quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Nueva Sociedad

A edição 234 da revista Nueva Sociedad traz uma coletânea sobre o tema ¿Progresistas? Partidos y movimientos en América Latina

Colaborei com um artigo intitulado “Balance y desafíos de las izquierdas continentales”.

Interessados em conhecer a revista podem acessar o link  http://pagina13.org.br/?p=9730

 

 

 

Livro com as Resoluções do Foro de São Paulo 2006-2011


Na condição de secretário executivo do Foro de São Paulo, tarefa que exerço desde 2005, por indicação do Partido dos Trabalhadores, participei da elaboração das resoluções do XIII, XIV, XV, XVI e XVII Encontros do Foro.

Tais resoluções podem ser lidas, em formato livro eletrônico, através do link http://pagina13.org.br/?p=9734

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Mais uma edição do Página 13

Acaba de sair da gráfica a edição 101 do jornal Página 13. A edição pode ser consultada no seguinte endereço: http://pagina13.org.br/?p=9705

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Coletânea de artigos



Os artigos reunidos nesta coletânea abrangem o período em que fui secretário de relações internacionais do Partido dos Trabalhadores (2005-2010), incluindo o período atual, em que permaneço no Diretório Nacional do PT e na secretaria executiva do Foro de São Paulo

Baixe o conteúdo do livro aqui:
  Notas sobre a política internacional do PT (1,2 MiB, 1 hits)

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Doze teses e um destino


Faltam poucos dias para a segunda etapa do quarto congresso do Partido dos Trabalhadores. Bom momento para lembrar o que debatemos no terceiro Congresso, realizado em 2007.


No dia 12 de março, doze teses foram inscritas para disputar o 3º Congresso do PT. No dia 19 de março, estas doze teses confirmaram sua inscrição e os textos já estão disponíveis na página do PT na internet (www.pt.org.br).

O regulamento do 3º Congresso estabeleceu que a assinatura de 1 membro do Diretório Nacional era suficiente para garantir a inscrição de uma tese. Das doze teses inscritas, onze utilizaram este critério. Apenas uma tese (“Socialismo é luta”) utilizou o critério alternativo de ser assinada por 1 mil filiados. Independentemente disto, todas as teses trouxeram a assinatura de dezenas ou centenas de filiados.

As teses inscritas são as seguintes:

1)”Construindo um Novo Brasil”, assinada por 3.599 filiados e apresentada por integrantes do campo ex-majoritário;

2)”Um novo rumo para o PT”, assinado por 794 filiados e apresentada por integrantes do campo ex-majoritário;

3)”Mensagem ao Partido. O PT e a revolução democrática”, assinada por 266 filiados e apresentada por  integrantes do campo ex-majoritário, pela Democracia Socialista e outros grupos;

4)”PT de lutas e de massas, solidário e socialista”, assinado por 286 filiados e apresentada pela tendência "PT de Luta e de Massas";

5)”Por todos os sonhos! Por todas as lutas!”, assinado por 1146 filiados e assinada pela tendência "Movimento PT";

6)”Redemocratizar o PT, democratizar o Estado e a sociedade”, assinada por 1579 filiados e apresentada pela Senadora Serys Slhessarenko e outros militantes;

7)”Desenvolvimento, democracia com participação cidadã e diversidade”, assinada pelo grupo "Democracia para valer", assinada por 678 filiados, entre os quais Martvs das Chagas, membro do Diretório Nacional do PT;

8)”A esperança é vermelha. 2007 e os próximos anos: abrir um novo período na história do Brasil”, assinada por 324 filiados e apresentada pela Articulação de Esquerda, Esquerda Democrática e Popular, outros grupos e militantes;

9)”Socialismo é luta”, assinada 1152 filiados ao PT, entre os quais Wladimir Palmeira;

10)”Por um PT militante e socialista”, assinada por 411 filiados e apresentada pela Tendência Marxista, pela "Tribo" (grupo atuante em Minas Gerais) e por setores que, em 2005, integraram a chapa Esperança Militante;

11)”Um programa socialista para o Brasil”, assinada por 678 filiados, entre os quais Serge Goulart, dirigente de um dos grupos em que se dividiu a tendência O Trabalho;

12)”13 pontos para uma plataforma de soberania nacional”, assinada por 1.111 filiados, entre os quais Markus Sokol, dirigente de outro dos grupos em que se dividiu a tendência O Trabalho.

O número de signatários das teses não tem, necessariamente, relação com a força que cada tese possui no Partido. As duas teses lançadas pelas frações em que se dividiu O Trabalho, por exemplo, foram assinadas por 1.789 filiados, superada neste quesito apenas pela tese “Construindo um novo Brasil”. Entretanto, no processo de eleição direta das direções partidárias (PED) de 2005, a chapa (unificada) de O Trabalho ficou em penúltimo lugar.

Em contrapartida, a tese “Mensagem ao Partido. O PT e a revolução democrática”, assinada por apenas 266 filiados, reúne forças que ficaram em segundo lugar no PED de 2005.

É claro, por outro lado, que o PED 2005 não é um parâmetro perfeito, uma vez que várias tendências e dirigentes “mudaram de lugar”. Por exemplo: no PED 2005, havia uma única tese do campo majoritário. Já no 3º Congresso, há integrantes do campo agora ex-majoritário assinando três teses: “Construindo um Novo Brasil”, “Um novo rumo para o PT” e “Mensagem ao Partido. O PT e a revolução democrática”.

A chapa encabeçada por Raul Pont, da tendência Democracia Socialista, era apoiada em 2005 pelos militantes da Tendência Marxista, que agora participam da tese “Por um PT militante e socialista”.

“A esperança é vermelha” era apoiada, em 2005, pela tendência Esquerda Democrática (de Flávio Koutzii, Henrique Fontana e Stela Farias). Nesta fase inicial do 3º Congresso, a Esquerda Democrática decidiu não assinar nenhuma tese.

A chapa da tendência Movimento PT, encabeçada em 2005 por Maria do Rosário, recebeu o apoio da tendência Esquerda Democrática e Popular (de Nelson Pellegrino). Agora, a EDP decidiu apoiar a tese “A esperança é vermelha”. Outra que participou, em 2005, da chapa do Movimento PT foi a senadora Serys Slhessarenko (que agora assina a tese “Redemocratizar o PT, democratizar o Estado e a sociedade”).

Os apoiadores da chapa encabeçada, em 2005, por Plínio de Arruda Sampaio, agora estão divididos. Parte importante saiu do PT. Outra parte lançou a tese “Por um PT militante e socialista”. E um terceiro setor lançou a tese “Socialismo é luta”.

A partir desta edição, Página 13 publicará análises de cada uma das teses, que somadas chegam perto de 900 mil caracteres, abordando os três pontos de pauta do Congresso: o Brasil que queremos, o socialismo petista, a concepção e funcionamento do PT.

A tentativa de “restauração”

Uma leitura diagonal de todas as teses permite uma constatação: ao menos no PT, a era Palocci acabou. E somos todos socialistas. Basta comparar as teses apresentadas em 2005 e agora, pelo campo ex-majoritário, para perceber como mudou o ambiente ideológico no Partido.

Isto não quer dizer que todas as teses façam um balanço crítico e auto-crítico da atuação do governo e do Partido, de 2003 em diante. Algumas fazem isto, outras apenas ensaiam, poucas dão a entender que a política paloccista foi um mal necessário.

A tese que sustenta de maneira mais explícita esta interpretação é “Construindo um novo Brasil”. Para seus signatários, o governo Lula é “um governo de esquerda que constrói os fundamentos de uma verdadeira revolução democrática, essencial para caminharmos na direção de uma sociedade socialista”.

Este tom ufanista, patriótico e chapa-branca predomina em vários trechos da tese “Construindo um novo Brasil”. Não sabemos ao certo o quanto há, neste tom, de exorcismo, de tática e de convicção.

É difícil sustentar, por exemplo, que o governo Lula seja um governo “de esquerda”. A esse respeito, vale a pena ler o artigo escrito por Elói Pietá, prefeito de Guarulhos, integrante do Campo ex-majoritário e signatário da tese “Mensagem ao Partido”: “Um partido de esquerda, um governo de centro-esquerda”, disponível na www.pt.org.br

Certamente o PT, todos nós, desejamos que o governo Lula seja de esquerda. Para isso, é preciso enfrentar --como diz a própria tese “Construindo um novo Brasil”-- “discursos de membros do próprio governo” (a começar por discursos do próprio Lula, sobre ser de esquerda aos 60 anos, sobre o heroísmo dos latifundiários e outros do gênero).

Mas quais discursos foram/são estes, na opinião da tese “Construindo um Novo Brasil”? Ficamos sem saber. A tese defende, inclusive, uma “mudança da política econômica, com predominância do desenvolvimento sobre a estabilidade”, mas não analisa a política econômica vigente no primeiro mandato, onde a “estabilidade” predominou sobre o “desenvolvimento”.

