No dia primeiro de abril de 2017, começaram a
circular as teses ao 6º Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores.
A primeira versão destas teses foi
inscrita no dia 24 de março, a versão final até as 23h59 do dia 31 de março.
Foram inscritas dez teses, das quais 7
são de autoria de tendências, a saber: “A esperança é vermelha: Brasil Urgente,
Lula presidente!!!”, inscrita pela Articulação de Esquerda; “Unidade pela
reconstrução do PT”, inscrita por O Trabalho/Diálogo e ação petista; “Avaliar,
corrigir rumos e mudar o Brasil”, inscrita pelo Movimento PT; “Em defesa do
Brasil, em defesa do PT, em defesa de Lula”, inscrita pela “Construindo um novo
Brasil”; “Por um partido socialista e democrático! Por um governo
democrático-popular!”, inscrita pela Democracia Socialista/Mensagem ao Partido;
“Optei - Em defesa do PT”, inscrita pelas tendências Novo Rumo e Esquerda
Popular Socialista; “Avante Militância Socialista ao VI Congresso Nacional do
PT”, inscrita pela Militância Socialista e por Avante XXI (por sua vez, fusão
das tendências Avante e Socialismo XXI).
Além das 7 teses inscritas por tendências, há também três
outras teses: “Alternativa: Crítica, Autocrítica
e Utopia”, enfatizando o tema ambiental e inscrita por militantes de diferentes
tendências; “Estado de emergência petista”, escrita por militantes do Núcleo de
Estudos d’O Capital e inscrita graças ao apoio solidário de um membro do
Diretório Nacional (a regra prevê que para inscrever uma tese, é necessário
pelo menos um integrante do DN); “Lélia Gonzalez -
Muda PT com raça e classe”, escrita pelo Quilombo Nacional Petista, igualmente
inscrita graças ao apoio solidário e enfatizando a luta contra o racismo.
Maiorias e minorias
Tomando como parâmetro o PED de 2013, as
7 teses escritas e inscritas por tendências podem ser classificadas em dois
campos.
Três das teses fizeram parte da maioria
que venceu o PED de 2013 e elegeu o atual presidente nacional do Partido. Estas três teses são: “Avaliar,
corrigir rumos e mudar o Brasil”, inscrita pelo Movimento PT; “Em defesa do
Brasil, em defesa do PT, em defesa de Lula”, inscrita pela “Construindo um novo
Brasil”; “Optei - Em defesa do PT”, inscrita pelas tendências Novo Rumo e
Esquerda Popular Socialista.
Quatro das teses fizeram parte da minoria
que perdeu o PED 2013: “A esperança é vermelha Brasil Urgente, Lula
presidente!!!”, inscrita pela Articulação de Esquerda; “Unidade pela
reconstrução do PT”, inscrita por O Trabalho/Diálogo e ação petista; “Por um
partido socialista e democrático! Por um governo democrático-popular!”, inscrita
pela Democracia Socialista/Mensagem ao Partido; “Avante Militância Socialista
ao VI Congresso Nacional do PT”, inscrita pela Militância Socialista e por
Avante XXI.
Como fica evidente, tanto a “maioria”
quanto a “minoria” de 2013 eram compostas por diversas posições. Para saber
como isto evoluiu, é fundamental ler cada uma das teses e analisar o seu
conteúdo: que balanço fazem do período 2013-2017, que propostas fazem acerca do
programa, estratégia, tática e política de organização partidária.
Construindo um novo Brasil
A tendência que atualmente reúne a maioria de
dirigentes, parlamentares e governantes é a
“Construindo um novo Brasil”. Esta
tendência, doravante denominada CNB, inscreveu uma tese de 28 páginas intitulada “Em defesa do Brasil, em defesa do PT, em defesa de Lula”. Assinam esta tese
a secretária de relações internacionais Mônica Valente, o diretor da Fundação
Perseu Abramo Artur Henrique, a responsável pela Escola Nacional do PT Selma
Rocha e o secretário nacional de organização Florisvaldo Souza.
A tese abre com um “MANIFESTO DA CNB/PMB”, de dezembro de 2016. “CNB” já
explicamos o que é. “PMB” é “Partido que Muda o Brasil”, nome da chapa lançada
pela CNB em 2013. Ao menos no plano simbólico, trata-se de uma reivindicação
daquela chapa. Como aquela chapa resultou numa direção que governava o Partido
no período em que sofremos duas imensas derrotas – o impeachment e as eleições
municipais – seria de esperar que a tese trouxesse algum tipo de balanço
crítico e autocrítico sobre a gestão 2013-2017.
Mas a opção é outra: “defender nossa
história”, “defender nosso legado”, “enfrentar o golpe”, “avançar na elaboração”.
