O texto abaixo, sujeito a alterações de revisão e adequação de redação, é a resolução aprovada pela segunda etapa do sexto congresso nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, realizado nos dias 4 e 5 de setembro de 2021.
Brasil livre, Lula
presidente!
Derrotar as duas
direitas, construir uma alternativa de esquerda!!
1.Todo dia 7
de setembro, o Brasil comemora sua independência nacional. Mas a independência
de 1822 foi parcial: o país deixou de ser colônia portuguesa e passou a ser
semicolônia inglesa. A independência de 1822 não acabou com a monarquia, muito
menos com a escravidão. Em 1888 a escravidão seria formalmente abolida, mas
seus efeitos seguem agindo até os dias de hoje, no racismo e na desigualdade
estrutural imposta sobre negras e negros. Em 1889 o país se converteria em uma
república, mas uma república onde “a questão social era caso de polícia”, uma
sociedade dominada pela oligarquia latifundiária. O Brasil continuou
prisioneiro do “agrarismo” até a chamada revolução de 1930, ponto de partida de
um desenvolvimento industrializante. Mas tratou-se de uma modernização
conservadora: o país deixou de ser primário-exportador e tornou-se uma das
principais potências econômicas do mundo, mas fez isso às custas da
superexploração do trabalho, especialmente das mulheres, sem reforma agrária e
sem bem estar social. A modernização conservadora incluiu, além disso,
liberdades democráticas restritas e dois longos períodos ditatoriais. Nesse
período, administrações progressistas como o segundo governo Vargas e o governo
João Goulart foram alvo de golpes, desde os fracassados – como
aquele de 1954, interrompido pela reação popular ao suicídio de Vargas – até o
tragicamente vitorioso golpe militar de 1964. Ditadores, golpistas e torturadores não foram
punidos, pelo contrário seguem dando nome para espaços públicos e recebendo
homenagens variadas.
Sendo
assim, não é de admirar que o congresso constituinte eleito em 1986 tenha
conferido aos senadores biônicos da ditadura o direito de participar das
votações e reafirmado que as forças armadas podem ser chamadas para garantir “a
lei e a ordem”. O congresso constituinte também manteve parte do entulho
ditatorial, como a subordinação das Polícias Militares ao Exército e a Lei de
Segurança Nacional, que só foi revogada pelo Senado no dia 10 de agosto de 2021. Entretanto, o Senado vários
instrumentos antidemocráticos e antipopulares que continuam na nova legislação que
foi aprovada junto com a revogação da anterior. Além disso, a decisão do Senado
enfrenta o veto presidencial.
Quanto aos limitados direitos sociais incorporados
na Constituição de 1988, foram sistematicamente desrespeitados e destruídos já
a partir dos anos 1990, pelos governos neoliberais de Fernando Collor e
Fernando Henrique e – inclusive – pelo governo de Itamar Franco.
2.Ao longo de toda essa história, os oprimidos e explorados - como
os povos indígenas, os negros escravizados, o campesinato, a classe trabalhadora,
os abolicionistas, republicanos, democratas, anarquistas, socialistas,
comunistas, feministas - travaram lutas memoráveis.
A esquerda
atual, inclusive o PT, é produto destas lutas e as reivindica como parte de sua
herança. Com o surgimento do PT, da CUT, do MST, com a reorganização da UNE e
da Ubes, com a legalização dos partidos de esquerda proscritos pela ditadura
militar, com o surgimento de novos movimentos sociais, com o fortalecimento da
luta das mulheres, dos negros e negras, dos LGBT+, com a batalha em defesa da
natureza, foram se consolidando as condições para, pela primeira vez na nossa
história, a esquerda triunfasse em quatro eleições presidenciais seguidas. As
políticas públicas adotadas pelos governos federais petistas – mesmo quando
moderadas na forma e limitadas no conteúdo – geralmente contribuíram para
melhorar a vida do povo, ampliar a soberania, as liberdades e os direitos. Mas
as estruturas de propriedade e de poder seguiram intocadas e, tão logo
criaram-se as condições, a classe dominante e suas instituições, com o apoio do
governo dos Estados Unidos, desencadearam uma contraofensiva brutal: o impeachment
da Presidenta Dilma, a condenação/prisão/interdição eleitoral do Presidente
Lula, a fraude eleitoral que levou Bolsonaro à presidência, a destruição
sistemática de todos os aspectos progressistas dos governos petistas, da
Constituição de 1988 e inclusive da chamada Era Vargas.
O governo
Bolsonaro e seus aliados nos estados e municípios, as bancadas do Boi, da Bala
e da Bíblia, o oligopólio da comunicação, o sistema judiciário e o grande
empresariado financeiro, minerador e do agronegócio vem fazendo o Brasil voltar
ao passado, com a grande ajuda do Partido Militar. A interferência dos militares na política está enraizada na
história brasileira. Os dois primeiros presidentes da República foram
militares. Do tenentismo a ditadura militar iniciada em 1964, muito passou
pelos quartéis. Depois de 1985, prevaleceu a impunidade, combinada a maior ou
menor interferência nos governos eleitos. Com Temer, a tutela muda de qualidade.
E com Bolsonaro, temos praticamente um
governo de militares: a Esplanada dos Ministérios é quase uma extensão dos
quartéis.
3.Na véspera da
comemoração dos duzentos anos da proclamação da Independência, o Brasil está
novamente frente a dilemas similares aos vividos na década de 1920. Industrialização
ou agronegócio? Soberania ou submissão? Democracia popular ou fraude sistêmica
oligárquica? Políticas sociais ou caso de polícia? Saúde pública ou mercadoria?
Educação livre, democrática e com o respeito às diferenças de gênero, étnicas e
sociais ou “escola sem partido” e adestramento de mão de obra? A destruição causada pelo neoliberalismo e
pelo bolsonarismo é tão profunda, as mudanças reacionárias realizadas ou
pretendidas são tão brutais -como se vê no debate sobre o marco temporal – que
até mesmo para voltarmos ao que tínhamos em 2002 ou em 1988 será preciso fazer
muito mais do que políticas públicas gradualistas. Hoje, mais do que nunca, o
Brasil precisa de transformações verdadeiramente estruturais, que afetem a
propriedade e o poder. Por isso, não basta lutar contra os retrocessos sociais,
das políticas públicas e ações afirmativas; é preciso transformar a resistência
defensiva em ofensiva estratégica. O Brasil precisa de uma nova e verdadeira
Independência, o Brasil precisa de uma nova e muito mais radical Revolução de
1930, o Brasil precisa de uma abolição verdadeira da escravidão, da exploração
e opressão sobre as mulheres, e uma “república” que seja de fato democrática e
popular, o que inclui políticas de bem estar social, com destaque para uma
saúde universal e uma educação pública laica. Este é o tamanho do desafio
histórico, desafio cuja materialização depende da consciência e da capacidade
de luta da classe trabalhadora brasileira. No passado, o Partido dos
Trabalhadores contribuiu para que nossa classe lutasse bravamente pelos seus
interesses imediatos e históricos, a começar pelo socialismo.
Mas quando conquistou a presidência, prevaleceu
em nosso Partido a opção por fazer mudanças graduais através de políticas
públicas, deixando de tentar realizar as reformas estruturais previstas no programa
partidário, especialmente as que diziam respeito ao monopólio da comunicação,
ao fim da tutela militar, a transformação do sistema judicial e
político-eleitoral, ao enfrentamento do agronegócio e do capital financeiro. A crença
nas instituições, na capacidade de negociar pontes e acordos com a classe
dominante, não nos preparou nem a classe trabalhadora a prevenir, resistir e
impedir o golpe.
4.No biênio de
2021-2022, o PT está novamente diante do dilema: como combinar políticas
públicas com transformações estruturais? Que estratégia seguir: a do
gradualismo ou a das rupturas? Escolher sempre os péssimos acordos ou correr o
risco de travar as boas lutas? Da correta resposta que dermos a estas e a outras
questões dependerá nossa maior ou menor capacidade de derrotar o bolsonarismo e
o neoliberalismo, de vencer as eleições presidenciais e de fazer um governo que
seja capaz de sobreviver ao golpismo da classe dominante e do governo dos EUA.
Da correta resposta que dermos àquelas questões dependerá o futuro imediato do
Brasil e da luta pelo socialismo na América Latina e Caribe.
5.O golpismo
que faz o Brasil “voltar ao passado” tem duas origens principais: o
imperialismo dos Estados Unidos e a classe capitalista “brasileira”. Ao
imperialismo dos Estados Unidos interessa impedir o Brasil de desenvolver suas
potencialidades, subordinando nossa política externa aos seus interesses,
impedindo políticas Sul-Sul, de integração regional e de cooperação com a China
e Rússia, nos mantendo como fornecedores de produtos primários e como espaço
para especulação financeira por parte das grandes potências. Às diferentes
frações da classe dos capitalistas brasileiros interessa manter os lucros imensos,
de curto prazo e baixo risco. Por isto agem hoje como ao longo da história:
aceitando e contribuindo para que o Brasil ocupe um lugar subalterno na
“divisão mundial de trabalho”. No passado, quando em certa medida interessava
às potências capitalistas ampliar a industrialização na periferia do mundo,
parte da classe dominante brasileira vestiu a camisa do desenvolvimentismo,
criou estatais e tolerou certos direitos sociais. Hoje, quando ao capitalismo
em crise interessa reconverter o Brasil numa fazenda & mineradora, a classe
dominante alardeia que o “agro é pop”, retoma a sanha privatista e oficializa
formas de trabalho análogas à escravidão. Num e noutro momento, todas as
frações da classe capitalista brasileira se unem para que o Estado proteja seus
interesses “acima de tudo e acima de todos”, com destaque para a superexploração
da classe trabalhadora e das riquezas naturais do país, gerando uma trágica
situação social e ambiental que as vezes parece irreversível. Destacamos que o
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas indica danos catastróficos,
entre outros sobre nossos recursos hídricos, contexto que torna ainda mais
urgente reverter a privatização da Eletrobras.
Num e noutro
momento, todas as frações da classe capitalista brasileira se unem para que o
Estado proteja seus interesses “acima de tudo e acima de todos”, com destaque
para a superexploração da classe trabalhadora e das riquezas naturais do país,
gerando uma trágica situação social e ambiental que as vezes parece
irreversível. Destacamos que o Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas indica danos catastróficos sobre
nossos recursos hídricos, contexto que torna ainda mais urgente reverter a
privatização da Eletrobras e de mudanças profundas na gestão da produção,
operação, transporte e distribuição de energia. Ao invés de avançarmos na construção
de uma matriz energética limpa, estamos cada vez mais dependentes de centrais
que geram a partir de gás e óleo diesel.
O “Agro Pop” tem sido
um dos maiores responsáveis, junto com a mineração e a extração de madeiras
nobres, pela degradação ambiental que avança a passos largos nesse governo.
Esse conjunto de atividades, muitas vezes ilegal, age como se não houvesse
amanhã e que nossos recursos naturais fossem inesgotáveis. Não são. O Brasil
tem em seu território biomas de extrema importância para o equilíbrio do clima
no mundo. Além de ter parte significativa de um recurso cada vez mais escasso:
a água. Incorporadas aos produtos do agronegócio, exportados ou não, estão
quantidades imensuráveis de água, necessária ao cultivo e a criação de animais.
A nossa responsabilidade ambiental vai muito além das nossas fronteiras. A
nossa capacidade de produzir alimentos para o mundo, não só os presentes hoje
na cadeia do agronegócio, está sendo comprometida. Nenhuma política de
desenvolvimento e de industrialização pode ignorar a questão ambiental. Não só
a de preservação dos biomas, mas também do melhor gerenciamento dos mananciais,
hoje cobiçados pelo capital, da gestão de resíduos, do saneamento básico, entregue
à iniciativa privada, das emissões de todo tipo de poluentes, principalmente os
resultantes da queima de derivados do petróleo, e de todos os fatores que
contribuem com a destruição e contaminação do meio-ambiente. Bolsonaro, também
nesse aspecto, é fator de atraso, destruição e morte.
6.A volta aos
dilemas de 1920 tem um custo, que está sendo pago com o sangue, o suor e as
lágrimas da maioria do povo brasileiro.
Dezenas de
milhões de desempregados e desalentados; outros milhões que passam fome e
necessidades, agravadas por uma inflação crescente, especialmente a carestia no
preço dos alimentos; centenas de milhares de pessoas que poderiam ter sobrevivido
a pandemia; desassistência social, sofrimento e violência crescentes em todos
os terrenos da vida; destruição ambiental, regressão cultural
e da produção científico e tecnológica; e, como consequência disto tudo,
um futuro tenebroso para as gerações presentes e futuras da maioria do povo
brasileiro.