Nós concordamos com os signatários da tese “Construindo um Novo Brasil”: para mobilizar e avançar, é preciso um “partido de pernas firmes”. Mas também precisamos de um partido com idéias claras. O que supõe a capacidade de analisar, de maneira “crítica e responsável”, aquilo que fizemos nos últimos anos.

Ao menos no que toca a política econômica, a tese “Construindo um Novo Brasil” não faz um balanço crítico do primeiro mandato de Lula. Uma atitude que lembra muito o comportamento de certos soldados que voltam da guerra e não querem falar das atrocidades que cometeram. “Fizemos o que tínhamos de fazer, agora sigamos em frente com nossas vidas”. No nosso caso, entretanto, nem tudo o que se fez, precisava ser feito; e não é possível seguir em frente, sem analisar o que se passou.

Ao mesmo tempo em que é nula no tocante a política econômica, a tese “Construindo um novo Brasil” busca apontar as causas da crise política que vivemos em 2005: “é uma crise do sistema político brasileiro” e também “uma crise do PT, decorrente de opções feitas pelo partido, do crescente acesso a mandatos, do distanciamento das lutas sociais e da nebulização de nosso projeto estratégico”. Ainda segundo a tese: devemos “realizar uma autocrítica profunda sobre o ocorrido e analisar suas causas para não mais reproduzi-las”.

A disposição é boa, como é amplo o elenco de erros apontados: “parte da crise se deveu a um processo de entendimento inadequado da relação partido e governo já no início do governo Lula”; “outro erro foi dar ao partido a responsabilidade de compor politicamente o governo”; “erramos também na forma de consolidação da nossa base de sustentação político-parlamentar”; “a governabilidade institucional foi a única que buscamos”; “o PT errou ao conferir, a partir de 2003, certa exclusividade para as tarefas governamentais e institucionais, sem combinar com as tarefas de organização do movimento social e da militância, abrindo fissuras na relação com sua base social”; “outro sério equívoco que cometemos foi a não priorização da aprovação da reforma política já em 2003”; “o distanciamento do partido em relação à sua base e o funcionamento de núcleos de poder paralelos à direção partidária (ainda que formados por integrantes dessa mesma direção) terminariam também por contribuir com a crise”; “o PT errou, também, ao envolver-se, sem o devido debate interno, com o financiamento de campanhas de aliados e assumir riscos graves em relação às finanças do partido”.

Tudo verdade! Mas falta apontar a “causa das causas”: a estratégia adotada pelo PT, desde 1995. Ao não falar disto, ao não fazer uma autocrítica sobre a linha geral, que criou o ambiente político para os erros acima mencionados, a tese “Construindo um novo Brasil” permanece na superfície do fenômeno. E, o que é mais grave, condena-se a repetir os mesmos erros, ao longo do segundo mandato.

Para compreender os motivos desta leitura parcial que a tese “Construindo um novo Brasil” faz das causas da crise partidária, é preciso lembrar que durante o biênio 2003-2004 houve uma disputa entre duas linhas no interior do então Campo majoritário: a encabeçada por Palocci/Gushiken e a encabeçada por Dirceu.

Ambas coincidiam na estratégia geral, mas divergiam na implementação. A crise de 2005 fez Palocci, Gushiken e Dirceu saírem do governo. Desde então, a política geral do governo está mais parecida com o que Dirceu defendia. Por exemplo, para falar de tema recente, o papel conferido ao PMDB na composição do governo.

A tese “Construindo um novo Brasil” quer dar prosseguimento à estratégia hegemônica entre 1995 e 2005, mas na versão Dirceu, não na versão Palocci/Gushiken. Por isso, a linha política geral não é citada entre as causas da crise. No máximo, se fala de aspectos desta linha. Têm bastante razão, portanto, os que dizem que o campo ex-majoritário é “restauracionista”.

Socialismo ou social-democracia?

É reconfortador ler, logo no primeiro parágrafo da tese “Construindo um novo Brasil”, que nosso Partido “reafirma suas convicções, acredita e quer o Brasil como um país socialista”. E ver, mais adiante, a mesma tese dizer que “somos anticapitalistas por entendermos que o capitalismo, por sua natureza, gera miséria, fome, violência, guerra e destruição da natureza”.

Mas o que significa socialismo para os integrantes do ex-campo majoritário?

A tese faz um resgate do “Socialismo petista”, aprovado no 7º Encontro Nacional do PT, lembrando de sua matriz anti-capitalista, do socialismo democrático, da sociedade sem explorados nem exploradores, da crítica à social-democracia e ao “socialismo burocrático”.

A tese afirma a necessidade, ainda, da retomada do debate sobre o socialismo petista, mas “sem que ele se torne uma camisa-de-força, mas um poderoso e ágil instrumento nas mãos de nossa militância”.

Lendo a tese, fica a impressão de que há um sincero esforço de reafirmar o caráter socialista do PT. Mas este esforço não está baseado numa análise do desenvolvimento capitalista mundial e nacional; nem tampouco na atualização do debate sobre as tentativas de construção do socialismo no século XX, sobre os limites das experiências social-democratas pós-1990, sobre a evolução dos países que seguem governados por partidos comunistas, tais como China e Cuba; nem sobre o que se está passando em alguns países da América Latina, cujos governantes se propõe a construir o “socialismo do século XXI”.

Estes e outros temas são abordados, na maioria das teses, de maneira impressionista e retórica. Exemplo disto é o seguinte parágrafo, que esperamos tenha passado desapercebido a Madame Natasha: “entender a complexidade e a velocidade da ordem social em movimento é fundamental para uma estratégia de luta política que busca a realização humana e tem a liberdade como princípio”.

Na média, as teses inscritas ao 3º Congresso retratam a precariedade do debate teórico no PT. O resultado é que as conclusões estão muito aquém do necessário e os argumentos permanecem no mesmo patamar da época da “crise do socialismo”, nos anos 1990.

Onde isto fica mais nítido é no credo “reformista” da “Construindo um novo Brasil”: a “superação [do capitalismo] não se dará pela via da ruptura violenta, nem pela adoção de modelos já fracassados”.

A noção de socialismo processual, sem “ruptura violenta”, tem pelo menos duzentos anos. Trata-se de uma tese de grande popularidade, principalmente entre as massas trabalhadoras. O problema é que nossos desejos de uma “transição pacífica” não são correspondidos pelas classes dominantes. Toda a experiência histórica mostra que, antes mesmo que as classes trabalhadoras se organizem ao ponto de ameaçar a continuidade da ordem capitalista, os defensores desta ordem lançam mão, preventivamente, de todos os instrumentos disponíveis para restaurar o status quo.

Segundo a tese “Construindo um novo Brasil”, a “concepção de socialismo deve ser combinada com o conceito de Revolução Democrática e de socialização da política”. O que quer que se entenda por “revolução democrática” e por “socialização da política”, ainda assim cabe responder: é possível construir uma sociedade sem exploração, nem opressão, sem uma “ruptura” com a ordem capitalista? É possível uma “ruptura” com a ordem capitalista, sem que ocorra algum tipo de “violência” no curso do processo, inclusive por iniciativa das classes dominantes?

Quem defende que a superação do capitalismo não se dê pela via da ruptura violenta, deveria desenvolver mais suas idéias a respeito. Ou que nos informe ter combinado com “os russos” o desfecho da partida.

A verdade é que a tese “Construindo um novo Brasil” não trabalha de maneira adequada estas e outras questões, que são citadas, tangenciadas, mas não apresentadas satisfatoriamente.

Mas isto não quer dizer que a tese não defenda uma estratégia. Meio largado no meio da tese, pode-se ler o seguinte raciocínio: “temos de criar o mercado interno que, com a integração da América do Sul, dê dinamismo ao capitalismo brasileiro e promova outro tipo de reforma. A partir daí poderão surgir outros temas em discussão, aparentemente proibidos hoje, como a propriedade social e o caráter da empresa privada. Cria-se uma perspectiva socialista, e não só de reformas dentro do capitalismo”.

Como combinar, na vida real, um programa de desenvolvimento do capitalismo com uma estratégia socialista que não caia na trampa da social-democracia? Infelizmente, a tese “Construindo um novo Brasil” não responde.

Dinheiro, dinheiro, dinheiro

Maioria absoluta de 1995 a 2005 e maioria relativa desde o PED de 2005, o campo ex-majoritário segue nos devendo uma análise crítica dos problemas políticos e organizativos do Partido.

Dois parágrafos são dedicados ao tema “hegemonia e democracia”, um dos quais serve para afirmar o seguinte: “a construção de maiorias partidárias, que são muito importantes para o funcionamento das instâncias, não podem se estabelecer em detrimento [da] hegemonia, que pressupõe a conquista de espaços pela força do argumento e da elaboração política”.

Os autores da tese estabelecem uma analogia entre a hegemonia no interior do Partido e a hegemonia na sociedade. Dizem que o “mesmo” processo de “construção da hgemonia” que se dá na sociedade, se dá “em relação ao partido”.

