sexta-feira, 30 de setembro de 2022

O Alto Comando não se manca

O jornal O Estado de São Paulo, mais conhecido como Estadão, publicou uma matéria intitulada "Alto-Comando do Exército diz que 'quem ganhar leva' a Presidência e se afasta de auditoria de votos".

A matéria está aqui: Expresso: Alto-Comando do Exército diz que ‘quem ganhar leva’ a Presidência (estadao.com.br)

Deixo aos especialistas no mundo das casernas decifrar os detalhes do que é dito, do que é sugerido, do que é plantação etc.

Me limito a destacar o seguinte: não cabe ao Alto-Comando dizer absolutamente porra nenhuma sobre o assunto eleições.

Só o fato de um general especular a respeito do assunto ("quem ganha leva ou não leva?") já seria motivo mais do que suficiente para mandar o estrelado para a reserva, senão para o xilindró.

Se o Estadão não fosse quem é, o título deveria ter sido: "Seja quem for o eleito, Alto-Comando quer se manter como poder moderador" e a linha fina deveria ter sido "Parcela dos oficiais acha que as ameaças de golpe e de questionamento aos resultados das urnas podem surtir os efeitos desejados, ou seja, manter seus privilégios intocados e seus crimes anistiados pelo esquecimento".

Democracia tutelada - seja pelos platinados, seja pelos fardados, seja pelos togados - não é democracia. E quem acha melhor não falar do assunto está criando cuervos.

ps.Exército classifica como fake news notícia de que “quem ganhar, leva” - Brasil 247

ps2.CQD....

Breve comentário sobre o debate na Globo

No dia 29 de setembro, quinta-feira, aconteceu mais um debate entre presidenciáveis.

Não participaram todas as candidaturas.

Ficaram de fora, por exemplo, aquelas cujos partidos não têm pelo menos cinco parlamentares no Congresso.

Este foi o motivo pelo qual ficaram de fora Leonardo Péricles (UP), Vera Lúcia (PSTU) e Sofia Manzano (PCB).

Participaram do debate Lula (PT); o cavernícola (PL); Simone Tebet (MDB); o coronel Gomes (PDT); Soraya Thronicke (União Brasil); o Padre de festa junina (PTB); e Luiz Felipe Dávila (do Novo-Velho).

Foi um debate longo (cerca de 3 horas de duração), num horário impossível para a maioria das pessoas.

Terminou o debate, começou o debate acerca do debate.

Do nosso ponto de vista, a questão mais importante é saber se este debate contribuiu ou não para que a eleição presidencial seja resolvida já no primeiro turno.

Na nossa opinião, o debate contribuiu para que ocorra um segundo turno.

Isto pelo seguinte: a diferença entre resolver a eleição no primeiro e segundo turno depende – ao menos se as pesquisas estiverem certas – de uma pequena diferença de votos.

Portanto, qualquer perda de Lula e qualquer ganho dos outros contribui para levar a disputa para o segundo turno.

E o fato é que o debate foi 6 contra 1, além de dar palanque generoso para 5 candidaturas tentarem conseguir uns votos a mais.


Isto quer dizer que, por causa do debate, haverá segundo turno?

Não, não quer dizer isto.

Quer dizer apenas que este debate não “selou” o resultado de domingo.

O resultado de domingo segue em aberto e depende do comparecimento e da mobilização.

Por isso, se queremos “paz”, vamos à “guerra” pelos votos, voto a voto, até o último segundo.

Além da incidência sobre ter ou não segundo turno, outras coisas podem ser ditas acerca do debate.

Muita gente questiona, por exemplo, se este tipo de debate contribui ou não para a discussão a sério dos grandes temas. O questionamento é válido, mas para além dele há outro: a naturalização da Globo como palco, reforçando a hegemonia de um monopólio privado que se pretende árbitro da democracia, mais um dos “poderes”. 

Um dos retratos deste debate é Bonner posando de bedel passando sermão em alunos indisciplinados. Este retrato esconde a verdade: a Globo é protagonista na construção do tipo de sociedade e no tipo de política que temos no Brasil. Bonner exige o cumprimento das regras do debate, depois de ter contribuído para destruir as “regras” constitucionais.

