terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Plenária nacional de balanço das eleições 202

TEXTO NÃO REVISADO, SUJEITO A ALTERAÇÕES

6 de dezembro, das 10h00 às 18h00

Esta plenária é dedicada ao camarada Clóves de Castro, militante comunista, revolucionário, petista, fundador da tendência petista Articulação de Esquerda, um proletário combatente. Clóves de Castro, presente!

A hora do balanço

Passado o segundo turno, há uma enxurrada de análises acerca do ocorrido nas eleições.

No caso do Partido dos Trabalhadores, foi convocada para o dia 7 de dezembro uma reunião do Diretório Nacional do Partido.

Na pauta desta reunião, o balanço e a discussão sobre a tática do PT na eleição da mesa diretora da Câmara dos Deputados e do Senado.

Como o que está ruim sempre pode piorar, parte significativa da bancada defende apoiar uma candidatura da direita, ao contrário de lançar uma candidatura da esquerda.

No tocante ao balanço das eleições, parece haver uma grande divergência acerca de como interpretar os resultados, tanto do primeiro, quanto do segundo turno.

Divergências inclusas, é muito importante que todas as instâncias do Partido dos Trabalhadores se reúnam, para analisar os resultados eleitorais e para discutir como dar continuidade à nossa luta contra os governos e contra as políticas ultraliberais.

Afinal, tudo indica que a situação do povo brasileiro vai piorar muito, nas próximas semanas e meses (ver, a esse respeito, o texto A hora da bronca).

Voltando ao tema eleitoral, a tendência petista Articulação de Esquerda, realizará, no dia 6 de dezembro uma plenária nacional de balanço das eleições 2020. E também estamos ajudando a organizar, para o dia 12 de dezembro, uma plenária aberta de balanço das eleições e discussão do futuro do PT.

Terão direito a voz na plenária do dia 6 de dezembro os integrantes das coordenações setoriais e direções municipais, estaduais e nacional da tendência petista AE; a militância da tendência que assumiu candidaturas proporcionais e majoritárias nas eleições de 2020, não importa se eleitas ou não; os companheiros e as companheiras que integram direções partidárias e direções de movimentos sociais.

Também terão direito a voz representantes dos setores que integraram conosco a chapa que disputou o Congresso nacional do PT. Assim como outras pessoas convidadas pela Direção nacional da tendência, que também está encarregada de debater e aprovar um roteiro de discussão, cuja versão preliminar segue abaixo.

ROTEIRO DE DISCUSSÃO

1.O balanço das eleições de 2020 deve começar com uma saudação à militância popular que fez campanha no primeiro e no segundo turno para as candidaturas da esquerda, em particular para as candidaturas petistas.

2.Saudamos, também, todas as nossas candidaturas majoritárias e proporcionais, tanto aquelas que foram vitoriosas, quanto aquelas que foram eleitoralmente derrotadas.

3.Saudamos as companheiras Marilia Arraes, Luizianne Lins e Manuela Dávila, e através delas homenageamos a todas as candidaturas que foram vítimas de uma campanha brutal de ataques, patrocinada pela velha e pela nova direita brasileira, em alguns casos com a participação cúmplice e desonrosa de setores que se pretendem democratas e até de esquerda.

4.Saúdamos Margarida Salomão, de Juiz de Fora; Marília Campos, de Contagem; José de Filippi, de Diadema; Marcelo Oliveira, de Mauá; e Edmilson Rodrigues, de Belém, através dos quais homenageamos todos e todas as candidaturas petistas e de esquerda que disputaram as eleições, tanto no primeiro quanto no segundo turno.

5.E agradecemos o apoio dos mais de dez milhões de brasileiros e de brasileiras que votaram na esquerda, especialmente os mais de seis milhões que votaram em candidaturas do Partido dos Trabalhadores.

O SEGUNDO TURNO

6.No dia 17 de novembro, a tendência petista Articulação de Esquerda divulgou um documento intitulado “Balanço preliminar do primeiro turno”. Reiteramos as ideias gerais contidas naquele documento. Agora, concluído o segundo turno, é possível e necessário fazer um balanço do processo eleitoral como um todo.

7.Como há balanços de todos os gostos e sabores, é importante deixar claro que fazemos este balanço na condição de militantes e dirigentes do Partido dos Trabalhadores.