Acontece que a luta por hegemonia na sociedade se trava contra as posições de outras classes sociais e de outros partidos, com projetos algumas vezes antagônicos aos nossos. É exatamente por transpor este raciocínio para o interior do Partido, que alguns grupos adotam métodos inadmissíveis, sob o argumento implícito de que se trata de derrotar/destruir inimigos.

É importante dizer: a crise de 2005 está relacionada com a crença, esposada pelos integrantes do ex-campo majoritário, de que eles são “o” Partido. Motivo pelo qual achavam (e alguns seguem achando) que podiam tomar decisões, que afetavam profundamente todo o Partido, sem ouvir os demais setores.

Talvez por isto, ou talvez por um mero cochilo, a tese “Construindo um novo Brasil” esteja propondo a eleição nominal do Conselho de Ética e do Conselho Fiscal. Na prática, isto significará acabar com a proporcionalidade na composição de dois órgãos fundamentais. Na prática, um grupo que possua 40% do diretório regional teria condições de controlar, através de uma eleição nominal e não proporcional, o conjunto dos órgãos fiscalizadores.

Talvez também por isso a tese “Construindo um novo Brasil” não fale nada sobre a data do próximo PED. Nem explique como “aperfeiçoar” o processo de eleições diretas, que como todos sabem é afetado pela desigualdade de recursos financeiros que cada tese/chapa/candidato possui para fazer campanha.

Ainda sobre o tema da organização partidária, a tese “Construindo um novo Brasil” apresenta várias propostas, muitas comuns a outras teses. Mas cala sobre três assuntos fundamentais: não defende um jornal para a militância; não fala nada sobre a dependência das finanças partidárias frente a contribuições empresariais; e defende que “o PT não tem como função organizar os movimentos” sociais.

A não-referência ao jornal é incompreensível, pois a tese do campo ex-majoritário chega ao detalhe de propor a retomada da revista Cidades Vivas, com reportagens sobre administrações petistas. De nossa parte, estamos convencidos de que o PT pode e deve editar um jornal quinzenal, voltado aos cerca de 80 mil petistas que estão à frente de diretórios partidários.

O silêncio sobre a dependência do PT frente aos recursos empresariais é inaceitável. A tese “Construindo um novo Brasil” chega a afirmar que “a arrecadação básica e permanente do PT é oriunda de seus próprios filiados”. A verdade, infelizmente, é outra. Dependemos do fundo público e de recursos empresariais, dependência que já está nos levando ao colapso político e financeiro. Se o III Congresso não enfrentar o tema e ficarmos esperando o financiamento público de campanhas, o PT dificilmente sobreviverá íntegro a 2008.

Já a afirmação de que o PT não tem com “função organizar os movimentos” é um tema central da concepção de partido. Se nossa “função” não é essa, qual é então? Disputar eleições? Governar? Participar do debate ideológico na sociedade? Em nossa opinião, ao PT cabe fazer tudo isto e também ajudar a organizar a sociedade. O que inclui estimular e organizar a participação dos petistas nos movimentos sociais.

A migração necessária

Lendo a tese “Construindo um novo Brasil”, fica claro que o campo ex-majoritário não conseguiu apresentar, ao Partido, uma autocrítica do passado e uma linha capaz de enfrentar o futuro.

Esperamos que no curso do 3º Congresso, os mais de 100 mil filiados que em 2005 se identificaram com as posições deste grupo, se apercebam disto e migrem para outras posições. Quais posições, é o que buscaremos mostrar nos próximos textos desta série de artigos, que analisará uma a uma as 12 teses que disputam o destino do PT.

Valter Pomar

Notas sobre a política internacional do PT

O livro abaixo, uma coletânea de artigos de minha autoria, está disponível em versão eletrônica, no endereço www.pagina13.org.br

Apresentação


Por Iriny Lopes*

Uma das atribuições da Secretaria de Relações Internacionais do PT é contribuir, com informações e análises, para que os dirigentes e a militância do Partido dos Trabalhadores possam acompanhar, interpretar e tomar decisões acerca dos temas relacionados à situação mundial, a política externa do Brasil e a política internacional da esquerda brasileira.

Para dar conta destes objetivos, a SRI adotou várias iniciativas, entre as quais a edição de uma coleção de livretos chamada “Textos para debate”. Até hoje, publicamos os seguintes “títulos”: Um novo ciclo na história do Brasil; A política externa do Brasil; As diferentes estratégias das esquerda latino-americanas; A Internacional Socialista: suas origens e atuação contemporânea; O conflito Israel-Palestina; Uma visão do Brasil sobre a África.

Alguns destes títulos foram publicados em português, outros em espanhol, buscando atender o crescente interesse, presente na esquerda latino-americana e mundial, acerca do pensamento petista.
Os textos citados acima não expressam, necessariamente, a posição oficial do Partido sobre os temas tratados. Mas, assinados por militantes que integram nosso coletivo de relações internacionais, as posições expressas em cada texto fazem parte das referências que informam a política do PT.

Diferente dos 6 títulos citados anteriormente, este título de número 7 de nossa coleção é, na verdade, uma coletânea: reunimos num só livreto, os três primeiros “textos para debate” (cuja tiragem já esgotou); o texto Nem devagar, nem pressa, que integra os anais do seminário de balanço da crise internacional do capitalismo, realizado pelo PT, pelo PCdoB, pela Fundação Perseu Abramo e pela Fundação Maurício Grabois; o Informe sobre a reunião de Caracas, apresentado ao Diretório Nacional do PT, que trata do debate acerca da V Internacional; bem como dois textos publicados em 2010, intitulados Notas sobre a política internacional do PT e A batalha do Chile, este último sobre a vitória eleitoral da direita.

Salvo correções secundárias, os textos respeitam a versão original, motivo pelo qual alguns dados e referências estão ultrapassados. Pepe Mujica, por exemplo, não é mais senador, mas sim presidente do Uruguai. E o parlamento brasileiro já aprovou a entrada da Venezuela no Mercosul.
Boa leitura!

* Iriny Lopes é secretária de relações internacionais do PT

Sem medo de eviscerar

Como expliquei na primeira postagem deste blog, seu objetivo principal é disponibilizar textos que produzi ao longo de 25 anos de militância petista. É o caso de "Sem medo de eviscerar", escrito em junho de 2005, versando sobre um tema que segue atual: como tratar o combate à corrupção.


