domingo, 2 de abril de 2017

Sete teses de abril

No dia primeiro de abril de 2017, começaram a circular as teses ao 6º Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores.

A primeira versão destas teses foi inscrita no dia 24 de março, a versão final até as 23h59 do dia 31 de março.

Foram inscritas dez teses, das quais 7 são de autoria de tendências, a saber: “A esperança é vermelha: Brasil Urgente, Lula presidente!!!”, inscrita pela Articulação de Esquerda; “Unidade pela reconstrução do PT”, inscrita por O Trabalho/Diálogo e ação petista; “Avaliar, corrigir rumos e mudar o Brasil”, inscrita pelo Movimento PT; “Em defesa do Brasil, em defesa do PT, em defesa de Lula”, inscrita pela “Construindo um novo Brasil”; “Por um partido socialista e democrático! Por um governo democrático-popular!”, inscrita pela Democracia Socialista/Mensagem ao Partido; “Optei - Em defesa do PT”, inscrita pelas tendências Novo Rumo e Esquerda Popular Socialista; “Avante Militância Socialista ao VI Congresso Nacional do PT”, inscrita pela Militância Socialista e por Avante XXI (por sua vez, fusão das tendências Avante e Socialismo XXI).

Além das 7 teses inscritas por tendências, há também três outras teses: “Alternativa: Crítica, Autocrítica e Utopia”, enfatizando o tema ambiental e inscrita por militantes de diferentes tendências; “Estado de emergência petista”, escrita por militantes do Núcleo de Estudos d’O Capital e inscrita graças ao apoio solidário de um membro do Diretório Nacional (a regra prevê que para inscrever uma tese, é necessário pelo menos um integrante do DN); Lélia Gonzalez - Muda PT com raça e classe”, escrita pelo Quilombo Nacional Petista, igualmente inscrita graças ao apoio solidário e enfatizando a luta contra o racismo.

Maiorias e minorias

Tomando como parâmetro o PED de 2013, as 7 teses escritas e inscritas por tendências podem ser classificadas em dois campos.

Três das teses fizeram parte da maioria que venceu o PED de 2013 e elegeu o atual presidente nacional do Partido. Estas três teses são: “Avaliar, corrigir rumos e mudar o Brasil”, inscrita pelo Movimento PT; “Em defesa do Brasil, em defesa do PT, em defesa de Lula”, inscrita pela “Construindo um novo Brasil”; “Optei - Em defesa do PT”, inscrita pelas tendências Novo Rumo e Esquerda Popular Socialista.

Quatro das teses fizeram parte da minoria que perdeu o PED 2013: “A esperança é vermelha Brasil Urgente, Lula presidente!!!”, inscrita pela Articulação de Esquerda; “Unidade pela reconstrução do PT”, inscrita por O Trabalho/Diálogo e ação petista; “Por um partido socialista e democrático! Por um governo democrático-popular!”, inscrita pela Democracia Socialista/Mensagem ao Partido; “Avante Militância Socialista ao VI Congresso Nacional do PT”, inscrita pela Militância Socialista e por Avante XXI.

Como fica evidente, tanto a “maioria” quanto a “minoria” de 2013 eram compostas por diversas posições. Para saber como isto evoluiu, é fundamental ler cada uma das teses e analisar o seu conteúdo: que balanço fazem do período 2013-2017, que propostas fazem acerca do programa, estratégia, tática e política de organização partidária.

Construindo um novo Brasil

A tendência que atualmente reúne a maioria de dirigentes, parlamentares e governantes é a “Construindo um novo Brasil”.  Esta tendência, doravante denominada CNB, inscreveu uma tese de 28 páginas intitulada “Em defesa do Brasil, em defesa do PT, em defesa de Lula”. Assinam esta tese a secretária de relações internacionais Mônica Valente, o diretor da Fundação Perseu Abramo Artur Henrique, a responsável pela Escola Nacional do PT Selma Rocha e o secretário nacional de organização Florisvaldo Souza.

A tese abre com um “MANIFESTO DA CNB/PMB”, de dezembro de 2016. “CNB” já explicamos o que é. “PMB” é “Partido que Muda o Brasil”, nome da chapa lançada pela CNB em 2013. Ao menos no plano simbólico, trata-se de uma reivindicação daquela chapa. Como aquela chapa resultou numa direção que governava o Partido no período em que sofremos duas imensas derrotas – o impeachment e as eleições municipais – seria de esperar que a tese trouxesse algum tipo de balanço crítico e autocrítico sobre a gestão 2013-2017.

