Antes de mais nada, um esclarecimento: tudo o que segue é apenas ficção.
E qualquer semelhança é mera coincidência.
Isto posto, imagine um partido.
Um partido de esquerda.
Ele tem um estatuto.
Um estatuto democrático.
O estatuto determina como se deve proceder para alterar o próprio estatuto.
Mas como até o artigo 142 da Constituição possui várias interpretações, há quem diga que o estatuto do tal partido permitiria que o próprio Diretório Nacional, por uma maioria de 2/3, poderia alterar o estatuto.
Para facilitar a compreensão do que segue, admitamos a tal hipótese dos 2/3.
Pois bem: num determinado ano, no qual vão ocorrer eleições municipais, alguém tem a ideia de alterar o método pelo qual o estatuto determina como o Partido deve escolher suas candidaturas à prefeitura.
Este alguém leva o assunto para votação na executiva nacional do Partido.
Resultado da votação na executiva: 17 a favor da alteração do estatuto x 12 contra a alteração do estatuto.
Não teve 2/3 dos votos.
E, ademais, a votação foi na executiva, não no DN.
Quem perdeu faz imediatamente um recurso.
Primeira surpresa: apesar da votação ter sido na executiva, apesar de não ter tido 2/3, alguém divulga publicamente, num "ofício oficial", que a resolução fora aprovada e que a regra fora modificada.
A fake news é tão absurda, que rapidamente a informação é retificada e o assunto fica pendente de votação no Diretório Nacional.
No Diretório, o recurso contra a decisão executiva vai a voto.
O recurso é rejeitado por 47 x 36.
Novamente não tem 2/3.
Mas novamente alguém é tomado de furor criativo e interpreta que, como recurso não precisa de 2/3, como o recurso foi rejeitado, então fica valendo a alteração.
Me inclino diante da esperteza: você não consegue 2/3 no mérito, mas consegue 2/3 para rejeitar o recurso, aprovando assim por maioria simples uma mudança que exigiria 2/3.
Mas como o diabo mora nos detalhes, a lei manda que o partido publique uma resolução.
E esta resolução tem que ser votada oficialmente no diretório.
E a tal resolução precisa incluir a tal mudança estatutária.
E quando chega na reunião do diretório - digamos, sempre lembrando que se trata de ficção, que esta reunião tenha ocorrido na semana passada - um membro do diretório lembra que mudança estatutária precisa de 2/3.
A presidência do partido acha mais prudente tirar o tema da pauta e orienta que se façam consultas entre as partes, antes de votar.
As consultas acontecem? Desconheço.
E dias depois a votação é feita no grupo de zap do tal diretório (sim, na nossa ficção, muitas decisões são tomadas em votação feita em grupo de zap!).
Resultado da votação: 54 a favor da resolução, 26 contra.
Como o tal diretório tem 94 integrantes, dois terços seriam pelo menos 62 votos.
Portanto, desta vez não há dúvida alguma: no diretório, a proposta de alteração estatutária não teve 2/3 dos votos.
Detalhe: nesta votação no DN, algumas pessoas contrárias no mérito à alteração estatutária, preferiram votar a favor, não porque concordem com o mérito, mas porque o tribunal eleitoral exige que se publique a tal resolução numa data determinada.
Obviamente, sabendo da controvérsia, teria sido mais prudente levar a voto a tal resolução um mês antes. Mas, sabe-se lá por qual motivo, a resolução foi levada a voto dias antes do prazo fatal.
Seja como for, o fato é: a resolução não teve 2/3.
E sem 2/3 não tem como alterar o estatuto.
Apesar disso, por incrível que possa parecer, a secretaria nacional de organização do tal diretório começa a colher assinaturas para publicar oficialmente a norma.
Obviamente, vários integrantes do diretório já avisaram que não vão assinar.
Isto posto, sempre lembrando que se trata de uma ficção, resta a pergunta: quantas vezes um estatuto precisa ser atropelado, até que o dia-a-dia de um partido vire uma selva sem lei?
Concluo esta ficção satisfeito pelo fato de militar num partido onde nada disso nunca aconteceria.
Se for atropelado por um Porsche, só uma vez bastará para assassinar a vítima sem maiores consequências!
ResponderExcluirAinda na esfera da ficção, poderíamos associar o Porsche aos atropeladores que tenham (não o maior poder econômico, como na realidade recente do trânsito) o suposto maior poder advindo de suas eleições ou nomeações para cargos no Estado Republicano do país!🙄
Nonada. Como se trata de ficção assumida e juramentada, nem é caso de esquentar a mufa e ficar matutando se é, por assim dizer, uma “fiction à clef”.
ResponderExcluirPorém, contudo, todavia e sem embargo, peguemos o mote e vamos às ficções.
Eis uma que já foi incorporada ao folclore político de Pindorama: o Partido dos Trabalhadores é uma agremiação democrática e socialista, dedicada à defesa das classes trabalhadoras.
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Papo sério, curto e grosso: quantos atropelamentos mais suportarão certos comunistas acomodados no PT?
(Jucemir Rodrigues da Silva)