É nos momentos de crise, como este, que costumam ficar mais claras as verdadeiras concepções que norteiam as lideranças políticas. Um bom exemplo disso é o discurso do senador Tião Viana, feito na segunda-feira, 13 de junho [de 2005].
Este discurso foi muito comentado (e criticado), devido a proposta de demissão coletiva dos ministros, a proposta de substituição dos comissionados indicados pelo PT e aos afagos explícitos dirigidos ao PSDB.
Comecemos por este último ponto.
O senador Tião Viana é do Acre, irmão do governador reeleito Jorge Viana. Suas boas relações com o PSDB local e com o então presidente Fernando Henrique Cardoso vem de longe. Mas muito tempo se passou desde então e vários dos que defendiam uma relação "de alto nível" com o PSDB mudaram de idéia. Entre eles, o atual presidente nacional do PT, José Genoíno.
Mas Tião Viana não mudou de idéia. Mesmo neste momento, em que o PSDB está atacando pesadamente o PT, o governo e o presidente da República, o parlamentar acreano acha motivos para elogiar o senador Arthur Virgílio e o ex-presidente Fernando Henrique.
No primeiro, Tião Viana elogia sua postura de "equilíbrio, de responsabilidade política e de responsabilidade para com o País".
Alguém pode debitar isto ao fenômeno do cretinismo parlamentar, que inclui lances patéticos como a troca de insultos entre o deputado Roberto Jefferson e o liberal deputado Mabel, sempre precedidos por um "Vossa Excelência".
Nos parece, entretanto, que o senador Tião Viana tem motivos mais consistentes para elogiar o senador Arthur Virgílio. Para ele, na fala do tucano amazonense, "havia, sim, um foco de crítica e de ataque à circunstância, mas não havia uma tentativa de desestruturar o Estado dentro do Governo".
Esta relevante preocupação com a "desestruturação do Estado" fica mais clara, quando se vê os elogios dedicados ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
O senador Tião Viana chama de "memorável" um artigo do ex-presidente, publicado no jornal O Globo, no dia 5 de junho. E embarca, com satisfação, num diálogo virtual com o grão-mestre tucano.
Segundo Tião Viana, o presidente Lula queria, sim, "o diálogo inclusive com o PSDB, que queria conversar com os partidos de oposição. No outro dia estourou o escândalo Waldomiro, e aí tudo foi por água abaixo, não se permitiu mais um caminho de diálogo".
Infelizmente, Tião Viana não faz nenhuma reflexão sobre a coincidência entre as tentativas de aproximação com o PSDB e as denúncias de corrupção contra o governo, mais exatamente contra aquele setor do governo que é contrário a esta aproximação.
Se ele fizesse alguma especulação a respeito, compreender-se-ia melhor porque --nas palavras de Tião Viana-- "o Ministro Antônio Palocci faz parte do Estado" e "está acima de qualquer dúvida, de vínculo partidário".
Mas o senador parece avesso a estas especulações e prefere somar forças à proposta, feita por Fernando Henrique Cardoso, de "restrição drástica das nomeações em cargos de confiança, o que é um entendimento da maioria dos pensadores e cientistas políticos atuais, que pode estar na origem de tudo, essa tentativa de apropriação paternalista dos espaços públicos por cargos de nomeação".
Homem prático, Tião Viana propõe materializar estas idéias da seguinte forma: que o PT demonstre "desprendimento e grandeza", colocando "à disposição do Presidente da República os cargos de Ministro". Coincidentemente, a mesma proposta feita pelo ministro Luís Gushiken, alguns dias atrás.
Claro que Palloci, "parte do Estado", não faria parte disso. Esclarecimento conveniente, que evita alguma piada involuntária sobre as relações entre o ministro da Fazenda e o Partido dos Trabalhadores. E que deixa claro quem, na opinião do senador Tião Viana, "numa hora dessas", é "imprescindível" para o presidente.
É natural que, num discurso de uma liderança ligada à saúde, surja alguma referência a termos médicos. Mas causa espécie a escolha, presente na seguinte frase: "É hora de eviscerar o Partido dos Trabalhadores sem nenhum medo, Sr Presidente. Nós somos honrados, temos história, coerência e grandeza para enfrentar qualquer crise política, mas não podemos levar nossa história para a lama da dúvida e para a lama de uma interpretação de incoerência nas responsabilidades éticas com este País".
Eviscerar tem como sinônimo uma palavra mais popular: estripar. Nada mais elucidativo sobre o turbilhão em que se transformou a cabeça de certos petistas, em particular líderes graduados do setor que hoje dirige o PT, que um senador defenda estripar sem nenhum medo (!) seu próprio Partido. 
Conhecendo os hábitos políticos de alguns, talvez a adjetivação “sem medo” esteja ligada a algo mais prosaico. Nas palavras do Senador: “no máximo em 60 dias teríamos uma transição para que o Presidente pegasse todos os supostos filiados ao Partido dos Trabalhadores em cargos de confiança e esses cargos fossem preenchidos por servidores de carreira, como foi agora nos Correios, para que se fizesse concurso público. E quando os servidores de carreira não os preenchessem, se fizesse um concurso público e se preenchesse em 60 dias isso. Com isso, estaríamos completamente livres, demonstrando a nossa responsabilidade e o incondicional apoio que damos e devemos dar ao Presidente Lula, independente de estarmos ou não dentro de um cargo ou outro do Governo”.
Não admira que este discurso tenha recebido um aparte elogioso do Senador Arthur Virgílio, inimigo declarado do governo Lula e do PT, mas que nos idos de 1998 foi considerado como aliado pelo chamado “campo majoritário” do Partido.
Disse Arthur Virgílio: “Senador Tião Viana, V. Exª é o tipo do interlocutor que o Governo deve oferecer à Nação neste momento. São palavras como as de V. Exª que estimulam a que se cheguem às boas conclusões. V. Exª, por exemplo, faz justiça ao PSDB. O PSDB viveu nos últimos momentos aquele que é o pior dos mundos, como eu dizia ainda há pouco ao Senador Pedro Simon. Procurou com firmeza cobrar a instalação da CPI e a investigação dos fatos de corrupção que levam à crise. Se a responsabilidade vai de "a" até "z", quem vai dizer será a CPI. Apenas se presume que comece em "a". Não estamos falando em "z". Estamos falando em "a". Por outro lado, ficou difícil alguém reconhecer que houvesse algo puro e simplesmente de boa intenção no nosso gesto. "Ah, porque eles querem ganhar a eleição". "Ah, porque querem o Lula fraquinho". "Ah, porque eles estão querendo que não-sei-quem não suba na frente deles nas pesquisas!" "Ah, porque..." Esse "Ah, porque..." mediocriza uma relação e nos sugere que talvez tenha sido uma perda de tempo nós termos pura e simplesmente tentado mostrar para o Governo que éramos capazes de fazer algo muito mais maduro do que recebemos no passado. Ou seja, se o Governo tiver um pingo de juízo, usará mais pessoas com seu perfil para falarem à Nação, com direito a não concordarmos ou concordarmos em parte com o que V. Exª diz, mas sabendo que se trata de uma efetiva ação política visando a oferecer respostas mais nítidas e mais claras para a Nação e cumprindo o seu dever de lealdade para com o seu Partido e para com seu Governo. Ou seja, a lealdade não exige agora irracionalidade; a lealdade exige ao contrário. Exige racionalidade, exige raciocínio político frio e inteligente e efetiva compreensão dos fatos e das pessoas com a grandeza de coração de que V. Exª se reveste. Parabéns pelo discurso!”
Um discurso que merece tais elogios do inimigo, dificilmente receberia aplausos no próprio Partido. Mas é desmerecer a contribuição do Senador, criticá-lo apenas pela proposta de demissão coletiva dos ministros, pela proposta de substituição dos comissionados indicados pelo PT e pelos afagos explícitos dirigidos ao PSDB.
A verdade é que o Senador Tião Viana deu enorme contribuição ao pensamento político nacional, ao chamar nossa atenção para a ideologia transgênica –-meio tucana, meio petista-- que floresce nas franjas do chamado “campo majoritário” do PT.
Segundo a versão distribuída pelo Senado, ainda sem a revisão do orador, Tião Viana começou seu discurso afirmando que "estamos num momento difícil da vida nacional".
É verdade, estamos num momento difícil. Mas ao falar das dificuldades, o Senador não cita as condições terríveis de vida da maioria do povo brasileiro, não fala do aprofundamento da desigualdade social, não comenta a estagnação econômica continuada, não toca no prosseguimento da ditadura do capital financeiro.
Para o Senador, a "ferida aberta em todo o Brasil", a "ferida que aponta fortes momentos de aflição do povo brasileiro", é a "corrupção (...) aflorando dentro de algumas instituições públicas".
Falar da "corrupção", especialmente dos corruptos (e muito pouco ou quase nada dos corruptores) é o tema preferido da direita “moderna”
A direita brasileira utiliza, com muita freqüência, o ataque “aos corruptos & aos marajás”. Fez isso em 1989, para eleger Collor. E fez isso ao longo dos anos 1990, para deixar o povo indignado com os políticos em geral e preparar o terreno para as políticas neoliberais, pois o sub-texto daquele ataque é que a corrupção resume-se a "oferecer dificuldades, para vender facilidades".
Senador de um partido socialista, por definição contrário às políticas neoliberais, Tião Viana certamente ouviu falar disso. Mas, curiosamente, ele utiliza termos petistas, mas para desembocar no raciocínio oposto ao de nosso partido.
Segundo Tião Viana, "temos acompanhado, ao longo desses anos, ao longo de 25 anos, essa trajetória da corrupção no Brasil; a trajetória do movimento de massa, tentando livrar o Brasil desses tentáculos terríveis da corrupção".
Este interpretação, que reduz nossa luta ao tema da corrupção, que transforma o PT numa UDN de macacão, não é apenas um exagero retórico. Tião Viana, como tantos outros companheiros de nosso partido, parece não organizar mais o seu pensamento político em torno de um projeto alternativo de sociedade; ele organiza o seu pensamento em torno do propósito de fazer "funcionar melhor" a sociedade que está aí. Daí sua preocupação com as tentativas “de desestruturar o Estado dentro do Governo".
Nesse sentido, a corrupção --como a criminalidade em geral-- é interpretada como uma espécie de areia que prejudica o bom funcionamento da engrenagem.
Paradoxalmente, ao supervalorizar o tema da corrupção, o senador na verdade deixa de compreender corretamente suas causas, seu papel, seus vínculos com o sistema social capitalista, sua sinergia com o neoliberalismo.
Também paradoxalmente, ao combater a “desestruturação do Estado”, o senador acaba ajudando a desestruturar a sociedade. Pois este Estado que está aí, a cada dia fica mais claro, não está à serviço dos interesses da maior parte da sociedade. E a tentativa de reformá-lo por dentro, a tentativa de colocá-lo a serviço das maiorias, tentativa experimentada pela primeira vez no Brasil nos últimos 30 meses, está se demonstrando –para usar os termos do Senador—um caminho demasiadamente "difícil", "tortuoso, estreito".
Segundo Tião Viana, "estamos hoje na representação da política nacional tendo o Primeiro Mandatário do País, representando, em sua origem, o Partido dos Trabalhadores e agora representando o Estado brasileiro dentro da sua função de governante e guardião das instituições públicas e aquele que deve agir sob o manto efetivo dos preceitos constitucionais".
Como todo senso-comum, este esconde os maiores segredos. Recapitulemos o raciocínio do senador: na origem, Lula representava o PT; agora, representa o "Estado brasileiro", tendo a função (sic) de "governante e guardião das instituições públicas e aquele que deve agir sob o manto efetivo dos preceitos constitucionais".
Nesta pequeno raciocínio, esconde-se a fórmula mágica dos que pretendem domesticar teórica e praticamente o PT: transformar Lula em representante do Estado brasileiro. Ou deveríamos dizer: transformar Lula em Palloci (que, lembremos, “faz parte do Estado”).
Certamente o senador Tião Viana não percebe que, ao defender tal tese, sem mediações, sem nenhum tipo de contraponto, ele mata na origem toda e qualquer possibilidade de combater efetivamente a corrupção. É paradoxal, pois quem considera que a corrupção é um componente estrutural da sociedade brasileira, deveria considerar com mais suspeição o Estado. Deveria utilizar o governo como um dos instrumentos necessários para desestruturar e reestruturar o Estado; e não falar, como Tião Viana num ato falho, de "Estado dentro do Governo".
Como todo petista graduado, quando se vê em dificuldades para explicar as desventuras do presente, Tião Viana lança mão das lembranças do nosso passado. Como não podia deixar de ser, a memória é ardilosa, reconstruindo o passado a luz das crenças atuais.
Certamente por isto, Tião Viana "relê" a Vila Euclides, como parte de "uma caminhada pela disputa de poder saudável, envolvendo as forças políticas que resistiam à ditadura militar. Um momento bonito, momento que sintetizou tantos sonhos do Partido dos Trabalhadores, a razão de ser da nossa origem, que foi defender a ética na política, defender a honradez do mandato público, defender a honradez das instituições".
Tenhamos paciência: a razão de ser da nossa origem foi "defender a ética na política, defender a honradez do mandato público, defender a honradez das instituições"???
Quando uma palavra se torna lugar-comum, recomenda-se mais cuidados. "Ética", como cidadania e república, estão na boca das pessoas mais improváveis. Até Roberto Jefferson se diz preocupado com a República!!!
Fazer da “ética na política” a “razão de ser” da origem do PT é um brutal reducionismo. A "razão de ser" da origem do PT foi a luta contra a desigualdade social e política. Isso certamente inclui o combate à corrupção e medidas para democratizar o país. Mas não dá para colocar na boca do movimento popular do final dos anos 1970, início dos anos 1980, um discurso liberal em defesa da "honradez das instituições" e do "poder saudável" --seja lá o que o Senador entenda por isto.
Neste ponto do discurso estava o Senador, quando talvez sem perceber as conexões do seu próprio raciocínio, ele constata que "agora que chegamos ao poder, de repente surge um momento de corrosão, uma tempestade, querendo dizer que o PT é exatamente parte do lamaçal que afronta as instituições públicas brasileiras".
Tião Viana não percebe que o "envolvimento" do PT com casos de corrupção advém exatamente disto: chegamos ao governo, dentro de um Estado historicamente determinado, profunda e estruturalmente corrompido, numa sociedade imensamente desigual. E o que fizemos, ao "chegarmos lá"? Operamos uma completa reestruturação das instituições públicas? Propusemos a convocação de uma Assembléia Constituinte? Realizamos uma imensa auditoria? Adotamos medidas para subverter a desigualdade?
Nada disso. Optamos, na melhor das hipóteses, por um caminho de "reformas" lentíssimas, seguríssimas e gradualíssimas. E buscamos construir uma maioria política através de alianças com partidos conservadores, inclusive com aqueles envolvidos em com casos de corrupção. Não admira que esta política esteja afundando e levando junto a maioria social que nos permitiu chegar ao governo.
Este é o problema de fundo, estratégico. Mudar ministros, substituir comissionados, dizer que "nunca se combateu tanto a corrupção quando nesse Governo" ou qualquer outra afirmação do gênero passa léguas de distância do que é necessário fazer para sair da armadilha em que estamos metidos.
As idéias de Tião Viana são transgênicas: uma confluência entre o pensamento social-democrata e o pensamento neoliberal. Um, preocupado em preservar o Estado. Outro, preocupado em minimizar o seu tamanho. Ambas, deixando intocável uma ordem social que consiste na apropriação das riquezas de toda a sociedade brasileira, por interesses privados.
Deste ponto de vista, a apropriação do público pelo privado, através de negociatas feitas com empresas por ocupantes de cargos de confiança, é um detalhe. Gravíssimo, nojento, mas é um detalhe.
Muitíssimo mais grave é aquela apropriação que se faz, através da coincidência de interesses e propósitos entre o Estado e os interesses do grande empresariado.
Esta coincidência --que tem a ver com o "caráter de classe" do Estado-- não é corrupção, no sentido vulgar da palavra. Não é ilegal. Mas é o que provoca maiores danos aos interesses públicos, se por isto entendermos os interesses da ampla maioria do povo brasileiro.
Mas seguir por este caminho, colocaria em questão os corruptores (grandes empresários) e o próprio papel do Estado. Assim, nada mais conveniente para a direita (e para uma esquerda social-democrata) que restringir o foco da crítica, limitando-se ao senso comum, aceitando a pauta tucana segundo a qual o problema está no "número" (mínimo ou máximo) "necessário de dirigentes para imprimir a marca da política governamental".
Só que limitar o foco, não limita as tolices propostas. Defender que "apenas através de concurso público se ocupem cargos de confiança, porque, sendo os servidores de carreira, vamos abolir essa tentativa de apropriação e privatização do Estado", pressupõe acreditar que os “servidores de carreira” são imunes à corrupção. Quando até mesmo a presente crise teve origem numa corrupção praticada por um servidor com mais de 20 anos de carreira.
Assim, aberta a porta para o vampiro, restrito o foco da análise e das propostas, o próximo passo –depois de reduzir a presença do PT no governo— será propor a redução do próprio aparato de Estado, claro que preferencialmente nas áreas sociais, tão sujeitas ao “populismo”. Como se vê, a ideologia transgênica do senador Tião Viana acaba se transformando, mais cedo ou mais tarde, no ideário neoliberal.
Só para lembrar: a mesma Itália que fez a “Operação Mãos Limpas” caiu nas mãos de um Berlusconi. Portanto, cuidado com os estripadores, eles não sabem o fazem. Ou sabem.