Mas a opção é outra: “defender nossa história”, “defender nosso legado”, “enfrentar o golpe”, “avançar na elaboração”. A tese fala também em “analisar o momento com coragem, vontade política e dedicação militante”. Mas não se faz menção à necessidade de crítica e autocrítica, reconhecimento dos erros e limitações. O que torna difícil compreender por qual motivo, depois de “13 anos de governo fazendo grandes mudanças”, sofremos um “golpe parlamentar-jurídico-midiático”.

Devido a este lapso analítico, é muito comum os militantes da CNB afirmarem, em debates, que  o golpe ocorreu por causa de nossos acertos. Quando é óbvio que o golpe foi contra os nossos acertos, mas só teve êxito graças aos nossos erros. Como os erros não são analisados, há um grande risco de que sejam repetidos.

A primeira vez que – no “manifesto introdutório”—surge a palavra “crítica”, ela é posta na boca dos movimentos sociais: “Mesmo com críticas ao nosso governo, diferentes movimentos reconhecem o caminho aberto por Lula que fez do Brasil um país menos desigual, em direção a um futuro ainda melhor”. Cabe refletir por qual motivo o grupo atualmente majoritário no Partido tem tanta dificuldade de olhar para si mesmo, de forma abertamente crítica e autocrítica. O máximo a que chegam é reconhecer que devemos “repensar nosso caminho, fazer um balanço sincero, atualizar nosso programa, transformar nossas práticas e revigorar nosso partido”. Palavras light, totamente insuficientes frente a derrota hard que sofremos.

Não se trata, é bom esclarecer, de uma cobrança sobre o passado. O problema é que o texto da CNB parte de um pressuposto real – a situação mudou, o que exige mudanças na nossa política. Mas ao não analisar a política adotada no passado, corremos o risco de fazer uma mudança tática, mantendo a estratégia anterior. Ou seja, o PT corre o risco de fazer o mesmo que fazia o Partido Comunista: oscilava entre uma tática mais radical e uma tática mais moderada, mas sempre ao redor da mesma estratégia. Sendo que o problema fundamental da política adotada pelo velho PC estava na estratégia. Aliás, esta era a opinião dos petistas acerca do PC, nos anos 1980.

De forma similar, entendemos que nossa derrota em 2016 decorre principalmente da estratégia adotada pelo Partido. Foi uma estratégia errada que nos levou a cometer erros táticos. Curiosamente, o “manifesto” que abre a tese da CNB afirma que “o 6º Congresso do PT deve ser um momento especial de aprofundamento desse debate estratégico”. A conclusão a que chegamos é que a CNB entende por “debate estratégico” algo diferente daquilo que compreendemos.

Esta diferença de entendimento fica evidente quando lemos a frase que encerra o citado manifesto: “Avançar na elaboração estratégica com o objetivo de construção de uma nação justa e soberana, movida pelos princípios e valores de um socialismo democrático nos planos econômico, ambiental, social, cultural e político, envolvendo a participação da sociedade, especialmente dos trabalhadores e setores populares”. Perguntamos: por qual motivo os autores do manifesto não falam em construir uma nação socialista? Porque falam em nação “justa e soberana, movida pelos princípios e valores de um socialismo democrático”? Aí está a diferença fundamental, envolta num linguajar que serve para disfarçar uma diferença de fundo acerca de qual deve ser nosso objetivo estratégico: lutamos por um capitalismo com mais democracia, bem-estar e soberania? Ou lutamos por substituir o capitalismo pelo socialismo?

Balanço

O segundo capítulo do texto da CNB dedica-se ao balanço do período. A primeira parte do balanço fala dos êxitos e sucessos de nossos governos. Na opinião da CNB, erra quem considera que estes êxitos e sucessos foram apenas "reformismo fraco" ou "melhorismo". Na opinião da CNB, “os governos do PT mudaram substancialmente o papel do Estado em relação ao país”. Considerando a rapidez com que o governo golpista está alterando aquilo que foi feito, nós consideramos necessário questionar quão substancial – no sentido de profunda, estrutural – teria sido esta mudança.

Em nossa opinião, a tese da CNB doura a pílula. Um exemplo disso é o seguinte parágrafo:

“A aliança simbolizada pela chapa Lula -José Alencar, longe de ser uma submissão das classes trabalhadoras a uma fração da burguesia, foi possível em virtude de um programa profundamente anti-neoliberal, que recolocou o Estado como indutor do desenvolvimento econômico , não apenas através dos incentivos ao mercado interno , mas também e fundamentalmente , através do protagonismo da cadeia produção-consumo-investimento. Foi explorando as contradições entre parte do setor produtivo nacional, simbolizado pelo empresário do setor têxtil José Alencar, e o capitalismo internacional hegemonizado pelo rentismo e pelas transnacionais, que foi construída a chapa Lula- José de Alencar, um operário na presidência da república e um empresário nacional na vice, e não o contrário”.

