na maneira como
as pessoas se relacionam entre si e com a natureza.
57.A crise que o capitalismo enfrenta, desde 2008,
pode ser enfrentada de duas maneiras fundamentalmente diferentes:
a) ou rebaixando ainda mais o nível de vida dos
trabalhadores, causando catástrofes sociais e ambientais, jogando para a
direita o ambiente ideológico e político, empurrando o mundo para a guerra;
b) ou transformando as riquezas acumuladas nas mãos
do capital oligopolista e financeiro em investimento público, em ampliação do
bem-estar e recuperação do meio-ambiente, desmontando os arsenais militares e "girando" para a esquerda o ambiente ideológico e político.
58.Não existe caminho do meio, num momento de crise
como o que vivemos. As políticas de “ganha-ganha” são possíveis quando tanto os
de baixo quanto os de cima tem mais paciência que medo, mas
principalmente quando há crescimento econômico que torne factível redistribuir
a renda futura. Ou seja: quando apesar da manutenção do status quo ante, há uma expectativa de que no futuro as coisas vão melhorar, que o crescimento será acompanhado por alguma redistribuição. Mas quando não há crescimento econômico, quando há decrescimento, não há expectativa de melhora futura. Neste cenário, a luta é por fatias de um bolo que está diminuindo de tamanho. Então se estabelece uma luta pela expropriação, o medo toma conta e se fecham os
“caminhos do meio”.
59.Tampouco existe reforma pelo alto capaz de resolver a situação que estamos vivendo. As forças que causam a crise e que se beneficiam
dela são as mesmas que dominam o poder político, econômico, militar e
ideológico nos Estados Unidos. É por isto que as ações práticas do governo dos
EUA ampliam a crise, seja quando estimulavam o globalismo, seja agora em que
parece predominar o protecionismo. E em ambas vertentes, inviabilizam as
liberdades democráticas: tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, a
democracia liberal abre caminho, tanto na forma quanto no conteúdo, para
regimes cada vez mais autoritários. A globalização hegemonizada pelo capital
financeiro não é compatível nem mesmo com os níveis de democracia existentes
antes da crise dos 1970.
60.Os Estados Unidos, ainda a maior potência do
mundo mas que está vendo sua hegemonia declinar, não têm unidade e/ou
capacidade para construir uma alternativa à crise que vivemos. Mas ainda tem os
meios para tentar bloquear ou retardar a mudança, ou pelo menos matar e morrer
tentando.
61.Lembremos mais uma vez que aquele país só
superou a crise dos 1930 graças à Segunda Guerra Mundial. E quando a Segunda
Guerra terminou, o complexo industrial-militar continuou apostando em novas
guerras e na corrida armamentista. A política da era Bush pai-Clinton-Bush
filho-Obama não foi, portanto, um raio em céu azul.
62.É por isso, também, que os Estados Unidos operam
de maneira agressiva contra os BRICS, especialmente contra a China e a Rússia. O
governo russo deu vários sinais de que considerava Hillary Clinton mais
perigosa. Mas isto não quer dizer que a vitória de Trump elimine a variável
guerra do cenário mundial: seus atritos com a China, antes mesmo de tomar
posse, confirmam este risco.
63.A dinâmica da crise mundial é mais poderosa e
tende a empurrar os EUA em direção à guerra. Quem pode evitar este desfecho, em
primeiro lugar, é o povo dos Estados Unidos.
64.O movimento sindical, a intelectualidade de
esquerda, os setores democráticos daquele país estão chamados a agir de maneira
autônoma frente aos dois grandes partidos do Capital, o Republicano e o
Democrata.
65.Quem pode evitar a guerra e construir outra
ordem mundial é, em segundo lugar, a classe trabalhadora e os povos das demais
regiões do mundo. Neste particular, o povo da América Latina e Caribe já deu,
continua dando e ainda pode e deve dar uma grande contribuição.
A situação
da América Latina e Caribe
66.A América Latina e o Caribe foram vítimas, entre
os anos 1960 e 1990, de governos ditatoriais e neoliberais, que aprofundaram as
piores características da história de cada um dos países da região: a
dependência externa, a falta de democracia e a desigualdade social.