terça-feira, 23 de agosto de 2011

Palavas fora do lugar


O texto abaixo foi escrito no final de 2005. Mas segue atual, sob vários aspectos.

A eleição da nova direção do PT já vai longe. Escrevi a respeito o texto “O futuro do PT” (www.valterpomar.com.br). O balanço do PED ainda vai nos preocupar algum tempo. Mas o assunto da hora é outro: como derrotar a direita interna e externa ao governo. Noutras palavras: como mudar a política econômica, como mobilizar a sociedade, como preparar nossa vitória nas eleições de 2006.

Tratei destes e de outros assuntos num artigo intitulado “Cinco desafios para o PT” (www.pt.org.br), desafios que resumo da seguinte forma:

1.Recuperar sua capacidade de criticar, polarizar e construir uma alternativa democrática, popular e socialista às idéias neoliberais, ao militarismo norte-americano e à hegemonia do capital financeiro;

2.Retomar o debate estratégico, sobre qual o papel que a “luta social” e a “disputa eleitoral” ocupam, na luta pelo socialismo, no atual período histórico;

3.Reconstruir as relações orgânicas, políticas e ideológicas entre o PT e as classes trabalhadoras, em suas várias expressões políticas e sociais, especialmente aquelas que romperam ou se afastaram do Partido no último período. Reconstrução que deve ser feita “a quente”, ou seja, no contexto da própria organização e mobilização;

4.Adotar as medidas preventivas e corretivas necessárias, para suportar o ambiente contaminado da “política institucional”;

5.Compreender e equacionar a relação entre “petismo” e “lulismo”.

Estava ocupado com estes assuntos quando descobri, no Portal Popular (www.portalpopular.org.br), um artigo cujo título era o seguinte: “A candidatura Valter Pomar revelou-se uma inequívoca traição à esquerda”.

Assinado por Fábio Luís e datado de 19 de outubro [de 2005], este artigo é todo dedicado a me enxovalhar, como diriam os antigos. Fui atrás do assunto e descobri que o texto, com outro título, fora também publicado no Correio da Cidadania. Ao pesquisar, descobri também o texto de Juliano Medeiros, intitulado “Erros, equívocos ou má fé?”, publicado na edição 471 do CC, de 22 a 29 de outubro.

Confesso que vacilei em responder, pois este tipo de debate não costuma ser muito produtivo e o assunto já não tem a urgência típica dos assuntos que tratamos em artigos de jornal. Mas como considero que “traição” é um crime grave, “má fé” ficando logo atrás, achei melhor não deixar barato.

