O texto abaixo está em debate. A versão que resulte do debate será divulgada, pela direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, até o final desta sexta 10 de setembro.
A reunião do
Diretório Nacional do PT, convocada para o dia 11 de setembro de 2021, é de
extrema importância. Grande parte do povo brasileiro deposita suas esperanças
de uma vida melhor no Partido dos Trabalhadores e no companheiro Lula. Ao mesmo
tempo, grande parte da militância petista percebe que as debilidades políticas e
organizativas de nosso Partido, bem como de outras forças democráticas e populares,
podem frustrar as esperanças em nós depositadas.
Superar
estas debilidades exige, entre outras coisas, realizar um debate sobre a situação
nacional que vá além da superficialidade e que resulte em algo mais do que uma
nota com palavras-de-ordem e datas.
Não há como
esconder que existem em nosso Partido avaliações muito diferentes acerca da situação
política. As discrepâncias em torno do Fora Bolsonaro, das manifestações de
rua, da CPI da Covid e do Grito dos Excluídos exprimem - além de que
divergências estratégicas ou táticas – interpretações muito diferentes acerca
dos fatos.
A existência
de diferenças, mesmo que profundas, não é um problema. O problema reside na
ausência de um debate sistemático acerca destas diferenças; e na coexistência,
na ação prática do Partido, de diferentes linhas políticas, que acabam concorrendo
e debilitando umas às outras.
Neste
sentido, é muito importante que a reunião do Diretório Nacional do PT neste 11
de setembro de 2021 não se limite aos rituais parlamentares segundo os quais
cada tendência apresenta seus documentos, depois se vota o texto base e as
respectivas emendas, sem que isso resulte na formulação de uma síntese superior
a cada uma das partes. É com este espírito que apresentamos as seguintes reflexões,
sob a forma de um projeto de resolução que possa contribuir para um documento
que – em nossa opinião – deve resultar da elaboração coletiva, a partir de uma
comissão encarregada da tarefa.
1/O
Diretório Nacional do PT reúne-se 20 anos depois do ataque terrorista contra o
World Trade Center, ocorrido em 11 de setembro de 2001.
Na véspera,
havia sido assassinado o companheiro Antonio da Costa Santos, meses depois
seria assassinado o companheiro Celso Daniel e passado pouco mais de um ano,
Lula seria eleito presidente da República.
Nos 20 anos
transcorridos desde então, o mundo passou por mudanças significativas, entre as
quais o retorno dos Talibãs ao governo do Afeganistão, pondo fim à ocupação
militar praticada pela Otan e encabeçada pelos EUA.
Entre as
muitas avaliações que se pode fazer do episódio, há uma que precisamos destacar,
devido a sua influência nos acontecimentos presentes e futuros do Brasil: trata-se
do enterro, sem dó nem piedade, da estratégia lançada por Bush filho (“a guerra
contra o terror”) e do regresso, sob nova roupagem e com novo adversário, da
estratégia da guerra fria dos EUA contra outra “superpotência”, no caso a China.
Este será o
principal parâmetro que o governo Biden vai adotar, nas suas relações com o
Brasil. Na prática, farão tudo que estiver a seu alcance para evitar que o
Brasil seja governado por quem se disponha a manter autonomia frente aos
Estados Unidos e por quem se disponha a manter relações normais com a República
Popular da China.
Tendo em
vista a influência dos EUA junto à cúpula das forças armadas brasileiras, bem
como as relações preferenciais do Partido Democrata com o Partido da Social Democracia
Brasileira, isso indica que o governo Biden será (na verdade, já está sendo) um
operador ativo em duas linhas: dificultar a eleição de Lula através de uma terceira
candidatura (que não traga a marca do “trumpismo”).
Portanto, não
cabe nenhuma ilusão acerca da “neutralidade” dos EUA frente ao processo
eleitoral brasileiro; aliás, é importante sempre lembrar que Biden foi vice-presidente
quando se executou o golpe no Brasil. Ilusões deste tipo não caberiam nunca,
muito menos num 11 de setembro, em que faz seu 48º aniversário o fatídico golpe
de Estado no Chile de 1973.
2/O
Diretório Nacional do PT se reúne dias depois do 7 de setembro, quando a extrema-direita
tentou sequestrar a festa da Independência para exaltar seus valores golpistas,
antidemocráticos e antipopulares.
A análise detalhada
do que ocorreu nestes dias é muito importante para definir nossa tática. Entretanto,
é preciso estar atento para o que ocorre no âmbito da política "estrito senso", mas
também para o que vem ocorrendo com o tecido social, econômico e cultural de
nosso país.