A “narrativa” proposta pelo parágrafo acima pode, na melhor das hipóteses, descrever quais foram as intenções da aliança realizada em 2002. Mas a “narrativa” não descreve as contradições reais do processo, especialmente no primeiro governo Lula e nos governos Dilma. Nada é dito sobre a política monetária desenvolvida por Meirelles e Palocci. Nada é dito sobre a taxa de juros. Nada é dito sobre as concessões ao capital financeiro, denunciadas inclusive pelo próprio Alencar. Nada é dito sobre a primarização e a desindustrialização.

A CNB está preocupada em deixar claro que não praticou uma “submissão das classes trabalhadoras a uma fração da burguesia“. Mas é óbvio que não. Se tivesse havido uma “submissão”, talvez o golpe não fosse necessário. A questão é outra: houve conciliação. E esta conciliação de classe é a principal causa dos nossos erros, que permitiram que o golpe fosse vitorioso. E permitem que os golpistas consigam, com rapidez, reverter os êxitos de nossos governos.

Ao não compreender isto, o texto da CNB se converte numa lista de programas exitosos. O que só reforça o paradoxo: se nossa trajetória foi um êxito, por qual motivo terminou em uma derrota?

Temos diferenças quanto ao que é dito, mas nossa principal divergência não reside na análise dos programas caso-a-caso. Nossa divergência tampouco diz respeito à avaliação global do que foi feito. Nossa divergência reside na discussão daquilo que não foi feito e dos motivos pelos quais não foi feito. Por qual motivo escolhemos conciliar com o capital financeiro, conciliar com o oligopólio da mídia, conciliar com os militares, conciliar com...

Nos chama especial atenção,  na lista de êxitos apresentada pela tese da CNB, um item que fala o seguinte: 

“A gestão do Estado nos governos do PT foi profundamente alterada a partir da política de participação social, com conferencias e conselhos com amplo debate e participação dos movimentos sociais, para a formulação de políticas dominada secularmente por setores tecnocratas de elite encastelados no aparelho de estado.”

Este item é um resumo perfeito da concepção que criticamos. Se fosse verdade que a gestão do Estado “foi profundamente alterada”, o golpe não teria ocorrido. Pois todo mundo sabe que um dos tentáculos do golpismo foi uma parte do aparelho de Estado, especialmente o Ministério Público, a Polícia Federal e a Justiça Federal, apoiadas amplamente pela alta burocracia do Estado.

O problema é que a tese da CNB quer fazer propaganda dos êxitos, não quer fazer análise dos erros estratégicos cometidos. E um dos principais erros estratégicos foi, exatamente, não enfrentar estruturalmente o tema do Estado, que exigiria uma Assembleia Constituinte.

É compreensível que – frente ao desmonte praticado pelos golpistas – nosso Partido deva realizar uma defesa dos programas implementados por nós. E é quase inevitável que, ao fazer esta defesa, exageremos os êxitos e relativizemos os problemas destes programas, caso-a-caso. Entretanto, insistimos, o problema fundamental não está aí. O problema fundamental está em não perceber que a soma de políticas públicas exitosas não resolveu, e não poderia resolver, o problema estratégico, a saber: a relação de forças entre as classes sociais. Esta relação de forças só seria alterada se ocorressem reformas estruturais.

Portanto, em nossa opinião, a principal questão que nosso balanço deve responder é por qual motivo nossos governos não realizaram reformas estruturais. Foi porque não quiseram? Foi porque não puderam? Foi porque não tiveram tempo de fazer? Em nossa opinião, a estratégia adotada não previa, não incluia, não considerava realmente a realização de reformas estruturais.  