Fábio Luís começa seu artigo dizendo que “Valter Pomar não é um político cujo nome transcenda a esfera interna do PT, embora neste âmbito tenha projeção”. Acho que ele está certo, embora não entenda porque ele me denomina como “político”. Não somos todos “políticos”? Um revolucionário profissional não é um “político”? Ou ele está querendo, com isso, introduzir uma desqualificação sutil?

Ainda segundo Fábio Luís, “as candidaturas de Valter Pomar e Raul Pont apoiaram-se, sobretudo, na fatia da máquina partidária que comandam – a sua tendência, assim como o menos expressivo Marcus Sokol. Entretanto, Valter diferenciou-se dos companheiros da esquerda do partido por pactuar com o Campo, aceitando, inclusive, apoio eleitoral da sua máfia em São Paulo, que lhe assegurou votos da maneira mais primitiva que a nossa política conhece”.

Sou forçado a lembrar, neste ponto, que o “Campo” era majoritário exatamente porque recebeu 52% a 55% dos votos na eleição realizada em 2001. Portanto, se a esquerda do PT queria tornar-se majoritária, ela tinha que convencer parte dos eleitores do “Campo” a votar nas candidaturas de oposição.

Este convencimento foi feito publicamente, através do debate que todos acompanharam; foi feito, também, através do diálogo com os dirigentes partidários que, fazendo ou não parte do “Campo”, apoiaram de 2001 até o início de 2005, as posições deste grupo.

Todas as candidaturas oposicionistas fizeram estes dois movimentos (disputar as bases e dialogar com as lideranças). Especificamente da minha parte, não houve “pacto” algum: houve apenas a reafirmação de alguns compromissos que já faziam parte da plataforma que vinha apresentando, enquanto candidato.

Por exemplo: caso eleito presidente, seria porta-voz do Diretório Nacional do PT. Ou então: caso eleito presidente, trabalharia pela convocação do III Congresso do PT, em 2007, seguindo de novas eleições para direção, com base nas novas regras aprovadas pelo Congresso.

Os leitores julguem se há, nisto, algum “pacto”, no sentido depreciativo que esta palavra carrega. Quanto aos votos da “máfia”, insisto que Fábio Luís deveria detalhar seus argumentos, tanto para que os acusados possam defender-se, quanto para verificarmos se as relações políticas e sociais que Fábio Luís denomina de “mafiosas” não são, na verdade, típicas de muitas bases populares, notadamente as religiosas, cujo voto supostamente “industrial” irrigou todas as candidaturas.

Embora seja um assumido radical, Fábio Luís confessa, sem perceber a contradição, que suas observações a esse respeito são baseadas nos “cronistas políticos da grande imprensa”, cujos analistas “em geral néscios” indicaram que eu me apresentava como um “plano B”, “palatável ao Campo Majoritário”.

Fábio Luís assume, também, não ter “como provar todos os movimentos alinhados ao Campo Majoritário do candidato”, mas mesmo assim tem convicção que “a candidatura Valter Pomar revelou-se uma inequívoca traição à esquerda”.

Eu não sei se Fábio Luís tem idéia do peso desta palavra. Traidor é quem entrega seus companheiros para a repressão. Traidor é quem rompe com o socialismo e passa a defender o capitalismo. Traidor é quem rouba os recursos de sua organização. Traidor é quem fornece, ao inimigo, os meios para destruir sua própria classe.

Um traidor é um inimigo. É incompreensível, portanto, que Fábio Luís diga, logo em seguida, ter por mim “imenso respeito” e “uma sincera gratidão pessoal”. Ou que confesse admirar minhas “qualidades como analista e orador”. Ou que eu seja um “precioso quadro político formado na esquerda”. Fábio Luís chega ao ridículo de dizer que “certamente” gostaria que eu, um traidor, estivesse no seu “time”.

Disto só posso concluir que Fábio Luís não sabe do que está falando. Não tem a menor idéia do que seja um traidor. A questão é: esta irresponsabilidade com as palavras se estende também ao restante do raciocínio de Fábio Luís?

O fato é que acusar a intenção dos outros não é, nem nunca foi, argumento. Dizer que alguém comete um erro é diferente de acusar alguém de “má fé”, exatamente porque no segundo caso estamos duvidando dos propósitos envolvidos.

Fala agora do artigo de Juliano Medeiros, escrito a pretexto de comentar textos em que Emir Sader, Flávio Aguiar, Julian Rodrigues e este escrevinhador criticam a atitude de parte da esquerda petista, que saiu do Partido entre o primeiro e o segundo turno do PED.

Como Fábio Luís, Juliano Medeiros apela para a desqualificação sutil, ao dizer que Emir, “diferente de Valter, Julian e tantos outros, teria a autoridade de quem não vive da luta política”. Curioso: o que é “viver da luta política”? Ser dirigente profissionalizado do MST, da CUT, da UNE, do PT, do PSTU é “viver da luta política”? Isso tira a “autoridade” dos nossos argumentos? Ser professor, jornalista, publicitário, pós-graduando ou o que seja confere “autoridade” para determinadas idéias? A origem social de um autor indica se suas idéias são verdadeiras ou mentirosas?

Seja como for, nada melhor do que ler o texto de Juliano Medeiros e confrontá-lo com o resultado da eleição do presidente nacional do PT: Ricardo Berzoini teve 113 mil votos, Raul Pont teve 106 mil votos. Logo, o candidato do “Campo” ganhou do candidato da “esquerda” por menos de 10 mil votos.

Ricardo Berzoini teve menos votos no segundo turno, do que no primeiro turno. Já Raul Pont cresceu em cerca de 60 mil votos. É impossível não constatar que os votos e o apoio integral da chapa Esperança Militante, encabeçada por Plínio de Arruda Sampaio, poderiam ter feito a diferença no resultado final.

Mas, segundo Juliano, Plínio saiu porque não estavam dadas as pré-condições para ficar. E quais pré-condições eram estas? “Se houvesse maioria no Diretório Nacional, se isto demonstrasse a possibilidade de resgatar o PT para um programa Democrático-Popular”.

Dizem que a prática é o critério da verdade. Juliano faz mil e uma contas para “provar” que o “Campo” segue majoritário na composição do Diretório Nacional do PT. Mas se é assim, por qual motivo o “Campo” teve que ceder na composição da executiva nacional do Partido, entregando pelo menos três secretarias estratégicas que estavam sob seu controle: geral, organização e relações internacionais?

Se Juliano Medeiros dissesse que as idéias do “Campo” seguem hegemônicas, eu concordaria. Mas estão enfraquecidas, porque mais do que idéias, o “Campo” tinha a seu favor a força. E essa força, hoje, é menor. E seria ainda menor, não tivesse ocorrido a saída de uma parte da esquerda, afetando não a composição Diretório, mas sua correlação de forças político-ideológica.


Juliano Medeiros reconhece que “a esquerda socialista está diante de uma verdadeira ‘argentinização’, por conta da grande chance de ocorrer uma fragmentação comparável só à ocorrida durante a Ditadura Militar”.

Acontece que esta fragmentação é produto tanto das opções feitas pelo “Campo”, desde 1995, quanto das opções feitas pelas forças de esquerda e de ultra-esquerda que defendem reorganizar o bloco democrático e popular, mas “sem” ou até “contra” o PT.

Mesmo que não seja esta sua intenção, os que apostam em reorganizar o bloco democrático e popular “sem” ou “contra” o PT, acabam contribuindo para a fragmentação de toda esquerda brasileira (vide as propostas de divisão da CUT e da UNE).

Pois o enfraquecimento do PT agrava a disputa de hegemonia no campo democrático e popular. Como nenhuma força tem capacidade, agora ou no médio prazo, de ocupar o lugar do PT, restam duas alternativas: ou a fragmentação da esquerda ou a reconstrução do PT, esforço no qual estou empenhado.

Esses são os problemas de fundo. Para enfrentá-los, melhor deixar os “traidores” e a “má-fé” fora do debate.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Ainda o Congresso da Articulação de Esquerda

Segue o link que dá acesso ao filmete com outra intervenção no Congresso da Articulação de Esquerda:

fala32 (187.94M)

Ícone de alerta
Seu vídeo estará ativo no momento em que:

domingo, 21 de agosto de 2011

Debate no Congresso da AE

Segue o link para outra fala feita no debate no Congresso da AE: http://www.youtube.com/watch?v=m9d8Wkv_rYo


sábado, 20 de agosto de 2011

Um balanço petista de 2010


O resultado da eleição de 2010 deu continuidade ao processo iniciado em janeiro de 2003, quando Lula tomou posse. Trazendo como novidades importantes a eleição de uma mulher e a derrota de uma oposição extremamente reacionária, cuja agressividade explica a mobilização mais ou menos espontânea de militantes e eleitores que, mesmo não simpatizando com o governo Lula, com PT ou com Dilma, preferiram evitar o risco de um retrocesso.