7.Frente a
esta situação, o que fazer? Embora cresça a defesa do “Brasil Livre, Lula
presidente”, a verdade é que há diferentes interpretações acerca do conteúdo
desta palavra de ordem entre as organizações progressistas, democráticas, populares,
de esquerda e socialistas. No fundo das diferentes táticas, estratégias e
programas existem também diferentes leituras acerca do que está ocorrendo no
mundo e no Brasil, em especial com o capitalismo.
8.“Para onde
for o Brasil, irá a América Latina”: uma frase assim foi dita pelo presidente
Nixon ao ditador Médici, em 1971. Mas também pode ser dita por Biden a Bolsonaro,
já que o Brasil segue sendo peça-chave na operação que visa deter e reverter o
declínio da hegemonia estadounidense, no contexto da emergência climática, de
uma crise mundial do capitalismo e da ascensão de uma nova potência. Portanto,
a Casa Branca fará de tudo para impedir que o Brasil volte a ter um governo
comprometido com uma política externa “ativa e altiva”, de integração regional,
de construção de uma política Sul-Sul e de aproximação com a China e com a
Rússia. Por isso, o governo Biden não merece ilusões de nossa parte; se não
houvesse outros motivos, bastaria lembrar o que Biden fez, quando era vice de
Obama, contra o governo Dilma, contra Lula e contra o PT.
9.Em setores
progressistas e de esquerda, há quem espere a neutralidade de Biden ou até
mesmo o apoio a Lula. Da mesma forma, há quem acredite que as contradições na
classe dominante brasileira possam levar setores importantes a uma postura de neutralidade
ou de apoio a nossa volta ao governo. Os que pensam isso não estão totalmente
errados; apenas não percebem sob que condições isto poderia acontecer. Focados
no objetivo de ganhar as eleições, secundarizam os motivos pelos quais queremos
ganhar as eleições e – principalmente – esquecem que o Brasil de 2021-2023 é
muito mais desigual do que o Brasil de 2001-2003.
10.Queremos
ganhar as próximas eleições presidenciais e utilizar nossa presença no governo
para ajudar a construir outro caminho para nosso país. Mas até para que isso
aconteça, nosso Partido dos Trabalhadores e as forças progressistas,
democráticas e populares como um todo precisamos compreender o que está em jogo
e os imensos riscos que corremos, entre outros motivos porque o Brasil, a América
Latina e o mundo de 2021-2023 não são os mesmos de 2001-2003.
11.Claro que
há contradições na classe dominante brasileira, nos seus partidos e nas
instituições do Estado. Mas, embora as contradições entre nossos inimigos sejam
reais, não devemos nos iludir quanto a sua profundidade e sentido. Eles estão
unidos no que diz respeito ao programa estratégico que defendem para o país: o
papel do agronegócio, da mineração, do capital financeiro, o lugar destinado à
classe trabalhadora, aos direitos sociais, nossa relação com os Estados Unidos.
A partir deste programa comum – que se expressa nas votações ocorridas no
Congresso Nacional, desde 2016 até hoje – cada setor da classe dominante produz
estratégias e táticas diferentes. Uniram-se no segundo turno com Bolsonaro
contra o PT em 2018 e seguem sustentando – por ação ou por inação – a
continuidade de um governo que sabida e reconhecidamente ameaça as liberdades
previstas na Constituição. Mas, diante da queda de Bolsonaro nas pesquisas e
diante do crescimento de Lula, os diferentes setores da classe dominante adotam
até agora diferentes políticas. Um setor por enquanto muito minoritário diz que
pode vir a apoiar Lula, desde que Lula assuma compromissos com a manutenção das
“reformas” neoliberais feitas desde 2016. Outro setor busca construir uma
alternativa eleitoral, tanto a Lula quanto a Bolsonaro. Um terceiro setor está
disposto a marchar desde já com a extrema direita, não apenas apoiando
eleitoralmente Bolsonaro, mas inclusive apoiando variantes golpistas, que vão
do semi-presidencialismo até algum tipo de quartelada comandada pelo próprio
presidente. Existe de tudo, menos um setor da classe dominante disposto a
apoiar um governo que faça o que precisa ser feito, se quisermos efetivamente
trilhar um caminho de ampliação da soberania, das liberdades, dos direitos e de
um desenvolvimento de novo tipo.
12.É por isso
que, embora existam intensas contradições no sistema judiciário e deste com o
bolsonarismo, tais contradições não impediram o STF de avalizar a “independência
do Banco Central”. Nem impediram o Supremo de demorar cinco anos para lembrar
que a Constituição existe e garante os direitos políticos de Lula.
13.É por isso
que há diferenças nas forças armadas, entre Marinha, Aeronáutica e Exército,
assim como entre vários oficiais superiores, mas é esmagadoramente hegemônica a
defesa de que as Forças Armadas têm o direito de tutelar o povo brasileiro, as
liberdades democráticas e as demais instituições.
14.É por isso
que há divergências entre Bolsonaro e vários governadores, mas o máximo que
estes conseguem fazer quanto ao golpismo em marcha é buscar o diálogo com o
golpista-mor. Sem falar na atitude frente às polícias militares, que são
deixadas livres para seguir militarizadas, ou seja, organizadas pela ideia de
tratar a maior parte do povo como se trata um inimigo em uma guerra. Aliás, é
extremamente didático o que ocorre na véspera deste 7 de setembro de 2021,
especialmente em São Paulo: o governador demite um comandante que falou demais,
mas ao mesmo tempo favorece o ato bolsonarista e tenta impedir o ato da
oposição.
15.É por isso
que o Congresso Nacional, ao invés de se rebelar contra um executivo golpista,
o que faz é garantir a sua retaguarda. A bancada do boi, da bala e da Bíblia,
que é o substrato comum do Centrão e da direita gourmet, usa o enfraquecimento
eleitoral de Bolsonaro para ampliar seus espaços no governo e sua capitalização
para a próxima disputa eleitoral.
16.É por isso
que o oligopólio da comunicação – inclusive os veículos que neste momento se
opõem a Bolsonaro – continua a espalhar as doutrinas neoliberais. E, mesmo
quando critica Bolsonaro, não abre mão de defender medidas antidemocráticas,
como fez em editorial recente o jornal O Estado de S. Paulo em favor do
semi-presidencialismo.
17.Ou seja: a
classe dominante brasileira não está em transe, dividida, atônita, pronta para
apoiar a volta de Lula. A classe dominante segue animada pelo espírito
neoliberal, fala grosso com La Paz e fino com Washington, quer direitos para si
e nada para o povo. O governo dos Estados Unidos e a classe capitalista
“brasileira” têm pela frente cerca de um ano para criar uma alternativa a sua
imagem e semelhança. O leque de alternativas inclui o próprio Bolsonaro, um
outro nome que venha a ser definido pela direita gourmet, o
semi-presidencialismo e um golpe. Só em último caso e mesmo assim sob condições
alguns setores poderiam vir a apoiar Lula. E mesmo para que isto aconteça, é
preciso que Lula esteja fortíssimo não agora, mais de um ano antes, mas sim
fortíssimo na antevéspera das próximas eleições presidenciais.
Nunca é demais lembrar que Lula encabeçava
as pesquisas em 2018 e todos sabemos o que ocorreu depois. Também nunca é
demais lembrar que no início de 2018 Bolsonaro era tido – inclusive por “especialistas”
da esquerda – como alguém que nunca ganharia as eleições. Mas as elites não
hesitaram em apoiar Bolsonaro para evitar mais uma vitória do PT com Haddad. Não
há motivos para acreditar que isto não possa voltar a ocorrer.
18.Para que
não ocorra conosco agora algo parecido com o que ocorreu entre 2015 e 2018,
reiteramos algo que temos dito desde que a presidenta Dilma foi reeleita:
precisamos de um partido para tempos de guerra. E para ganhar esta guerra,
nossa principal tarefa é recuperar influência organizada junto a classe
trabalhadora. O que não se faz – nem principal nem exclusivamente – através de
processos eleitorais.
19.Quando
falamos isso, não queremos minimizar a importância dos processos eleitorais e
da necessidade de termos candidaturas petistas a todos os níveis. Pelo
contrário! Aliás, somos a favor do lançamento de mais candidaturas petistas e
de esquerda, poucas alianças com o centro e nenhuma aliança com a direita
gourmet. Sem falar, é claro, que defendemos que petistas que apoiem
bolsonaristas devem ser desligados do Partido.
20.O que
queremos dizer é que precisamos recuperar influência organizada junto a classe
trabalhadora, não apenas influência eleitoral. Nós ganhamos quatro eleições
presidenciais seguidas, mas não conseguimos mobilizar a classe trabalhadora
contra o golpe de 2016, entre outros motivos porque perdemos influência organizada
junto a classe, influência que se conquista através da presença militante,
cotidiana, orgânica, nos locais de trabalho, moradia, estudo e nos espaços de
cultura e lazer.
21.O culto
quase fanático aos processos eleitorais e à chamada “institucionalidade” foi
tornando cada vez mais secundário o trabalho de auto organização da classe
trabalhadora, sem o qual qualquer resistência estava fadada a derrota, pois não
há como derrotar uma ruptura golpista feita pela classe dominante, se não
existe a disposição e a força necessárias para fazer uma contra ruptura
democrática. Não conseguimos impedir o golpe, entre outros motivos, porque a
maior parte de nosso povo, de nosso governo e de nossa esquerda partidária e
social estavam submetidos a uma lógica “republicana”, que contribuiu para nos
impedir de adotar as medidas que a própria legalidade nos permitia adotar em
defesa da democracia. A rigor, esta atitude de defesa cega das instituições, submetendo-se
à maneira como as instituições são e sempre foram governadas pelas elites, não deveria
ser chamada de “republicanismo”, pois na prática favoreceu e segue favorecendo a
continuidade do controle da “res publica” pelos grandes empresários privados e
seus representantes políticos.
22.A
debilidade de nossa influência organizada junto a classe trabalhadora não contribuiu
apenas para o êxito do golpe. Contribuiu, também, para que não fizéssemos as
reformas estruturais previstas no programa do Partido. O argumento segundo o
qual não havia correlação de forças, mesmo quando apontava um problema real, no
fundo era uma desculpa esgrimida pelos mesmos que não tentavam fazer o
necessário para criar aquela correlação de forças. Sem superar esta conduta
estrategicamente suicida, supostamente republicana, institucionalista, que prefere
um péssimo acordo a arriscar uma boa luta, nada garante – muito antes pelo
contrário – que possamos ganhar as próximas eleições, tomar posse e governar de
maneira transformadora.
23.Portanto,
para atingirmos nossos objetivos táticos e estratégicos, não basta que voltemos
a ser maioria eleitoral na classe trabalhadora. É preciso construir maioria
organizada na classe trabalhadora. E para isso é preciso adotar uma estratégia
distinta daquela que foi adotada entre 1995 e 2015.
Aquela
estratégia contribuiu para algumas importantes vitórias, mas estava baseada em
alguns pressupostos estratégicos totalmente equivocados, entre os quais: a) o
de que o imperialismo não faria nada de mais radical contra nós, como por
exemplo apoiar o tríplice golpe; b) o de que as elites dominantes respeitariam
a “institucionalidade”, desde que nós fizéssemos o mesmo; c) o de que os
capitalistas brasileiros conviveriam, mesmo que a contragosto, com políticas
públicas que elevassem o nível de vida do povo. Vale dizer que o pressuposto acima
conciliava com uma visão incorreta acerca do significado político do desenvolvimento
econômico estrito senso e do incremento da
capacidade de consumo em si mesma, o que por sua vez contribuiu para uma visão
que subestimou o tema da sustentabilidade sócio-ecológica. Em resumo, se nós abríssemos mão de
tentar fazer as reformas estruturais, eles supostamente abririam mão do
golpismo atávico e aceitariam a verdade das urnas.
24. Mesmo os que consideram que aquela estratégia estava
correta no passado, hoje precisam reconhecer que a realidade mudou e mudou para
pior. Primeiro, por conta da situação mundial, que amplia as tensões e reduz a
margem de manobra dos EUA. Faz parte da situação mundial o agravamento da crise
climática, que coloca na ordem do dia a adoção de alternativas de transição
sócio-ecológica. Segundo, por conta da situação nacional, em que há mais
necessidades urgentes e menos instrumentos para executar políticas públicas de
bem estar social. Terceiro, por conta da existência de uma extrema direita
enraivecida, que não vai deixar de existir mesmo em caso de derrota eleitoral
de Bolsonaro. Quarto, porque a classe trabalhadora e suas organizações de
2021-2023 são distintas, sob vários aspectos, daquelas existentes em 2001-2003.
Portanto, é preciso reconhecer que a situação mudou
e por isso incorporar em nossa estratégia a disposição de derrotar o
imperialismo, os grandes capitalistas e o conjunto da direita. Ou fazemos isso
ou corremos um enorme risco de sermos novamente derrotados.
