domingo, 25 de setembro de 2011

7 pontos capitais

Cercado de expectativas e anunciado nos principais jornais do país, finalmente veio à luz a “Mensagem ao Partido”, assinada por 214 militantes: umaelaboração coletiva”, visando “a construção de um novo espaço de diálogo partidário, preparando o Partido para um período de inserção na revolução democrática em curso, alicerçado num novo núcleo dirigente: mais plural, mais comprometido com a construção de uma visão republicana, radicalmente democrática e socialista para o nosso país”.
A “Mensagem”, disponível na www.pt.org.br,  apresenta de maneira bastante otimista as perspectivas do Brasil e do PT. Reafirma teses que fazem parte do patrimônio intelectual do Partido, não apenas dos signatários. E incorpora positivamente questões (como o controle de entrada e saída de capitais), que até o PED de 2005 tinham muitos detratores e poucos defensores.
Por outro lado, a versão final da “Mensagem” manteve (do nosso ponto de vista, é claro) uma abordagem insuficiente, inadequada e/ou incorreta de uma série de questões. Já falamos disso no artigo “Alguns comentários sobre uma mensagem”, também publicado em www.pt.org.br
Claro que não pretendemos fazer cobranças excessivamente rigorosas de um manifesto. Claro, também, que um texto assinado por setores tão diversos tende a buscar sínteses e acomodar divergências. Entretanto, como estamos num processo de Congresso, é imperioso debater as idéias ali contidas, inclusive na expectativa de que seus signatários incorporem as críticas e observações; ou que nos demonstrem melhor o acerto de suas posições.
Com este propósito, sumariamos a seguir o que nos parecem os 7 pontos críticos da “Mensagem”, nos limitando ao que nos parece ser capital para o debate de seu conteúdo. Não nos preocupamos, portanto, em desenvolver o conteúdo de cada ponto, mas tão somente chamar atenção para as principais divergências.
1.O balanço do primeiro mandato de Lula.
Sobre este tema, a “Mensagem” é muito triunfalista e pouco crítica. Nas teses apresentadas por quase todos os signatários, no PED de 2005, bem como nos documentos oficiais do próprio Partido, se faz uma análise mais equilibrada e autocrítica.
Nos parece indispensável, por exemplo, abordar expressamente temas como a estratégia política de centro-esquerda, a política expressa na “Carta aos brasileiros”, a “transição pacífica” frente ao governo FHC, a política de governabilidade assentada principalmente na relação com o Congresso Nacional, o comportamento muitas vezes submisso frente à mídia e ao grande empresariado, a tática adotada nas eleições de 2004, a atitude frente aos ataques de 2005. Além, é claro, da hegemonia paloccista na política econômica, que nos manteve subordinados a aspectos fundamentais da política neoliberal herdada do governo FHC.
Não abordar estes assuntos, com a profundidade e autocrítica necessária, pode facilitar composições internas. Mas empobrecerá o debate congressual e dificultará nossa ação política no próximo período.
2.A análise da tradição socialista internacional.
A “Mensagem” dá tratamento desigual para duas grandes famílias do movimento socialista: é mais tolerante com a social-democracia e mais duro contra a tradição comunista.
Registre-se que a resolução do 7º Encontro Nacional do PT (1990), em que pese suas limitações, faz uma crítica muito mais equilibrada tanto ao mal-denominado “socialismo real”, quanto à experiência social-democrata.
Este desequilíbrio tem conseqüências políticas graves, entre outros motivos pelo seguinte: a principal ameaça que paira, atualmente, sobre nossa experiência no Brasil, não é a de cometermos os erros presentes nos processos revolucionários, mas sim a de continuarmos cometendo os erros praticados em muitas experiências social-democratas.
3.O lugar do PT, na tradição socialista brasileira e internacional
O Partido dos Trabalhadores pode e deve ter enorme orgulho de nossa trajetória. Mas a soberba é má-conselheira e só nos faz acreditar que somos imunes aos equívocos cometidos pelos nossos antecessores e por nossos contemporâneos.
Neste sentido, a “Mensagem” comete um equívoco grave, ao dizer que “o PT, sem falsa modéstia, é o único grande partido de esquerda, com mobilização de massas, a não ter em seu passivo o totalitarismo. Também é o único partido oriundo do movimento democrático que derrotou a ditadura brasileira capaz de dar um caráter social à nossa democracia política. Isso lhe dá uma força para o futuro. E é o que explica que as duas vitórias de Lula tenham tido um papel de paradigma inspirador até para sociedades muito diferentes da brasileira”.
Não fica claro se a primeira frase se refere aos partidos de esquerda de todo o mundo, ou apenas aos partidos de esquerda do Brasil. Tanto num caso como em outro, uma afirmação deste tipo revela um tipo de “patriotismo” muito comum, paradoxalmente, entre pessoas e organizações que se consideravam a “vanguarda do proletariado”.
De todo modo, esta gafe é útil para demonstrar que o “passivo totalitário” é mais disseminado do que sugerem os redatores da “Mensagem”.
Claro que podemos ter dúvidas e discutir longamente sobre o que a “Mensagem” quer dizer, exatamente, com a expressão “totalitarismo”. Mas não há como ter dúvida acerca do seguinte: não é verdade que o PT seja “o único partido oriundo do movimento democrático que derrotou a ditadura brasileira capaz de dar um caráter social à nossa democracia política”.
Registre-se, ironicamente, que a expressão “único” é muito comum exatamente na tradição que a “Mensagem” pretende criticar.
Este tipo de afirmação, ademais, só serve para criar ainda mais dificuldades com as demais forças da esquerda política e social brasileira. Neste sentido, faltou à “Mensagem” inclusive mais atenção para as necessidades de articulação política e institucional do governo Lula.
4.Renda, riqueza e poder
O esboço de “programa” apresentado pela “Mensagem” fala da distribuição de renda e de poder político, mas não trata adequadamente do tema da “distribuição”da riqueza (no sentido de propriedade).
Nesse particular, a “Mensagem” não desenvolve aquilo que é a questão fundamental sobre a qual deve emitir opinião o programa de um Partido que, ao menos em tese, se propõe a organizar de outra maneira a sociedade: o que fazer com a atual estrutura de propriedade dos meios de produção.