67.A partir de 1998, teve início um ciclo de
governos progressistas e de esquerda que, malgrado suas debilidades e
diferenças, apontou num sentido oposto: ampliação do bem-estar e da igualdade
social, ampliação das liberdades democráticas, soberania nacional e integração
regional.
69.A partir da crise de 2008 e seus efeitos, mais a
ação do governo dos Estados Unidos e da oposição de direita, somada aos erros e
as limitações das experiências “progressistas e de esquerda”, abriu uma fase de
contraofensiva reacionária que vem derrotando os governos progressistas e de
esquerda na região e colocando na defensiva as forças sociais e partidárias
vinculadas aos trabalhadores.
70.Aonde a direita voltou ao governo, assiste-se não
apenas a um retrocesso social, mas também a um retrocesso econômico e político,
bem como a um giro na política externa, que volta a ser subalterna aos
interesses dos EUA.
71.A recente eleição nicaraguense demonstrou que
não é inevitável a derrota dos governos progressistas e de esquerda. Porém, a
difícil situação da Venezuela e a derrota sofrida no Brasil e na Argentina
criaram um novo cenário estratégico. O fato de vários governos progressistas
existirem e se apoiarem uns aos outros foi uma variável importante para um
avanço compartilhado. A ofensiva reacionária age no sentido oposto.
72.A esquerda latino-americana e caribenha está
convocada a deter a ofensiva reacionária, reconquistar os espaços perdidos,
alcançar novas vitórias, criar as condições para que a Unasul e a Comunidade de
Estados Latinoamericanos e Caribenhos voltem a ter protagonismo no cenário
internacional, em favor da paz e de outra ordem econômica e política
internacional. Descobrir quais os caminhos para fazer isto exigirá um balanço
detalhado de como chegamos até aqui, do qual se possa extrair uma diretriz de
como seguir em frente em uma nova situação, distinta daquela vigente entre 1998
e 2016. Esta nova situação pós-2016 poderá ser em alguns aspectos semelhante àquela que vigia na década neoliberal dos 1990, mas
em outros aspectos constituirá uma situação totalmente nova.
73.Até a crise internacional de 2008, os governos
progressistas e de esquerda vinham conseguindo contornar seus limites,
contradições e erros. Mas a partir da crise internacional de 2008, a
deterioração dos preços das commodities, a dependência financeira e comercial, a
força dos oligopólios –especialmente estrangeiros -- e a fraqueza do Estado
tornaram cada vez mais difícil a situação, agravando um conjunto de problemas
que já vinham se acumulando (fadiga de material, limites da estratégia adotada,
timidez nas políticas de integração, políticas macroeconômicas que mantiveram a
predominância do setor agroexportador e o peso do setor financeiro etc).
74.Noutras palavras, a crise internacional
funcionou como um catalizador de diversos fenômenos, revelando que a
dependência externa continua sendo uma variável fundamental a superar, através
da integração regional, da industrialização, do fortalecimento do Estado e da
soberania nacional, em todos os seus aspectos, da soberania alimentar à Defesa, passando
pela comunicação.
75.A crise e a contraofensiva reacionária atingiu o
conjunto dos países governados pelas forças progressistas e de esquerda. Seja
onde foi adotada uma variante mais “confrontacionista”, seja onde foi adotada
uma variante mais “negociadora”, verificou-se uma deterioração das condições
políticas, econômicas e sociais, que afetou o apoio da classe trabalhadora aos
governos progressistas e de esquerda, levando à derrota eleitoral na Argentina,
criando espaço para o impeachment no Brasil e possibilitando uma maioria
parlamentar de direita na Venezuela.
76.Parte da perda de apoio deveu-se a opções incorretas
feitas pelos respectivos governos progressistas e de esquerda. É o caso, por
exemplo, da política econômica adotada no Brasil em 2015-2016.