O debate também confirmou que temos uma extrema direita assumida e sem vergonha na cara. É o caso explícito do cavernícola e do padre de festa junina, ambos a bradar em defesa de “Deus, Pátria, Família e Liberdade”, slogans recorrentes do fascismo e do neofascismo. 

Mas o “liberal” e o “trabalhista” não são os únicos. De um jeito gourmet, o Novo-Velho e a Soraya também compõem o campo, com sua (deles) defesa de teses neoliberais e no ataque ideológico contra a esquerda. 

Aliás, é importante perceber que a extrema direita faz disputa ideológica explícita o tempo todo, cabendo perguntar se reagimos a isso da forma adequada. Ou não.

O debate também nos leva a perguntar onde diachos foram parar os partidos herdeiros do trabalhismo (PDT e PTB). O padre de festa junina é um legítimo substituto do Roberto Jefferson, ambos porta-vozes da extrema-direita. Quanto ao coronel Gomes, este segue trabalhando para herdar (agora, em 2026 ou quando der) o eleitorado de extrema-direita, o eleitorado antipetista, anti-Lula.

A fala final do coronel Gomes, fazendo referência ao “sistema” e pedindo que “Deus ilumine” suas palavras é um de muitos exemplos das afinidades eletivas propositais entre o coronel e o capitão. Mas, como disse Lula, o coronel estava nervoso demais neste debate e não se deu bem no confronto direto, tropeçando diversas vezes nas palavras, nos números e no seu próprio ego.

Outra questão que o debate confirmou é que o Estado laico segue sob ameaça. Não se trata apenas do padre de festa junina e do cavernícola, ambos fundamentalistas. O fato é que muitas candidaturas sentem uma aparentemente incontrolável necessidade de a toda hora citar Deus e apresentar sua crença. O Estado é laico, não é ateu. E os presidentes e candidaturas podem professar a crença que quiserem. Mas se é assim, então por que esta necessidade de falar o tempo todo acerca da fé? A resposta é: porque isto virou um atributo distintivo que é eleitoralmente útil. Mas se é assim, se a crença religiosa pesa na escolha dos governantes, então o Estado laico segue em questão.

Uma quinta questão: o debate confirmou que a eleição presidencial pode acabar, mas o “pesadelo” não acabará domingo. Se Lula ganhar no primeiro turno, a turma do cavernícola vai questionar os resultados e algo vai acontecer. O que, não sabemos, mas devemos nos preparar para o que der e vier. E se Lula ganhar no segundo turno, idem idem. 

E além do cavernícola, temos os neoliberais -tanto aqueles que se converteram em eleitores ocasionais de Lula quanto os demais - pressionando por concessões programáticas. Portanto, em qualquer cenário, o “pesadelo” não acabará domingo. Os que lutam pela transformação do Brasil devem se preparar para uma grande maratona.

Por fim: aconteceram vários momentos hilários neste debate. Mas nada superou a cena da fala final do cavernícola: ao encerrar com o bordão “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, a mão do cavernícola exibiu um “L”. Para quem acredita, foi a justiça divina.


segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Conquistar voto a voto, até o último segundo

1/A principal tarefa do PT é eleger Lula presidente. Além disso, temos candidaturas petistas aos governos estaduais do Acre, da Bahia, do Ceará, de Goiás, do Mato Grosso do Sul, do Paraná, do Piauí, do Rio Grande do Norte, do Rio Grande do Sul, de São Paulo, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins. O PT também disputa com candidatura própria a eleição ao Senado nos estados do Acre, do Ceará, do Distrito Federal, do Mato Grosso do Sul, do Pará, da Paraíba, de Pernambuco, do Piauí, do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul e do Tocantins. Finalmente, mas não menos importante, disputamos a eleição de fortes bancadas petistas na Câmara e nas Assembleias Legislativas.

2/A vantagem de Lula nas pesquisas diante do cavernícola, somado ao reduzido desempenho das demais candidaturas, torna possível eleger Lula já no primeiro turno. Mas para que essa possibilidade se converta em realidade, é preciso conquistar votos 24 horas por dia, 7 dias por semana, de hoje até o fechamento das urnas em 2 de outubro. É preciso, também, combater o abstencionismo eleitoral: quanto mais gente comparecer para votar, mais votos Lula receberá. Além disso, é preciso combater o medo e a sabotagem, que inclui a pressão de empresários, o locaute no transporte público, a violência contra a livre manifestação dos eleitores de esquerda, a manipulação das mesas por parte de dezenas de milhares de mesários bolsonaristas. Finalmente, mas não menos importante, será necessário fiscalizar e impedir que as forças armadas criem caos a partir de sua “apuração paralela”.