8.Não nos propomos a falar em nome de nenhuma “ciência política” supostamente neutra. Tampouco nos arrogamos o papel de falar em nome dos interesses gerais de todo o campo popular, de toda a esquerda, como gostam de achar que fazem alguns analistas. Nosso ponto de vista é o de militantes de um determinado partido político, o PT, no qual somos defensores de um programa e de uma estratégia que busque abrir caminho para um Brasil democrático, popular e socialista.

9.Por ser este o nosso ponto de vista, fazemos um balanço de combate. Por um lado, combate contra a extrema direita, contra a direita, contra setores autoproclamados de centro, contra o oligopólio da mídia e contra certos “cientistas políticos”, que afirmam que o resultado das eleições municipais teria sido um golpe fatal para o Partido dos Trabalhadores.

10.Esta opinião --que de maneira as vezes mais sutil e elaborada, é também compartilhada por articulistas e dirigentes de esquerda, entre os quais alguns ligados ao PSOL – não encontra, em nossa opinião, respaldo nos fatos eleitorais, nem na história recente. Basta dizer que algo muito parecido foi dito em 2016, entre outras vezes.

11.Contudo, nosso balanço combate, também, avaliações feitas por setores do próprio PT. Tais avaliações manipulam números e estatísticas, na tentativa de ocultar que sofremos uma derrota eleitoral e política nas eleições 2020.

12.É óbvio que nas cidades onde vencemos, tivemos uma vitória eleitoral e, muitas vezes, também uma vitória política. Assim como é óbvio que, em muitas cidades do país, sofremos derrotas eleitorais, mas obtivemos vitórias políticas de natureza local. Mas quando analisamos o desempenho em inúmeras cidades, nos estados, nas grandes regiões do país e no Brasil como um todo, é impossível não reconhecer que sofremos uma derrota eleitoral e uma derrota política.

13.Por exemplo: como qualificar o resultado da eleição em Belo Horizonte e em São Paulo? Como qualificar o resultado da eleição no estado de São Paulo? Como qualificar o resultado das eleições no Nordeste do país, especialmente quando lembramos do que ocorreu em 2018 e dos discursos acerca de uma suposta “tática nordeste”, cuja amplitude de alianças era vendida como a receita do sucesso garantido?

14.Os que pretendem apresentar nosso desempenho nacional como uma vitória eleitoral e/ou política estão incorrendo em algo que podemos chamar de criptonegacionismo. Um bom exemplo desta atitude negacionista foi dado pelo governador Rui Costa, para quem o desempenho eleitoral do PT no estado da Bahia pode ser sintetizado pelo crescimento de 42% em relação a votação de 2016. Este crescimento é real, assim como é real o decréscimo em relação a votação obtida em 2012. Mas é preciso ser surdo para não ouvir o recado político enviado pelas derrotas do PT em Salvador, em Vitória da Conquista e em Feira de Santana. Vencemos em 2018, porque reconhecemos a derrota. Se não reconhecermos a derrota em 2020, não tomaremos as atitudes necessárias para virar o jogo.

15.Isto vale para a Bahia e para todo o Brasil: a classe trabalhadora e a esquerda não podem ter medo da verdade, não podem ter medo de dizer as coisas como elas são. O autoengano nunca produziu e nunca produzirá vitórias.

UM AMPLO LEQUE DE QUESTÕES

16.Um balanço completo do processo eleitoral exigirá um certo tempo, indispensável para analisar com ciência todas as questões envolvidas. Entre estas questões estão:

17.A análise das características da eleição propriamente dita, realizada em tempos de pandemia, o que gerou reflexos tanto sobre o eleitorado em geral quanto na dinâmica das campanhas populares; uma campanha sem coligações proporcionais; uma campanha com fundo público eleitoral, mas com grande volume de financiamento privado e compra de votos; uma campanha com as fake news e manipulações de sempre, inclusive das pesquisas eleitorais. E é preciso levar em devida conta o ambiente de pandemônio – político, econômico e social – em que transcorreram as eleições, inclusive seus reflexos no âmbito da guerra cultural e religiosa que a direita segue implementando.

18.A análise do crescimento das abstenções, dos votos nulos e dos votos em branco. Mesmo descontando os que se abstiveram por conta da pandemia e os efeitos do recadastramento biométrico, em muitas cidades os votos não válidos atingiram níveis altos demais, estabelecendo o voto facultativo de fato. E em vários casos, como em São Paulo capital por exemplo, o PT foi um dos prejudicados pela evasão de parte do voto popular.