Desde 2016
tem ocorrido uma regressão sistemática em todos os terrenos: desindustrialização,
desnacionalização; privatizações; desassistência, que será aprofundada caso a "reforma administrativa" seja aprovada; desmonte; destruição de
direitos; violência sistemática das polícias contra o povo, especialmente a
juventude periférica negra; feminicídio; racismo; devastação ambiental; prosseguimento
do genocídio contra os povos originários, que agora se manifesta no "marco temporal"; fundamentalismo; estímulo a todo tipo
de preconceitos; negacionismo no trato da pandemia...
O fato é que
a “boiada vem passando” desde 2016, o que resulta em números que são dantescos,
entre os quais destacam-se quase 600 mil mortos devido a Covid 19 (ou, melhor
dizendo, devido à forma como o governo e seus aliados trataram a pandemia);
dezenas de milhões de desempregados; a volta do país ao mapa da fome.
Nosso Partido, a oposição de esquerda, as forças democráticas e populares precisam sempre ter em vista que este é o problema principal que nos propomos a resolver: o sofrimento do povo e a interdição de um futuro melhor – com soberania, igualdade, liberdade e desenvolvimento - para nossa sociedade.
3/Neste
sentido, precisamos sempre lembrar que temos dois inimigos, não apenas um. A
saber: a extrema direita bolsonarista e a direita neoliberal.
As vezes
unidas (como no impeachment e no segundo turno de 2018), às vezes em conflito
agudo (como no dia 7 de setembro), as vezes fazendo acordos temporários e instáveis
(como expresso na carta escrita por Temer e assinada por Bolsonaro), a extrema
direita e a direita neoliberal são cúmplices na aplicação de um programa que vem fazendo
o Brasil regressar um século no passado, em direção a um país primário-exportador,
em que a questão social é caso de milícia, em que a política é dominada pelas oligarquias,
em que nosso papel no mundo é falar fino com Washington.
A política econômica do governo Bolsonaro e antes dele do governo Temer tem proporcionado lucros imensos aos grandes capitalistas, especialmente os vinculados ao setor financeiro, ao agronegócio e às mineradoras, às custas não apenas dos trabalhadores mas também dos pequenos proprietários. Os indicadores para o ano de 2022 - de inflação, desemprego, investimentos, crescimento - são de agravamento da situação para a maioria do povo, dificuldades que o governo federal tentará manipular eleitoralmente através do fisiologismo.
Por tudo isto, do
ponto de vista do PT, da esquerda, das forças democrático-populares, a derrota
do bolsonarismo não pode nem deve ser dissociada da derrota do neoliberalismo.
4/Em condições normais, a disputa política existente no país seria resolvida nas eleições presidenciais de 2022. E as pesquisas indicam que, se fossem hoje, as eleições resultariam na vitória de Lula.
Parte importante
da classe dominante brasileira, com destaque para a direita neoliberal
tradicional, está convencida de que Bolsonaro é um homem marcado para perder as
próximas eleições presidenciais, se elas forem polarizadas entre o atual ocupante
da presidência e Lula.
A direita neoliberal
tradicional sabe que tentar interditar novamente a candidatura de Lula exigiria
contar com alternativas indizíveis. Por isso se inclinam para a alternativa de enfraquecer
Bolsonaro, abrindo espaço para uma candidatura presidencial neoliberal tradicional,
supostamente capaz de derrotar Lula.
Crescentes
setores da classe dominante estão aderindo a esta segunda alternativa. Este é o
motivo de fundo da batalha de Bolsonaro contra a Globo e setores do Supremo.
Não se trata da defesa das “instituições” e muito menos da preservação das
“liberdades democráticas”.
5/Na
história brasileira, as lutas entre diferentes facções da classe dominante já
produziram de tudo, desde acordos até guerras civis. Mas quando havia risco da classe
trabalhadora prevalecer, a opção preferencial das elites sempre foi o acordo
por cima, a transição pelo alto, a conciliação entre os ricos e o massacre dos trabalhadores.
Por isso,
não causa espanto o que vem ocorrendo nos últimos dias, especialmente desde o
dia 7 de setembro. Em qualquer país minimamente cioso do respeito à legalidade
democrática, o presidente não deveria ter sido candidato; eleito, não deveria ter
tomado posse; empossado, já deveria ter sido afastado do cargo. Mas não é esta
a conclusão amplamente majoritária nas elites.