25.Entretanto,
alguns setores da esquerda brasileira enxergam a situação de maneira totalmente
distinta. Acham que o imperialismo estadounidense tem grandes chances de ficar
neutro ou até de nos apoiar. Acham que a classe dominante brasileira está
profundamente dividida e preferirá a nossa volta à continuidade do caos
institucional estimulado por Bolsonaro. Acham que o mais seguro é voltarmos ao
governo com um programa moderado e irmos avançando aos poucos. Acham que amplas
alianças, inclusive com setores da direita, são indispensáveis não apenas para
vencer, mas também para governar. Enfim, pensam sobre 2021-2023 com antolhos
comprados em 2001-2003. É por isso, aliás, que no debate tático – sobre as
eleições de 2020, sobre o Fora Bolsonaro, sobre o programa eleitoral – adotaram
em geral posições recuadas e, quando adotavam posições corretas, faziam isso
com demora temporal.
26.Por isso
seguimos insistindo que o PT deve fazer um debate estratégico e programático
que esteja à altura da situação aberta a partir da crise mundial de 2008. Cabe
tirar as decorrências do fato de que vivemos um momento de crise profunda –
crise da hegemonia estadounidense, crise do capitalismo mundial e crise do
capitalismo brasileiro. As classes dominantes vêm demonstrando estar dispostas
a enfrentar esta crise usando todos os meios disponíveis para manter seu poder
e sua riqueza, impondo à classe trabalhadora um mundo ainda pior do que o
atual. Para impedir isso faz-se necessário conquistar a maioria da classe trabalhadora
para a necessidade de lutar – empregando todos os meios possíveis – não apenas
para impedir retrocessos, mas principalmente lutar a favor de um mundo
radicalmente melhor. Frente a uma crise sistêmica, faz-se necessária uma
alternativa sistêmica. Defendemos um Brasil democrático-popular e socialista.
27.Nos momentos de
crise, a tática e a estratégia se aproximam. E, portanto, nosso programa de
curto prazo precisa – mais do que nunca – fazer pontes com nosso programa
histórico. Desse ponto de vista, o programa
de reconstrução e transformação aprovado pelo Diretório Nacional, embora
contenha vários aspectos positivos, importantes compromissos e avanços em
termos de políticas públicas, é do ponto de vista estratégico incompleto,
insuficiente e em alguns aspectos incorreto. Incompleto especialmente pelo que
não diz acerca das forças armadas e do sistema judiciário. Insuficiente e
incorreto, no que diz respeito às propostas acerca do capital financeiro, do
agronegócio, do imperialismo. E totalmente incorreto no que diz respeito ao
tema do socialismo, que no programa de reconstrução e transformação não
comparece como deveria.
28.O Partido
dos Trabalhadores deve enfatizar a necessidade de construir uma sociedade
socialista. A pandemia, a catástrofe ambiental, o crescente mal-estar social, a
falta de perspectiva, a violência, o medo e a intolerância que ameaçam a vida de
centenas de milhões de habitantes do nosso planeta têm uma causa fundamental: o
capitalismo. A luta por uma alternativa a esse estado de coisas não é uma
tarefa para amanhã, nem para depois de amanhã.
É uma tarefa para agora, seja porque os
problemas nos atingem agora e, também, porque o futuro não vai cair de
paraquedas no nosso colo, é preciso lutar por ele, com mais urgência neste
momento em que múltiplas crises, entrelaçadas numa crise sistêmica, apontam
para um mundo cada vez mais terrível para os que vivem do seu próprio trabalho,
seja por razões ambientais, sanitárias, culturais, sociais e econômicas. As
péssimas condições de vida, o desemprego estrutural, os baixos salários, a
“uberização” das relações de trabalho – ao mesmo tempo em que os ricos estão
cada vez mais ricos – demonstram que o capitalismo é incapaz de atender as
necessidades básicas da maioria das pessoas ao redor do mundo. Mesmo nos países
capitalistas considerados “mais desenvolvidos”, é visível a deterioração das
condições de vida. A resistência anti-capitalista e a luta pelo socialismo
constituem o caminho para a classe trabalhadora salvar a si mesma, a humanidade
e nosso planeta.
29.O Diretório
Nacional do PT precisa lembrar que – mesmo com pandemia – o Partido precisará
fazer um congresso, com delegações eleitas na base, para formalizar nossa
candidatura presidencial e a vice, para decidir sobre nossa política de
alianças e sobre nosso programa. O grupo que atualmente controla o DN tem dada
seguidas demonstrações de que resiste a fazer o debate amplo a respeito dessas
e de outras questões. Nos resta, portanto, o caminho da pressão de baixo para
cima, não apenas internamente, mas também de fora para dentro.
É importante lembrar que foi graças a mobilização das bases
que o PT se engajou na mobilização de rua pelo Fora Bolsonaro. O PT é um dos
principais instrumentos de luta política da classe trabalhadora. Por isso, suas
escolhas interessam a toda a classe, não somente aos seus filiados. Assim, é necessário
e legítimo que a classe pressione o partido a debater temas cruciais para a
organização de suas fileiras.
30.Toda a
história do Brasil – especialmente o que ocorreu desde 2015 – ensina que as contradições
entre nossos inimigos não servem para nada se não houver quem as explore a
favor da maioria do povo brasileiro. E para explorar de maneira positiva as
contradições no seio dos inimigos, é necessário ter força própria, linha
política acertada e disposição de fazer a coisa certa para vencer. A esse
respeito, não devemos nem podemos ocultar de nós mesmos e do povo brasileiro que
parte da esquerda claudicou frente ao golpismo e segue claudicando frente ao
governo Bolsonaro. Contra Al Capone, não basta uma oposição Woodstock.
31.A situação
política nacional e internacional segue crítica, instável e tensa. A principal
fonte de tensão são os Estados Unidos, que estão tentando preservar e reafirmar
sua hegemonia mundial. É a partir deste ângulo que os EUA operam sobre todos os
temas, inclusive sobre o papel do Brasil na divisão mundial do trabalho.
No Brasil, a principal fonte de tensão
econômica e social é o movimento que a classe dominante “brasileira” vem
fazendo, especialmente a partir de 2011, para preservar e ampliar suas taxas de
lucro, a começar por seus ganhos no mercado financeiro.
É a partir
deste ângulo que os grandes capitalistas operam sobre todos os temas, inclusive
acerca do governo Bolsonaro e da candidatura de Lula à presidência.
Para a classe dominante “brasileira”
interessa que o governo federal siga sendo um instrumento a favor da
concentração de poder, riqueza e renda, bem como da desindustrialização e
primário-exportação. Para a fração hegemônica da classe capitalista, é
central que a política macroeconômica privilegie os ganhos dos rentistas em
detrimento do investimento social. A geração de superávits e a manutenção do
fluxo de financiamento da imensa dívida interna, através do mercado de títulos,
é uma dimensão central da política econômica desde o Golpe de 2016. Também
no Brasil, o principal fator de tensão política é o governo Bolsonaro, que está
fazendo de tudo para manter a presidência, agora, em 2022 e depois.
32.O tríplice
golpe e as políticas implementadas pelo governo Bolsonaro contribuíram para os
interesses objetivos dos Estados Unidos e da classe dominante brasileira. E por
isso mesmo criaram crescentes contradições com diferentes setores sociais e
políticos brasileiros. Trabalhadores assalariados que perderam seus empregos e
parte de seus salários. Pequenos e médios proprietários que tiveram seus
negócios fechados. Centenas de milhares de brasileiros e brasileiras que
perderam a vida e milhões que carregam sequelas da Covid 19. Seja para criar o
ambiente favorável à adoção das políticas neoliberais, seja como decorrência do
ambiente social degradado que delas resulta, crescem o fundamentalismo religioso,
o racismo, a misoginia, a lgbtfobia, o entreguismo, a defesa da ditadura
militar, o tratamento da questão social como caso de polícia. Tudo isto
aprofunda as contradições políticas, que em condições normais teriam um
desfecho nas eleições presidenciais de 2022, seja com a vitória da oposição
liderada por Lula, seja com a vitória de uma “terceira via” da direita gourmet,
seja com a reeleição de Bolsonaro, seja com outras alternativas. Mas a situação
é crítica, instável e tensa e a eleição está distante demais. O que coloca as
diferentes forças políticas do país diante de impasses e dilemas similares aos
vividos entre 1990-1994 e entre 2015-2018, quando se buscou e se conseguiu
mudar as condições do jogo, em ambos casos lançando mão do impeachment.
33.A novidade
na situação atual é que Bolsonaro reage ao risco do impeachment, dobrando a
aposta em favor do golpe e apostando numa crise institucional que faça seus
adversários recuarem atemorizados ou, no limite, lhe entregue a vitória. Como
sempre ocorre neste tipo de situação, surgem análises e cenários de todo tipo,
entre os quais: renúncia de Bolsonaro, com Mourão completando o mandato; um
golpe militar contra Bolsonaro; o impeachment de Bolsonaro, com Mourão
completando o mandato ou com antecipação das eleições; Bolsonaro decretando estado
de sítio ou similar; nenhuma das anteriores, com a situação seguindo
deteriorando até 2022; Bolsonaro recuperando popularidade e ganhando chances de
reeleição; adiamento das eleições; manutenção das eleições, mas com regras
diferenciadas; polarização entre Lula e Bolsonaro; entrada em cena de uma
terceira via potente; semi-presidencialismo etc. Como se pode ver, embora a
confusão seja imensa, há uma coisa certa: a classe dominante dispõe de muitas
alternativas de curto prazo, enquanto nós dispomos de apenas uma alternativa de
curto prazo: a candidatura e a eleição de Lula.
34.Em um
cenário de crise, instabilidade e tensão, a vitória as vezes é de quem se movimenta
mais rápido e de maneira mais decidida em favor de seus objetivos. É isso que
Bolsonaro vem buscando fazer, demonstrando uma resiliência impressionante e que
não pode ser subestimada pela esquerda, entre outros motivos porque envolve uma
militância armada, militar e civil, da ativa e da reserva. Tampouco devemos
subestimar a direita gourmet e Ciro Gomes, embora hoje enfrentem as
dificuldades decorrentes da polarização eleitoral entre Lula e Bolsonaro,
polarização que dificulta o surgimento de um terceiro nome.
35.Nesta
conjuntura, defendemos que a melhor tática é aquela que possibilite enfrentar e
se possível afastar – o mais rápido e o mais democraticamente que for possível
– a maior ameaça às condições de vida e as liberdades da maioria da população
brasileira. Esta ameaça provém do governo Bolsonaro e de suas políticas. Por
tudo isso, defendemos o impeachment imediato e a convocação antecipada de novas
eleições presidenciais. Proposta cuja legitimidade baseia-se no próprio STF,
que reconheceu – ainda que tardia e indiretamente –que as eleições presidenciais
de 2018 foram uma fraude, uma vez que delas Lula foi ilegal e
inconstitucionalmente impedido de participar.
36.Qualquer
outra proposta – continuidade de Bolsonaro, golpe militar, posse de Mourão,
governo de união nacional etc. – prejudicaria em maior ou menor medida o povo
brasileiro. É preciso fazer todo o esforço para impedir que o cavernícola e
suas políticas sigam causando dano às grandes massas da população, bem como
impedir que nossos inimigos tenham tempo para construir alternativas.
37.Neste
sentido, é preciso ampliar a pressão sobre Arthur Lira, para que dê início à
tramitação do impeachment, pressão que inclui a manutenção e popularização das
manifestações de rua da campanha Fora Bolsonaro. Entre outras medidas, é
preciso manter os atos em locais centrais das cidades, combinando isto com atos
e ações diversificadas nas periferias, nos locais de trabalho, estudo e
moradia. E fazer da preparação dos atos um instrumento de conscientização e
organização. Conscientização que inclui a defesa de nossa soberania nacional, a
defesa dos direitos dos povos indígenas, a defesa de nossas estatais - como é o
caso da Eletrobras e dos Correios em processo de privatização - assim como a
defesa dos direitos trabalhistas e das políticas públicas, com destaque para a
saúde e educação. O ato realizado dia 18 de agosto, em defesa dos serviços
públicos e contra a PEC 32; e o ato nacional convocado pela campanha Fora
Bolsonaro no dia 7 de setembro, devem acumular forças para a construção de uma
greve geral no país.
SOBRE O 7 DE SETEMBRO
38.No dia 7 de
setembro, além da comemoração da Independência, ocorre também a tradicional
manifestação do Grito dos Excluídos. Para esta mesma data, foi convocada mais
uma manifestação nacional da campanha Fora Bolsonaro.
39.O povo
brasileiro tem o direito de manifestar-se publicamente em favor do afastamento
do presidente da República, cobrando do presidente da Câmara dos Deputados que
faça tramitar um dos mais de 160 pedidos de impeachment que já foram entregues
ao parlamento brasileiro.
40.A
permanência de Bolsonaro à frente da presidência da República é uma ameaça
permanente à saúde pública, à soberania nacional, aos direitos sociais e às
liberdades democráticas.