77.Outra parte da perda de apoio deveu-se ao fato
da classe dominante seguir controlando os meios econômicos e políticos, assim
como dispondo dos apoios internacionais necessários não apenas para opor-se,
mas inclusive para apostar na subversão.
77.Que tenham mantido estes instrumentos sob seu
controle não é um acaso decorreu, em grande medida, da estratégia adotada na maioria dos países governados por forças progressistas e de esquerda, estratégia que em nenhuma
hipótese previa a expropriação parcial ou total de setores das classes
dominantes.
78.Entretanto, naqueles países em que houve assembleias
constituintes e reformas constitucionais, o fortalecimento dos instrumentos
populares e democráticos de intervenção econômica e política estatal, bem como as medidas de democratização e controle social dos meios de comunicação, permitiu e ao menos até agora segue permitindo contrabalançar com maior eficácia os instrumentos de poder
político e econômico da classe dominante.
79.Cada país da América Latina e Caribe tem sua
própria história, irredutível e única. Mas os episódios desde 2008 – Honduras,
Paraguay, Argentina, Venezuela, Brasil ... -- confirmam mais uma vez que nossas relevantes diferenças nacionais e regionais convivem com imensas semelhanças, entre as
quais:
a) nossas classes dominantes preferem subordinar-se
a Washington do que construir experiências democráticas e progressistas de
desenvolvimento soberano;
b) nossas classes dominantes e seus representantes
políticos e midiáticos têm com a democracia uma relação meramente instrumental;
c) nossas classes dominantes preferem ganhar
dinheiro através da desigualdade e da dependência às metrópoles, do que através
da integração regional e da ampliação do consumo das massas populares.
80.É por isto que as classes dominantes da América
Latina e Caribe atacam duramente tanto governos moderados quanto radicais. O
que lhes importa e desagrada é serem governos de esquerda, ou seja, governos
que tem compromisso com os interesses da classe trabalhadora e das maiorias
populares.
81.No ambiente estratégico dos anos 1990, a maioria
dos partidos e organizações de esquerda da América Latina e Caribe foi
convergindo na prática e também no plano das formulações para uma estratégia
que consistia -- malgrado profundas diferenças históricas, sociais, políticas e
ideológicas -- em buscar melhorar a vida do povo através de políticas públicas
que seriam implementadas a partir de espaços legislativos e executivos
conquistados através de processos eleitorais.
82.Tais políticas públicas foram de diferentes tipos
(universais/distributivas e/ou focalizadas/compensatórias) e foram implementadas com
diferentes graus de confronto, negociação e aliança com as “elites” locais e
com os “imperialismos”.
83.Em alguns casos, aquelas políticas públicas
foram precedidas ou acompanhadas de processos constituintes, que resultaram em
reformas importantes e foram acompanhadas de uma retórica radicalizada, embora em
nenhum caso tenham implicado em revoluções no sentido clássico deste termo (ou
seja, na expropriação econômica e política da classe dominante). Noutros casos,
aquelas políticas públicas foram implementadas sem processos constituintes, sem
nenhuma tentativa de reforma nas estruturas políticas, sociais e econômicas, no
Estado e na relação entre as forças sociais, além de acompanhadas de uma
retórica explicita e assumidamente “moderada”.
84.Apesar destas múltiplas e importantes
diferenças, havia um núcleo comum, o que permite dizer que estávamos diante de
variantes de uma mesma estratégia. Este núcleo consistia, como já foi dito, na
implementação de políticas públicas a partir de posições conquistadas através
de processos eleitorais. Neste aspecto, esta estratégia e cada uma de suas
variantes eram todas elas profundamente diferentes da estratégia adotada pelos
que dirigiram a Revolução Cubana de 1959.
85.No caso cubano tivemos a conquista do poder (e
não do governo), pela luta armada (não pela via eleitoral), a partir da qual se
introduziram não apenas novas políticas públicas, mas também transformações estruturais e revolucionárias no
padrão de desenvolvimento vigente até então em Cuba, mudanças que incluíram da
reforma agrária à transição socialista.
