quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Sobre a Argentina

Fui convidado a participar como expositor do IV Congresso Iberoamericano de cultura, política e participação popular.

O congresso foi realizado em Mar del Plata, Argentina, de 15 a 17 de setembro de 2011.

Contou com a participação de expositores de 22 países.

Do Brasil estávamos: Marcos Dantas, Benedita da Silva, Emir Sader, Nascimento Júnior, eu e Thais Velloso Pimentel.

Mais detalhes sobre o Congresso podem ser vistos no endereço
 http://culturaiberoamerica.gob.ar/

Com base no que ouvi, apresentei ao Diretório Nacional do PT um relatório sobre a situação argentina. O que segue é um resumo.

Começo pelo ambiente político: todos estão otimistas, cada qual a seu jeito. A disjuntiva é quanto, como e por onde avançar.

Salvo algum desastre, Cristina Kirchner deve ser reeleita presidenta no dia 23 de outubro próximo.

A oposição de direita, expressa nas candidaturas de Alfonsin (Radicalismo) e de Duhalde (dissidência de direita do Partido Justicialista); e a oposição de centro-esquerda, expressa na candidatura de Binner (Frente Amplio Progressista); assim como a reduzida oposição de ultra-esquerda, expressa na candidatura de Jorge Altamira (Partido Obrero); não devem conseguir votos suficientes para levar a disputa ao segundo turno.

Um detalhe interessante: pode ocorrer que o segundo lugar caiba a Binner, ex-governador da província de Santa Fé, do Partido Socialista/FAP. Aliás, este parece ser o desejo das forças que apóiam a candidatura de Cristina Kirchner. E parece ser o temor das forças que apóiam as candidaturas de Duhalde e de Alfonsin, que as vezes fazem de Binner seu "blanco" principal, sob a acusação de linha auxiliar do "oficialismo".

Paradoxalmente, outro que parece ter interesse em que Binner tenha o segundo lugar é Macri, que foi reeleito para a Intendência de Buenos Aires. O que faz sentido, afinal uma derrota de Alfonsin e de Duhalde pode limpar o terreno da direita em favor de Macri.

A vitória de Cristina, em primeiro turno, é prevista não apenas pelas pesquisas, mas também decorre do resultado obtido por ela nas eleições primárias, denominadas oficialmente de "Internas Abertas Obrigatórias", nas quais participaram 75% dos "padronados".

Como será o provável segundo mandato de Cristina? Todos são unânimes em dizer que será semelhante ao primeiro, talvez melhor. Mesmo sem ter maioria parlamentar e mesmo com a maioria dos governadores de província sendo de centro-direita.

Mas todos apontam a existência de um dilema semelhante ao que está posto para nós no Brasil: o agravamento da situação internacional reduz a margem de manobra, tornando mais difícil "crescer beneficiando todos" e exigindo escolhas. Agregue-se ao raciocínio a disputa pela sucessão de Cristina, nas eleições presidenciais de 2015, e será verá que os próximos anos serão de muita disputa política e ideológica (tendo no meio do caminho as eleições de 2013).

Qual a possibilidade de uma convergência pós-eleitoral entre as forças de centro-esquerda que sustentam a candidatura de Cristina e as forças de centro-esquerda que apóiam a candidatura Binner?

Noutras palavras: os partidos argentinos que atualmente integram o Foro de São Paulo marcharão conjuntamente, no próximo período? [A pergunta é extensiva a partidos que hoje não fazem parte do Foro, mas que pediram ou tem vontade de pedir ingresso.] Entre os interlocutores com quem estive, ninguém pareceu muito convicto da resposta dada à pergunta acima.

No caso de Binner, sua candidatura presidencial é apoiada por quatro setores: Partido Socialista, Libres del Sur, uma ala da CTA (pós-cisão) e o GEM (oriundo de uma cisão do Radicalismo). Também participam grupos provinciais e municipais.

Todos estes setores conformam a Frente Amplio Progressista, que alguns pretendem que se converta em uma frente política, não apenas eleitoral. Claro que isto depende não apenas do desempenho eleitoral, mas também da postura pós-eleitoral de Binner. 

Alguns acham que um eventual fortalecimento de Binner (ficar em segundo lugar, por exemplo) ajudará a impedir que a sucessão de CK em 2015 se faça pela direita. Outros lembram a experiência brasileira, onde uma alternativa original e programaticamente de centro-esquerda pode acabar servindo à direita no processo eleitoral e na luta política. 

De toda maneira, a expectativa é que a FAP tenha o terceiro bloco parlamentar, depois do radicalismo e do "oficialismo". Binner tem feito questão de demarcar: "nos acusam de rachar la oposicion, que deveria ser una, pero nuestra posicion no tiene nada que ver con otros sectores de la oposicion". Os críticos lembram que Binner teria apoiado o setor rural contra o governo CK, ao mesmo tempo que agora é apoiado pelo MST e pelo PCR, pequenos partidos de ultra-esquerda.

Outro tema de fundo diz respeito ao "caráter de classe" do governo CK. Segundo alguns, o governo CK teria "o apoio do melhor setor da burguesia argentina", o que se traduziria na aliança da União Industrial com o governo. Ao mesmo tempo, CK recebe a oposição da Sociedade Rural, apesar do que Cristina venceu as primárias em regiões de forte influência deste setor [sobre isto, um de nossos interlocutores opinou que o governo teria percebido o erro cometido quando do confronto com a Sociedade Rural, ao não distinguir e dividir os grandes proprietários, dos pequenos e médios.]

A questão é: até onde este "melhor setor da burguesia" está disposto a ir, no que diz respeito à democratização política, bem estar social, soberania nacional e integração continental? Isto não está claro, mas um setor da esquerda que apóia o governo acredita que pode ir longe.

Nas palavras de um ex-ministro de Nestor Kirchner: "Prebisch no tiene razón". Ou seja, nas condições do mundo atual o intercâmbio entre países como Argentina e as metrópoles mais industrializadas não necessariamente seria estruturalmente desfavorável para a Argentina. Traduza-se isto para a política e fica claro a base teórica da crença de que seria possível construir uma "social-democracia latino-americana".

Outra pista das bases desta crença está na descrição entusiasmada acerca do imenso potencial produtivo da América do Sul, das nossas reservas minerais, de água, de petróleo, de gás, de nossa riqueza genética etc. É como se fosse possível, ao mesmo tempo, uma forte expansão do capitalismo em nossa região, sem que deixemos de ser uma região de paz, aprofundando a integração regional, tudo sob controle e direção de Estados nacional-populares. 
Crença que encontra terreno fértil no peronismo, que por "não ser nem de direita, nem de esquerda", possui no seu arsenal instrumentos e personagens que deram origem à guinada neoliberal com Menem; e agora deram em rumo oposto com Nestor e Cristina.
Seja como for, o processo argentino é muito interessante. Sendo necessário conhecer mais da esquerda e do peronismo argentinos. Hoje os contatos estão concentrados em três ramos: na chamada Militancia, que junto com a Campora e com a CGT conformam o setor popular de apoio ao governo de CK; na Frente Amplio Progressista (Partido Socialista, CTA, Libres del Sur); e no Novo Encontro (Partido Comunista, Sabatela). Sabe-se menos da CGT, da Campora e dos setores majoritários do Partido Justicialista.


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