41.Uma prova
disto é a convocação – feita com o apoio direto do presidente da República – de
uma manifestação golpista para o mesmo dia 7 de setembro. Militares e policiais
militares, da ativa e da reserva, junto com os ruralistas, parecem estar
decididos a transformar a manifestação do dia 7 em uma demonstração de força da
extrema direita.
42.Neste
intuito, contaram com a inestimável ajuda do governador de São Paulo, João
Dória, que – passando por cima dos regulamentos – autorizou a extrema direita a
se manifestar na Avenida Paulista, em São Paulo capital, ao mesmo tempo que
tentou impedir que a oposição pudesse se manifestar no Vale do Anhangabaú. Apesar
da justiça ter garantido o direito da oposição de ocupar o Anhangabaú, todos os
sinais são de que o governo do estado de São Paulo e sua Polícia Militar vão
garantir apenas a segurança da manifestação da extrema direita. Situações semelhantes
a de São Paulo estão ocorrendo em grande número de estados e cidades do país.
43.Sendo
assim, o congresso da tendência petista Articulação de Esquerda aprova as
seguintes orientações:
43.1.Toda a
nossa militância deve se envolver na organização e mobilização das
manifestações de 7 de setembro;
43.2.Nosso
objetivo é que em todas as cidades do país haja manifestações pelo Fora
Bolsonaro, preparadas por atividades menores nas periferias, nos locais de
trabalho, de moradia, de estudo, nos espaços de cultura e lazer;
43.3.Quanto
maior o comparecimento, maior será a segurança das manifestações;
43.4.Devemos
estimular as organizações partidárias, sindicatos e movimentos a organizarem
blocos, que compareçam unidos e identificados aos atos, assim como dispersem em
ordem ao final;
43.5.Devemos
contribuir, também, para que todas as manifestações organizem sistemas de
comunicação e de registro em vídeo e fotografia dos atos;
43.6.Devemos
contribuir para que todas as manifestações contem com equipes que impeçam a
ação de provocadores e infiltrados.
43.7.Devem ser
mantidas e reforçadas as medidas de segurança sanitária.
44.Propomos à
Executiva e ao Diretório Nacional do PT que se reúnam imediatamente, para
debater a situação e emitir as devidas orientações.
45.Ademais das
orientações necessárias para o 7 de setembro, propomos que o DN aprove uma
resolução fechando questão contra a indicação de André Mendonça para a vaga do
STF, como parte de um endurecimento de nossa tática parlamentar no Senado e na
Câmara.
46.Vale
registrar ser inaceitável que senadores petistas tenham votado pela recondução
de Aras à PGR. Assim como são igualmente inaceitáveis as declarações do
vice-presidente nacional do PT, Washington Quaquá, que desrespeitou e tentou
desautorizar a resolução do Diretório Estadual do PT-RJ, que aprovou inequivocamente
a posição de oposição ao governador Cláudio Castro. O governador repetidamente
dá declarações à imprensa de apoio à reeleição de Bolsonaro, é defensor da
chacina do Jacarezinho e de uma polícia que extermina a juventude pobre e
preta, além de promotor – em conluio com Paulo Guedes e o clã Bolsonaro – da
privatização da água no estado do RJ.
47.O governo
Bolsonaro, aflito com sua queda de popularidade e com a perspectiva de ser derrotado
nas eleições presidenciais, decidiu aprofundar o conflito político e
institucional.
48.Bolsonaro
não será detido por notas de protesto, artigos nos jornais, convites ao diálogo
por parte dos governadores. Como disse o próprio presidente, ele só sairá desta
crise preso, morto ou com a vitória. Nós que o queremos julgado, condenado e preso,
devemos jogar todas as nossas energias na mobilização de massas.
49.Destacamos
também a centralidade de consolidar um comando político-social unificado do
campo democrático-popular, reunindo pelo menos as principais organizações
integrantes da Frente Brasil Popular e da Frente Povo Sem Medo. Será necessário
ter muita organização e linha política correta, seja para derrotar eleitoralmente
Bolsonaro, seja para derrotar o Partido Militar e as forças paramilitares da
extrema direita, mas também para impedir que a direita-tradicional-gourmet-neoliberal
construa uma alternativa que lhe permita continuar as políticas bolsonaristas,
sem Bolsonaro.
50.Sabemos,
entretanto, que as debilidades acumuladas da esquerda, somadas a resiliência de
Bolsonaro e a postura da direita gourmet dificultam o impeachment e dificultam
ainda mais a antecipação das eleições. Sabemos, também, das imensas
dificuldades de ampliar e principalmente proletarizar as manifestações. Mesmo
assim devemos insistir nesta linha e nestas propostas, seja porque são o melhor
caminho, seja porque nos permitem acumular forças, seja porque a instabilidade
– que inclui não apenas os rumos da CPI, mas também os riscos de um “apagão” e
os fatores imponderáveis que resultam de um governo miliciano – podem tornar
possível o que hoje parece muito improvável.
51.Reiteramos,
por fim, que o Partido dos Trabalhadores entra num momento decisivo da vida
nacional, ainda sem dispor da unidade estratégica e tática imprescindíveis,
posições que só podem ser construídas num legítimo processo congressual. As
discrepâncias recentes acerca da CPI da Covid, acerca das manifestações de rua
e de como tratar o Partido Militar não são detalhes. Toda a esquerda, não apenas
o PT, segue dividida entre diferentes táticas para enfrentar Bolsonaro. Há os
que defendem que o melhor momento para enfrentar Bolsonaro é agora, que é
preciso plantar nas ruas o que queremos colher nas urnas, que nosso arco de alianças
e o programa devem ser pela esquerda. E há os que defendem uma política baseada
na frente ampla, no processo e no calendário institucional-eleitoral. Tais
discrepâncias não podem nem devem ser resolvidas por decisões pessoais de Lula.
Não devem porque não é assim que um partido democrático e de massas resolve
suas divergências. Não podem, porque a experiência de 2003-2016 mostrou que
terceirizar decisões que são coletivas, mesmo quando parece “dar certo” no
curto prazo, geralmente produz grandes prejuízos no médio prazo.
52.O setor que atualmente controla o Diretório Nacional do PT precisa
compreender – ou ser levado a compreender – que a unidade partidária não se
obtém através de procedimentos administrativos e burocráticos. Da mesma
forma como não podemos transferir para Lula decisões que cabem ao coletivo partidário,
tampouco podemos aceitar que os impasses e as divergências internas desse setor
atualmente majoritário paralisem o partido. Em ambos casos, as instâncias partidárias
devem voltar a funcionar em sua plenitude.
No passado
recente tais procedimentos fizeram o partido gastar meses debatendo se
deveríamos ou não adotar a palavra de ordem “Fora Bolsonaro”. Em um momento de
crise aguda como o atual, não podemos desperdiçar novamente a possibilidade de
construir as condições para dar fim imediato ao governo Bolsonaro. E isso passa
por construir uma estratégia adequada para a situação que vivemos. Neste
sentido, reafirmamos a defesa de que se convoque um congresso extraordinário
para debater e aprovar resoluções sobre nossa linha política e sobre nosso
programa de reconstrução e transformação.
53.O Brasil deve contribuir para que o conjunto dos países
da América Latina e do Caribe possam experimentar um ciclo de industrialização de
novo tipo, que permita a geração de empregos e renda aos povos da região, com
destaque para a aplicação de recursos em pesquisa, ciência e tecnologia. Este
novo ciclo deve se orientar por um modelo de desenvolvimento sustentável que busque
superar os graves problemas ambientais causados pelo padrão de desenvolvimento
capitalista que coloca o planeta e a humanidade em risco de extermínio. A América
do Sul detém reservas de recursos naturais, a maior reserva de nióbio, lítio,
grafite e outros minerais estratégicos, por exemplo para buscar a superação do
uso de energia fóssil. Estes recursos podem contribuir para a construção de
novas perspectivas aos nossos povos, com soberania, liberdade e bem estar. Devemos
respeitar e buscar na experiência de vida dos nossos povos tradicionais componentes
que contribuam para construir alternativas para o padrão de consumo predominante
nas elites e em parcelas dos países capitalistas considerados “mais
desenvolvidos”. É preciso garantir a
proteção dos nossos biomas, valorizando a sua importância no equilíbrio do
clima do planeta. O Brasil pode e deve cumprir um papel de liderança na política
do clima, seja pelo seu tamanho, pela sua disponibilidade de recursos hídricos
e ainda pela importância de suas florestas. Devemos não apenas denunciar, mas
também superar o modelo capitalista predatório que avança com o agronegócio,
destruindo nossas florestas e expulsando os povos tradicionais dos seus
territórios. É nossa responsabilidade a denúncia do capitalismo como um modelo
ecocida e incapaz de oferecer algum caminho novo para a humanidade. Não há um caminho
capitalista que permita reverter a destruição causada pelo capitalismo. Também
por isso, reafirmamos nosso compromisso com a democracia e os valores libertários,
com o desenvolvimento sustentável e com o socialismo.
54.Duzentos
anos depois de 1822, o Brasil está diante da necessidade de uma nova
independência. Uma independência que não resulte de um pacto das elites, mas de
uma revolução popular. Só por este meio a submissão colonial, a escravidão e a
oligarquia política serão realmente superadas. Só desta forma o Brasil será
realmente o país da maioria do povo brasileiro, das mulheres, dos negros e das
negras, dos indígenas, dos quilombolas, dos camponeses, dos LGBT+, da
juventude, da classe trabalhadora. Transformações profundas que exigirão uma
Assembleia Nacional Constituinte. Duzentos anos depois, a luta pelo
desenvolvimento, pelo bem estar social, pela democracia política e pela
soberania nacional são inseparáveis da luta por um Brasil socialista.
Fora Bolsonaro!
Impeachment já!
Antecipação das
eleições presidenciais!
Viva o Partido dos
Trabalhadores e das Trabalhadoras!
Resolução sobre tarefas e funcionamento
1.A tendência
petista Articulação de Esquerda (AE) foi criada em setembro de 1993. Falta
pouco para concluirmos três décadas de existência. Nossa história já é parte da
história do PT e da classe trabalhadora brasileira. Entretanto, não queremos que
a AE tenha “um grande passado pela frente”. Nosso principal objetivo é que o
Brasil seja um país socialista. E nossa contribuição específica neste sentido é
lutar, como estamos fazendo desde 1993, para que o Partido dos Trabalhadores
seja efetivamente democrático, socialista e revolucionário. Para que seja um
partido de combate, com núcleos espalhados nos locais de trabalho, nos locais
de estudo, nos locais de moradia, com atividades permanentes, com presença
física cotidiana junto ao povo, que tenha a capacidade de mobilizar milhões de
pessoas quando necessário, que promova formação e debate político permanentes,
e cuja organização esteja voltada a isso . Este é o sentido principal da
existência da AE e é por isto e para isto que seguiremos construindo nossa
tendência e buscando realizar alianças com outros setores do Partido.
2.Em outras
resoluções explicamos detalhadamente o que significa a estratégia
democrático-popular e socialista que defendemos que nosso Partido dos
Trabalhadores adote e implemente; assim como explicamos por quais motivos
consideramos que nosso Partido dos Trabalhadores é um dos instrumentos
necessários para a luta pelo socialismo no Brasil, neste período histórico em
que vivemos. Na presente resolução, nos limitaremos a atualizar a resolução
aprovada na primeira etapa do sexto congresso, sobre “tarefas” e o
“funcionamento” da tendência petista Articulação de Esquerda” no biênio
2021-2022.
3.No Brasil,
assim como nos demais países do mundo, nunca foi tarefa fácil construir um
partido da classe trabalhadora, um partido que seja democrático, socialista e
revolucionário, capaz de influenciar a maioria da classe trabalhadora e ter
protagonismo na luta política nacional e internacional. Pressões externas e
internas dificultam e ameaçam o tempo todo a realização destes propósitos. E,
em alguns momentos, estas pressões negativas se impõem, deformando de maneira
profunda suas características e/ou colocando em risco a própria sobrevivência
dos partidos da classe trabalhadora. Por razões análogas, nunca foi e segue não
sendo tarefa fácil construir uma tendência com os propósitos da Articulação de
Esquerda, em um Partido que desde 1995 vem sendo dirigido por um grupo que
defende orientações programáticas e estratégicas cada vez mais distantes do socialismo
e da revolução, além de recorrer a métodos internos que substituem a democracia
da classe trabalhadora por métodos típicos da democracia liberal burguesa,
métodos que visam impedir a conquista da hegemonia do Partido por posições que
não se identificam com a tendência “Construindo um Novo Brasil”. Devemos
combater esses métodos, como as filiações de última hora, o transporte de eleitores,
a permissão para pessoas inadimplentes com sua contribuição partidária votarem.