86.Entretanto, as grandes revoluções – como a haitiana, a mexicana e a cubana -- não são planejadas: elas acontecem devido à condensação de contradições internas a cada país. Evidentemente, o acontecer das revoluções tem relação direta com os estímulos maiores ou menores fornecidos pelo ambiente regional e mundial. Por exemplo: nos dias de hoje, o ambiente de instabilidade internacional é acompanhado pela interdição posta, pelas classes dominantes da região, a qualquer política de reformas. Em qualquer caso, para que as revoluções não apenas ocorram, mas para que também sejam vitoriosas, é necessário que na esquerda exista quem trabalhe por esta vitória.
86.Apesar da oposição da maior parte da classe dominante e de seus representantes políticos, os governos progressistas e de esquerda entre 1998 e 2016 obtiveram êxito – maior ou menor em cada caso – no que diz respeito a melhorar a vida do povo, ampliar as liberdades democráticas, afirmar a soberania nacional e ampliar a integração regional.
86.Entretanto, as grandes revoluções – como a haitiana, a mexicana e a cubana -- não são planejadas: elas acontecem devido à condensação de contradições internas a cada país. Evidentemente, o acontecer das revoluções tem relação direta com os estímulos maiores ou menores fornecidos pelo ambiente regional e mundial. Por exemplo: nos dias de hoje, o ambiente de instabilidade internacional é acompanhado pela interdição posta, pelas classes dominantes da região, a qualquer política de reformas. Em qualquer caso, para que as revoluções não apenas ocorram, mas para que também sejam vitoriosas, é necessário que na esquerda exista quem trabalhe por esta vitória.
86.Apesar da oposição da maior parte da classe dominante e de seus representantes políticos, os governos progressistas e de esquerda entre 1998 e 2016 obtiveram êxito – maior ou menor em cada caso – no que diz respeito a melhorar a vida do povo, ampliar as liberdades democráticas, afirmar a soberania nacional e ampliar a integração regional.
87.Entretanto, a partir de um determinado momento
-- que variou de país para país, mas que em todos os casos ocorreu depois da
crise internacional de 2008--, os governos progressistas e de esquerda passaram
a enfrentar crescentes dificuldades, que resultaram em perda de apoio popular e
no crescimento da oposição de direita.
88.Como no Chile dos anos 1970, predominou na
classe dominante dos países latino-americanos e caribenhos a política de
enfrentamento contra os governos progressistas e de esquerda. Utilizou-se de
tudo um pouco: oposição política e midiática, sabotagem burocrática e
econômica, ações diplomáticas abertas ou encobertas, mobilização de massa e
ações subversivas clandestinas.
89.Aliás, a esquerda latino-americana e caribenha
que chegou ao governo entre 1998 e 2016 tem muito aprender com a experiência da
chamada “via chilena para o socialismo”. Inclusive com o fato de sermos vítimas
de uma campanha anticomunista, que atinge inclusive partidos que –- ao contrário
do que fizeram o presidente Salvador Allende e o governo da Unidade Popular
(1970-1973) –- nunca vincularam sua ação governamental ao objetivo de chegar ao
socialismo.
90.Frente a uma nova situação estratégica, a
esquerda da região está chamada a produzir uma nova estratégia. Ontem como
hoje, um dos componentes desta estratégia continuará sendo a integração da
América Latina e do Caribe, variável fundamental para o êxito da estratégia
democrático-popular e socialista no Brasil e também para o êxito da estratégia
que a esquerda venha a adotar em cada país da região. Caso o protecionismo
prometido por Trump se materialize, mais espaço haverá para uma estratégia de integração.
91.Não é a primeira vez que a esquerda regional
está chamada a produzir uma nova estratégia. O mesmo ocorreu no início dos anos
1990, em que enfrentávamos os efeitos combinados da ofensiva neoliberal e da
crise do socialismo de tipo soviético. Naquele momento, o Foro de São Paulo foi
um espaço muito importante para o diálogo e a elaboração de novas estratégias.