19.A análise de como os votos válidos se repartiram entre os três grandes campos políticos que disputaram as eleições: a direita, o centro e a esquerda. E, claro, a análise de como os votos válidos se repartiram dentro de cada um desses campos políticos.

20.A análise da quantidade de cidades que cada campo político administrará a partir de 1 de janeiro de 2021, levando em consideração o número de habitantes das cidades, sua importância econômica e política, bem como a vinculação social dos eleitos.

21.A análise do número de vereadores/as que cada campo político elegeu e a vinculação social (gênero, étnica, geracional, religiosa etc.) dos e das parlamentares.

22.A análise detalhada do desempenho do PT: sua votação absoluta e relativa em relação a eleições passadas, a composição social do voto, nosso desempenho pelos diferentes tipos e tamanhos de cidades, os motivos que nos levaram a perder parte importante das cidades que governávamos desde 2016 etc.

26.Parte destas questões já foram abordadas no já citado “Balanço preliminar do primeiro turno”. Outras questões estão contempladas neste “Roteiro para discussão”. E todas merecem um estudo detalhado, que tomará certo tempo.

27.Entretanto, sem prejuízo desta análise mais detalhada, já é possível adiantar algumas conclusões fundamentais sobre o resultado global das eleições. Destas conclusões, destacamos a seguir as que nos parecem mais relevantes.

VITÓRIA DA DIREITA

28.Como o resultado eleitoral de 2020 incide na situação geral do país? As forças de direita que sustentam a política ultraliberal, foram derrotadas ou foram vitoriosas?

28.O fato é que cerca de 75% dos votos no primeiro turno e parte majoritária dos votos no segundo turno foram dados para partidos que estão à direita do centro, seja a candidaturas vinculadas ao bolsonarismo raiz, seja a candidaturas vinculadas aos partidos tradicionais da direita: MDB, PSDB, PP, DEM, PSD etc. Que, entre outras coisas, foram capazes de capitalizar a ajuda emergencial em seu favor.

29.Ou seja: a maioria dos novos governantes municipais e dos vereadores/as eleitos integram o campo político que deu o golpe em 2016, apoiou a condenação e prisão de Lula, contribuiu para a eleição de Bolsonaro e sustenta, no âmbito parlamentar, parte importante das políticas adotadas por este governo.

30.Tanto no primeiro quanto no segundo turno, as candidaturas lançadas pelos partidos tradicionais de direita se saíram eleitoralmente melhor do que aquelas explicitamente bolsonaristas. Além disso, as pesquisas de opinião indicam um crescente desgaste de Bolsonaro e de seu governo.  

31.Mas não devemos superestimar a derrota do bolsonarismo. Afinal, parte importante do eleitorado continua se orientando pelo repertório bolsonarista; foi neste esgoto que as campanhas de Sarto e de João Campos foram buscar “argumentos” contra as candidaturas petistas de Luizianne (no primeiro turno) e de Marília Arraes (no segundo turno). A ênfase com que Sarto legitimou a baixaria bolsonarista, quase lhe custou uma derrota no segundo turno frente ao Capitão Wagner.

32.Ademais, parte das candidaturas eleitas, mesmo que não tenham explicitado isso durante a campanha eleitoral, apoiam, apoiaram e/ou podem voltar a apoiar o próprio Bolsonaro. Isso parece particularmente verdadeiro no interior do país.

33.Portanto, embora seja correto dizer que Bolsonaro não saiu vencedor das eleições, embora possa ser dito que ele saiu derrotado das eleições, não se deve concluir daí que o resultado de 2020 decidirá o futuro de seu governo e seu potencial de reeleição. Caso a oposição de esquerda atue, em 2021, com o mesmo “freio de mão puxado” com que atuou em vários momentos em 2019 e 2020, é perfeitamente possível que o cavernícola seja capaz de voltar a colher vitórias.

34.Além de tudo o que foi dito anteriormente, é preciso agregar o mais importante: no governo Bolsonaro, o bolsonarismo não é o fim, mas um dos meios para implementar a política ultraliberal. E os apoiadores desta política foram amplamente vitoriosos nas urnas de 2020.

35.Por tudo isso, o resultado de 2020 confirma, mais uma vez, que não virá principalmente da luta eleitoral-institucional o impulso necessário para derrotar o bolsonarismo e o ultraliberalismo. Para alterar a correlação de forças do país, faz-se necessário uma grande onda de lutas sociais. Sem isso, as próximas eleições tendem a perpetuar a atual correlação de forças, com pequenas inflexões à esquerda ou à direita.