4.As tarefas
da AE (que, de forma mais ou menos semelhante, são também assumidas por outros
setores do Partido) se tornaram ainda mais difíceis de cumprir desde 2016, pois
frente ao golpismo da classe dominante e frente à intensificação da
“concorrência” de outros partidos de esquerda, o grupo que dirige o Partido
desde 1995 vem adotando métodos que consideramos cada vez menos democráticos e
cada vez mais “suicidas”, no sentido de que insiste em uma estratégia historicamente
superada, cuja implementação nos dias que correm ameaça a sobrevivência do
próprio Partido. É importante dizer que as dificuldades se acentuaram a partir
do golpe de 2016, não apenas por causa de fatores objetivos – que causaram
imensos retrocessos na consciência, na organização e na capacidade de luta da
classe trabalhadora, sem o quê nenhuma esquerda é possível – mas também por
conta de fatores subjetivos: paradoxalmente, em amplos setores do Partido, o golpe
e o refluxo da classe trabalhadora produziu um comportamento programático e
estratégico mais moderado, mais rebaixado, mais adaptado, mais conciliador,
mais institucional. Paradoxal, mas compreensível: afinal, quem não possui visão
estratégica, quem só é capaz de pensar em termos táticos, tende a ser mais
afetado em situações como as que vivemos, oscilando entre a euforia e a
depressão.
5.Entretanto,
todas estas imensas dificuldades não alteram – nem antes, nem agora – a decisão
da Articulação de Esquerda de seguir disputando os rumos do Partido dos
Trabalhadores, em particular lutando por uma tática que nos permita derrotar o
conjunto dos golpistas e neoliberais, por um programa efetivamente
transformador e por uma estratégia democrática-popular e socialista. Aliás,
neste contexto de refluxo como o que vivemos, adotar outra conduta produziria
derrotas ainda maiores. Por exemplo: se a esquerda petista não disputar os
rumos do PT, o efeito prático será um partido mais suscetível de ser derrotado
pela classe dominante. E se a classe dominante tiver êxito em derrotar o PT,
será ainda mais difícil derrotar o programa reacionário que prejudica a classe
trabalhadora brasileira, suas liberdades democráticas, seus direitos sociais,
as perspectivas do desenvolvimento e da soberania nacional. Portanto, nós da AE
seguiremos disputando os rumos do PT e, com esta finalidade, seguiremos
construindo a tendência petista Articulação de Esquerda, buscando, sempre que
possível a aproximação com outras tendências da esquerda petista na busca de
construir uma nova hegemonia e uma nova maioria partidária.
6.Entretanto,
a piora nas condições objetivas e subjetivas vigentes no mundo e no Brasil, o
refluxo da classe trabalhadora e as dificuldades experimentadas por várias
organizações populares, em particular a degradação da democracia interna do PT
e o comportamento “suicida” do grupo atualmente majoritário nos obrigam a fazer
ajustes importantes em nosso funcionamento interno, entre os quais: 1/adotar
métodos organizativos mais rigorosos; 2/reforçar nossas finanças militantes,
que são fundamentais para a construção orgânica da tendência; 3/qualificar e
ampliar a difusão de nossos instrumentos de comunicação, 4/melhorar a qualidade
política e ideológica de nossa militância (através de políticas de comunicação,
de formação e de organização), 5/prezar cada vez mais pelo respeito às nossas
resoluções, 6/fazer funcionar de modo permanente e proativo nossas instâncias e
direções, 7/garantir que todo militante integre um organismo da tendência e
esteja envolvido em algum nível no trabalho de reconquista da classe
trabalhadora, nos ambientes de moradia, de trabalho, de estudo, de
cultura&lazer, nos diversos movimentos sociais e frentes de luta contra as
opressões de todo tipo, 8/bem como integrado no trabalho de construção do
próprio PT, atuando nas instâncias partidárias e disputando os rumos do PT. No próximo
biênio devemos intensificar a nossa atuação em especial na formação e ampliação
dos Núcleos de Base, Zonais, DMs, DRs, Secretarias e Setoriais. Toda nossa
militância deve estar engajada em instâncias partidárias. Tudo isso constitui
parte importante da resposta que devemos dar ao comportamento do grupo
atualmente majoritário na direção nacional do PT, grupo que se comporta cada
vez mais como um “partido dentro do partido”.
7.Ao longo do
biênio 2021-2022, implementaremos as seguintes tarefas:
*realizar em
todos os estados e no maior número possível de cidades, plenárias abertas de
apresentação das resoluções da segunda etapa do 6º congresso da AE, sempre que
possível como parte de caravanas da Dnae aos estados;
*publicar as
resoluções políticas e organizativas adotadas nos congressos estaduais e
municipais;
*onde não
conseguirmos realizar congressos estaduais, caberá à Direção nacional convocar
plenárias virtuais para organizar a tendência, tendo como meta chegar ao final
de 2021 com direções em todos os estados brasileiros e direções municipais nas
49 cidades com mais de 500 mil habitantes;
*reeditar a
cartilha de apresentação da AE, bem como elaborar outros materiais para
apresentação da tendência, como vídeos;
*deflagrar,
ainda em 2021, uma campanha especial de finanças, com o objetivo de receber
doações de simpatizantes da tendência para sustentar e ampliar nossas
atividades de formação e comunicação;
*consolidar
nossa política de contribuição financeira individual e obrigatória para toda a
militância, que consideramos um instrumento imprescindível e que tem um sentido
eminentemente político, pois indica a compreensão de que é vital para uma
organização da classe trabalhadora ser sustentada materialmente pela classe
trabalhadora. Tendo em vista a brutal crise econômica e social brutal, é
preciso ampliar as alternativas de contribuição material para a militância
desempregada e/ou sem fonte de renda, além daqueles mecanismos já previstos no
regulamento interno da AE, buscando
inclusive formas alternativas para a contribuição material daqueles que não
possuem condições de pagar a nossa anuidade.
*prosseguir o
cadastro nacional de militantes da AE, incluindo na atual e nas próximas pesquisas
perguntas que visem detectar as capacidades técnicas e profissionais que possam
ser úteis para a organização;
*manter nossos
atuais meios de comunicação (site, jornal e editora Página 13; revista Esquerda
Petista; podcast Em Tempos de Guerra, A Esperança É Vermelha; lives Antivírus e
Contramola; boletim Orientação Militante), ampliar sua qualidade e organizar
sua difusão profissional, bem como nossa atuação pública nas redes sociais
(perfis no Instagram e Twitter; página e grupo no Facebook; canais no YouTube),
e nos meios internos de comunicação (listas de e-mails e grupos no WhatsApp,
Telegram, etc.). Nossas iniciativas de comunicação precisam dispor de uma
sólida base tecnológica, capaz de atender as necessidades das comunicações
coletivas e individuais, preservando a segurança, confiabilidade, baixo custo e
eficiência;
*construir
grupos de elaboração e troca de experiências sobre métodos de agitação política
presencial e virtual;
*prosseguir a
distribuição do jornal Página 13 nas manifestações pelo Fora Bolsonaro e fazer
experiências de distribuição de edições especiais em portas de fábricas,
praças, ruas e comunidades, combinando isso com atividades de finanças;
*realizar em
janeiro de 2021 a próxima jornada nacional de formação política, bem como estimular
que os estados e municípios façam o mesmo, pelo menos uma vez ao ano;
*organizar,
ainda em 2021, uma agenda de formação em cada Estado, de modo a recepcionar
novos filiados, bem como fazer a apresentação das resoluções da AE aos
simpatizantes da tendência, de modo a convidá-los à militância na Articulação
de Esquerda;
*manter a
sistemática de realizar plenárias nacionais com militantes da AE atuantes em
setoriais e em frentes de atuação (como saúde, saúde mental, educação,
comunicação, formação política , moradia, rurais, lutas ambientais ,
juventude, mulheres, combate ao racismo, LGBT+, militantes participantes
do Nova Primavera, direções partidárias, governos, bancadas, eleições 2022
etc.);
*elaborar um projeto
e iniciar a implementação nos estados e municípios, de uma rede de Cursinhos
Populares Clóves Castro, como forma de combater a evasão escolar, contribuir
para o ingresso de jovens da classe trabalhadora ao ensino superior e organizar
e formar politicamente a juventude nos municípios;
*mapear o
desempenho das candidaturas de juventude da AE em 2020, como parte da disputa
ideológica e política contra a postura predominante em outras iniciativas, como
o Representa;
*ampliar a
presença da AE no movimento sindical, estimulando que cada militante esteja
sindicalizado e envolvido na organização da sua categoria, articulando-se
com outros militantes da tendência ou próximos, tendo como objetivo fortalecer
a CUT, seja reforçando a agenda da Central nos sindicatos filiados ou
construindo um movimento de filiação daqueles que estão filiados a outra
Central ou não possuam filiação a central alguma. Também realizar a articulação
com a CUT de grupos organizados de trabalhadores que não constituam uma
categoria propriamente dita ou que ainda não constituam um sindicato;
*continuar
apoiando o projeto da ELAHP, o projeto do blog MANIFESTO PETISTA e a proposta
de convocação de um “encontro nacional livre”, para debater temas estratégicos
e programáticos.
8.Cabe reafirmar que nossa principal tarefa – e, também, a principal
tarefa do Partido dos Trabalhadores – em 2021 e 2022 segue sendo reconquistar
maioria na classe trabalhadora. No limite, é isto que almejamos, quando
buscamos ampliar nossa organicidade (direções estaduais, direções municipais,
coordenações setoriais, organismos de base): ampliar a influência de nossas
posições na classe trabalhadora, em particular na juventude trabalhadora, entre
as mulheres, LGBT+, negros e negras.
As mulheres, e
especialmente as negras são o segmento mais vulnerável e excluído da classe
trabalhadora; é preciso priorizar a construção de novas formas e metodologias
de trabalho de base em conexão com as mulheres trabalhadoras, elevando seu
nível de consciência política, capacidade
organizativa, de ação e de luta. Precisamos aprofundar a perspectiva da
economia do cuidado, defendendo novas pautas de direitos para as mulheres que
estão desempregadas ou na informalidade.
É fundamental recuperarmos influência onde já tivemos e conquistar
influência em novos segmentos. Por exemplo o setor de trabalhadores
plataformizados, majoritariamente composto por jovens e que cresce a cada dia
no país. A reconfiguração no mundo do trabalho exige de nós, também, novas
formas de organização para estes setores. Experiências como a dos Entregadores
Antifascistas indicam o anseio por organização. A AE deve mapear em sua base
profissionais destas categorias e propor maneiras efetivas de organização e
disputa
9.Lembramos
que nossa influência na classe trabalhadora se dá, primeiramente, através da
presença e fortalecimento do PT, da CUT e movimento sindical em geral, do MST e
outros movimentos ligados à questão agrária, camponesa e indígena, dos
movimentos populares urbanos como o MNLM, da UNE e Ubes, dos movimentos de
mulheres e de combate ao racismo, bem como demais organizações do campo democrático-popular
e socialista. Em segundo lugar, se dá através da nossa presença (que buscaremos
seja majoritária e hegemônica) nas direções das organizações populares, com
destaque para as citadas. Em terceiro lugar, é preciso ampliar a presença direta
(física e virtual) organizada de militantes da AE nos ambientes de moradia,
trabalho, estudo, cultura&lazer, nos movimentos sociais em geral. Uma de
nossas diretrizes é que cada um de nossos militantes se envolva diretamente, em
algum nível, em um trabalho de massa. A AE historicamente atua ativamente nos
movimentos feministas, Movimento Negro, movimentos de juventude, LGBT+, pessoas
com deficiência, antimanicomial, ambiental, movimentos do campo/indígenas e
quilombolas, da luta por moradia, dos atingidos por barragens, direitos humanos
e movimento sindical. Devemos intensificar nossa atuação nesses movimentos e
ampliar nossa atuação e inserção nas novas formas organizativas como a
organização dos trabalhadores e trabalhadoras de app. Assim como estar atentos
para novas questões, como a defesa dos direitos dos animais. Além da
necessidade de organizar os setores progressistas das igrejas católica,
evangélicas, religiões afro-brasileiras e demais denominações, na luta contra o
fundamentalismo. A Articulação de Esquerda tem um histórico importante de lutas
e conquistas no movimento estudantil. Considerando que muitas/os de nossas/os
militantes concluem a graduação ainda na juventude e atentando ao fato de que
cada vez mais muitas/os militantes jovens precisam conciliar estudos e
trabalho, é evidente a necessidade de reforçarmos nosso empenho em debater a
realidade da juventude trabalhadora a fim de elaborarmos de forma qualificada
nossa articulação e intervenção junto a esta parcela da classe trabalhadora.