3/A vitória de Lula no primeiro turno é uma possibilidade, segundo as pesquisas e segundo o sentimento das ruas. Mas pesquisa não é votação. A reação cavernícola pode empurrar a disputa para o segundo turno. E a maior parte da classe dominante, inclusive o setor que nesta eleição não votará na extrema-direita, prefere levar a disputa para o segundo turno: para alguns trata-se de tentar eleger o cavernícola, para outros trata-se de tentar arrancar concessões programáticas de Lula. O que está em jogo, no fundo, é se vamos derrotar Bolsonaro, seu governo e suas políticas.

4/Considerando a situação de conjunto, devemos lutar para vencer já no dia 2 de outubro, mas é fundamental estarmos preparados para os dois cenários: vitória no primeiro turno e disputa no segundo turno. Em ambos casos será decisivo manter a mobilização de massa e a guarda alta: quanto mais se aproxima o momento da derrota, mais o lado de lá vai combinar luta político-ideológica com ações ilegais, de fraude, intimidação e violência. Mesmo com a vitória de Lula, no primeiro ou no segundo turno, setores importantes do lado de lá não aceitarão o resultado.

5/Em cada cidade do país cabe à direção do partido, em consulta com os aliados e com os movimentos sociais, definir onde e como será feito o acompanhamento público da apuração, tomando-se todos os cuidados para proteger a integridade de nossa militância, nossas sedes e nossas lideranças. Nossa melhor defesa contra a violência cavernícola é nosso número, nossa organização e nossa vigilância. Em caso de vitória já no primeiro turno, faremos uma grande comemoração sem baixar a guarda e nos preparando para a disputa de segundo turno nos estados. Em caso da disputa presidencial continuar no segundo turno, a comemoração servirá para dar o tom da reta final no país e nos estados onde estivermos no segundo turno.  

6/Quando se começa uma batalha, ninguém sabe o desfecho. Mas quem não busca vencer, nunca alcança vitórias. E sem esperança não há vitória. E a melhor esperança é aquela motivada por tudo aquilo que a cor vermelha simboliza para nós: um Brasil de igualdade, bem-estar, liberdade, soberania e desenvolvimento para 215 milhões de brasileiros e de brasileiras.  

Viva o povo brasileiro, viva a classe trabalhadora, viva o socialismo, viva o PT. Lula já!


sábado, 24 de setembro de 2022

Nildo Ouriques no dia 2 de outubro votará em Lula?



Um amigo me enviou por zap, na manhã deste sábado 24 de setembro, um texto do Nildo Ouriques.

O texto está aqui:

http://nildouriques.blogspot.com/2022/09/o-comissario-marxista-do-pt.html

Tratar-se-ia, segundo o referido amigo, de uma resposta à crítica apresentada aqui:

https://valterpomar.blogspot.com/2022/09/nildo-ouriques-ou-sobre-como-causar.html

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Minha crítica tem três partes:

1/Nildo defende o voto nulo na disputa presidencial. Politicamente, considero tratar-se de uma posição inclassificável;

2/Nildo acha que esta posição – o voto nulo – pode ser sustentada com base no marxismo. Eu vejo isso como um despropósito, ao menos do ponto de vista dos que consideram que a essência do marxismo está na análise concreta da situação concreta;

3/Finalmente, sou de opinião que posições como a de Nildo causam imenso dano ao marxismo-que-defende-a-prática-como-critério-da-verdade. Que ele se diga marxista é problema dele, mas que mais pessoas acreditem nessa autoproclamação é um problema para quem defende que o marxismo é uma arma importante para a classe trabalhadora na luta contra o capitalismo. 

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Quanto a “resposta” (intitulada “O comissário marxista do PT”), tenho a dizer o seguinte.