AS EXPECTATIVAS DO CENTRO

36.Mesmo sabendo as diferenças que existem entre uma eleição municipal e uma eleição presidencial, os números de 2020 confirmaram existir espaço eleitoral para o projeto de “centro” que vem sendo costurado por Ciro Gomes e outros.

37.Os integrantes deste campo de “centro” demonstram, nas eleições de 2020, que não hesitam em usar – contra o PT -- os mesmos argumentos e as mesmas armas utilizadas pela direita.

38.E, apesar disso, o “centro” também demonstrou ser capaz de atrair setores da esquerda (com destaque para o PCdoB, que foi cúmplice dos ataques movidos contra Marília Arraes, mesmo sabendo que ataques similares eram perpetrados contra Manu em Porto Alegre).

39.Entretanto, o “centro” segue com a mesma dificuldade estrutural já experimentada pela candidatura Marina Silva em 2014 e pela candidatura Ciro Gome em 2018: a situação econômica e social produz uma polarização política; e esta polarização política esvazia o centro, que é forçado a deslocar-se para posições mais à direita ou mais à esquerda; acontece que tanto a direita quanto a esquerda já estão ocupadas.

40.Por isso, para se tornar viável eleitoralmente, o centro depende, ou bem de capturar o petismo, ou bem de uma aliança com a direita tradicional. E qualquer uma destas alternativas implica em grandes dificuldades e em enormes riscos eleitorais.

DERROTA DA ESQUERDA

41.A eleição de 2020 confirmou as imensas dificuldades que a esquerda acumulou, bem como as que terá pela frente.

42.No primeiro turno, os partidos de esquerda (PT, PSOL e PCdoB) apresentaram-se separados em quase todas as eleições municipais. Esta divisão se explica em parte pelas imposições da cláusula de barreira, em parte por divergências políticas mais ou menos profundas, daquele tipo que não é superável por apelos emocionais, nem por cálculos de engenheiros de obra feita.

43.Uma destas divergências já foi citada antes: o PCdoB, ou pelo menos um setor majoritário deste partido, está sendo polarizado pelo “centro”, mesmo onde o centro guinou para métodos de direita, como ocorreu em Recife.

44.Por outro lado, a dinâmica interna do PSOL torna muito difícil uma aliança de primeiro turno deste partido com o PT, nas próximas eleições presidenciais. Além da já citada cláusula de barreira, pesa nisto o fato de que setores do PSOL (e do próprio PT) interpretam equivocadamente os resultados eleitorais de 2020, em particular o ocorrido na cidade de São Paulo.

45.E o Partido dos Trabalhadores? Desde pelo menos 2015 o Partido vive uma disputa interna e pública acerca de seu papel na sociedade brasileira, de seu programa, de sua estratégia e de seus métodos de atuação. E, desde então, viemos sofrendo seguidas derrotas: o impeachment, a condenação-prisão-interdição de Lula, a aprovação da “reforma” trabalhista, a fraude que resultou na vitória de Bolsonaro, a destruição causada pelo governo do cavernícola e, agora, as eleições de 2016. Dentro do Partido, entretanto, não há unidade nem no diagnóstico, nem nos remédios a serem adotados para enfrentar a situação.

46.Em nossa opinião, o primeiro passo é reconhecer que a esquerda foi derrotada nas eleições de 2020. Obtivemos vitórias eleitorais e políticas, no âmbito local; e também obtivemos vitórias políticas, apesar de derrotas eleitorais. Mas no âmbito nacional, a esquerda conquistou cerca de 10% dos votos válidos, governa menos de 10% das prefeituras e do eleitorado brasileiro. Para além disso, as candidaturas da esquerda (independente do Partido) tiveram muita dificuldade em nacionalizar as campanhas; aonde o povo votou contra Bolsonaro, isto não se deveu principalmente ao que foi dito pelas campanhas eleitorais da esquerda em 2020. Portanto, não podemos falar em vitória eleitoral, nem em vitória política no terreno nacional.