Os territórios antes ocupados por movimentos
sociais agora estão, ao menos parcialmente, ocupados pela direita neoliberal, através
das Igrejas Neopentecostais, do assistencialismo reacionário, das milícias e
facções criminosas. É preciso reverter esta situação, através de um trabalho
político permanente da esquerda nesses territórios e comunidades periféricas,
pois é neles que encontra-se: a) a maioria da população negra, vítima do
racismo estrutural; b) a população mais vulnerável sócio e economicamente; c) a
maior violência contra a mulher; d) a população LGBT mais excluída do mercado
de trabalho; e) a falta de saneamento básico; f) massa de desempregados e trabalhadores/as
informais como ambulantes, catadores de materiais recicláveis, entregadores de
aplicativos etc.; g) crianças e adolescentes com direitos violados; h)pessoas
sem mobilidade urbana, impedidas de exercer o “direito à cidade”; i) a fome.
.
10.Onde temos
e onde viermos a eleger parlamentares e executivos vinculados a AE, é
fundamental que sua atuação seja diferenciada, não apenas no que diz respeito à
linha política, mas também na maneira de estabelecer relação com a classe
trabalhadora, evitando o que ocorre em vários mandatos de esquerda, que acabam
convertendo-se em micro organizações cujo objetivo é a reeleição permanente. Os
mandatos não devem substituir nem se sobrepor ao trabalho do Partido junto à
classe trabalhadora; os mandatos tampouco devem substituir ou se sobrepor ao
trabalho da AE na disputa de rumos do PT. Mas devem ser espaço que possibilite
a ressonância da voz e das lutas da classe trabalhadora nas instituições; nesse
sentido, cabe aos mandatos petistas criar espaço permanente para ouvir as
organizações e movimentos sociais, sindicais e estudantis.
11.Cabe à
Dnae, em conjunto com a militância de cada estado, garantir que tenhamos pelo
menos uma candidatura orgânica, em cada um dos estados do país, para disputar
as eleições de 2022.
Para construir a correlação de forças necessária para que
um governo democrático e popular consiga realizar com êxito as transformações
que defendemos, precisaremos combinar intensa e permanente mobilização política
e social, com uma adequada e forte atuação parlamentar e institucional. Por isto
precisamos que a esquerda e o PT lancem fortes candidaturas à Câmara dos
Deputados e ao Senado Federal; às Assembleias Legislativas e aos Governos
Estaduais. Tais candidaturas devem travar o bom debate programático, apontando
para as mudanças estruturais, criando consciência e apoio organizado na
sociedade.
Um exemplo nesse sentido é o Rio Grande do Sul, onde o PT vem
construindo desde já uma candidatura de renovação e compromisso programático, o
deputado estadual Edegar Pretto, a candidatura petista para o governo gaúcho,
candidatura que deve ser encarada como estratégica pelo PT nacional, capaz de unir
a esquerda social e política e dar um basta nos oito anos de hegemonia estadual
tucana/emedebista, que só serviu para destruir o estado, vender seu patrimônio
e tirar direitos do conjunto dos trabalhadores e setores médios.
12.A atual
direção nacional do Partido tem mandato até 2023. Infelizmente, o grupo que é
majoritário nesta atual direção não vem se demonstrando à altura das tarefas
que decorrem da situação política nacional e mundial. Nem tem demonstrado
disposição em contribuir para mudar a estratégia adotada pelo Partido desde
1995. Entretanto, este grupo vem fazendo um grande esforço no sentido de manter
e perpetuar sua atual maioria. De nossa parte, seguiremos pressionando por
uma mudança na linha política e nos métodos de funcionamento. Mas não
temos ilusões de que esta mudança vá ocorrer voluntariamente ou de que bastarão
os processos eleitorais internos para que a mudança ocorra. Em nossa opinião,
uma mudança de rumos e de direção no Partido depende da ocorrência de uma
grande onda de lutas populares e/ou de alguma imensa reviravolta política, que
impactem o partido de fora para dentro e de baixo para cima. Entretanto,
continuará sendo necessário lançar chapas e candidaturas para disputar as
direções partidárias em todos os níveis, sempre cuidando do fundamental:
política no comando, demarcar o campo de classes, acumular forças em favor de
nosso objetivo, um Partido dos Trabalhadores democrático, socialista e
revolucionário. Ainda é cedo para determinar qual a tática que adotaremos na
disputa interna de 2023; entretanto, seja qual for, devemos ampliar nossa
presença na classe, ampliar nossa organicidade e filiar mais militantes no PT e
atraindo mais militantes para a AE.
12.Lembramos
sempre que a AE não é uma “cooperativa de anjos”. Portanto, muitos dos
problemas que existem na classe trabalhadora e no PT, também existem dentro da
AE. Uma diferença fundamental, entretanto, é que nos propomos a combater
duramente e de maneira proativa estes problemas, para evitar que mimetizemos as
práticas do grupo atualmente majoritário dentro do PT. Isto muitas vezes gera
incompreensões noutros setores do Partido e até mesmo em nossa própria
militância, mas consideramos que se não fizermos este combate duro, mais cedo
ou mais tarde acontecerá conosco o que aconteceu com outras tendências do PT e
– paradoxalmente – também aconteceu com grupos que saíram do PT, mas que hoje defendem
políticas similares às defendidas pelo grupo majoritário na direção nacional do
PT.
13.Lembramos
por fim, mas não menos importante, que a tendência petista Articulação de
Esquerda não é um “partido dentro do partido”. Fomos criados dentro do PT, existimos
para disputar os rumos do PT. Exatamente por isto não fazemos segredo de nossas
posições; pelo contrário, oferecemos nossa contribuição prática e teórica em
todos os terrenos da atuação partidária, sempre com o objetivo de fazer com que
nosso Partido reincorpore a defesa de um programa e de uma estratégia
democrática-popular e socialista.
Viva o PT!
Viva a classe trabalhadora!
Viva o socialismo!
Resolução sobre saúde
Realizamos no dia 18 de julho uma plenária nacional do setorial de saúde
da AE. A reunião debateu e aprovou uma resolução política, cujos trechos
diretamente vinculados ao tema da saúde foram incorporados às resoluções do 6º Congresso.
Além disso, o Congresso da AE reafirmou nosso apoio ao Luta Saúde, recomendando
a leitura da respectiva tese.
1.Já a partir do início do golpe de Estado, em maio de 2016, o
condomínio golpista agiu com pressa para viabilizar as suas políticas
atentatórias aos direitos dos trabalhadores e antipopulares.
2.Marco inaugural foi a aprovação da Emenda Constitucional (EC) nº 95,
de 15 de dezembro de 2016, o chamado Teto de Gastos, que “congelou” os
investimentos nas áreas sociais até 2036 e aprofundou a histórica insuficiência
do financiamento federal do Sistema Único de Saúde, pois desde o seu nascedouro
a classe dominante brasileira havia agido politicamente para obstaculizar o
aporte adequado de recursos e, desse modo, dificultar a implantação plena do
SUS.
3.No campo da saúde, assistiu-se a introdução de graves deformações na
essência de políticas estruturantes – como na Atenção Básica à Saúde – e de
políticas específicas avançadas socialmente cuja razão de ser são a garantia
dos direitos humanos e a solidariedade social, como vem a ser a emblemática
Política Nacional de Saúde Mental – que extirpou da nossa sociedade as
denominadas Casas de Horrores como eram denominados os antigos manicômios:
ambientes inóspitos de reclusão e de privação da liberdade das pessoas.
4.O governo Bolsonaro vem dando prosseguimento ao referido espetáculo de
desestruturação da política pública de saúde, contudo o advento da pandemia de
covid-19 introduziu elementos de dificuldades ao processo de desmonte do
componente do aparato estatal que a tornou possível, ou seja, o Sistema Único
de Saúde (SUS).
5.No bojo da luta pelo afastamento do governo Bolsonaro e suas
políticas, não podemos ter a menor ilusão quanto a tática que o PT deve adotar
para tornar potente o enfrentamento político e ideológico, no curto e médio
prazos, diante de problemas estruturais do SUS e de ações que visaram favorecer
o seu desmonte: devemos combater um a um os retrocessos em curso nas diversas
políticas de saúde e defender desassombradamente as soluções para as grandes
questões que, atualmente, inviabilizam a sustentabilidade e o futuro do SUS!
Vale dizer: nosso Partido, levando em conta que cresceu a defesa do SUS devido
à sua importância no enfrentamento da pandemia, deve colocar a efetivação do
direito à saúde e do SUS 100% público, universal e de qualidade, no centro de
sua tática de combate ao governo Bolsonaro.
6.Em outras palavras: devemos debater e buscar aprovar proposições de
futuro para o SUS e defendê-las na sociedade brasileira, sem nos intimidarmos e
arrefecermos o tom das nossas propostas. Isso porque as questões de fundo para
sustentabilidade e o futuro do Sistema Único de Saúde são nacionais.
7.Tais questões constituem-se em imensos desafios políticos,
administrativos, culturais e sanitários que se apresentam ao Partido e a todos
os setores democrático-populares e socialistas da sociedade brasileira.
8.Ressaltamos que a manifestação da pandemia de covid-19 no Brasil
constitui-se numa tragédia sanitária, social e humanitária, inigualável na
nossa história, cuja dimensão decorre da ausência de coordenação nacional
unívoca no enfrentamento da doença.
9.Contudo, a covid-19 somente não se transformou num acontecimento ainda
mais dantesco no país em face da existência do SUS, ainda que submetido a
subfinanciamento histórico, aprofundado pela Emenda Constitucional nº 95/2016,
e convivendo com insuficiências estruturais determinadas pelas políticas
neoliberais.
10.Por isso, devemos cerrar fileiras e organizar a luta em torno da
defesa, da manutenção, da correção de insuficiências estruturais, da ampliação
e da consolidação do caráter universal, de fato e de direito, do Sistema Único
de Saúde: para todos os brasileiros e todas as brasileiras.
11.Antes de passarmos às questões nacionais que se relacionam com o
Sistema Único de Saúde abordaremos as consequências da pandemia de covid-19 no
Brasil.
12.Estudos vem demonstrando como os governos nacionais de países da
Ásia, Europa, América, Oceania e África, com as mais diversas conformações
econômicas, sociais, políticas e culturais, a partir de janeiro de 2020 vem
buscando enfrentar a pandemia de covid-19. O governo brasileiro foi exceção
gritante: adotou como política nacional o não enfrentamento da pandemia.
13.Independente das possibilidades materiais de cada país, com o
conhecimento científico atualmente disponível buscou-se implantar medidas de
contenção da transmissão do vírus Sars-CoV-2, causador da covid-19, visando
progressivamente diminuir o número de casos confirmados e de óbitos pela
doença, portanto, agir para preservar a saúde e a vida das pessoas e evitar o colapso
do sistema de saúde nacional.
14.O primeiro caso de covid-19 no Brasil foi notificado em 26 de
fevereiro de 2020, dia no qual 81.109 casos e 2.762 óbitos foram confirmados no
mundo. Em 23 de julho de 2021, havia ocorrido no planeta 192.538.652 de casos confirmados
e 4.135.321 de óbitos pela doença, registrado-se no nosso país, cuja população
representa 2,72% da população mundial, 19.523.711 casos (10,14% do total) e
547.016 óbitos (13,23% do total, atrás somente do que se verificou nos Estados
Unidos), segundo dados da Universidade Johns Hopkins.
15.No caso do Brasil, o governo federal adota o posicionamento defendido
por amplos setores da classe dominante brasileira que negavam – e negam até
hoje! – a gravidade da expansão da doença e defendem a necessidade de manter a
“normalidade” do funcionamento econômico a qualquer custo.
16.Ou seja, como inexiste uma coordenação política nacional no
enfrentamento da covid-19 como emergência de saúde pública, cada ente
subnacional adota a política que julga ser mais adequada. Esse é o pior dos
cenários sanitários em um país com extensa área territorial e regionalmente
heterogêneo nos planos econômico, social, demográfico e da
infra- estrutura sanitária.
17.Estudo abrangente, realizado de 1º de março de 2020 a 16 de janeiro
de 2021, pelo Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário da Faculdade
de Saúde Pública da USP e a organização Conectas Direitos Humanos, procedeu a análise de 3.049 normas relativas
à covid-19 no âmbito da União, acervo normativo que resulta do embate entre a
estratégia de propagação do vírus conduzida de forma sistemática pelo governo
federal e as tentativas de resistência dos demais Poderes, dos entes
federativos, de instituições independentes e da sociedade.
18.No âmbito federal, mais do que a ausência de enfoque de direitos, a
pesquisa revela a existência de uma estratégia institucional de propagação do
vírus, promovida pelo governo brasileiro sob a liderança da Presidência da
República. No período três eixos foram analisados:
a) atos normativos da União, incluindo a edição de normas e vetos
presidenciais;
b) atos de obstrução às respostas dos governos estaduais e municipais à
pandemia; e
c) propaganda contra a saúde pública, definida como discurso político
que mobiliza argumentos econômicos, ideológicos e morais, além de notícias
falsas e informações técnicas sem comprovação científica, com o propósito de
desacreditar as autoridades sanitárias, enfraquecer a adesão popular às
recomendações de saúde baseadas em evidências científicas, e promover o
ativismo político contra as medidas de saúde pública necessárias para conter o
avanço da Covid-19.