O papel do
PT e do Foro de São Paulo
92.O Partido dos Trabalhadores tem uma larga
experiência internacional, anterior a nossa chegada à presidência da República.
Possui amigos – e também militantes-- em todos os continentes, que acompanham
com atenção os acontecimentos em nosso país e aguardam informações e
diretrizes.
93.Nosso partido é internacionalista por razões
programáticas e estratégicas. Programaticamente, porque defendemos um mundo
socialista. Estrategicamente, porque as vitórias da classe trabalhadora e das
esquerdas contribuem umas com as outras. Embora saibamos, também, que a solidariedade internacional e a cooperação entre partidos e movimentos socialistas, democrático-populares e anti-imperialistas também envolve contradições dos mais variados tipos.
94.Nosso internacionalismo é aberto. Mantemos
relações com partidos, organizações e militantes das mais diferentes
orientações políticas e ideológicas. Mantemos diferentes níveis de cooperação
com os que compartilham as premissas do respeito à autodeterminação dos povos,
às liberdades democráticas e ao bem-estar social. Não somos, nem aceitamos que
ninguém seja “partido guia” ou “modelo” para os demais. Inclusive por isto, ao
mesmo tempo que reforçaremos nossa presença em âmbito mundial, não nos filiamos
nem nos filiaremos a nenhuma organização que alimente esta pretensão.
95.A política internacional do PT prioriza a
América Latina e o Caribe. Ao mesmo tempo, reforçaremos nossos contatos com os
BRICS, com os países africanos e com todos aqueles que são vítimas do
imperialismo. Destacamos a defesa do Estado Palestino, da independência do
Sahara Ocidental e de Porto Rico, o estabelecimento de relações intensas com os
povos, com os movimentos sociais e com os partidos de esquerda do continente
africano. Apoiamos as iniciativas que – a partir dos milhões de
latino-americanos residentes nos EUA – visam construir um partido de esquerda
com força social e eleitoral. E buscaremos contribuir com as forças
progressistas, democráticas e de esquerda do Haiti, apoiando a imediata
retirada da Minustah.
96.No âmbito da América Latina e Caribe, sem
prejuízo de um regionalismo aberto, priorizaremos a construção do Foro de São
Paulo, que demonstrou ser um espaço positivo para o diálogo e para a ação comum
de forças de esquerda, nacionalistas, populares, socialistas e comunistas. O
mínimo denominador comum do Foro de São Paulo é a integração regional, o
desenvolvimento soberano, a ampliação do bem-estar social e das liberdades
democráticas dos nossos povos. Até porque a experiência recente confirmou que
não haverá “progressismo em um só país”. Através do Foro de São Paulo e também diretamente, enquanto Partido, manteremos contato com organizações similares dos demais continentes, sem nos filiar a nenhuma delas.
97.Num contexto de hegemonia capitalista, crise do
capitalismo, ampliação das contradições intercapitalistas, conflito entre o
bloco liderado pelos EUA contra os BRICS, instabilidade, crise e guerra, a alternativa
está em construir um forte movimento internacional, ancorado nas classes
trabalhadoras e nos setores populares, que consiga não apenas resistir, mas
também conquistar governos, reorientando assim a economia e a politica
mundiais. O PT e o Foro de São Paulo, a América Latina e o Caribe, já
demonstramos poder dar grande contribuição neste sentido.
98.Nos tempos em que vivemos, capitalismo
significa instabilidade, crises e guerras. Nos Estados Unidos e na Europa, as
classes dominantes e seus partidos, assim como importantes setores da esquerda
tradicional, comprometeram-se com políticas neoliberais e/ou capitularam diante
do populismo reacionário. A guerra, sob a forma regional ou mundial, é um risco
crescente. Frente a barbárie capitalista, reafirmamos a escolha feita, em 1980, pelo Partido dos Trabalhadores:
uma sociedade sem exploração nem opressão, o socialismo.