A tese fala também em “analisar o momento com coragem, vontade política e
dedicação militante”. Mas não se faz menção à necessidade de crítica e
autocrítica, reconhecimento dos erros e limitações. O que torna difícil
compreender por qual motivo, depois de “13 anos de governo fazendo grandes
mudanças”, sofremos um “golpe parlamentar-jurídico-midiático”.
Devido a este lapso analítico, é muito
comum os militantes da CNB afirmarem, em debates, que o golpe ocorreu por causa de nossos acertos.
Quando é óbvio que o golpe foi contra os nossos acertos, mas só
teve êxito graças aos nossos erros. Como os erros não são analisados, há um
grande risco de que sejam repetidos.
A primeira vez que – no “manifesto
introdutório”—surge a palavra “crítica”, ela é posta na boca dos movimentos
sociais: “Mesmo com críticas ao nosso governo, diferentes movimentos reconhecem
o caminho aberto por Lula que fez do Brasil um país menos desigual, em direção
a um futuro ainda melhor”. Cabe refletir por qual motivo o grupo atualmente
majoritário no Partido tem tanta dificuldade de olhar para si mesmo, de forma
abertamente crítica e autocrítica. O máximo a que chegam é reconhecer que
devemos “repensar nosso caminho, fazer um balanço sincero, atualizar nosso
programa, transformar nossas práticas e revigorar nosso partido”. Palavras
light, totamente insuficientes frente a derrota hard que sofremos.
Não se trata, é bom esclarecer, de uma cobrança sobre o passado. O problema é
que o texto da CNB parte de um pressuposto real – a situação mudou, o que exige mudanças na nossa política. Mas ao
não analisar a política adotada no passado, corremos o risco de fazer uma
mudança tática, mantendo a estratégia anterior. Ou seja, o PT corre o risco de
fazer o mesmo que fazia o Partido Comunista: oscilava entre
uma tática mais radical e uma tática mais moderada, mas sempre ao redor da
mesma estratégia. Sendo que o problema fundamental da política adotada pelo velho
PC estava na estratégia. Aliás, esta era a opinião dos petistas acerca do PC, nos anos 1980.
De forma similar, entendemos que nossa
derrota em 2016 decorre principalmente da estratégia adotada pelo Partido. Foi
uma estratégia errada que nos levou a cometer erros táticos. Curiosamente, o
“manifesto” que abre a tese da CNB afirma que “o 6º Congresso do PT deve ser um
momento especial de aprofundamento desse debate estratégico”. A conclusão a que
chegamos é que a CNB entende por “debate estratégico” algo diferente daquilo
que compreendemos.
Esta diferença de entendimento fica
evidente quando lemos a frase que encerra o citado manifesto: “Avançar na
elaboração estratégica com o objetivo de construção de uma nação justa e
soberana, movida pelos princípios e valores de um socialismo democrático nos planos
econômico, ambiental, social, cultural e político, envolvendo a participação da
sociedade, especialmente dos trabalhadores e setores populares”. Perguntamos:
por qual motivo os autores do manifesto não falam em construir uma nação
socialista? Porque falam em nação “justa e soberana, movida pelos princípios e
valores de um socialismo democrático”? Aí está a diferença fundamental, envolta
num linguajar que serve para disfarçar uma diferença de fundo acerca de qual
deve ser nosso objetivo estratégico: lutamos por um capitalismo com mais
democracia, bem-estar e soberania? Ou lutamos por substituir o capitalismo pelo
socialismo?
Balanço
O segundo capítulo do texto da CNB
dedica-se ao balanço do período. A primeira parte do balanço fala dos êxitos e
sucessos de nossos governos. Na opinião da CNB, erra quem considera que estes
êxitos e sucessos foram apenas "reformismo fraco" ou
"melhorismo". Na opinião da CNB, “os governos do PT mudaram substancialmente
o papel do Estado em relação ao país”. Considerando a rapidez com que o governo
golpista está alterando aquilo que foi feito, nós consideramos necessário
questionar quão substancial – no sentido de profunda, estrutural – teria sido
esta mudança.
Em nossa opinião, a tese da CNB doura a
pílula. Um exemplo disso é o seguinte parágrafo:
“A aliança simbolizada pela chapa Lula
-José Alencar, longe de ser uma submissão das classes trabalhadoras a uma
fração da burguesia, foi possível em virtude de um programa profundamente
anti-neoliberal, que recolocou o Estado como indutor do desenvolvimento
econômico , não apenas através dos incentivos ao mercado interno , mas também e
fundamentalmente , através do protagonismo da cadeia produção-consumo-investimento.
Foi explorando as contradições entre parte do setor produtivo nacional,
simbolizado pelo empresário do setor têxtil José Alencar, e o capitalismo
internacional hegemonizado pelo rentismo e pelas transnacionais, que foi
construída a chapa Lula- José de Alencar, um operário na presidência da
república e um empresário nacional na vice, e não o contrário”.