19.Em síntese os resultados do estudo afastam a persistente
interpretação de que haveria incompetência e negligência da parte do governo
federal na gestão da pandemia. Bem ao contrário, a sistematização dos dados,
revela o empenho e eficiência da atuação da União em prol da ampla disseminação
do vírus no território nacional, declaradamente com o objetivo de retornar a
atividade econômica o mais rápido possível e a qualquer custo. Ou seja: a
materialização da crença ética e cientificamente descabida denominada
“imunidade de rebanho”.
20.Outro estudo aponta que, nos meses de janeiro, fevereiro e março de
2020, o governo federal teve tempo para preparar o país e não o fez
adequadamente. Nesse trimestre assistiu-se ao avanço do enfrentamento da
pandemia de covid-19 mundo afora, fazendo aflorar a
urgência na
agilização de
providências
internas precoces e suficientes.
21.Em primeiro lugar, deixou-se de coordenar e envolver com potência, em
todo o território nacional, o conjunto das unidades e equipes de saúde do
Sistema Único de Saúde (SUS) no enfrentamento do novo coronavírus, com ênfase
nas ações de dimensão coletiva e individual, nessa ordem.
22.Em segundo lugar, não se planejou a aquisição de equipamento de
proteção individual (EPI) para os trabalhadores do SUS, nem se criou condições
internas para produção de testes diagnósticos suficientes
para emprego no SUS.
23.Em terceiro lugar, não se sondou o mercado produtor internacional,
então não tão demandado, antevendo-se necessidade de aquisição de EPI,
ventilador pulmonar e testes diagnósticos, bem como não se estimulou a
reconversão interna de plantas industriais para a produção desses itens.
24.Tomando-se a adoção de restrição de circulação – elemento nuclear no
enfrentamento da pandemia de Covid-19 por ser ferramenta indispensável no
combate ao espalhamento do Sars-CoV-2 –, o governo brasileiro jamais organizou
sua adoção no território nacional. Isso apesar da restrição de circulação ter
se revelado vital nos países que conseguiram manter baixas taxas de mortalidade
ou que superaram quadros sanitários dramáticos e estabilizaram suas taxas de
mortalidade por Covid-19.
26.Conjugou-se em diversas dimensões uma intervenção na realidade
estranha à tradição sanitária brasileira, o que nos levou a um cenário desastroso humanitariamente, no qual
especialmente as vidas de pessoas e famílias das populações mais vulneráveis
econômica, social e culturalmente são violentamente afetadas.
26.No mês de julho de 2021, estudo elaborado por Élida Graziene Pinto,
em atenção à solicitação da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Pandemia,
foi entregue à CPI da Pandemia tendo por objeto a execução orçamentária
empreendida no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) para enfrentamento da
pandemia da Covid-19, durante o período de 13 de fevereiro de 2020 a 30 de
junho de 2021 (Relatorio-sobre-a-execucao-orcamentaria-do-SUS-Elida-G-Pinto.pdf
e ConJur – O que relatei à CPI sobre a execução orçamentária do SUS).
27.Destacamos os pontos que se seguem contidos neste trabalho:
-deu-se uma lenta, insuficiente e errática execução orçamentária no
primeiro semestre de 2020 atrasando a resposta sanitária preventiva, o que
agravou o quadro de transmissão sustentada da doença;
-a omissão da União na aquisição, com ganho de escala nacional, e na
distribuição tempestiva de testes, EPIs, respiradores, medicamentos e outros
insumos, causou disputas federativas fratricidas e vazios assistenciais na
assistência sanitária à população.
28.O nível municipal, em especial, precisava desses materiais para
executar ao seu tempo as medidas de testagem, rastreio e isolamento dos casos
no âmbito da atenção primária e da vigilância sanitária;
frustrada a prevenção e a promoção à saúde no nível municipal ao longo
do primeiro semestre de 2020, houve a escalada da demanda por assistência
hospitalar a cargo dos Estados, sobretudo em unidades de tratamento intensivo
nos semestres subsequentes.
29.Não obstante isso, a estimativa de repasses federais para os Estados
foi reduzida ao longo do ano de 2020 e no início de 2021.
30.O fato que decorreu dos três pontos citados acima: o custeio das
medidas de contenção e mitigação em face do caos sanitário já instalado foi
mais oneroso no segundo semestre de 2020 e no primeiro semestre de 2021, porque
a resposta sanitária foi evidentemente insuficiente e atrasada no primeiro
semestre de 2020.
31.E mais: muito embora o “orçamento de guerra”, de que trata a Emenda
nº 106/2020, tenha afastado as maiores restrições fiscais para a resposta
sanitária, social e econômica à covid-19, a execução das despesas
correspondentes no âmbito do SUS ocorreu majoritariamente a partir do segundo
semestre de 2020. Muitas delas, aliás, foram faticamente postergadas para 2021,
como se sucedeu com a compra de vacinas.
32.Tal atraso já tem sido mensurado em termos de potencial dano ao
erário e em termos de mortes majoritariamente evitáveis.
33.Por fim, procurou-se alinhavar questões intervenientes e relacionadas
ao combate da pandemia de covid-19 no país, o conjunto delas não implementadas
pelo governo federal.
34.O que se coloca é: com este governo federal conseguiremos estacar o
sofrimento e a mortandade de pessoas mediante a adoção de outras políticas
sanitárias, econômicas e sociais? Não conseguiremos! Só derrubando o governo
Bolsonaro e suas políticas conseguiremos efetivar medidas elementares, tais
como:
-empregar meios de comunicação tradicionais, modernos e populares para
apresentar didaticamente a doença covid-19 à população e conscientizá-la sobre
práticas de prevenção, precauções de contato e da necessidade de busca de
atendimento clínico na presença de sintomas;
-garantir a disponibilização de teste diagnóstico em todos os serviços
de saúde para detectar a infecção pelo Sars-CoV-2;
-pronta notificação às autoridades sanitárias de casos suspeitos e confirmados da
doença, de
resultados de testes diagnósticos e
de óbitos
suspeitos, em investigação ou confirmados
para covid-19;
-rastreamento de contatos de pacientes confirmados
para providenciar o isolamento e a testagem diagnóstica;
-criação pelo Estado de condições para o isolamento imediato de pessoas
com quadro clínico suspeito de covid-19, as quais, em função da questão social,
residem em locais que alojam várias pessoas ou moram na rua;
-orientação clara e didática sobre o processo de imunização em geral e o
de imunização contra covid-19 em particular, por meio de veículos de
comunicação de massas, entre outros.
35.É preciso tratar de vacinas eficazes e não de vacinas em função de
sua origem ser os Estados Unidos, a Alemanha, o Reino Unido, a China, a Rússia,
entre outros países.
Saúde como elemento estratégico do desenvolvimento nacional
36.Em um arrojado programa de reconstrução e transformação do Brasil a
saúde deve ser priorizada pela sua interferência em relação à defesa da vida
das pessoas, como fundamento multiplicador de recursos humanos, pelos efeitos
da saúde sobre o crescimento econômico, pelo seu dinamismo enquanto produtor de
um conjunto amplo de bens e serviços e seu grande complexo industrial, enfim,
pela pujança desse setor intensivo no emprego da mão-de-obra de profissões e
ocupações as mais distintas.
37.Na reconstrução e transformação do país, a saúde, a previdência
social e a assistência social devem ser organicamente articuladas, a fim de
constituir renovado e potente instrumental de seguridade social.
Privatização do Sistema
38.É necessário lutar para estancar e reverter toda sorte de privatização
direta ou indireta do Sistema adotada pelo Ministério da Saúde e pelas
Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, a começar por aquela que se dá por
meio de organizações sociais – OS, porque:
-os processos de privatização direta ou indireta, inclusive da gestão,
que foram se amiudando no SUS nos últimos 20 anos, tornaram-no mais custoso ao
Erário Público do que se fosse operado exclusivamente pelo Poder Público;
-do ponto de vista da gestão do cuidado fornecido às pessoas e da
multiplicidade de serviços prestados aos cidadãos e às cidadãs que envolvem o
cuidado às pessoas, tornaram-no incontrolável;
-existem evidências sólidas, extraídas da experiência internacional,
sobre o modo mais efetivo para organizar a saúde, ou melhor, Sistemas públicos
e nacionais têm melhor desempenho que modelos privados.
Protagonismo da União e Estados da Federação
39.É necessário lutar para que a União e todos os Estados da Federação
(re) assumam protagonismo maior e de novo tipo no Sistema, dando um basta ao
sacrifício que se impôs historicamente às municipalidades e, assim, garantindo
a efetiva integração sanitária sistêmica entre os entes federados e a natureza
nacional do SUS.
40.Múltiplos fatores na evolução histórica do SUS determinaram a
fragmentação do Sistema em redes de unidades de saúde dos entes federados –
Municípios, Estados, Distrito Federal e União – em função das Secretarias
Estaduais de Saúde e o Ministério da Saúde não terem conseguido integrar o
aparato sanitário nacional ao longo do tempo.
41.Tal fragmentação é aprofundada pela existência de:
-múltiplas lógicas organizativas no Sistema (administração direta e
indireta, contratos e convênios, organizações sociais – OS e outros);
-relação existente entre hospitais e ambulatórios privados e
filantrópicos e o SUS, há décadas, sobre os quais os gestores públicos têm
baixa capacidade de controle e governabilidade;
-crescente – e destrutiva! – privatização da gestão de serviços e de
redes de unidades de saúde municipais e estaduais, criando-se nos territórios
de entes -federados gestores privados com poder e autonomia para definir
política de pessoal, estratégias de cuidado de usuários, entre outros.
Nova institucionalidade para o SUS
42.É necessário lutar pela organização e a operacionalização do SUS a
partir das 438 Regiões de Saúde existentes no país – processo denominado
regionalização previsto na Constituição Federal de 1988 –, buscando superar a
fragmentação e garantir a integração sanitária do Sistema.
43.O processo de regionalização demanda o forte protagonismo das
Secretaria Municipais de Saúde, das Secretaria Estaduais de Saúde dos Estados
da Federação e a do Distrito Federal, compartilhado necessariamente com o
Ministério da Saúde, tratando-se de gestão compartilhada pelos entes federados
cuja institucionalização requer aprovação de lei federal específica.
44.Ressalte-se que instrumento administrativo – decreto federal –
editado em 2011, definiu Região de Saúde como um espaço geográfico contínuo
constituído por agrupamentos de Municípios limítrofes, delimitado a partir de
identidades culturais, econômicas e sociais e de redes de comunicação e
infraestrutura de transportes compartilhados, com a finalidade de integrar a
organização, o planejamento e a execução de ações e serviços de saúde. Além
disso, esse decreto instituiu a Comissão Intergestores Regional (CIR), comissão
composta por representantes da Secretaria de Estado da Saúde e dos Municípios
localizados em cada Região de Saúde.
Carreira Única do SUS nacional e interfederativa
45.É necessário lutar para a criação de uma Carreira Única do SUS
nacional e interfederativa, com perfil multiprofissional, contemplando todas as
profissões e ocupações existentes no Sistema, cujo concurso de ingresso tome
como referência territorial o Estado da Federação e que, na sua estruturação,
possibilite a adesão de funcionários municipais, estaduais e federais.
46.A ausência de Carreira do SUS nacional é um problema de todos os
entes federados.
47.Ressaltamos que a plena coordenação e integração da rede sanitária
nacional, portanto, o adequado funcionamento sistêmico do SUS, é incompatível
com a existência de diversos gestores privados, com autonomia para definir
política de pessoal, gerindo equipamentos públicos nos territórios das Regiões
de Saúde.
48.Ressaltamos que, ainda que um processo de transformação do Brasil
pressuponha mudar a essência da chamada lei de responsabilidade fiscal (LRF) no
sentido de substituí-la por legislação de responsabilidade social, em caráter
emergencial é necessário lutar para que sejam retirados os funcionários da área
da saúde – Municípios, Estados, Distrito Federal e União – da base de cálculo
da chamada LRF, porque a área da saúde é intensiva no emprego de mão-de-obra,
além de também ter atribuições de fiscalização e controle que lhes são próprias
e são destinadas a preservar a saúde e a vida das pessoas.
49.A esse respeito chamamos atenção: o movimento sanitário há quase duas
décadas vem corretamente defendendo tal medida, portanto, devemos continuar
colocando essa questão ao debate público, porém precisamos estar atentos às
proposições de legislações que, a pretexto de garantir maior contratação de
pessoal para a área da saúde, sejam aprovadas sem a previsão de mecanismos de
controle que assegurem, de fato, o aumento da alocação de recursos para
contratação e remuneração de pessoal na saúde.