Primeiro: Nildo me atribui uma posição que não é minha. Eu não acho que “o divisor de águas para sacramentar a verdade sobre o marxismo está determinado por quem vota em Lula e aqueles que negam o voto ao ex-presidente”. Eu discordo profundamente, mas compreendo, as posições que levam o PSTU, o PCB e a UP a terem suas candidaturas presidenciais. Já a posição de voto nulo, considero politicamente inclassificável (eu ia escrever outra palavra, mas não quero chocar ainda mais o amigo que me enviou o texto do Ouriques).

Segundo: Nildo recorda que “há anos” ele seria “um crítico quase solitário dos marxistas que atuam na universidade”; e acrescenta que estes “marxistas que atuam na universidade” não representariam o “marxismo acadêmico”, pois “suas contribuições são pra lá de modestas e constituem na grande maioria das vezes mera exegese sem conexão alguma com a evolução da crise brasileira e menos ainda com o futuro da Revolução Brasileira”. Sobre a solidão de Nildo eu não tenho nada que dizer. Já quanto a crítica de Nildo ao “marxismo acadêmico”, destaco ser ela baseada num dos pressupostos centrais do marxismo acadêmico, a saber: a teoria (e não a prática) como critério da verdade.

Terceiro: Nildo fala da necessidade de “tocar no nervo da Revolução Brasileira”. A imagem é curiosa, mas é incompatível falar a sério sobre a “revolução brasileira” e ao mesmo tempo se colocar totalmente à margem da posição adotada por 99,99% da vanguarda da classe trabalhadora brasileira. Não se constrói um caminho para a revolução defendendo uma posição (o voto nulo) que, se tivesse audiência, contribuiria para a vitória de Bolsonaro e para uma derrota brutal da esquerda e da classe trabalhadora.

Quarto: Nildo faz críticas ao PT e ao “esforço necessariamente improdutivo de Pomar nos congressos ou encontros” do Partido”. Registro o seguinte: se conseguirmos derrotar a extrema-direita nestas eleições, será em grande medida graças ao PT e não graças a atitudes esquerdistas e pedantes como as de Nildo Ouriques. Aliás, nesse momento é mil vezes preferível um socialdemocrata com consciência democrática a um esquerdista pedante que não consegue enxergar o que está em jogo no dia 2 de outubro.

Quinto: Nildo reclama que eu (ainda) não teria feito uma crítica a um livro (!!!) do Fernando Haddad. Acho que no mundo tem duas pessoas que consideram este livro algo conjunturalmente relevante neste ano de 2022. Uma delas é Nildo, a outra vocês podem imaginar. Da minha parte, penso que a cada dia sua agonia. E a tarefa agora é derrotar a extrema direita, com as armas e instrumentos disponíveis.

Sexto: Nildo afirma que o “marxismo acadêmico” uspiano “foi sempre responsável em larga medida para as sucessivas derrotas que meu crítico [Pomar] acumula na luta interna e que o condenaram a condição marginal nas decisões mais importantes do PT". Só mesmo um acadêmico seria capaz de achar que posições também acadêmicas seriam as responsáveis “em larga medida” pelas decisões mais importantes do PT. 

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Duas últimas observações:

1/já que resolveu fazer brincadeiras com meu sobrenome, Nildo poderia aproveitar e escrever meu nome corretamente;

2/espero que no dia 2 de outubro Nildo vá votar e vote certo: Lula presidente. 

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Segue abaixo a íntegra do texto criticado.

http://nildouriques.blogspot.com/2022/09/o-comissario-marxista-do-pt.html

sábado, 24 de setembro de 2022

O comissário marxista do PT

No Canal Resistentes participo há mais de dois anos numa coluna quinzenal na qual abordo temas políticos da América Latina e, obviamente, também do Brasil. Na última edição do programa exibido em 17 de setembro Claudio Passos organizou um debate entre Elias Jabour – membro do comitê central do PC do B – e eu para discutir a crise chilena e as eleições presidenciais. Na oportunidade, Elias sustentou as posições de seu partido convocando voto em Lula já no primeiro turno enquanto eu defendi o voto nulo na disputa presidencial. Indagado a respeito, Walter Pomar emitiu uma opinião sobre o evento na qual tratou exclusivamente de minha posição – voto nulo – atribuindo-me o poder de “causar danos ao marxismo”. Elias teve melhor sorte pois Pomar não emitiu palavra sobre a qualidade de seu marxismo.