As reformas estruturais tornaram-se ainda mais distantes quando, no primeiro governo Lula, a dupla Palocci-Meirelles implementou uma política monetária pró-capital financeiro. Frente a este imenso “bode na sala”, a maioria do Partido considerou que seria um grande êxito se pudéssemos pelo menos fazer políticas públicas de “inspiração anti-neoliberal”. O problema estratégico é que, ao nos limitarmos às políticas públicas, ao não fazermos reformas estruturais, provocamos a reação das elites, sem termos os meios de enfrentar esta reação. O texto da CNB concorda com a primeira parte deste raciocínio, mas não fala da segunda parte. Descreve os motivos que levaram as elites a dar o golpe, mas não compreende os motivos que levaram o golpe a ser vitorioso. É o que fica claro no item a seguir:

Por tudo isso, nossos adversários de classe resolveram organizar de forma contundente e articulada o Golpe que sofremos em 2016. Ao fortalecermos a esfera pública da economia, articulando empresas estatais, instituições financeiras e fundos públicos e governo federal, o estado brasileiro passou a ser o condutor da economia e do crescimento nacional, contrariando os interesses do rentismo e dos setores econômicos brasileiros vinculados aos interesses das transnacionais e empresas petrolíferas estrangeiras, em pleno ambiente de crise econômica mundial. Como diz o Presidente Lula: sofremos o golpe muito mais pelos nossos acertos do que pelos nossos erros.

O parágrafo acima chama de “adversários” aqueles que de fato são nossos inimigos. Não se trata de um ato falho, mas sim de uma concepção. Aceita esta concepção, não faz sentido substituir o capitalismo pelo socialismo, perde importância falar em revolução e rupturas estruturais. O problema principal desta concepção reside em algo simples: a recíproca não é verdadeira. A classe dominante não considera que a esquerda seja “adversária”.

É por isto que um setor importante de nosso Partido não acreditava que o golpe fosse possível. Tinha a ilusão de que a classe dominante havia superado as posturas vigentes na época da “guerra fria”. Imaginava que se o socialismo não estivesse posto na ordem do dia, o lado de lá não agiria de maneira golpista, reacionária.

Este debate não diz respeito ao passado. Se voltarmos ao governo, agiremos da mesma forma que antes? Ou buscaremos fazer reformas estruturais, não apenas para melhorar radicalmente a vida do povo, mas também para debilitar o poder da classe dominante?

O texto da CNB trata deste assunto, ao tratar dos erros que teríamos cometido. Resumimos a seguir o que é dito a respeito:

 “(...) não criamos alternativas por exemplo à extinção da CPMF em 2007 ... Implementamos uma política de desonerações da folha de pagamento sem a devida coordenação com a política industrial em curso... a opção por um ajuste ortodoxo no início de 2015”... “do ponto de vista das reformas democráticas do estado, como a Reforma Política e a Democratização dos Meios de Comunicação, não tiveram sua importância adequadamente dimensionadas pelo nosso governo, nossas bancadas e nosso partido. Não priorizamos a necessária Reforma do Estado, acreditando num suposto republicanismo como se não soubéssemos que as instituições de estado são compostas e permeadas pelas contradições de classe da sociedade brasileira”... “Ainda que , analisada de maneira aprofundada, nunca tenhamos tido uma correlação de forças suficiente na sociedade brasileira que garantisse a aprovação dessas importantes reformas, era necessário que o conjunto do Partido, das Bancadas e do Governo tivéssemos lançado à sociedade brasileira essas propostas de reformas , a fim de fazer o debate e a disputa de hegemonia na sociedade brasileira. Como dissemos no 5o. Congresso, Salvador 2015, essas reformas estruturais eram determinantes para a continuidade de nosso programa democrático-popular. Além disso, a não priorização do embate da Reforma Política refletiu a acomodação do Partido como um todo ao funcionamento político-partidário eleitoral com base no financiamento empresarial (...)”.

Em nossa opinião, a frase essencial é a seguinte: Ainda que , analisada de maneira aprofundada, nunca tenhamos tido uma correlação de forças suficiente na sociedade brasileira que garantisse a aprovação dessas importantes reformas”.

Esta frase é a “desculpa perfeita”. É óbvio que ao não tentarmos fazer as reformas, não tentamos alterar a correlação de forças e, portanto, a correlação de forças continuou insuficiente. OK, mas por quais motivos não tentamos fazer as reformas estruturais? Se não respondermos a esta questão, nos comportaremos como aquele “engenheiro de obra desfeita”, segundo a qual a obra caiu porque foi construída em terreno inadequado, deixando sem responder porque catsus se escolheu um terreno inadequado para construir o edifício.

O texto da CNB dá várias pistas a respeito, mas não aprofunda nenhuma delas. As pistas são: “um suposto republicanismo”, “era necessário ... fazer ... a disputa de hegemonia”, “a acomodação do Partido como um todo ao funcionamento político-partidário eleitoral com base no financiamento empresarial”. O que não é dito, mas está na base da acomodação, do republicanismo e da não-disputa de hegemonia: a estratégia de conciliação de classe, a saber, a crença de que a classe dominante seria nossa “adversária”.