Na campanha eleitoral, Dilma apresentou-se como a “continuidade da mudança”. Mas na prática enfatizou-se a continuidade, pouco ou nada se falando das mudanças. Ocorre que as mudanças já começaram.
Internacionalmente, o governo Dilma atuará num cenário dominado não apenas pela crise e instabilidade econômica, mas também por cada vez maior instabilidade política e militar.

Internamente, se reduz a margem de manobra do governo para melhorar a vida dos pobres, sem tocar nas grandes riquezas. Noutras palavras: nos marcos da atual estrutura tributária e macroeconômica, não será mais possível ampliar significativamente os investimentos econômicos e sociais. Como o cenário internacional é negativo, tudo aponta para a agudização do conflito redistributivo no país, seja tributário, salarial, seja pela alta nos preços, pela alta dos juros etc.

Politicamente, isto explica parte do tom radical assumido pela oposição na campanha eleitoral, e que deve predominar ao longo do mandato Dilma. E que precisa ser contrabalançado por intensa mobilização social das camadas populares.

Tendo em vista que José Serra alcançou 44% dos votos, elegendo ainda 11 governadores, inclusive em São Paulo e Minas Gerais, cabe perguntar quais as bases de massa da oposição.

Primeiro: a política de melhorar a vida dos pobres, sem tocar na riqueza dos milionários, reforça o preconceito de uma parcela dos setores médios contra nós. Pois na prática estes setores perdem, em relação aos pobres, especialmente em termos de status.

Segundo: melhorar a vida material dos pobres, sem melhorar em grau equivalente a sua cultura política, deixa uma parcela dos que melhoraram de vida sujeitos à influência das igrejas conservadoras e do Vaticano, dos meios de comunicação monopolistas e da educação tradicional.

Terceiro: o PT ganhou sua terceira eleição presidencial, mas ao mesmo tempo enfrenta cada vez mais dificuldades para hegemonizar o processo e enfrenta, ao mesmo tempo, um antipetismo cada vez mais duro.

A estes três, agregamos dois outros problemas estratégicos:

Manter o apoio dos 56% que votaram em Dilma implica em, pelo menos, manter as taxas atuais de crescimento econômico e distribuição de renda. Devido ao cenário internacional, isto só será possível caso se adotem medidas urgentes de proteção da economia nacional.

Finalmente, os resultados de 2010 mostram um crescimento em relação a 2006, mas uma quase estagnação em relação a 2002, tanto na eleição majoritária, quanto na eleição proporcional. Mantida a atual legislação eleitoral, é pouco provável, para não dizer praticamente impossível, formar uma maioria de esquerda no Congresso brasileiro. O que coloca em questão a viabilidade da estratégia de transformar o Brasil pela via eleitoral.

A direção do PT têm consciência disto tudo, naturalmente com diferentes interpretações e alternativas. A dúvida é se conseguiremos solucionar estes problemas estratégicos.

Nos últimos anos, ocorreu um empobrecimento de nossa elaboração ideológica, programática e estratégica. Há um descompasso cada vez maior, entre a complexidade das questões postas diante de nós, no mundo, na América Latina e no Brasil, vis a vis nossa capacidade de refletir coletivamente sobre estes assuntos.

Este empobrecimento intelectual foi acompanhado da terceirização de aspectos importantes da capacidade dirigente do PT, seja em favor das nossas bancadas parlamentares, seja em favor dos governos que encabeçamos, seja para a pessoa de Lula. Cresceu muito a distância entre a influência moral e eleitoral do PT, vis a vis a capacidade efetiva de direção de nossas instâncias.

Em terceiro lugar, ocorreu um processo de “normalização” do PT, de nossa integração ao establishment. 

Durante muitos anos, o PT cumpriu um papel civilizatório na política brasileira. Pouco a pouco, por diversos motivos, entre os quais o financiamento privado das campanhas eleitorais, fomos nos adaptando a certos hábitos e costumes da política brasileira, dos mais ridículos aos mais graves, entre os quais tratar a eleição como mercado de votos.

Vale dizer que nossa integração ao establishment não se dá como decorrência automática de nossa conversão em partido de governo. Aliás, ironicamente, as vezes nossos governos são mais inovadores e atraentes do que nossas instâncias partidárias, que têm se transformado em “agências reguladoras” de nossa participação nos processos eleitorais, burocratizadas, sem vida, controladas por esquemas cada vez mais tradicionais.

Como decorrência disto tudo, uma parcela importante da juventude não se identifica mais com o PT. Se isto não mudar, teremos crescentes dificuldades eleitorais, pois na próxima eleição e na outra, não adiantará comparar nosso governo com o passado, pois para os mais jovens, nós também fazemos parte do passado.

Também como decorrência disto, cresce o espaço para uma terceira via: somados os votos de Marina, com brancos, nulos e abstenções, temos um resultado superior ao obtido por Serra.

Outra dificuldade por nós enfrentada está na relação com os chamados aliados.

Precisamos de aliados para vencer eleições e para governar. Mas, nas atuais regras do jogo, a mesma política de alianças que parece cumprir um papel positivo na nossa vitória nacional, não contribui para um salto no tamanho de nossas bancadas parlamentares e no número de nossos governos estaduais. Isto, mantidas as atuais regras do jogo, colabora para impor um teto, um limite de crescimento ao PT.

Ironicamente, apesar da ampla política de alianças, o antipetismo cresce entre os aliados, assim como cresce na sociedade, alimentado por duas fontes aparentemente contraditórias: de um lado, os que continuam deplorando o radicalismo petista; de outro lado, os que condenam o pragmatismo.

Resumindo tudo o que foi dito até agora: com a eleição de Dilma e durante o seu mandato devem se acentuar as contradições que atravessaram a política brasileira nos últimos oito anos.

Terá continuidade a disputa entre neoliberais e antineoliberais. O lobby em favor de Palocci, do ajuste fiscal e da alta de juros, para não falar do que ocorre no G20, na Europa e nos EUA, mostrando que o neoliberalismo está muito longe de ter sido derrotado, no Brasil e fora dele.

Continua, também, a disputa entre desenvolvimentismo conservador e desenvolvimentismo democrático, aquele no qual o crescimento é combinado com mudanças progressistas na distribuição de poder, renda e riqueza.

Numa escala mais reduzida, terá prosseguimento também a disputa entre capitalismo e socialismo, sendo que parcela hegemônica dos socialistas brasileiros voltou a ser o que foi em grande parte do século XX: ala esquerda do desenvolvimentismo.

Neste sentido, a disputa PT versus PSDB expressa, nos tempos modernos, a polarização que marcou toda a história brasileira, entre duas vias de desenvolvimento: a conservadora (crescimento sem distribuição) e a democrática (crescimento com distribuição). O fato de expressar uma característica estrutural da sociedade brasileira não implica que esta polarização seja inevitável, que ela não possa ser desfeita ou, ainda, que ela não possa comportar baixos teores programáticos.

Trabalham contra a polarização PT versus PSDB : os setores da ultra-esquerda que não enxergam diferenças entre petistas e tucanos e buscam, portanto, construir uma “verdadeira alternativa” ; a candidata Marina Silva e seus apoiadores “verdes”, que buscam construir uma terceira via competitiva em 2014 ; setores da oposição, que defendem construir um discurso oposicionista de novo tipo; setores da coligação que apoiou Dilma, que trabalham para construir uma candidatura presidencial não petista em 2014 ; setores do PT, que defendem um acordo com setores da oposição, supostamente para isolar os fundamentalistas de direita. Até o momento, contudo, a realidade tem pesado mais do que o desejo dos setores acima citados.

A crise internacional será prolongada e vai se aprofundar, crescendo o número dos que falam em guerra como uma saída.

O compromisso de “seguir mudando” exigirá alocar recursos compatíveis. O Estado brasileiro não dispõe de recursos suficientes para manter e ampliar o volume de investimentos necessários, seja para manter altas taxas de crescimento, seja para ampliar as políticas sociais. O conflito distributivo vai se ampliar. Uma reforma tributária (regressiva ou progressiva) será inevitável. A pressão pelo ajuste fiscal é a resposta da direita a este dilema, resposta que possui pontos de apoio internos à coligação governista.

A dinâmica reacionária de setores médios e ricos imporá polarizações. Como sempre dissemos, “a burguesia não nos faltará”. Contra os ingênuos e os conciliadores, fala mais alto a atitude agressiva da direita, que reage a um governo moderado e conciliador como se estivesse diante de um governo socialista e revolucionário.

Por outro lado, a luta por melhorias sociais também produzirá deslocamentos. As classes trabalhadoras já demonstraram, ao longo destes quase oito anos, que sabem aproveitar o momento favorável da economia para ampliar seus ganhos. Esta dinâmica de lutas sociais terá prosseguimento no próximo período, estimulando também um quadro de polarização entre dois projetos de país.