A “narrativa” proposta pelo parágrafo
acima pode, na melhor das hipóteses, descrever quais foram as intenções da
aliança realizada em 2002. Mas a “narrativa” não descreve as contradições reais
do processo, especialmente no primeiro governo Lula e nos governos Dilma. Nada
é dito sobre a política monetária desenvolvida por Meirelles e Palocci. Nada é
dito sobre a taxa de juros. Nada é dito sobre as concessões ao capital
financeiro, denunciadas inclusive pelo próprio Alencar. Nada é dito sobre a primarização
e a desindustrialização.
A CNB está preocupada em deixar claro que
não praticou uma “submissão das classes
trabalhadoras a uma fração da burguesia“. Mas é óbvio que não. Se tivesse
havido uma “submissão”, talvez o golpe não fosse necessário. A questão é outra:
houve conciliação. E esta conciliação de classe é a principal causa dos nossos
erros, que permitiram que o golpe fosse vitorioso. E permitem que os golpistas
consigam, com rapidez, reverter os êxitos de nossos governos.
Ao não compreender isto, o texto da CNB
se converte numa lista de programas exitosos. O que só reforça o paradoxo: se
nossa trajetória foi um êxito, por qual motivo terminou em uma derrota?
Temos diferenças quanto ao que é dito,
mas nossa principal divergência não reside na análise dos programas
caso-a-caso. Nossa divergência tampouco diz respeito à avaliação global do que
foi feito. Nossa divergência reside na discussão daquilo que não foi feito e
dos motivos pelos quais não foi feito. Por qual motivo escolhemos conciliar com
o capital financeiro, conciliar com o oligopólio da mídia, conciliar com os
militares, conciliar com...
Nos chama especial atenção, na lista de êxitos apresentada pela tese da
CNB, um item que fala o seguinte:
“A
gestão do Estado nos governos do PT foi profundamente alterada a partir da
política de participação social, com conferencias e conselhos com amplo debate
e participação dos movimentos sociais, para a formulação de políticas dominada
secularmente por setores tecnocratas de elite encastelados no aparelho de
estado.”
Este item é um resumo perfeito da
concepção que criticamos. Se fosse verdade que a gestão do Estado “foi
profundamente alterada”, o golpe não teria ocorrido. Pois todo mundo sabe que
um dos tentáculos do golpismo foi uma parte do aparelho de Estado,
especialmente o Ministério Público, a Polícia Federal e a Justiça Federal,
apoiadas amplamente pela alta burocracia do Estado.
O problema é que a tese da CNB quer fazer
propaganda dos êxitos, não quer fazer análise dos erros estratégicos cometidos.
E um dos principais erros estratégicos foi, exatamente, não enfrentar
estruturalmente o tema do Estado, que exigiria uma Assembleia Constituinte.
É compreensível que – frente ao desmonte
praticado pelos golpistas – nosso Partido deva realizar uma defesa dos
programas implementados por nós. E é quase inevitável que, ao fazer esta
defesa, exageremos os êxitos e relativizemos os problemas destes programas,
caso-a-caso. Entretanto, insistimos, o problema fundamental não está aí. O
problema fundamental está em não perceber que a soma de políticas públicas
exitosas não resolveu, e não poderia resolver, o problema estratégico, a saber:
a relação de forças entre as classes sociais. Esta relação de forças só seria
alterada se ocorressem reformas estruturais.
Portanto, em nossa opinião, a principal
questão que nosso balanço deve responder é por qual motivo nossos governos não
realizaram reformas estruturais. Foi porque não quiseram? Foi porque não
puderam? Foi porque não tiveram tempo de fazer? Em nossa opinião, a estratégia
adotada não previa, não incluia, não considerava realmente a realização de
reformas estruturais.
As reformas estruturais tornaram-se ainda
mais distantes quando, no primeiro governo Lula, a dupla Palocci-Meirelles
implementou uma política monetária pró-capital financeiro. Frente a este
imenso “bode na sala”, a maioria do Partido considerou que seria um grande
êxito se pudéssemos pelo menos fazer políticas públicas de “inspiração
anti-neoliberal”. O problema estratégico é que, ao nos limitarmos às políticas
públicas, ao não fazermos reformas estruturais, provocamos a reação das elites,
sem termos os meios de enfrentar esta reação. O texto da CNB concorda com a
primeira parte deste raciocínio, mas não fala da segunda parte. Descreve os motivos
que levaram as elites a dar o golpe, mas não compreende os motivos que levaram
o golpe a ser vitorioso. É o que fica claro no item a seguir:
Por tudo isso, nossos adversários de
classe resolveram organizar de forma contundente e articulada o Golpe que
sofremos em 2016. Ao fortalecermos a esfera pública da economia, articulando
empresas estatais, instituições financeiras e fundos públicos e governo
federal, o estado brasileiro passou a ser o condutor da economia e do
crescimento nacional, contrariando os interesses do rentismo e dos setores
econômicos brasileiros vinculados aos interesses das transnacionais e empresas
petrolíferas estrangeiras, em pleno ambiente de crise econômica mundial. Como
diz o Presidente Lula: sofremos o golpe muito mais pelos nossos acertos do que pelos
nossos erros.