Conjuntura internacional

A “CNB” possui diversos quadros com vasta experiência internacional. Surpreende, neste sentido, que sua tese abra o capítulo a respeito afirmando que “a análise da conjuntura internacional visa identificar como os fatos a serem mencionados se relacionam com a conjuntura nacional e de que forma incidem sobre nossa realidade, nossos problemas e nossa ação internacional”.

Claro que a tese da CNB está correta ao dizer que a “conjuntura internacional é modesta em termos de boas notícias”, que “más notícias não faltam”. Mas ao reduzir a questão internacional a “fatos a serem mencionados”, a tese minimiza a análise e as implicações estratégicas de dois grandes processos: a crise do capitalismo e a ascensão do populismo de direita. Estas implicações estratégicas são, por um lado, a tendência do capitalismo a provocar crises ainda mais profundas, inclusive guerras; e, por outro lado, a necessidade da classe trabalhadora contrapor, a barbárie capitalista, uma alternativa socialista.

Ao não incluir esta perspectiva em sua análise, a tese da CNB limita-se a uma descrição (mais ou menos acertada) dos fatos, concluindo com a proposta de uma “agenda comum dos partidos políticos, movimentos sociais e sindicatos”, que inclui: a defesa de um amplo processo de integração regional; a defesa de uma nova ordem internacional de caráter multilateral; a defesa de políticas ambientais mundiais que busquem uma relação harmoniosa entre os seres humanos e a natureza; a defesa dos processos democráticos da região latino americana.

Só não inclui a defesa do socialismo. A pergunta é: se vivemos uma crise do capitalismo, mas não defendemos o socialismo como alternativa, quando defenderemos?

A verdade é que a CNB não aplica, nesta questão, nem mesmo aquilo que ela diz no capítulo de balanço, a saber: mesmo que não haja uma correlação de forças suficiente, seria necessário lançar essa proposta, a fim de fazer o debate e a disputa de hegemonia.

Situação nacional

Em nossa opinião, a principal afirmação do texto da CNB é a seguinte: “não obstante o empenho do governo Dilma por se aproximar do setor produtivo desde 2012 com a chamada Nova Matriz Econômica , os ganhos no mercado financeiro têm se mostrado determinantes. Isso porque os lucros financeiros no Brasil são extraordinariamente maiores que os lucros produtivos”.

Infelizmente, o texto não tira desta afirmação a única conclusão possível: o grande capital brasileiro, inclusive aquele supostamente dedicado a atividades produtivas, não está disponível para uma aliança anti-neoliberal, porque retira grande parte de seus lucros da atividade especulativa financeira.

Essa conclusão tem profundas implicações sobre nosso programa, nossa estratégia e nossa política de alianças. O grande capital tem claro quais são estas implicações. Por exemplo: para eles um programa antineoliberal equivale a um programa socialista. Pois afetar a especulação financeira os afeta de conjunto. Portanto, é uma ilusão achar que – ao não falarmos de socialismo, ao não falarmos de reformas estruturais, ao nos limitarmos a ampliar as políticas públicas, o bem-estar social e o desenvolvimento – reduziremos a reação do lado de lá.

Infelizmente, o texto da CNB não tira estas conclusões. Percebe o problema, mas não tira daí as devidas conclusões programáticas e estratégicas. Em decorrência, constata alguns paradoxos – a captura das manifestações de 2013 pela direita, a eleição de Dilma acompanhada do mais reacionário parlamento – sem compreender que na base destes paradoxos está uma contradição de fundo, entre os pressupostos da estratégia adotada pelo Partido versus a postura do grande empresariado capitalista.

A estratégia adotada pelo Partido desde 1995 pressupunha a possibilidade de transformar a realidade brasileira através de políticas públicas implementadas por governos eleitos, nos marcos da legalidade constitucional de 1988, oferecendo à classe dominante uma “troca”: ampliar o bem-estar do povo através da ampliação do mercado interno e de um desenvolvimento que, por outro lado, ampliaria os lucros do capital.

Esta estratégia em que todas ganhariam baseava-se num pressuposto equivocado: a de que o capitalismo brasileiro seria capaz de conviver de maneira mais ou menos duradoura com o crescente bem-estar social das camadas populares. Acontece que não há e nunca houve condições para isto no Brasil. Aqui o capitalismo chegou tardiamente, como produto de importação. Aqui a rentabilidade capitalista deriva da combinação entre associação subalterna com o capital internacional e super-exploração da força de trabalho doméstica. Aqui, portanto, o espaço para soberania, bem-estar e democracia é muito limitado.