47.O que foi dito em relação a esquerda em geral, pode ser repetido em relação ao Partido dos Trabalhadores. Reiteramos que, em âmbito local, ocorreram vitórias eleitorais e políticas, assim como derrotas eleitorais e vitórias políticas (por exemplo, o que fez a militância e a grande Benedita da Silva, no Rio de Janeiro capital). Mas em âmbito nacional, o resultado de conjunto não pode ser considerado uma vitória, nem eleitoral, nem política.

48.O mais grave, ao nosso ver, é que havia condições politicas para termos um resultado melhor, tanto político, quanto eleitoral. Nosso desempenho em Belo Horizonte, em Salvador, em Fortaleza, em São Paulo e em Recife – para citar só os casos mais relevantes -- poderia ter sido outro. O Partido precisa pelo menos dizer claramente quais erros foram cometidos, inclusive para que não se repitam.

49.Reduzimos o número de prefeituras e de mandatos parlamentares conquistados em 2020, em comparação com 2016, apesar de termos lançado mais candidaturas e apesar de termos atuado em uma conjuntura mais favorável.

50.Fomos ao segundo turno em um número maior de cidades do que em 2016, mas das 18 cidades que disputamos, a esquerda só conquistou 5, sendo que o PT não conquistou nenhuma capital. E, no final das contas, continuamos governando mais ou menos o mesmo número de brasileiros.

51.Portanto, embora possamos falar de vitórias e/ou de derrotas parciais em comparação com 2016, nada altera o fundamental: nosso desempenho eleitoral em 2020 contribuiu muito pouco para ampliarmos significativamente, seja nossa oposição ao governo Bolsonaro, seja para construirmos uma candidatura presidencial poderosa para as próximas eleições. Neste sentido – que diz respeito as batalhas futuras, não a comparação com batalhas passadas – sofremos uma derrota.

52.Em nossa opinião, sofremos uma derrota política essencialmente porque nossas campanhas (e portanto, o significado político de nossas votações, seja onde perdemos, seja onde fomos vitoriosos) não foram nacionalizadas, não foram de fato organizadas em torno do objetivo de acumular forças para derrotar Bolsonaro. Este objetivo estava escrito em nossas resoluções, mas não se materializou na imensa maioria das campanhas, que giraram em torno de questões locais. Assim como estava escrito nas nossas resoluções que não faríamos alianças com partidos de direita; e que faríamos campanhas em defesa do legado e de Lula. Não sabemos o que teria ocorrido se tivéssemos feito o que estava nas resoluções; mas sabemos o que ocorreu. E não há como chamar de vitória (política ou eleitoral) o que emergiu das urnas de 2020.

ERROS DE INTERPRETAÇÃO E OPERAÇÃO

53.Desde o golpe, cresce na esquerda como um todo e no PT em particular a certeza de que precisamos atualizar nosso diagnóstico acerca da sociedade brasileira, da luta de classes, da classe trabalhadora, dos métodos da direita e assim por diante. Assim como precisamos mudar nossa linha política e nossos métodos de atuação. Apesar disso, no balanço dos resultados de 2020 já circulam avaliações que atribuem nossa derrota à sordidez dos nossos inimigos, como se tivéssemos o direito de esperar algo diferente disso.

54.A tendência petista Articulação de Esquerda reitera o que vem dizendo desde 2015: ou mudamos de estratégia e de conduta, ou deixamos de ser um partido essencialmente eleitoral, ou até mesmo nossas vitórias eleitorais vão minguar.

55.No que diz respeito ao processo eleitoral estritamente falando, é preciso identificar por quais motivos cometemos tantos erros de avaliação e outros tantos de operação.

56.Alguns destes erros foram cometidos pelo conjunto do Partido. Por exemplo, ninguém considerou a possibilidade de que fossemos reduzir o número de prefeituras governadas por nós, nem reduzir o número de vereadores. Pelo contrário, prevaleceu a ideia de que, lançando mais candidaturas e atuando numa situação política melhor do que a de 2016, cresceríamos. E isso não ocorreu.

57.Infelizmente, no momento do balanço, ao invés de reconhecer o erro e buscar as suas causas, há pessoas e setores do Partido que esquecem do que escreveram e disseram ontem, apelando para “argumentos” do tipo: de fato caímos, mas em compensação cresceu o número de cidades médias em que vencemos ou fomos ao segundo turno. Acontece que isto não explica por quais motivos perdemos tantos mandatos e tampouco explica por quais motivos não percebemos que isto poderia ocorrer. Aliás, não percebemos antes e não percebemos nem mesmo durante a campanha, só percebemos depois do fato consumado.