 

https://www.youtube.com/watch?v=oV6aNl_C5qQ&t=5186s

 

A leitura de sua brevíssima sentença sobre o encontro permite concluir que o divisor de águas para sacramentar a verdade sobre o marxismo está determinado por quem vota em Lula e aqueles que negam o voto ao ex-presidente. É Lula – e não o enorme conflito de classes que arde sob nossos pés – o critério da verdade para Pomar. A “análise concreta de situações concretas” possui uma essência eleitoral capaz de qualificar ou condenar toda posição: quem está com Lula toca na realidade e, quem, ao contrário, nega voto ao ex-presidente, não somente está fora da realidade senão que produz imenso dano ao marxismo.

 

http://valterpomar.blogspot.com/2022/09/nildo-ouriques-ou-sobre-como-causar.html

 

De minha parte,  recordo que há anos sou um crítico quase solitário dos marxistas que atuam na universidade; estes, na verdade, não representam o “marxismo acadêmico” pois suas contribuições são pra lá de modestas e constituem na grande maioria das vezes mera exegese sem conexão alguma com a evolução da crise brasileira e menos ainda com o futuro da Revolução Brasileira a despeito do conhecimento que eventualmente exibem sobre  a seção V do tomo III de O capital, da Crítica ao Programa de Ghota ou mesmo da Ontologia do ser social de Lukács... Portanto, não estou disposto a aceitar sem reserva a existência de um “marxismo acadêmico” que, nas condições brasileiras, admitiria como uma virtude semelhante àquelas que existem nos Estados Unidos ou na Inglaterra, para dar apenas dois exemplos.

 

Entretanto, lidando e litigando contra o marxismo que se refugiou na universidade após a domínio estalinista sobre o antigo movimento comunista internacional, eu sou capaz de reconhecer contribuições parciais e mesmo algum esforço bem logrado quando professores encaram temas de fronteira ou aspectos parciais de nossos problemas desde uma “perspectiva marxista” sem, contudo, tocar no nervo da Revolução Brasileira. Nesse contexto, creio que Pomar está muito mais exposto ao “marxismo acadêmico” do que eu e, na verdade, sua sentença sobre meu marxismo não possui os anticorpos que, por ossos do ofício, desenvolvi em quase três décadas de profissão.

 

 

O PT é um partido que exibe enorme e definitiva crise ética, programática e política cujo epílogo estamos observando nessas eleições. É um partido que há muitos anos está impossibilitado de desenvolver teoria sobre a realidade brasileira e, em consequência, aqueles que ainda resistem ao processo já concluído de sua completa adesão a ordem burguesa, importam para seu interior de maneira miserável as modas universitárias sem qualquer rigor e reproduzem toda sorte de quinquilharias ideológicas necessárias para justificar com algum “brilho teórico” as disputas eleitorais que, ao fim e ao cabo, ainda mantém o partido “vivo”. Eu devo reconhecer que, vez por outra, vejo o esforço necessariamente improdutivo de Pomar nos congressos ou encontros do PT, sempre destinados a convencer a maioria do seu partido para voltar à rebeldia que exibiu na juventude e, sejamos justos, foi precisamente aquela radicalidade que finalmente construiu a aceitação eleitoral que ainda hoje possui mesmo que sem brilho. Ainda assim, é fácil concluir que Pomar – há anos membro do diretório nacional – não sai ileso da batalha contra a maioria absoluta de seu partido pois o máximo que logrou até agora é simular que o “outrora maior partido de esquerda da América Latina” ainda estaria “em disputa” quando, na verdade, nem mesmo o caldinho de radicalidade que ele e seus companheiros logram manter consegue impedir a conciliação de classe cuja expressão maior não poderia ser mais eloquente: a chapa petucana Lula/Alckmin.