Se o 3º Congresso do PT pretende debater o "socialismo petista", então teremos que falar, de alguma maneira, de algo que pelo menos lembre a socialização do poder e dos grandes meios de produção, além de algo que recorde as tradicionais medidas anti-imperialistas, anti-monopolistas e anti-latifundiárias presentes desde sempre no programa de nosso Partido.

Ou trata-se de uma lacuna, que será corrigida quando os signatários apresentarem sua tese ao Congresso do Partido. Ou pode ser proposital, caso em que estaria explicada a crítica mais tolerante que é dirigida à experiência social-democrata.
O tema da propriedade é clássico, urgente e atual. Um de nossos desafios é, exatamente, quebrar a ditadura que o capital financeiro mantém sobre nossa economia. Nesse particular, registre-se o tema das dívidas interna e externa.
5.Populismo e imperialismo
A “Mensagem” afirma uma clara diferenciação frente ao populismo, exaltando por outro lado “a especificidade da nossa revolução democrática, a matriz nacional, laica e culturalmente diversa da nossa experiência histórica, cujo vigor repousa na vitalidade de uma sociedade civil ativa, que rejeita o populismo e o autoritarismo”.
O estranho é que a crítica ao populismo não é acompanhada de uma análise ou referência ao tema do imperialismo.
Não se trata aqui, é bom lembrar, do uso da palavra. Ocorre que o imperialismo é um dos fenômenos mais importantes do século XX e continua sendo uma força decisiva no século XXI. Aliás, sem entender o imperialismo, não é possível compreender o populismo.
Esta lacuna é agravada pelo silêncio da “Mensagem” acerca da estratégia, no sentido pleno desta palavra.
Acontece que parte expressiva de nossa “ativa sociedade civil” considera que o PT e o governo Lula são, exatamente, a expressão tupiniquim do populismo e do autoritarismo que estariam rondando a América Latina. E resistem violentamente contra qualquer alteração mínima que tentemos fazer na estrutura econômica, política e social do Brasil.


Como lidar, estrategicamente falando, com isto?

6.A organização partidária
De maneira simétrica ao balanço do primeiro mandato de Lula, a análise da “crise de 2005” feita na “Mensagem” é limitada e pouco autocrítica.


Limitada, por não vincular adequadamente a crise ao abandono do ideário socialista e a adoção da estratégia de centro-esquerda.


Pouco autocrítica, porque não inclui nenhuma referência ao fato de parte de seus signatários terem sido responsáveis pela implementação da política que nos levou à crise de 2005.


É natural que um documento que tem, entre seus principais formuladores, o ministro Tarso Genro e os militantes da tendência Democracia Socialista, tenha dificuldades em tratar desta questão: afinal, Tarso foi um dos principais formuladores, entre nós, da estratégia eleitoral (ou de centro-esquerda); e a Democracia Socialista, como de resto toda a chamada esquerda petista, foi uma das principais críticas desta estratégia.


É óbvio que a disputa de eleições e o exercício de governos constituem parte fundamental de uma estratégia socialista, na América Latina atual. Mas constituem parte, não "a" estratégia. Compreender esta diferença entre o todo e as partes é fundamental. E para esta compreensão, faz-se necessária uma autocrítica partidária acerca do rumo seguido nos anos 1990, especialmente a partir de 1995.

7.O republicanismo. 
Segundo a “Mensagem”, a “incorporação radical de valores republicanos na formulação do socialismo petista é um fundamento programático essencial na nossa proposta de reconstrução partidária”.
A compreensão adequada da “Mensagem”, do ponto de vista teórico, exigiria debulhar estes dois conceitos (“valores” e “república”).

Ao menos no caso do socialismo, o termo "valores" tem sido usado por algumas correntes com o propósito de sublimar a necessidade de transformações reais, objetivas, materiais.

Na formulação destas correntes, vão desaparecendo termos como "socialização dos meios de produção".

No seu lugar, aparece a vontade política de introduzir "valores" socialistas no capitalismo realmente existente.
Os valores “republicanos”, por sua vez, ganharam enorme espaço devido a crise de 2005, que efetivamente mostrou ser necessário debater com mais profundidade questões como a relação público/privado.

Nos parece, contudo, que a “Mensagem” propõe uma abordagem democrático-liberal do tema da política e do Estado. Como disse uma vez Wladimir Palmeira, a respeito de um artigo de Tarso Genro: “cartola socialista, coelho liberal”.

Neste sentido e paradoxalmente, a “Mensagem” persegue uma pista que aprofunda a elaboração que foi seguida pelo “campo majoritário” do Partido, de 1995 em diante. Por isso mesmo, saudando a iniciativa e respeitando os signatários do documento, concluímos que a “Mensagem” não responde aos desafios presentes e futuros de um Partido que, além de governar o Brasil, quer também lutar pelo socialismo.

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