O parágrafo acima chama de “adversários”
aqueles que de fato são nossos inimigos. Não se trata de um ato falho, mas sim
de uma concepção. Aceita esta concepção, não faz sentido substituir o
capitalismo pelo socialismo, perde importância falar em revolução e rupturas
estruturais. O problema principal desta concepção reside em algo simples: a
recíproca não é verdadeira. A classe dominante não considera que a esquerda
seja “adversária”.
É por isto que um setor importante de
nosso Partido não acreditava que o golpe fosse possível. Tinha a ilusão de que
a classe dominante havia superado as posturas vigentes na época da “guerra
fria”. Imaginava que se o socialismo não estivesse posto na ordem do dia, o
lado de lá não agiria de maneira golpista, reacionária.
Este debate não diz respeito ao passado.
Se voltarmos ao governo, agiremos da mesma forma que antes? Ou buscaremos fazer
reformas estruturais, não apenas para melhorar radicalmente a vida do povo, mas
também para debilitar o poder da classe dominante?
O texto da CNB trata deste assunto, ao
tratar dos erros que teríamos cometido. Resumimos a seguir o que é dito a
respeito:
“(...) não criamos alternativas por exemplo à
extinção da CPMF em 2007 ... Implementamos uma política de desonerações da
folha de pagamento sem a devida coordenação com a política industrial em curso...
a opção por um ajuste ortodoxo no início de 2015”... “do ponto de vista das
reformas democráticas do estado, como a Reforma Política e a Democratização dos
Meios de Comunicação, não tiveram sua importância adequadamente dimensionadas
pelo nosso governo, nossas bancadas e nosso partido. Não priorizamos a necessária
Reforma do Estado, acreditando num suposto republicanismo como se não soubéssemos
que as instituições de estado são compostas e permeadas pelas contradições de classe
da sociedade brasileira”... “Ainda que , analisada de maneira aprofundada,
nunca tenhamos tido uma correlação de forças suficiente na sociedade brasileira
que garantisse a aprovação dessas importantes reformas, era necessário que o
conjunto do Partido, das Bancadas e do Governo tivéssemos lançado à sociedade brasileira
essas propostas de reformas , a fim de fazer o debate e a disputa de hegemonia
na sociedade brasileira. Como dissemos no 5o. Congresso, Salvador 2015, essas
reformas estruturais eram determinantes para a continuidade de nosso programa
democrático-popular. Além disso, a não priorização do embate da Reforma
Política refletiu a acomodação do Partido como um todo ao funcionamento
político-partidário eleitoral com base no financiamento empresarial (...)”.
Em nossa opinião, a frase essencial é a
seguinte: “Ainda que , analisada de maneira aprofundada, nunca tenhamos tido uma correlação
de forças suficiente na sociedade brasileira que garantisse a aprovação dessas
importantes reformas”.
Esta frase é a “desculpa perfeita”. É
óbvio que ao não tentarmos fazer as reformas, não tentamos alterar a correlação
de forças e, portanto, a correlação de forças continuou insuficiente. OK, mas
por quais motivos não tentamos fazer as reformas estruturais? Se não
respondermos a esta questão, nos comportaremos como aquele “engenheiro de obra
desfeita”, segundo a qual a obra caiu porque foi construída em terreno
inadequado, deixando sem responder porque catsus se escolheu um terreno
inadequado para construir o edifício.
O texto da CNB dá várias pistas a
respeito, mas não aprofunda nenhuma delas. As pistas são: “um suposto
republicanismo”, “era necessário ... fazer ... a disputa de hegemonia”, “a
acomodação do Partido como um todo ao funcionamento político-partidário
eleitoral com base no financiamento empresarial”. O que não é dito, mas está na
base da acomodação, do republicanismo e da não-disputa de hegemonia: a
estratégia de conciliação de classe, a saber, a crença de que a classe
dominante seria nossa “adversária”.
Conjuntura internacional
A “CNB” possui diversos quadros com vasta
experiência internacional. Surpreende, neste sentido, que sua tese abra o
capítulo a respeito afirmando que “a análise da conjuntura internacional visa
identificar como os fatos a serem mencionados se relacionam com a conjuntura
nacional e de que forma incidem sobre nossa realidade, nossos problemas e nossa
ação internacional”.