99. Os principais traços do socialismo são assim resumidos pelas resoluções do 3º Congresso do Partido dos Trabalhadores:
a) “A mais profunda democratização. Isto significa democracia social; pluralidade ideológica, cultural e religiosa; igualdade de gênero, igualdade racial, liberdade de orientação sexual e identidade de gênero. A igualdade entre homens e mulheres, o fim do racismo e a mais ampla liberdade de expressão sexual serão traços distintivos e estruturantes da nova sociedade. O pluralismo e a auto-organização, mais que permitidos, deverão ser incentivados em todos os níveis da vida social. Devemos ampliar as liberdades democráticas duramente conquistadas pelos trabalhadores na sociedade capitalista. Liberdade de opinião, de manifestação, de organização civil e político-partidária e a criação de novos mecanismos institucionais que combinem democracia representativa e democracia direta. Instrumentos de democracia direta, garantida a participação das massas nos vários níveis de direção do processo político e da gestão econômica, deverão conjugar-se com os instrumentos da democracia representativa e com mecanismos ágeis de consulta popular, libertos da coação do Capital e dotados de verdadeira capacidade de expressão dos interesses coletivos;”
b) “Um compromisso internacionalista. Somos todos seres humanos, habitantes de um mesmo planeta, casa comum a que temos direito e de que todos devemos cuidar. O capitalismo é um modo de produção que atua em escala internacional e, portanto, o socialismo deve também propor alternativas mundiais de organização social. Apoiamos a autodeterminação dos povos e valorizamos a ação internacionalista, no combate a todas as formas de exploração e opressão. O internacionalismo democrático e socialista é nossa inspiração permanente. Os Estados nacionais de vem ter sua soberania respeitada e devem cooperar para eliminar a desigualdade econômica e social, bem como todos os motivos que levam à guerra e aos demais conflitos políticos e sociais. Os organismos multilaterais criados após a Segunda Guerra Mundial deverão ser reformados e/ou substituídos, capazes de servir como superestrutura política de um mundo baseado na cooperação, na igualdade, no desenvolvimento e na paz;”
c) “O planejamento democrático e ambientalmente orientado. Uma economia colocada a serviço, não da concentração de riquezas, mas do atendimento às necessidades presentes e futuras do conjunto da humanidade. Para o que será necessário retirar o planejamento econômico das mãos de quem o faz hoje: da anarquia do mercado capitalista, bem como de uma minoria de tecnocratas estatais e de grandes empresários, a serviço da acumulação do capital e, por isso mesmo, dominados pelo imediatismo, pelo consumismo e pelo sacrifício de nossos recursos sociais e naturais;”
d) “A propriedade pública dos grandes meios de produção. As riquezas da humanidade são uma criação coletiva, histórica e social, de toda a humanidade. O socialismo que almejamos, só existirá com efetiva democracia econômica. Deverá organizar-se, portanto, a partir da propriedade social dos meios de produção. Propriedade social que não deve ser confundida com propriedade estatal; e que deve assumir as formas (individual, cooperativa, estatal etc.) que a própria sociedade, democraticamente, decidir. Democracia econômica que supere tanto a lógica do mercado capitalista, quanto o planejamento autocrático estatal vigente em muitas economias ditas socialistas. Queremos prioridades e metas produtivas que correspondam à vontade social, e não a supostos interesses estratégicos de quem comanda o Estado. Queremos conjugar o incremento da produtividade e a satisfação das necessidades materiais, com uma nova organização do trabalho, capaz de superar a alienação característica do capitalismo. Queremos uma democracia que vigore tanto para a gestão de cada unidade produtiva, quanto para o sistema no conjunto, por meio de um planejamento estratégico sob o controle social....”
e) “o conceito de sustentabilidade socioambiental, redefinindo o socialismo petista como socialismo democrático e sustentável”; “a superação do capitalismo como pressuposto para o combate ao racismo”; e a “defesa da paz” como parte de nosso projeto socialista.
100.É por isto que lutamos: desenvolvimento, democracia, direitos humanos, bem-estar, soberania, integração, paz, um Brasil, América Latina e Caribe, um mundo sem nenhum tipo de opressão nem exploração, o socialismo.
Sem revisão, texto em debate.
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