Alguns na
prática o apoiam, como fez o presidente da Câmara dos Deputados e o PGR recém-reeleito.
Outros falam de crimes, mas não tomam atitude, como fez o presidente do STF. E há
os golpistas de ontem que oferecem seus préstimos para redigir “acordos” verbais
em torno do que não pode existir acordo algum; afinal, “calor do
momento” não é justificativa aceitável nem para crimes pessoais, nem para crimes
políticos. A esse respeito, é importante denunciar o relaxamento de várias medidas judiciais que estavam em curso contra Bolsonaro e seus golpistas.
O fato é:
temos um presidente vende-pátria, antipopular, miliciano, genocida e golpista.
A única alternativa aceitável para esta situação é o impeachment imediato.
6/Seria um erro superestimar, mas também seria um erro minimizar a demonstração de força do bolsonarismo. Tampouco se deve naturalizar – mesmo que através da comicidade - a estética neofascista de suas aparições. A extrema direita que se agrupou em torno de Bolsonaro é motivada por uma ideologia que deve ser compreendida e combatida em todos os seus fundamentos e implicações. Simplificações como "gado", "loucos" e similares não contribuem para o entendimento e enfrentamento deste fenômeno tão perigoso.
Não se trata aqui apenas de Bolsonaro, que como pessoa física pode vir a ser descartado pelas próprias elites, mas sim da extrema direita militante, onde se confundem entre outros “partido militar”, o fundamentalismo religioso, setores médios e inclusive setores populares.
Bolsonaro não
deve ser subestimado, nem como adversário eleitoral, nem como político tradicional,
nem como golpista. Toda sua trajetória é marcada pela combinação entre “formas
de luta”, com um pé dentro e outro fora das instituições, com avanços que
parecem avassaladores e recuos que parecem desmoralizantes, para depois voltar
a atacar.
A direita tradicional
vem abrindo espaço para a extrema direita desde 2013. E neste momento resiste a apoiar o
impeachment, por conta de cálculos eleitorais mesquinhos e, também, para evitar
que a turbulência política dificulte a aprovação das políticas neoliberais.
O resultado
prático é deixar que continue na presidência alguém que, além de inúmeros
outros crimes, já avisou que não aceitará sua derrota eleitoral.
7/A direita
neoliberal tradicional parece achar que Bolsonaro vai “sangrar” e desidratar eleitoralmente, contando que o aparente "acordo" retórico intermediado por Temer possa causar algum desgaste de Bolsonaro junto às
suas bases ou, pelo menos, reduzir sua capacidade de mobilização.
Esta postura da direita neoliberal tradicional não nos surpreende; afinal, personagens muito superiores aos atuais, como Juscelino e Ulisses, chegaram a apoiar com seu voto a eleição indireta do presidente Castelo Branco, na expectativa de que as eleições presidenciais de 1965 seriam mantidas. Sabemos o que aconteceu depois.
As
manifestações da extrema-direita no dia 7 de setembro, o que as precedeu e o
que as sucedeu, comprovam uma vez mais que as liberdades democráticas estão sob
ameaça permanente do atual presidente da República.
Contra isso não cabem elogios – como as feitas pelo presidente da Câmara dos Deputados – nem críticas vazias de consequências práticas – como as do presidente do Supremo Tribunal Federal. Tampouco cabe acreditar em recuos retóricos, como os expressos na carta escrita por outro golpista e divulgada pelo presidente. Só há uma maneira de deter as ameaças autoritárias: o impeachment.
8/A luta
contra o governo Bolsonaro e suas políticas foi tema central do Grito dos
Excluídos realizado no dia 7 de setembro de 2021, manifestação que o PT apoiou
e cuja realização foi fundamental para não deixar as ruas serem ocupadas, sem
resistência, pela extrema-direita. A realidade demonstrou ser despropositada a
atitude alarmista daqueles que tentaram desmarcar a manifestação, pretextando
riscos e problemas que – mesmo que pudessem ser reais – ainda assim não podem
nos levar a abandonar as ruas. Só a luta derrotará o golpismo, só a luta deterá
a catástrofe sanitária, social e econômica. E não há luta sem ocupação das ruas,
mesmo que em condições de hostilidade por parte da extrema-direita.
9/Aos que
acham que o momento de enfrentar Bolsonaro é 2022, respondemos que a eleição de
2022 não está garantida, sob nenhum aspecto: a eleição em si, as regras, o resultado,
a posse de quem vencer, nada deve ser considerado fato consumado.