Claro que a tese da CNB está correta ao
dizer que a “conjuntura internacional é modesta em termos de boas notícias”,
que “más notícias não faltam”. Mas ao reduzir a questão internacional a “fatos
a serem mencionados”, a tese minimiza a análise e as implicações estratégicas de dois
grandes processos: a crise do capitalismo e a ascensão do populismo de direita.
Estas implicações estratégicas são, por um lado, a tendência do capitalismo a
provocar crises ainda mais profundas, inclusive guerras; e, por outro lado, a
necessidade da classe trabalhadora contrapor, a barbárie capitalista, uma
alternativa socialista.
Ao não incluir esta perspectiva em sua
análise, a tese da CNB limita-se a uma descrição (mais ou menos acertada) dos
fatos, concluindo com a proposta de uma “agenda comum dos partidos políticos,
movimentos sociais e sindicatos”, que inclui: a defesa de um amplo processo de
integração regional; a defesa de uma nova ordem internacional de caráter multilateral;
a defesa de políticas ambientais mundiais que busquem uma relação harmoniosa
entre os seres humanos e a natureza; a defesa dos processos democráticos da
região latino americana.
Só não inclui a defesa do socialismo. A
pergunta é: se vivemos uma crise do capitalismo, mas não defendemos o
socialismo como alternativa, quando defenderemos?
A verdade é que a CNB não aplica, nesta
questão, nem mesmo aquilo que ela diz no capítulo de balanço, a saber: mesmo
que não haja uma correlação de forças suficiente, seria necessário lançar essa
proposta, a fim de fazer o debate e a disputa de hegemonia.
Situação nacional
Em nossa opinião, a principal afirmação
do texto da CNB é a seguinte: “não obstante o empenho do governo Dilma por se
aproximar do setor produtivo desde 2012 com a chamada Nova Matriz Econômica ,
os ganhos no mercado financeiro têm se mostrado determinantes. Isso porque os
lucros financeiros no Brasil são extraordinariamente maiores que os lucros
produtivos”.
Infelizmente, o texto não tira desta
afirmação a única conclusão possível: o grande capital brasileiro, inclusive
aquele supostamente dedicado a atividades produtivas, não está disponível para
uma aliança anti-neoliberal, porque retira grande parte de seus lucros da
atividade especulativa financeira.
Essa conclusão tem profundas implicações sobre
nosso programa, nossa estratégia e nossa política de alianças. O grande capital
tem claro quais são estas implicações. Por exemplo: para eles um programa antineoliberal
equivale a um programa socialista. Pois afetar a especulação financeira os
afeta de conjunto. Portanto, é uma ilusão achar que – ao não falarmos de
socialismo, ao não falarmos de reformas estruturais, ao nos limitarmos a
ampliar as políticas públicas, o bem-estar social e o desenvolvimento –
reduziremos a reação do lado de lá.
Infelizmente, o texto da CNB não tira
estas conclusões. Percebe o problema, mas não tira daí as devidas conclusões
programáticas e estratégicas. Em decorrência, constata alguns paradoxos – a captura
das manifestações de 2013 pela direita, a eleição de Dilma acompanhada do mais
reacionário parlamento – sem compreender que na base destes paradoxos está uma contradição
de fundo, entre os pressupostos da estratégia adotada pelo Partido versus a
postura do grande empresariado capitalista.
A estratégia adotada pelo Partido desde
1995 pressupunha a possibilidade de transformar a realidade brasileira através
de políticas públicas implementadas por governos eleitos, nos marcos da
legalidade constitucional de 1988, oferecendo à classe dominante uma “troca”:
ampliar o bem-estar do povo através da ampliação do mercado interno e de um
desenvolvimento que, por outro lado, ampliaria os lucros do capital.
Esta estratégia em que todas ganhariam
baseava-se num pressuposto equivocado: a de que o capitalismo brasileiro seria
capaz de conviver de maneira mais ou menos duradoura com o crescente bem-estar social das camadas populares. Acontece
que não há e nunca houve condições para isto no Brasil. Aqui o capitalismo
chegou tardiamente, como produto de importação. Aqui a rentabilidade
capitalista deriva da combinação entre associação subalterna com o capital
internacional e super-exploração da força de trabalho doméstica. Aqui,
portanto, o espaço para soberania, bem-estar e democracia é muito limitado.
Portanto, embora em tese haja espaço para um amplo desenvolvimento capitalista no Brasil -- via ampliação do mercado interno, na prática os capitalistas recusam, inviabilizam e limitam esta possibilidade, porque a ampliação do mercado interno implica em aumentar a renda da classe trabalhadora muito mais do que eles estão dispostos a aceitar, tendo em vista a taxa de lucro que pretendem.