Portanto, embora em tese haja espaço para um amplo desenvolvimento capitalista no Brasil -- via ampliação do mercado interno, na prática os capitalistas recusam, inviabilizam e limitam esta possibilidade, porque a ampliação do mercado interno implica em aumentar a renda da classe trabalhadora muito mais do que eles estão dispostos a aceitar, tendo em vista a taxa de lucro que pretendem.

Compreender isto conduz a adotar um programa de transformações que dará mais ênfase ao papel do Estado, combinando capitalismo de Estado com políticas de tipo socialista; conduz a adotar uma política de alianças que considere que o empresariado capitalista é nosso inimigo estratégico; e conduz a adotar uma estratégia que considere que não haverá políticas públicas nem reformas estruturais, se não houver um Estado popular que as garanta.

Na ausência desta compreensão sobre o pano de fundo, a análise das causas do golpe e das perspectivas do golpismo converte-se numa narrativa de fatos e numa descrição de opções táticas mais ou menos acertadas. Deixando sem resposta, nem análise, a incômoda questão das alianças com o PMDB – afinal, Temer é vice porque nosso Partido, majoritariamente, aceitou que ele fosse.

Como já apontamos antes, a tese da CNB tem uma maneira de abordar e de compreender o tema da estratégia, maneira distinta da nossa. Vejamos a passagem a seguir:

O aprofundamento da crise tem relação, também, com a situação paradoxal de o PT e o governo não terem logrado construir hegemonia de seu projeto político na sociedade como apontaram, a seu tempo, os 3º e 5 º Congressos. Contribuíram decisivamente para isso a não realização da reforma política; a insuficiência de políticas que barrassem a financeirização da economia (dificultando a sustentabilidade das medidas para ampliar a industrialização) ; a não democratização dos meios de comunicação, a não realização da reforma tributária e da reforma do Estado, em função de não termos conseguido conquistar maioria no Congresso Nacional para aprová-las. Somam-se à não realização das reformas estruturais a incapacidade de nosso partido em dialogar com a sociedade em razão de nosso funcionamento, fortemente aprisionado às dinâmicas eleitorais externas e internas e consequente afastamento da organização da lutas sociais; o rebaixamento, ou mesmo abandono, em algumas circunstâncias, de nosso programa em função dos ditames do marketing político ou das questões relativas à governabilidade tanto nos executivos quanto nos parlamentos; os dilemas das relações entre partido e governo dentre os quais talvez o mais importante tenha sido o dificuldade do PT em exercer sua autonomia relativa e crítica visando preservar seu programa e projeto estratégico.

Tudo ou quase tudo é verdade. Mas há um detalhe: para que um “projeto político” se torne hegemônico, é preciso não apenas que ele exista, mas também que ele seja contra-hegemônico. Ou seja: contra o capitalismo realmente existente, uma alternativa de natureza socialista; a burguesia é nossa inimiga, não apenas adversária; é preciso derrotar o oligopólio financeiro e transnacional privado; é preciso construir o poder popular e conquistar o poder de Estado. Acontece que a estratégia adotada pelo PT não partia desses e de outros pressupostos. Por decorrência, fomos capazes de vencer eleições, fomos capazes de melhorar a vida do povo, fomos capazes de ampliar a democracia, a soberania e a integração, mas não fomos capazes de “construir hegemonia” ao ponto de viabilizar transformações estruturais, nem mesmo de manter os espaços de poder conquistados.

Enquanto o Partido não compreender isto, continuaremos achando “paradoxal” que façamos quase tudo certo e ao final dê quase tudo errado. Tal compreensão, é certo, exigirá uma análise das classes e da luta de classes na sociedade brasileira. A esse respeito, nos chama a atenção que a tese da CNB assuma o uso da categoria “classe média”, sem fazer sobre isto uma análise acerca da insistência com que a presidenta Dilma se propôs em fazer do Brasil um “país de classe média”.

Em nossa opinião, a defesa de um “país de classe média” é o abandono definitivo do programa socialista. Pois uma coisa é defender que a classe trabalhadora tenha um alto padrão de vida. Outra coisa é defender como modelo de sociedade aquele baseado na existência de uma “classe média” e, portanto, de pelo menos duas outras classes, uma “acima” e outra “abaixo”, maneira torta de falar que se defende um país capitalista, em que pelo menos uma parte da classe trabalhadora tenha acesso ao bem estar social.