O desfinanciamento do SUS
50.É necessário lutar para superar o desfinanciamento do SUS a que, a
partir do governo Temer, foi condenado o Sistema por meio da aprovação da EC nº
95/2016, que “congelou” os investimentos nas áreas sociais até 2036!
51.Com a EC nº 95/2016 aprofundou-se sobremaneira o histórico bloqueio
ao suficiente financiamento federal do Sistema Único de Saúde, patrocinado pela
classe dominante brasileira desde o nascedouro do Sistema para dificultar a
implantação plena do SUS.
52.Os Estados da Federação, o Distrito Federal e particularmente os
Municípios vêm investindo na saúde percentuais de suas receitas muito maiores
do que o estabelecido na Constituição Federal, derivando o desfinanciamento do
SUS da retirada de muitos bilhões por ano do orçamento federal, o que agudizou
a insuficiência do financiamento da saúde, em função da aprovação da EC nº
95/2016.
53.Em relação ao desfinanciamento do SUS, devemos defender no seio da
sociedade brasileira um conjunto de medidas criativas que visem aumentar os
recursos federais – na saúde em particular e na seguridade social de modo
geral. Contudo, é inescapável a defesa imediata e enfática da revogação da EC
nº 95/2016, a defesa da extinção da Desvinculação das Receitas da União – DRU, que
retira 30% do orçamento da seguridade social para o Tesouro Nacional, e a
defesa do estabelecimento de taxação de grandes fortunas com destinação dos
recursos para o orçamento da seguridade social – saúde, previdência social e
assistência social.
54.No que se refere ao desfinanciamento do SUS é necessário organizar
uma ampla campanha de esclarecimento, com foco global na sociedade e particular
nas pessoas que travam a luta social, sobre a bilionária renúncia de
arrecadação fiscal na saúde – pessoa jurídica e pessoa física–, denominada
gasto tributário, e sobre o fornecimento de incentivos fiscais pela União em
favor de interesses privados do setor e em desfavor dos interesses da maioria
da população brasileira, portanto, da alocação de recursos na estruturação do
SUS.
O SUS e Política de Saúde do Trabalhador
55.É necessário lutar por um Sistema Único de Saúde que tenha como uma
de suas reais prioridades o diagnóstico precoce, o tratamento, a recuperação e
a reabilitação de todos os trabalhadores e de todas as trabalhadoras que
apresentarem agravos relacionados ao trabalho – enfermidades, acidentes de
trabalho e intoxicações.
56.O SUS deve contar com equipes técnicas bem formadas que tenham
incorporado na sua rotina de investigação clínica a possibilidade do
adoecimento das pessoas se relacionar com o trabalho.
57.O conhecimento da realidade sanitária do mundo do trabalho é
inadiável e pode ser perseguido mediante: instituição de notificação universal
ao Poder Público de agravos relacionados ao trabalho, combate firme da
subnotificação ao Poder Público de acidentes do trabalho e inspeção dos
ambientes, das condições e dos processos de trabalho inadequados visando
corrigi-los, a fim de preservar a saúde e manter a vida dos trabalhadores e das
trabalhadoras.
O SUS e a Política de Saúde Mental
58.É necessário lutar para a manutenção, aprofundamento e a crescente
qualificação da Política Nacional de Saúde Mental não privatista e
antimanicomial que, ao longo de quarenta anos, vem sendo construída no Brasil.
59.O esforço brasileiro na organização da Rede de Atenção Psicossocial
(RAPS) é reconhecido pela Organização Mundial de Saúde, Organização
Panamericana de Saúde e outras instituições internacionais da área de Saúde
Mental.
60.Os interesses mercantis derrotados com a implantação da Rede de
Atenção Psicossocial passaram a pressionar no período posterior ao golpe de
Estado de 2016 para implantar uma Política Nacional de Saúde Mental sabidamente
ineficaz, mas que contempla economicamente certos setores da iniciativa privada
e que, ainda, estabelecem intervenções sem o compromisso com a laicidade e a
autonomia dos usuários.
O SUS e o capital internacional
61.É necessário lutar contra a abertura da saúde ao capital
internacional, que se deu à época em flagrante colisão com o texto da norma
constitucional e introduziu fatores novos que ensejam graves consequências para
o futuro do SUS, tratando-se de questão importante no debate sanitário. A
título de contribuição a esse respeito, destacamos a conclusão de estudo de
Jonathan Filippon (Revista Saúde em Debate, 2015) que tratou da abertura da
saúde nacional ao capital estrangeiro:
62.“A maior consequência da abertura do mercado de saúde brasileiro para
o capital estrangeiro é a inviabilização do SUS como política pública de saúde.
A injeção irrestrita de recursos no setor privado inviabiliza o Sistema Único
de Saúde brasileiro ao reforçar a assimetria entre os subsistemas público e
privado. O estabelecimento de uma maior concorrência local, a partir de recursos
externos, violenta o próprio direito constitucional à saúde, tendo como
consequência o desmanche das áreas secundárias e terciárias do SUS, vistas como
setores de maior possível margem de lucro e que sofrem cronicamente de pouco
investimento público. Seria essa uma manobra governista, na tentativa, de forma
precária, de melhorar a situação dos setores secundários e terciários
promovendo a competição entre eles? A qualidade dos serviços privados de saúde,
já pouco fiscalizada neste momento, como seria controlada? Infelizmente, a
abertura do mercado ao capital externo na saúde é o estabelecimento
institucional de cuidados primários para os pobres e a exploração das doenças
das classes média e alta, as quais proporcionarão o lucro buscado pelo
investimento externo. Ou o investimento externo é feito sem interesse de
retorno? Ingenuidade seria crer que o capital externo investido não será
igualmente retornado, com juros, correção e lucro. E o será à custa do SUS, dos
bolsos e, muito provavelmente, da saúde de boa parte dos brasileiros.”
Dos Encontros Setoriais de Saúde do Partido dos Trabalhadores
63.Os Encontros Setoriais de Saúde do Partido dos Trabalhadores,
municipais, estaduais e nacional, devem ser encarados como uma oportunidade
impar, singular para a organização de fóruns de discussões plurais sobre o
campo da saúde, a sustentabilidade e o futuro do Sistema Único de Saúde e,
entre tantas outras, sobre as questões nacionais anteriormente expostas.
64.Devemos almejar que o PT comece a construir nesse processo a política
de saúde que iremos implantar para reconstruir e transformar o Brasil, caso
voltemos a governar o Brasil.
65.Nesse sentido, é absolutamente urgente que o PT, desde já, se
aglutine com forças sociais e políticas imbuídas do compromisso ético-político
de defesa da vida e se mobilizem em torno de proposições potentes – para desatar
o nó do impasse estratégico vivenciado no campo da saúde no país –, que devem
se assentar em duas dimensões: a ética, consubstanciada na defesa da vida de
todas as pessoas, e a política, efetivada na ação direcionada à estruturação de
um aparato sanitário estatal nacional, operacionalizado com pujança, agilidade
e qualificação, destinado a garantir a promoção, a proteção, a recuperação e a
reabilitação da saúde de todos os brasileiros e de todas as brasileiras.
66.Enfatizamos: derrotar o governo Bolsonaro e suas políticas, deve
pressupor lutarmos com determinação para conseguirmos a convocação de eleições
presidenciais imediatas. Se o povo brasileiro lograr essa dupla vitória, o
campo efetivamente democrático, democrático-popular e socialista da sociedade brasileira
terá chances reais de voltar a governar o país. No entanto, para que isso
ocorra, será preciso mobilizar intensamente a população brasileira em torno de
discussão de programa de governo que torne compreensível às massas populares a
necessidade de reconstrução e a transformação do Brasil.
67.Nesses termos, a necessidade de reformas estruturais precisarão ser
debatidas com a população, pois trata-se de pré-condição para reorganizarmos
com potência as políticas das denominadas áreas sociais – saúde, previdência
social, assistência social, educação da pré-escola a universidade e proteção ao
trabalho –, transporte público urbano de qualidade, habitação popular e lazer,
ao lado do investimento em ciência e tecnologia e cultura.
68.As políticas de reconstrução e a transformação do país nas áreas
sociais, destacadamente na saúde, previdência social, assistência social e
educação, devem reservar o Estado brasileiro papel central na sua elaboração,
financiamento coordenação, monitoramento e execução dos serviços, sem
concessões ao mercado e aos negócios privados.
69.EM síntese, defendemos:
69.1. um SUS estratégico ao desenvolvimento nacional – pela centralidade
na defesa da vida das pessoas e na orientação da constituição do complexo
industrial da saúde nacional.
69.2.um SUS de fato nacional – urge que a União e os Estados da
Federação (re) assumam protagonismo maior e de novo tipo no Sistema dando um
basta no sacrifício que se impôs historicamente às municipalidades e à
constituição das redes de saúde interfederativas.
69.3. um SUS de fato único – urge superar a fragmentação do Sistema em
redes de entes federados que podem fazer – e fazem – o que querem, porém
guardam entre si insuficiente interação sistêmica, fragmentação essa agudizada
pela avassaladora privatização de redes públicas de saúde,especialmente por
meio de organizações sociais;
69.4. um SUS de fato público – urge estancar e reverter toda sorte de
privatização direta ou indireta do Sistema, a começar por aquela realizada por
meio de organizações sociais;
69.5. um SUS de fato universal – de acesso para todos os brasileiros e
todas as brasileiras;
69.6. um SUS de fato integral – a população brasileira é diversa, a
equidade das políticas de saúde significa constituir intervenções para os
diferentes sujeitos que expressam necessidades singulares dentro do SUS. A
população LGBTQIA+, em situação de rua, em situação de privação de liberdade,
os povos tradicionais, as pessoas com deficiências, muitos são aqueles
historicamente negligenciados e violentados pelo Estado brasileiro. É
necessário romper com a agenda de exclusão e acabar com os vazios assistenciais
para promover uma reparação histórica no Sistema e na garantia de direitos.
69.7. um SUS de fato com carreira de âmbito nacional – urge criar uma
carreira do SUS de âmbito nacional, que na sua estruturação possibilite a
adesão de funcionários municipais, estaduais e federais, cujo concurso de
ingresso tome como referência territorial o Estado da Federação;
69.8. um SUS de fato com renovada participação da comunidade – a aliança
dos gestores sanitaristas e os movimentos sociais forjaram grandes inovações no
SUS, as tecnologias de cuidado se constituem do aprendizado mútuo da
experiência de interação entre usuários e profissionais que partilham projetos
éticos e políticos comuns para ampliar o direito à saúde. O fortalecimento do
controle social do Estado é necessário em todas as esferas do SUS, a
participação social é condição sine qua non para um cuidado em saúde que
dialogue com as necessidades da população.
Neste sentido, é urgente o fortalecimento de iniciativas como os comitês
populares na pandemia de covid-19 que atuem na vigilância em saúde e seja
compartilhada com a comunidade. Esse projeto apresentado pela Fundação Oswaldo
Cruz, em parceria dos movimentos ligados ao campo e as comunidades
tradicionais, é uma experiência exitosa que precisa ser expandida para todo o
país.
69.9. um SUS de fato com renovada participação da comunidade assentada
no funcionamento sistemático e transparente dos Conselhos de Saúde – Nacional,
Estaduais, do Distrito Federal e Municipais.
69.10. um SUS de fato com financiamento adequado – conforme referimos,
bloqueado desde o seu nascedouro pela classe dominante brasileira que agiu
politicamente para obstaculizar o suficiente financiamento federal e, desse
modo, dificultar sobremaneira a implantação plena do Sistema.
69.11. um SUS de fato orientado na estratégia da saúde da família – é
necessário construir uma Atenção Básica ou Primária à Saúde (ABS/APS)
resolutiva, que seja a principal porta de entrada do Sistema, provida com
equipes completas e multiprofissionais, que crie vínculo com o usuário, conheça
o território e seja responsável pela coordenação do cuidado, bem como pelo
acesso do usuário aos outros pontos da rede de atenção à saúde (RAS).
Moção
Que a Resolução do Congresso seja matéria de debates e
aprofundamento em todos os estados, com a participação da nossa militância, destacando
entre outras as seguintes questões:
-proteção dos povos originários e dos seus territórios, que
vem sendo brutalmente e criminosamente atacados, com invasões de garimpo
ilegal, pelo agronegócio e pelo assassinato de vários indígenas;
-denúncia vigorosa contra os crimes do latifúndio, tanto na
eliminação dos sem-terra quanto na eliminação das florestas;
-defesa dos movimentos populares que vêm sendo criminalizados,
suas direções presas e sofrendo ataques;
-solidariedade aos movimentos que, mesmo na pandemia, vem sofrendo
despejos, o que viola o direito à moradia e torna ainda mais difícil às pessoas
se proteger da pandemia;
-denunciar e defender a revogação da PEC da morte, a 95 que
congela por 20 anos os recursos para política pública;
-a crítica ao retrocesso e a perdas das políticas públicas
construídas e conquistadas nos governos Lula e Dilma.
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