Portanto, embora em tese haja espaço para um amplo desenvolvimento capitalista no Brasil -- via ampliação do mercado interno, na prática os capitalistas recusam, inviabilizam e limitam esta possibilidade, porque a ampliação do mercado interno implica em aumentar a renda da classe trabalhadora muito mais do que eles estão dispostos a aceitar, tendo em vista a taxa de lucro que pretendem.
Compreender isto conduz a adotar um
programa de transformações que dará mais ênfase ao papel do Estado, combinando
capitalismo de Estado com políticas de tipo socialista; conduz a adotar uma
política de alianças que considere que o empresariado capitalista é nosso
inimigo estratégico; e conduz a adotar uma estratégia que considere que não
haverá políticas públicas nem reformas estruturais, se não houver um Estado
popular que as garanta.
Na ausência desta compreensão sobre o
pano de fundo, a análise das causas do golpe e das perspectivas do golpismo
converte-se numa narrativa de fatos e numa descrição de opções táticas mais ou
menos acertadas. Deixando sem resposta, nem análise, a incômoda questão das
alianças com o PMDB – afinal, Temer é vice porque nosso Partido,
majoritariamente, aceitou que ele fosse.
Como já apontamos antes, a tese da CNB
tem uma maneira de abordar e de compreender o tema da estratégia, maneira distinta
da nossa. Vejamos a passagem a seguir:
O aprofundamento da crise tem relação,
também, com a situação paradoxal de o PT e o governo não terem logrado
construir hegemonia de seu projeto político na sociedade como apontaram, a seu
tempo, os 3º e 5 º Congressos. Contribuíram decisivamente para isso a não
realização da reforma política; a insuficiência de políticas que barrassem a
financeirização da economia (dificultando a sustentabilidade das medidas para
ampliar a industrialização) ; a não democratização dos meios de comunicação, a
não realização da reforma tributária e da reforma do Estado, em função de não
termos conseguido conquistar maioria no Congresso Nacional para aprová-las. Somam-se
à não realização das reformas estruturais a incapacidade de nosso partido em dialogar
com a sociedade em razão de nosso funcionamento, fortemente aprisionado às
dinâmicas eleitorais externas e internas e consequente afastamento da
organização da lutas sociais; o rebaixamento, ou mesmo abandono, em algumas
circunstâncias, de nosso programa em função dos ditames do marketing político
ou das questões relativas à governabilidade tanto nos executivos quanto nos
parlamentos; os dilemas das relações entre partido e governo dentre os quais
talvez o mais importante tenha sido o dificuldade do PT em exercer sua
autonomia relativa e crítica visando preservar seu programa e projeto
estratégico.
Tudo ou quase tudo é verdade. Mas há um detalhe:
para que um “projeto político” se torne hegemônico, é preciso não apenas que
ele exista, mas também que ele seja contra-hegemônico. Ou seja: contra o
capitalismo realmente existente, uma alternativa de natureza socialista; a
burguesia é nossa inimiga, não apenas adversária; é preciso derrotar o
oligopólio financeiro e transnacional privado; é preciso construir o poder
popular e conquistar o poder de Estado. Acontece que a estratégia adotada pelo
PT não partia desses e de outros pressupostos. Por decorrência, fomos capazes
de vencer eleições, fomos capazes de melhorar a vida do povo, fomos capazes de
ampliar a democracia, a soberania e a integração, mas não fomos capazes de “construir
hegemonia” ao ponto de viabilizar transformações estruturais, nem mesmo de
manter os espaços de poder conquistados.
Enquanto o Partido não compreender isto, continuaremos
achando “paradoxal” que façamos quase tudo certo e ao final dê quase tudo
errado. Tal compreensão, é certo, exigirá uma análise das classes e da luta de
classes na sociedade brasileira. A esse respeito, nos chama a atenção que a
tese da CNB assuma o uso da categoria “classe média”, sem fazer sobre isto uma
análise acerca da insistência com que a presidenta Dilma se propôs em fazer do
Brasil um “país de classe média”.
Em nossa opinião, a defesa de um “país de
classe média” é o abandono definitivo do programa socialista. Pois uma coisa é defender
que a classe trabalhadora tenha um alto padrão de vida. Outra coisa é defender como
modelo de sociedade aquele baseado na existência de uma “classe média” e,
portanto, de pelo menos duas outras classes, uma “acima” e outra “abaixo”,
maneira torta de falar que se defende um país capitalista, em que pelo menos uma
parte da classe trabalhadora tenha acesso ao bem estar social.
O programa
O texto da CNB apresenta um “programa
nacional de mudanças para o Brasil”, que seriam “alternativas” frente ao “programa
neoliberal dos golpistas”, partindo do “compromisso, dos valores e formulações
construídas pelo PT em relação ao socialismo democrático”, um “Projeto
Democrático Popular”.