O programa

O texto da CNB apresenta um “programa nacional de mudanças para o Brasil”, que seriam “alternativas” frente ao “programa neoliberal dos golpistas”, partindo do “compromisso, dos valores e formulações construídas pelo PT em relação ao socialismo democrático”, um “Projeto Democrático Popular”.

Para tanto, a CNB diz que devemos “reconhecer e compreender a dinâmica da globalização capitalista, especialmente no que se refere as conseqüências na redivisão internacional do trabalho e aos padrões atuais de financeirização e concentração do capital. É preciso contribuir para a reflexão de um número cada vez maior de pessoas acerca das dinâmicas do capitalismo brasileiro, e dos diferentes interesses de classe e projetos políticos para o País”. Isto é perfeito, mas a CNB não informa qual a conclusão que tira disto. A impressão que fica da leitura do texto é que a CNB percebe que as chances de compatibilizar capitalismo com bem-estar, democracia e soberania estão cada vez menores, mas não tira dai nenhuma conclusão para o presente.

Como decorrência, o programa lista uma série de medidas, com as quais estamos no geral de acordo, até porque no essencial vão no mesmo sentido do programa escrito por Celso Daniel e aprovado no encontro de Recife em 2001. Mas estamos em 2017, não em 2001. Fomos governo e fomos golpeados. Sendo assim, torna-se necessário falar claramente em revogação das medidas golpistas; falar em Assembleia Nacional Constituinte; falar como se fará desde o primeiro dia de governo a “democratização da comunicação”; sem falar de medidas mais amplas contra o domínio da economia brasileira pelas transnacionais e pelo oligopólio financeiro.

Na ausência disto, o programa apresentado pela CNB é insuficiente.

O Partido

A parte final do texto da CNB discute “um Partido como o PT”. Segundo a tese, “trata-se, portanto, de forjar uma terceira fase na nossa forma de organizar e mobilizar a sociedade que é diferente do período de construção dos sonhos, e que é diferente do período de conquistas e de realização de direitos, mas que traz o ônus da frustação [de] conquistas não alcançadas e que arrastou consigo uma parte da esperança da militância. Diante deste cenário, a pergunta que devemos responder é: o que o PT precisa fazer agora para entusiasmar sua militância e a sociedade?”

O primeiro passo, segundo a tese, é “não abrir mão da radicalidade democrática e da participação do conjunto de filiados e filiadas e combater a ideia de que o Partido dos Trabalhadores precisa ser mais estreito e “enxuto”.”

De fato, esta tem sido quase uma obsessão da CNB, desde 2001, quando se aprovou pela primeira vez o PED: ampliar. Trata-se de uma justa obsessão, afinal não queremos ser minoria, queremos ser maioria. O problema é que a abordagem que a CNB faz do assunto é, digamos, aritmética. Não leva em conta dois aspectos do problema, sem os quais podemos ser maioria sem ter hegemonia.

O primeiro aspecto é: antes de “entusiasmar a sociedade”, devemos nos preocupar em “entusiasmar” a classe trabalhadora. O segundo aspecto é: a classe trabalhadora já é maioria social, mas para se converter em maioria política ela precisa se conscientizar, se organizar e se mobilizar. Motivo pelo qual a ampliação do Partido precisa ser feita com critérios e método.

A tese da CNB não enfrenta algo que todo mundo – inclusive os integrantes da CNB – sabem e percebem: entre 2003 e 2016, nosso crescimento adotou critérios e métodos que afetaram a natureza do nosso Partido. Sem reconhecer isto, sem fazer a crítica disto, a reiteração de que precisamos ampliar nos conduzirá, na melhor das hipóteses, aos mesmos erros do passado.

A tese da CNB reconhece “problemas e desvios que devem ser combatidos e superados”, mas não aprofunda quais seriam. Na verdade, o reconhecimento dos problemas serve apenas como muleta retórica para defender que não devemos “nunca diminuir a participação da nossa base”. Quando o que se critica são determinadas formas de participação da nossa base, formas que em nossa opinião estimulam problemas e desvios.

No lugar desta reflexão, a tese da CNB propõe uma lista de ações práticas. A forma como a CNB lista o que deve ser feito nos conduz a perguntar: sendo tão óbvias as tarefas, por quais motivos não foram realizadas? E, por outro lado, nos conduz a acreditar que os problemas organizativos do Partido serão resolvidos por uma boa “administração”, um bom gerenciamento interno, um conjunto de mudanças de funcionamento e organograma.