58.Citamos entre os erros que são do conjunto do Partido a falta de política para enfrentar a compra de votos, as dificuldades na política de comunicação, a falta de percepção acerca da dimensão que tomaria a abstenção, os votos brancos e nulos, bem como a falta de política a respeito. Destacamos o fato do Partido simplesmente não existir em um grande número de cidades do país. E citamos a inacreditável crença nas pesquisas eleitorais, desmentidas inúmeras vezes tanto no primeiro, quanto no segundo turno.

59.Um último erro coletivo foi não ter percebido, nem se preparado, para o crescimento das candidaturas de direita na reta final. Em outras eleições, o PT demonstrou ser um “partido de chegada”, capaz de crescer muito na reta final. Nesta eleição, muitas vezes foi a direita que demonstrou esta capacidade.

 

60.Outros erros foram cometidos por setores do Partido, setores que são majoritários nas direções partidárias em certas cidades e estados, e em alguns casos esses erros foram avalizados pela maioria do Diretório Nacional. Citamos entre estes erros alguns que nos parecem exemplares:

61.A tática adotada nas cidades onde o Partido existe, mas decidiu não lançar candidaturas a prefeitura.

62.A tática adotada naquelas cidades onde o Partido, em flagrante desrespeito a expressa proibição, decidiu fazer aliança com partidos de direita.

63.A tática adotada em Belo Horizonte, resultado não apenas de escolhas eleitorais, mas da explicita promiscuidade entre setores do Partido e o prefeito reeleito.

64.A tática adotada em Salvador, tática patrocinada pelo governador Rui Costa, que resultou na vitória em primeiro turno do candidato do DEM. Que, aliás, é um dos partidos da direita tradicional que melhores resultados obteve.

65.A tática adotada em São Paulo, onde o Diretório Nacional recusou convocar Fernando Haddad para ser candidato, erro primário de onde decorreu grande parte dos demais problemas.

66.A tática adotada em João Pessoa, que resultou num desastre eleitoral, político e organizativo de imensas proporções.

67.A gestão do fundo eleitoral, a respeito do qual propomos que o Diretório faça uma análise objetiva da relação entre recursos alocados e votação obtida.

68.No documento que aprovaremos no dia 6 de dezembro, para apresentar ao Diretório Nacional, no dia 7 de dezembro, buscaremos desenvolver cada uma destas questões e outras que porventura não tenham sido citadas.

69.Concluímos dizendo que as eleições confirmaram que não estamos diante de uma corrida de 100 metros, mas sim de uma maratona. E esta maratona não terá como trajeto principal as disputas eleitorais, mas sim a disputa política, social e cultural travada fora dos períodos eleitorais. Ou o PT muda de estratégia e de conduta, o que inclui atuar com intensidade também nos anos ímpares, ou continuaremos colhendo mais derrotas que vitórias nos anos pares.

A HORA DA BRONCA

70.A mudança da linha e do comportamento do Partido é necessária, não apenas por razões de médio e longo prazo, mas também por razões de curto.

71.Passada a eleição, fica evidente que o Governo Bolsonaro está enfrentando um novo momento de crise. Frise-se que no passado recente, as ilusões na constituição de uma Frente Ampla, a demora em adotar a consigna Fora Bolsonaro e a concentração de esforços na oposição parlamentar contribuíram para a relativa estabilidade e fortalecimento do presidente.

72.Agora, apesar de nova onda da pandemia, a massa da classe trabalhadora está tendo que dar continuidade à dura luta pela sobrevivência, em condições cada vez piores. O anúncio presidencial de desprezo pela vacina contra o COVID-19, a manutenção da agenda neoliberal e as posições de Guedes sobre a ajuda emergencial indicam que manter e aumentar a mobilização e a luta social trata-se, literalmente, de questão de vida ou morte.

73.Não podemos repetir, frente a segunda onda do Covid, o erro cometido na primeira onda. Medidas sanitárias sim; mas manter o vínculo com a classe trabalhadora é a maior medida sanitária. Por isso, é preciso aproveitar a experiência da mobilização eleitoral em tempos de pandemia, para estimular nossa mobilização militante.  Sem mobilização social, perderemos aquilo que pode ocorrer nos próximos meses: outra “janela” para a derrubada do governo Bolsonaro.

