Disposição para vencer a intolerância |
A intolerância tem sido cada vez maior no mundo. O alvo é o Outro, tenha ele outra cor de pele, religião, ideologia e/ou preferência sexual. O Estado Islâmico é hoje a forma extrema da intolerância. Não a única.
Este ano elegeu-se para presidente dos Estados Unidos um homem que estigmatizou abertamente mulheres, latinos e muçulmanos. Nos últimos dois anos, a Europa foi vítima de atentados de grupos radicais islâmicos, uma das grandes ameaças que espreitam o velho continente. Não é igual ferir com palavras e matar a tiros, mas é assustador que Donald Trump tenha sido eleito dizendo o que disse ao longo da campanha presidencial norte-americana.
Tratamos seguidamente do tema da intolerância em nossas atividades, a começar pelo seminário Os Atentados de Paris: Significado e Consequências dos Atos de Terror, realizado em março de 2015, dois meses depois dos ataques ao Charlie Hebdo e ao supermercado kosher, aos quais se seguiu, em novembro do mesmo ano, o massacre do Bataclan e o de Nice, em julho deste ano.
Em 2016, o mundo ficou ainda mais turbulento. Em setembro, a Fundação FHC e o German Marshall Fund of the United States realizaram o seminário "Democracias Turbulentas: o que acontece nos Estados Unidos, na Europa e na América Latina", com a participação de especialistas das três regiões.
Na Europa, os ataques terroristas, assim como a onda de imigração vinda do Oriente Médio, a estagnação econômica e o desemprego, impulsionaram a ascensão de grupos, partidos e candidatos de ultradireita, entre eles Marine Le Pen, candidata da Frente Nacional às eleições presidenciais francesas em abril/maio de 2017, assunto de um dos nossos primeiros seminários do próximo ano. No Brasil, não se vê nada em escala semelhante. Mas aqui também a intolerância recrudesceu. No plano do comportamento, isso reflete a reação, às vezes violenta, ao avanço social representado pela afirmação de direitos individuais de grupos minoritários. Já na política, a intolerância crescente em relação "ao outro lado" é puro retrocesso, e não tem encontrado resposta à altura.
Nunca antes depois da redemocratização do Brasil, o debate político esteve tão contaminado pela estigmatização. As mídias sociais, que por um lado favorecem a comunicação horizontal entre muitos, por outro estimulam o fechamento das pessoas em grupos de "amigos" que só ouvem a si mesmos. Nesse ambiente, têm maior audiência lideranças políticas e formadores de opinião que transformam adversários em inimigos a serem abatidos. A vítima principal é a democracia. Sobre os prós e contras das mídias sociais, para a democracia, publicamos Ativismo Político em Tempos de Internet, um e-book produzido dentro do projeto Plataforma Democrática, linha de estudo que terá continuidade.
A democracia é feita não apenas de instituições, mas também de uma cultura que, em última instância, se apoia na disposição de um grande número de indivíduos em contribuir com suas razões para o debate público e em aceitar o risco de ser convencido pelas razões dos outros. E, se não convencido, ao menos de reconhecê-las como legítimas. Tem sido este o espírito dos encontros e debates que promovemos.
Para dar um exemplo, em novembro deste ano, sentaram-se à mesa o senador Randolphe Rodrigues (Rede-AP), o jornalista e ex-deputado do PT, Fernando Gabeira, e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no seminário A Política em crise: como virar o jogo? Para fevereiro de 2017, já pautamos um debate sobre a reforma trabalhista, com o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, um especialista acadêmico e um sindicalista. O Brasil atravessa uma de suas maiores crises. O desastre fiscal e o colapso do crescimento são um fato. O apodrecimento do sistema político idem. O avanço da Operação Lava Jato mostra que não há seletividade nas investigações em curso, muito menos conspiração contra este ou aquele partido.
A crise abre uma ponte para uma sociedade mais democrática, com menos privilégios. Para atravessá-la, o país precisa superar o lugar-comum de que está cindido em dois lados, sem nenhuma coincidência entre ambos.
Pela geografia e pela história, nós, brasileiros, compartilhamos um passado comum. A velha "conciliação das elites" não cabe mais numa sociedade que felizmente se democratizou, na qual muitas vozes devem e querem ser ouvidas. Mas há em nossa tradição política uma positiva abertura à tolerância e ao diálogo em momentos de crise. É hora de atualizar essa tradição e colocá-la a serviço da construção de um melhor futuro comum para o Brasil. Em 2017, a Fundação Fernando Henrique Cardoso continuará a dar a sua contribuição para tornar isso possível. |
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