Um exemplo cabal desta visão minimalista e reducionista de tratar o problema organizativo está na seguinte frase: “Hoje grande parte das dificuldades que encontramos na juventude reside na pouca comunicação e na ausência de compreensão das novas linguagens tanto nos centros, como nas periferias”.

É assustador constatar que o grupo atualmente majoritário no Partido não compreende que nossas dificuldades organizativas são a síntese de nossas dificuldades políticas e exigem, para sua superação, uma transformação profunda nas nossas concepções, não apenas pequenas reformas burocráticas.

Registre-se que -- salvo desatenção nossa ao ler a tese da CNB -- nela não se faz nenhuma autocrítica prática em relação ao seguinte fato: desde 1995 até 2017, uma única tendência controlou a tesouraria do Partido. Autocrítica prática em relação a isso seria, por exemplo, a adoção da direção compartilhada desta secretaria. A inexistência desta proposta ou similar combina-se, é bom dizer, com uma reflexão insuficiente da CNB sobre o tema da corrupção, que em nossa opinião precisa ir além do desmascaramento da Operação Lava Jato e da hipocrisia das elites.

Finalmente

Em síntese: se a tese proposta pela Construindo um novo Brasil for aprovada pelo 6º Congresso Nacional do PT, teremos mais do mesmo.

Com mais do mesmo, seremos capazes de derrotar a direita, reconquistar o apoio da classe trabalhadora e enfrentar os novos desafios da luta de classes? Estamos seguros de que não.

Nos próximos textos desta série, analisaremos outras 6 teses de autoria de tendências.
E voltaremos a analisar as perspectivas do PED de 9 de abril, dando continuidade ao texto Petistas votarão em 9 de abril, disponível no endereço http://valterpomar.blogspot.com.br/

Segue a relação de teses


1) *A esperança é vermelha Brasil Urgente, Lula presidente!!!*
Bruno Elias, Jandyra Uehara, Adriano Oliveira, Rosana Ramos, Júlio Quadros, Iriny Lopes e Valter Pomar.

https://drive.google.com/file/d/0B0G7xt6c8047aTl2Sk1BX1J0S3M/view?usp=drivesdk

2) *Unidade pela reconstrução do PT.*
Markus Sokol

https://drive.google.com/file/d/0B0G7xt6c8047b3NKVXp2a3Zzd3M/view?usp=drivesdk

3) *Avaliar, corrigir rumos e mudar o Brasil.*
Romenio Pereira, Antônio Carlos Biffi, Flora Isabel

https://drive.google.com/file/d/0B0G7xt6c8047a3pMX0ZlenFhTzA/view?usp=drivesdk


4) *Em defesa do Brasil, em defesa do PT, em defesa de Lula*
Mônica Valente, Artur Henrique, Selma Rocha, Florisvaldo Souza

https://drive.google.com/file/d/0B0G7xt6c8047Q05uUG1YeGRLZ1U/view?usp=drivesdk

5) *Por um partido socialista e democrático! Por um governo democrático-popular!*
Margarida Salomão, Paulo Teixeira, Carlos Henrique Árabe

https://drive.google.com/file/d/0B0G7xt6c8047WTd2dmJNU3ZTSmM/view?usp=drivesdk

6) *Optei - Em defesa do PT*
Sheila Oliveira, José Américo Dias e Juliana Cardoso

https://drive.google.com/file/d/0B0G7xt6c8047UE5LWFUxbXgydGc/view?usp=drivesdk

7) *Alternativa: Crítica, Autocrítica e Utopia*
Gilney Amorim Viana, Elói Alfredo Pietá, Sérgio Zimke

https://drive.google.com/file/d/0B0G7xt6c8047cDVVVnJJNWFVYU0/view?usp=drivesdk

8) *Avante Militância Socialista ao VI Congresso Nacional do PT*
Renato Simões, Maria do Rosário, Marco Maia

https://drive.google.com/file/d/0B0G7xt6c8047VFptdHhWajE0dTA/view?usp=drivesdk

Por decisão da COE NACIONAL foram também admitidas as teses:

9) *Estado de emergência petista*
Núcleo de Estudos d’O Capital (Vilson Oliveira)

https://drive.google.com/file/d/0B0G7xt6c8047MzRENkJRMEZOemM/view?usp=drivesdk

10) *Lélia Gonzalez - Muda PT com raça e classe*
Quilombo Nacional Petista (Liliane Oliveira)

https://drive.google.com/file/d/0B0G7xt6c8047bW5aOHJPcUJjbTQ/view?usp=drivesdk

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