 

Não posso deixar de indicar um grave descuido de meu crítico pois enquanto ele me indica como uma espécie de maçã podre capaz de produzir danos na cesta do marxismo, deixa sem cuidado seu próprio pomar. Ocorre que Walter está empenhado na campanha de Lula para presidente e de Haddad para governador de São Paulo. O último acaba de lançar um livro – O terceiro excluído – que ataca de maneira sorrateira a tradição marxista no que ela possui de mais vital, potente e atual. Até agora, não vi palavra de Walter sobre o tema embora seria uma tarefa a altura de um comissário marxista. Mais importante ainda: o candidato de Walter para governador e possível sucessor de Lula no futuro do partido, declara solenemente que seus “gurus intelectuais” que terminaram por lhe influenciar decisivamente na escrita de um livro abertamente reacionário são três conhecidos e festejados acadêmicos uspianos (Ruy Fausto, Roberto Schwarz e Marilena Chauí); todos eles com pinta de “marxistas” embora com reparos suficientemente claros para não se confundir com a tradição crítica de Marx e Engels.

 

No Brasil, ninguém vacilaria em desconhecer que São Paulo é o coração burguês do país e que a USP, embora cada dia mais decadente na batalha das ideias, ainda mantém considerável influência acadêmica no país. Ora, os três festejados uspianos homenageados por Haddad exercem de maneira distinta influência notável no partido de Walter e, creio, até mesmo ele estaria disposto a admitir caso fizesse cuidadosa revisão teórica e política, o quanto o “marxismo acadêmico” uspiano foi sempre responsável em larga medida para as sucessivas derrotas que meu crítico acumula na luta interna e que o condenaram a condição marginal nas decisões mais importantes do PT. Na verdade, emparedado pelos acadêmicos uspianos – Haddad à cabeça – Walter logra apenas marcar posição interna e figurar como testemunha singular da completa adesão de seu partido a ordem burguesa.

 

Não considero uma contradição o fato de Walter me atribuir a condição de “marxista acadêmico” enquanto seu candidato a governador é expressão maior do academicismo alienante e funcional a ordem burguesa que domina seu partido com a total cumplicidade e até mesmo entusiasmo de meu inesperado crítico. Lula é, de fato, um divisor de águas entre nós nessa eleição, mas jamais poderia ser o critério da verdade. Entretanto, não devemos ignorar que precisamente Lula é apenas expressão cada dia mais pálida da conciliação de classe que eu renuncio no terreno eleitoral enquanto Walter a reproduz como se não tivéssemos alternativa senão seguir agarrado num santo que pode ter muitos eleitores, mas é totalmente incapaz de produzir algum milagre.

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Lula, Chavez e Bolsonaro


Segundo a imprensa, Lula teria comparado Bolsonaro e Chavez no quesito liberação de armamentos.

Se ocorreu mesmo, a comparação - como diria a Concessa - baseia-se num duplo equívoco.

Chavez dizia que a revolução bolivariana era “pacífica, porém armada”. Mas isto nunca significou a adoção de uma “política pública” do tipo 1 cidadão, 1 arma. 

O mesmo pode ser dito das experiências exitosas de “guerra popular” (como a China e o Vietnã), assim como das experiências exitosas de defesa  popular (como Cuba). 

Nenhuma delas tem qualquer semelhança com a política de armas adotada pelo bolsonarismo. Ou pelo trumpismo.

Por outro lado, não é verdade que o cavernícola defenda armar o povo. 

Frases do tipo “povo armado é povo livre” não podem ser tomadas ao pé da letra; o que ele quer efetivamente dizer é “a parcela do povo capaz de comprar muitas armas caríssimas”. Ou seja: os ricos.

(Aliás, isto me recorda uma história: no final dos anos 1970 José Genoino era professor de história e deu aos alunos do Ginásio Equipe a tarefa de ler O Príncipe de Maquiavel. Um dos alunos demorou a entender que o “povo" de Maquiavel não era o “povo, unido, jamais será vencido” que gritávamos nas passeatas contra a ditadura.)

Portanto, noves fora  eventuais aparências verbais, nem Chavez defendia, nem Bolsonaro defende o armamento generalizado  do povo. Não há semelhança entre as respectivas políticas públicas sobre armas.

Isto posto, acho descabelado comparar Chavez com o cavernícola.

Entre outros motivos por pensar como o Coronel Siqueira: “ACHEI UM VERDADEIRO ABSURDO O ATAQUE DO BOLSONARO À VERA MAGALHÃES. SE TEM UMA COISA QUE EU NÃO SUPORTO É INGRATIDÃO!!!”

Eu pelo menos sou muito grato a Chavez e aos venezuelanos, entre outros motivos porque nos momentos mais difíceis e apesar das muitas divergências, sempre foram extremamente  solidários.