O que
efetivamente ocorrerá depende de variáveis que estão sendo definidas agora, em
2021. Parte da esquerda subestima Bolsonaro. Subestimou em 2018, subestima
agora. E parte da esquerda superestima o compromisso democrático das elites.
Superestimou em 2016, superestima agora. E para que a esquerda seja vitoriosa, é
preciso nem subestimar, nem superestimar nossos inimigos.
10/O Brasil
precisa de uma verdadeira independência, que nos garanta soberania, bem-estar,
liberdades e desenvolvimento. E uma verdadeira independência passa pelo
impeachment de Jair Bolsonaro, que no mesmo dia 7 de setembro cometeu inúmeros
crimes de responsabilidade. E passa, também, pela derrota das políticas
neoliberais, defendidas com unhas e dentes pelos partidos da direita tradicional.
Por isto, o
Partido dos Trabalhadores continuará empenhado – junto com as demais organizações
e personalidades que integram a campanha Fora Bolsonaro, para que o presidente
da Câmara dos Deputados dê início à tramitação de um dos mais de 163 pedidos de
impedimento já protocolados. E também seguirá empenhado na construção de uma alternativa
capaz de libertar o país não apenas do bolsonarismo, mas também do neoliberalismo.
Neste sentido, proporemos à coordenação da campanha Fora Bolsonaro a realização de novos atos – nos locais de trabalho, estudo, moradia e lazer, nas periferias e nas regiões centrais de todas as cidades do país, bem como no exterior – exigindo o afastamento do genocida.
E nos dispomos a – junto com os proponentes
de outros pedidos de impeachment – a realizar um ato nacional unificado em
torno deste objetivo: o impeachment.
Proporemos ao companheiro Lula seu engajamento tanto na convocação, quanto em alguns dos atos nacionais da campanha Fora Bolsonaro.
Trata-se portanto de manter a autonomia da campanha Fora Bolsonaro, ao mesmo tempo que realizamos ações comuns com outros setores.
11/O governo
neoliberal de Bolsonaro é o governo da fome e da miséria para milhões e do
privilégio para poucos muito ricos.
O
compromisso de Bolsonaro é com a pauta privatista e neoliberal, profundamente
antissocial e antinacional, que destrói a economia popular em benefício do
capital financeiro.
O governo e
sua maioria parlamentar seguem implementando pautas privatistas e destruidoras
dos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras.
Para
derrotar estas políticas, não basta tirar Bolsonaro, é preciso também eleger um
presidente comprometido com a soberania, os direitos, as liberdades e o
desenvolvimento, que começam revogando as medidas golpistas e neoliberais
implementadas desde 2016.
E não basta
eleger: é preciso também criar uma força social e política capaz de sustentar
este governo, no processo de reconstrução e transformação nacional.
12/Tendo em
vista o que foi dito antes, propomos que o Diretório Nacional do Partido dos
Trabalhadores tome as seguintes iniciativas:
12.1/reforçar a campanha Fora Bolsonaro, contribuindo para que a campanha tenha uma organização e um funcionamento à altura da tarefa a que nos propomos;
12.2/propor para a campanha Fora Bolsonaro que a oposição de esquerda realize, no máximo até o dia 3 de outubro de 2021, atos em todas as capitais do país, precedidos por mobilizações nas periferias, locais de estudo, trabalho, moradia e lazer.
12.3/propor a todos os partidos e organizações democráticas que protocolaram pedidos de impeachment a realização de um ato unificado, no máximo até o dia 15 de novembro de 2021, obviamente preservado o direito de todas as forças comparecerem com suas próprias identidades, cabendo ao PT explicitar sua posição programática contra o bolsonarismo e também contra o neoliberalismo;
12.4/orientar as bancadas do PT no Senado e na Câmara a adotar todas as medidas possíveis, no sentido de forçar a tramitação do pedido de impeachment. Entre estas medidas, radicalizar todos os procedimentos parlamentares de obstrução, na perspectiva de interromper todas as reformas, mudanças em marcos regulatórios, processos de privatização e entrega do patrimônio público que estão sendo votadas e executadas.
12.5/cobrar do STF que estabeleça prazo para que o presidente da Câmara avalie os pedidos de impeachment apresentados.
12.6/manter o Partido em mobilização permanente pelo impeachment e pelas pautas em defesa do povo, envolvendo nisso o companheiro Lula, nossa militância, nossos parlamentares, governantes e pré-candidaturas.
13/Concluímos
nossa reunião lembrando nosso companheiro Sérgio Mamberti, que deu o melhor de
sua vida em favor da felicidade do povo brasileiro.
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