Por isto, nosso movimento estratégico exige derrotar efetivamente a oposição, reduzindo a sua base de massa e eliminando duas de suas fontes de poder : o financiamento privado das ampanhas eleitorais e o monopólio da comunicação.

Para derrotar a oposição neste sentido, não apenas eleitoral, mas também político-ideológico, é preciso abandonar as ilusões administrativistas e valorizar o papel estratégico do Partido: o de mudar a correlação de forças, para conquistar o poder. Cabe ao Partido colocar na sua agenda a luta pela reforma política, pela quebra do monopólio da comunicação, pela ampliação e mudança qualitativa nas políticas sociais. Assim como enfrentando os temas da Defesa, dos Direitos Humanos e da Justiça.

Assim como cabe ao Partido, num plano tático, desmascarar as várias caras da oposição (da reacionária até a supostamente light de Aécio) e conduzir a oposição nos estados e municípios por ela governados, preparando desde já as eleições de 2012.

Cabe ao Partido, principalmente, voltar a fazer trabalho de massa, de disputa política permanente, inclusive ideológica. Hegemonia exige disputa cotidiana e incansável. Não se trava apenas nos períodos eleitorais. E não se trava apenas, nem mesmo principalmente, a partir do governo. Um dos problemas do governo Lula foi que setores do Partido se acomodaram e aceitaram terceirizar, para o presidente, um papel que cabe ao Partido : o do diálogo com as grandes massas populares. Papel que o Partido só executará se tiver quadros capacitados e um processo permanente de formação destes quadros.

Nossa vitória se deve ao apoio das camadas populares. E são elas que devem continuar sendo a prioridade do nosso governo federal. Neste sentido, o PT não pode incorporar o discurso de que somos um “país de classe média” e da “igualdade de oportunidades”, sem perceber que o país de onde se extraíram estes dois paradigmas é o Estados Unidos, onde a esquerda foi sufocada, entre outras razões, pelo estabelecimento de uma visão de mundo que deixa em segundo ou terceiro plano os valores coletivos e sociais.

Uma das maiores ameaças ao sucesso do nosso governo e à sua continuidade em 2014 está na ilusão de que se pode seguir avançando indefinidamente sem enfrentar temas cruciais como a progressividade tributária, o imposto sobre grandes fortunas e o monopólio/oligopólio da comunicação. E, principalmente, sem que o PT recupere a prática da luta político-ideológica permanente, ininterrupta e militante.

Na campanha eleitoral, estes temas ou não foram tratados, ou não foram tratados adequadamente. E não adianta jogar a culpa na oposição de direita. Pois ficou evidente, no primeiro debate do segundo turno, que, quando quisemos, conseguimos pautar a campanha. A verdade é que nossa campanha acomodou-se, em parte por influência de setores internos que preferiam ganhar sem derrotar, que não aceitavam facilmente a idéia de comparar governos, de sepultar uma vez mais a herança maldita.

O que ocorreu com nosso programa de governo, tanto no primeiro quanto no segundo turno, é uma expressão desta acomodação. No primeiro turno, tivemos o episódio patético e constrangedor ocorrido quando do registro da candidatura Dilma. Como todos sabem, agora é obrigatório que as candidaturas apresentem seu programa, quando do registro na justiça eleitoral. Para o PT esta obrigação legal nunca foi necessária: desde 1982 sempre apresentamos nossos programas de governo. Ocorre que a candidatura Dilma não é uma candidatura apenas do PT, mas sim de uma ampla coligação de partidos. Por isto, a coordenação da campanha decidiu que seria apresentado um texto-síntese. Mas, por razões que nunca foram totalmente esclarecidas, esta síntese não foi redigida e, no momento do registro da candidatura Dilma, um advogado contratado pelo setor jurídico da campanha registrou o programa do Partido e não a síntese que deveria ter sido elaborada pela campanha. Quando a confusão foi descoberta, a emenda conseguiu ser pior do que o soneto : o legítimo programa do PT, que não deveria ter sido inscrito, foi achincalhado publicamente ; e um novo texto foi inscrito, a partir de um “copidesque” do programa do PT, um resumo que chegou ao absurdo de suprimir a defesa do imposto sobre grandes fortunas. E foi com este texto que enfrentamos o primeiro turno, pois ao que tudo indica predominou na coordenação de campanha a idéia de que o programa era desnecessário e causaria polêmica. Que, como sabemos, deu-se por vários motivos, inclusive pela ausência de um programa oficial.

Quando iniciamos o segundo turno, estava claro que haveria um embate programático. E, novamente, a expectativa era de que o programa seria enfim publicado, inclusive os programas setoriais. Mas foi só no final do segundo turno que se publicou, não o programa, mas um panfleto minimalista com 13 “compromissos programáticos”. Sobre o conjunto destes acontecimentos, temos a obrigação de dizer que consideramos uma vergonha, não há outra palavra, que nossa coligação não tenha publicado um programa de governo que mereça este nome. Registre-se que tampouco a candidatura Serra apresentou programa. Por outro lado, é lamentável a influência religiosa sobre nossa campanha. É revelador que depois de anos falando de “republicanismo” e “revolução democrática”, setores do nosso Partido não tenham conseguido sustentar posições laicas e tenhamos tido que buscar o aval de bispos, padres e pastores mais progressistas, para não falar das invocações divinas. É igualmente revelador que alguns dirigentes partidários tenham encampado críticas a bandeiras feministas e humanistas, mostrando que certo reacionarismo não é exclusivo das fileiras da oposição. Para não falar na atitude temerosa com que se abordou o tema da redução da jornada de trabalho, mostrando o quão profunda é a hegemonia da economia política do Capital sobre os setores desenvolvimentistas da nossa coligação e do próprio PT. Novamente, o extremado reacionarismo da candidatura Serra não pode ser apresentado como álibi.

No fundo destes erros e vacilações, está uma incompreensão do que significa disputar hegemonia, como se fazê-lo implicasse em demarcar menos, em debater menos, em polarizar menos. Quando se trata exatamente do contrário disto. A disputa de hegemonia exige fazer, em sentido e conteúdo oposto, tudo aquilo que as classes dominantes fazem contra nós todo santo dia: guerra de posição.

É preciso reconhecer, aliás: diferentemente de 2006, a direita, apesar da derrota eleitoral, não saiu desmoralizada da campanha. No primeiro turno, enquanto do nosso lado muitas vezes faltou emoção e mesmo campanha no antigo sentido da palavra, do lado deles se constituiu um “núcleo duro” reacionário, que se projetará pelos próximos anos. Nós ganhamos na defensiva; eles perderam com discurso de vitoriosos.

Lembramos que foi vitoriosa, no Congresso do PT, a política de construir um amplo leque de aliados já no primeiro turno, estabelecendo uma polarização eleitoral de tipo plebiscitário. Embora não fosse explicitada, havia a intenção de liquidar a fatura já no primeiro turno.

O  leque de aliados foi amplo, incluiu o PMDB, ampliou o tempo de TV e vitaminou a candidatura presidencial. Mas não impediu a existência de uma “terceira via” eleitoral (a candidatura Marina), tampouco garantiu a vitória no primeiro turno. Apesar disso, não se pode dizer que a política de alianças tenha sido eleitoralmente prejudicial na disputa presidencial. Até porque os erros cometidos na condução da campanha tiveram origem no próprio PT e não se devem a pressões de aliados — parte desses erros, aliás, deve ser creditada à influência ideológica do inimigo sobre integrantes da nossa própria coordenação de campanha.

O mesmo não vale para as eleições estaduais. O que ficou mais uma vez claro, nesta eleição, é que a política de alianças nacional significa uma barreira objetiva para o crescimento do PT nas eleições para governos estaduais.

Além das alianças eleitorais, determinadas alianças sociais também não passaram pelo teste das urnas. Depois de dois mandatos em que o agronegócio foi tratado como aliado, colhemos uma derrota naqueles estados onde o agronegócio é hegemônico!

O número de governadores eleitos pelo partido é baixo, quando se leva em conta o fato de que será iniciado nosso terceiro mandato presidencial consecutivo ! Sofremos uma derrota muito grave no Pará, desconstruímos as alternativas petistas no Piauí. Nossa vitória no Acre está maculada pela votação obtida pela candidatura Serra. Sofremos uma derrota gravíssima em Minas Gerais, como resultado da política pró-Aécio de Pimentel e do aliancismo pró-PMDB. O apoio de setores do PT garantiu a vitória da oligarquia Sarney no Maranhão, o que é uma vergonha para nossa história. Em São Paulo, não fomos ao segundo turno em certa medida devido à política implementada por Lula, que defendia Ciro Gomes como candidato, nos impondo uma perda de tempo que custou caro na reta final.

Precisamos de alianças para vencer, para governar e para transformar o país. O governo Dilma, como o governo Lula, será um governo de centro-esquerda com aliados de direita. Mas o PT é um partido de esquerda e deve saber combinar o apoio ao governo com a disputa interna e externa pelos rumos deste mesmo governo.