É verdade que a situação mudou e agora temos muitos novos amigos, muitos sinceros e legítimos, outros simpáticos até demais. Mas tudo tem limite.

ps. o tema das armas é muito importante na disputa do eleitorado de orientação pentecostal

domingo, 18 de setembro de 2022

O cavernícola não merece tanto espaço em nossas canções

 Tem uma piada antiga que conta a conversa entre dois republicanos, na fronteira com a França, a caminho do exílio, depois da derrota para os franquistas.

O primeiro dizia (em espanhol): nos fodemos.

O outro dizia (também em espanhol): sim, nos fodemos, mas nossas canções eram melhores do que as deles.

Ambos tinham certa razão.

Por isso mesmo, não consigo entender o de resto belíssimo e culto hino que está circulando nas redes.

Talvez seja ignorância minha, mas as músicas antifascistas que conheço (especialmente italianas e espanholas) quase nunca falavam o nome nem os ditos das respectivas bestas. 

E quando faziam referência nominal, era para declarar sua morte.

Assim, na boa, o referido hino é lindo, mas errou na mão.

ps.aliás, hino??!!


 

Nildo Ouriques ou sobre como causar danos ao marxismo

Recebi recentemente um convite para assistir um debate entre "dois dos mais importantes marxistas brasileiros".


Li em algum lugar que a essência do marxismo é a análise concreta da situação concreta.

Pois bem: qual a análise concreta da situação concreta que o professor Nildo Ouriques faz acerca da situação do Brasil neste segundo semestre de 2022?


Para quem não tiver paciência de ler o texto completo, segue uma síntese:  "a (...) ou a RB afirma seu diagnóstico da crise e crava o voto nulo, ou revoga as teses que nos trouxeram até aqui e nos somamos à vala comum da esquerda liberal buscando justificativas para votar em Lula".

Como pode alguém se considerar e ser considerado "marxista" e, ao mesmo tempo, defender uma posição como a resumida acima?

Há várias respostas para isso, uma das quais uma praga que alguns denominam de "marxismo acadêmico", cujo critério de verdade não é a prática, mas a própria teoria.

A situação toda me lembra uma blague de Marx, acerca dele próprio não ser "marxista", para não ser confundido com determinadas pessoas e posições. 

Brincadeiras à parte, é imenso o dano causado por este tipo de posição para o marxismo-cujo-critério-da-verdade-é-a-prática.






domingo, 4 de setembro de 2022

Setembro de 2022: conjuntura e tarefas

 https://pagina13.org.br/setembro-de-2022-conjuntura-e-tarefas/

Setembro de 2022: conjuntura e tarefas

A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, reunida no dia 2 de setembro de 2022, aprovou a seguinte resolução.

1/Faltam 30 dias para o primeiro turno das eleições presidenciais de 2022. A disputa presidencial segue polarizada entre Lula e o cavernícola. Lula segue liderando, matematicamente continua sendo possível uma vitória no primeiro turno, mas o crescimento do cavernícola e das demais candidaturas fortalece a tendência de a eleição ser resolvida apenas no segundo turno. Sempre é bom lembrar: para a classe dominante e seus partidos (nominais e reais, como a Rede Globo), até mesmo para os setores não bolsonaristas, não interessa resolver a disputa no primeiro turno.

2/Como afirmamos desde sempre, é necessário preparar o Partido e os setores populares para a dura batalha do segundo turno.

3/A tentativa de assassinato contra Cristina Kirchner - a quem prestamos toda a nossa solidariedade, contra o lawfare e em defesa de sua vida - e o espancamento do irmão do presidente Boric - às vésperas do plebiscito de 4 de setembro sobre a Constituição chilena - não são raio em céu azul. Pelo contrário, indicam o estado de ânimo da extrema-direita em nosso continente e a necessidade de adotarmos as medidas correspondentes.

4/No Brasil a situação tende a se radicalizar muito nas próximas semanas, embora o objetivo prioritário do cavernícola neste momento seja o de garantir o segundo turno e buscar vencer as eleições. Por isso e por enquanto, as ameaças de golpe serão “apenas” isso: ameaças, para manter sua tropa excitada, para tentar nos intimidar e para preparar o ambiente para ações futuras que venham a ser adotadas pelos sempre golpistas. Mas nada disso é contraditório, pelo contrário, com o aumento da violência política. No dia 7 de setembro se poderá mensurar o engajamento e o “tom” predominante - neste momento - da extrema-direita. Também no dia 7 é importante reforçar o Grito dos Excluídos e disputar, por todos os meios possíveis, as ruas e as redes.