Para tanto, a CNB diz que devemos “reconhecer
e compreender a dinâmica da globalização capitalista, especialmente no que se
refere as conseqüências na redivisão internacional do trabalho e aos padrões
atuais de financeirização e concentração do capital. É preciso contribuir para
a reflexão de um número cada vez maior de pessoas acerca das dinâmicas do
capitalismo brasileiro, e dos diferentes interesses de classe e projetos
políticos para o País”. Isto é perfeito, mas a CNB não informa qual a conclusão
que tira disto. A impressão que fica da leitura do texto é que a CNB percebe
que as chances de compatibilizar capitalismo com bem-estar, democracia e
soberania estão cada vez menores, mas não tira dai nenhuma conclusão para o
presente.
Como decorrência, o programa lista uma
série de medidas, com as quais estamos no geral de acordo, até porque no
essencial vão no mesmo sentido do programa escrito por Celso Daniel e aprovado
no encontro de Recife em 2001. Mas estamos em 2017, não em 2001. Fomos governo
e fomos golpeados. Sendo assim, torna-se necessário falar claramente em
revogação das medidas golpistas; falar em Assembleia Nacional Constituinte; falar
como se fará desde o primeiro dia de governo a “democratização da comunicação”;
sem falar de medidas mais amplas contra o domínio da economia brasileira pelas
transnacionais e pelo oligopólio financeiro.
Na ausência disto, o programa apresentado
pela CNB é insuficiente.
O Partido
A parte final do texto da CNB discute “um
Partido como o PT”. Segundo a tese, “trata-se, portanto, de forjar uma terceira
fase na nossa forma de organizar e mobilizar a sociedade que é diferente do
período de construção dos sonhos, e que é diferente do período de conquistas e
de realização de direitos, mas que traz o ônus da frustação [de] conquistas não
alcançadas e que arrastou consigo uma parte da esperança da militância. Diante
deste cenário, a pergunta que devemos responder é: o que o PT precisa fazer
agora para entusiasmar sua militância e a sociedade?”
O primeiro passo, segundo a tese, é “não
abrir mão da radicalidade democrática e da participação do conjunto de filiados
e filiadas e combater a ideia de que o Partido dos Trabalhadores precisa ser
mais estreito e “enxuto”.”
De fato, esta tem sido quase uma obsessão
da CNB, desde 2001, quando se aprovou pela primeira vez o PED: ampliar.
Trata-se de uma justa obsessão, afinal não queremos ser minoria, queremos ser
maioria. O problema é que a abordagem que a CNB faz do assunto é, digamos,
aritmética. Não leva em conta dois aspectos do problema, sem os quais podemos
ser maioria sem ter hegemonia.
O primeiro aspecto é: antes de “entusiasmar
a sociedade”, devemos nos preocupar em “entusiasmar” a classe trabalhadora. O
segundo aspecto é: a classe trabalhadora já é maioria social, mas para se
converter em maioria política ela precisa se conscientizar, se organizar e se
mobilizar. Motivo pelo qual a ampliação do Partido precisa ser feita com critérios
e método.
A tese da CNB não enfrenta algo que todo
mundo – inclusive os integrantes da CNB – sabem e percebem: entre 2003 e 2016,
nosso crescimento adotou critérios e métodos que afetaram a natureza do nosso
Partido. Sem reconhecer isto, sem fazer a crítica disto, a reiteração de que precisamos
ampliar nos conduzirá, na melhor das hipóteses, aos mesmos erros do passado.
A tese da CNB reconhece “problemas e
desvios que devem ser combatidos e superados”, mas não aprofunda quais seriam.
Na verdade, o reconhecimento dos problemas serve apenas como muleta retórica
para defender que não devemos “nunca diminuir a participação da nossa base”.
Quando o que se critica são determinadas formas de participação da nossa base,
formas que em nossa opinião estimulam problemas e desvios.
No lugar desta reflexão, a tese da CNB
propõe uma lista de ações práticas. A forma como a CNB lista o que deve ser
feito nos conduz a perguntar: sendo tão óbvias as tarefas, por quais motivos
não foram realizadas? E, por outro lado, nos conduz a acreditar que os
problemas organizativos do Partido serão resolvidos por uma boa “administração”,
um bom gerenciamento interno, um conjunto de mudanças de funcionamento
e organograma.
Um exemplo cabal desta visão minimalista e reducionista de tratar o problema organizativo está na seguinte frase: “Hoje grande parte das dificuldades que encontramos na
juventude reside na pouca comunicação e na ausência de compreensão das novas
linguagens tanto nos centros, como nas periferias”.
É assustador constatar que o grupo atualmente majoritário no Partido não
compreende que nossas dificuldades organizativas são a síntese de nossas
dificuldades políticas e exigem, para sua superação, uma transformação profunda
nas nossas concepções, não apenas pequenas reformas burocráticas.