5/As chances de nossa campanha presencial vencer, no primeiro ou no segundo turno, aumentarão muito se forem realizadas algumas alterações na tática. Ademais, tais alterações contribuirão muito para enfrentar os meses seguintes à eleição e os desafios do futuro governo. Por outro lado, se não fizermos estas alterações, a vitória segue sendo possível. Mas neste caso, sem as necessárias alterações, também cresce a possibilidade de ocorrer o indizível. Repetimos: a eleição não está ganha, o resultado não está dado.

6/Para aumentar as chances de vitória, faz-se necessário que a campanha presidencial não dependa tanto como agora da presença física do companheiro Lula. Ademais, é preciso superar a situação atual, em que grande parte de nossas energias está consumida pelas campanhas proporcionais e, em segundo lugar, pelas campanhas majoritárias estaduais. Embora todos falem de Lula e busquem se beneficiar do prestígio de Lula, a campanha presidencial propriamente dita só assume caráter de massas quando Lula está fisicamente presente (vide os recentes comícios). Isto precisa mudar: a campanha precisa ter caráter de massas também onde Lula não está fisicamente presente. Para isto é preciso ter coordenação da campanha Lula funcionando efetivamente nos estados e municípios, material específico de campanha e agendas diárias nos locais de trabalho, de estudo, de moradia, de lazer, de compras, de transporte.

7/O fato dos comícios com Lula serem potentes e o fato das pesquisas nos colocarem a frente não deve nos iludir: precisamos de muito mais campanha. Como as pesquisas estão demonstrando, o cavernícola está recuperando algum espaço e as demais candidaturas exibiram crescimento. Isso se enfrenta e se supera principalmente com campanha corpo-a-corpo, buscando o voto das camadas populares.

8/Para ampliar nossas chances de vitória faz-se necessário, óbvio, o engajamento efetivo das candidaturas proporcionais e majoritárias estaduais. É preciso registar que várias candidaturas majoritárias de outros partidos formalmente aliados ainda não se engajaram. Uma vez que se decidiu adotar a tática de “amplas alianças”, então é preciso cobrar engajamento real e efetivo dos demais partidos e de suas candidaturas, em favor de Lula.

9/Por último, mas não menos importante, para ampliar nossas chances de vitória faz-se necessária uma mudança na linha política. Estão cada vez mais evidentes os limites da tática adotada até agora, fortemente influenciada por posturas incorretas tais como “virar a página do golpe de 2016”; depositar grandes expectativas em alianças com setores da direita; abrir mão de candidaturas majoritárias em diversos estados; confiar nas chamadas instituições; priorizar a disputa dos setores médios e do “centro democrático”; apostar tudo na comparação do presente com o passado, dando pouco espaço para apresentação de propostas de futuro; subestimar o inimigo e achar que Al Capone será derrotado por uma linha “paz e amor”.

10/A mudança na linha política não passa por mimetizar ou fazer concessões a posições do inimigo, por exemplo as que desrespeitam o caráter laico do Estado.

11/Não basta retomar o jingle de 1989: é preciso retomar o espírito combativo presente naquela campanha, bem como nos segundo turnos de 2006 e de 2014. Não basta ampliar sem polarizar; é preciso ampliar polarizando.

12/Devemos apostar tudo na mobilização e na conscientização popular, na politização e no confronto programático, no desmascaramento do cavernícola, de seu governo e de suas políticas. Esta linha política de polarização é fundamental, inclusive, para mobilizar as pessoas cotidianamente em favor da campanha.

13/Cabe a direção nacional do PT e à direção nacional da campanha tomarem pulso da situação e fazer imediatamente as correções de rumo necessárias. Evidentemente, não é hora de fazer balanço dos erros cometidos: do que se trata é de realizar mudanças práticas e imediatas na orientação da campanha. Há tempo para mudar e há tempo para vencer.

A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda
Brasília, 2 de setembro de 2022