Registre-se que -- salvo desatenção nossa ao ler a tese da CNB -- nela não se faz nenhuma autocrítica prática em relação ao seguinte fato: desde 1995 até 2017, uma única tendência controlou a tesouraria do Partido. Autocrítica prática em relação a isso seria, por exemplo, a adoção da direção compartilhada desta secretaria. A inexistência desta proposta ou similar combina-se, é bom dizer, com uma reflexão insuficiente da CNB sobre o tema da corrupção, que em nossa opinião precisa ir além do desmascaramento da Operação Lava Jato e da hipocrisia das elites.
Registre-se que -- salvo desatenção nossa ao ler a tese da CNB -- nela não se faz nenhuma autocrítica prática em relação ao seguinte fato: desde 1995 até 2017, uma única tendência controlou a tesouraria do Partido. Autocrítica prática em relação a isso seria, por exemplo, a adoção da direção compartilhada desta secretaria. A inexistência desta proposta ou similar combina-se, é bom dizer, com uma reflexão insuficiente da CNB sobre o tema da corrupção, que em nossa opinião precisa ir além do desmascaramento da Operação Lava Jato e da hipocrisia das elites.
Finalmente
Em síntese: se a tese proposta pela
Construindo um novo Brasil for aprovada pelo 6º Congresso Nacional do PT,
teremos mais do mesmo.
Com mais do mesmo, seremos capazes de
derrotar a direita, reconquistar o apoio da classe trabalhadora e enfrentar os
novos desafios da luta de classes? Estamos seguros de que não.
Nos próximos textos desta série,
analisaremos outras 6 teses de autoria de tendências.
E voltaremos a analisar as perspectivas
do PED de 9 de abril, dando continuidade ao texto Petistas votarão em 9 de
abril, disponível no endereço http://valterpomar.blogspot.com.br/
Segue a relação de teses
1) *A esperança é vermelha Brasil Urgente, Lula presidente!!!*
Bruno Elias, Jandyra Uehara, Adriano Oliveira, Rosana Ramos, Júlio Quadros, Iriny Lopes e Valter Pomar.
https://drive.google.com/file/d/0B0G7xt6c8047aTl2Sk1BX1J0S3M/view?usp=drivesdk
2) *Unidade pela reconstrução do PT.*
Markus Sokol
https://drive.google.com/file/d/0B0G7xt6c8047b3NKVXp2a3Zzd3M/view?usp=drivesdk
3) *Avaliar, corrigir rumos e mudar o Brasil.*
Romenio Pereira, Antônio Carlos Biffi, Flora Isabel
https://drive.google.com/file/d/0B0G7xt6c8047a3pMX0ZlenFhTzA/view?usp=drivesdk
4) *Em defesa do Brasil, em defesa do PT, em defesa de Lula*
Mônica Valente, Artur Henrique, Selma Rocha, Florisvaldo Souza
https://drive.google.com/file/d/0B0G7xt6c8047Q05uUG1YeGRLZ1U/view?usp=drivesdk
5) *Por um partido socialista e democrático! Por um governo democrático-popular!*
Margarida Salomão, Paulo Teixeira, Carlos Henrique Árabe
https://drive.google.com/file/d/0B0G7xt6c8047WTd2dmJNU3ZTSmM/view?usp=drivesdk
6) *Optei - Em defesa do PT*
Sheila Oliveira, José Américo Dias e Juliana Cardoso
https://drive.google.com/file/d/0B0G7xt6c8047UE5LWFUxbXgydGc/view?usp=drivesdk
7) *Alternativa: Crítica, Autocrítica e Utopia*
Gilney Amorim Viana, Elói Alfredo Pietá, Sérgio Zimke
https://drive.google.com/file/d/0B0G7xt6c8047cDVVVnJJNWFVYU0/view?usp=drivesdk
8) *Avante Militância Socialista ao VI Congresso Nacional do PT*
Renato Simões, Maria do Rosário, Marco Maia
https://drive.google.com/file/d/0B0G7xt6c8047VFptdHhWajE0dTA/view?usp=drivesdk
Por decisão da COE NACIONAL foram também admitidas as teses:
9) *Estado de emergência petista*
Núcleo de Estudos d’O Capital (Vilson Oliveira)
https://drive.google.com/file/d/0B0G7xt6c8047MzRENkJRMEZOemM/view?usp=drivesdk
10) *Lélia Gonzalez - Muda PT com raça e classe*
Quilombo Nacional Petista (Liliane Oliveira)
https://drive.google.com/file/d/0B0G7xt6c8047bW5aOHJPcUJjbTQ/view?usp=drivesdk
ESTE TEXTO NÃO FOI REVISADO E PODE SOFRER EMENDAS
A Sen. Gleisi vai ser a presidente do partido ?
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