74.A tendência econômica e social de curto prazo -- e, se não houver mudança, de médio prazo também -- é de deterioração progressiva (desemprego, fome, situação sanitária, violência...). Portanto, deve crescer a “bronca” no país. Mas de que forma esta “bronca” vai se traduzir politicamente?

75.No plano eleitoral, a “bronca” não compareceu na medida devida: 2020 não foi 1988, nem foi 2000. No plano das lutas sociais organizadas, até agora pelo menos, a “bronca” também não apareceu. As greves ocorridas nos últimos meses não tiveram a capacidade de comover o país, gerar solidariedade ampla para além das camadas militantes. No plano das lutas sociais espontâneas, tampouco apareceu uma “bronca” a altura da situação. Até agora não houve ondas de saques e quebra-quebras, como ocorreram em algumas cidades no final dos 1970 e início dos 1980. Mesmo o assassinato cometido pelos seguranças do Carrefour teve, até agora, uma resposta abaixo da que seria justa e necessária.

76.Por outro lado, tem havido um aumento dos homicídios, do feminicídios, do racismo, da lgbtfobia, da intolerância, da violência policial, da criminalidade, da frequência nas igrejas e aumento da grosseria e da incivilidade no cotidiano. E tem crescido a compra de armas por cidadãos de bem. Sinais de que, se a “bronca” do povo ainda não se manifestou, a “antibronca” do lado de lá está em curso.

77.Um de nossos grandes desafios é fomentar e politizar a “bronca” popular. Ou é isso, ou seguiremos dependentes da dinâmica eleitoral-institucional, cujos limites ao menos neste momento estão mais do que evidentes. É desta perspectiva que propomos enfrentar o debate sobre a eleição do presidente da Câmara e do Senado. Não podemos comprometer o PT com a reeleição de Rodrigo Maia, não apenas porque não podemos fortalecer os setores de direita que saíram vencedores do processo eleitoral, mas principalmente porque esta opção influenciará negativamente nossa capacidade de oposição às políticas que o governo impulsiona e a maioria do Congresso endossa.

78.Para fomentar e politizar a “bronca”, é preciso reconhecer:

-que a pandemia e seus reflexos até agora criaram mais problemas do que estímulos para a luta aberta;

-que segue imenso o descrédito na participação política, na contramão do que vivemos entre 1988 e 2010;

-que reduziu muito a influência organizada da esquerda social (sindicatos, movimentos);

-que houve uma terrível institucionalização dos partidos de esquerda, inclusive daqueles que se pretendem alternativos ao PT;

-que persiste um rebaixamento no horizonte programático da vanguarda da classe, diferente do que ocorreu na crise dos anos 1970 e 1980.

79.Tendo em vista estes problemas, o que está ao nosso alcance fazer? O que, dentro de nossas forças, podemos realizar para ajudar mudar a situação? Defendemos, entre outras coisas:

-elevar o horizonte programático (caracterizar a crise do capitalismo, colocar o socialismo sobre a mesa, defender programa de transformações efetivas, fazer o balanço crítico do passado e do presente);

-ampliar a presença junto ao conjunto da classe trabalhadora (presença nos locais de trabalho, nos locais de moradia, nos locais de estudo, nas atividades recreativas e culturais);

-defender a luta cultural, política e social de massas como variável central para alterar a correlação de forças;

-preservar a independência de classe, contra os que querem –a pretexto de combater o bolsonarismo e o neofascismo-- transformar a classe trabalhadora em linha auxiliar de um dos setores da classe dominante.

80.A mudança no estado de ânimo do povo virá, mais cedo ou mais tarde. Nossa linha geral, portanto, é adotar uma postura de “espera ativa”: estimular para que venha o mais cedo possível, para que seja o mais politizada possível e para que disponha de organizações políticas e sociais que estejam à altura dos desafios do período histórico.

81.Nossa mobilização deve se intensificar em 2021. É preciso aproveitar o fato de 2021 ser um ano sem eleições, para ampliarmos ao máximo a organicidade, ou seja, organizar e colocar em movimento dezenas, centenas, milhares, milhões de pessoas. Defendemos que as grandes organizações do povo (as frentes, os partidos, os sindicatos, os movimentos) atuem nessa perspectiva.

82.Ampliar a organização e mobilização, em 2021, inclui e supõe mudar os rumos do PT. Nosso Partido segue sob intenso ataque (da extrema direita e da direita, da mídia e da justiça), bem como sob fortíssima concorrência (de partidos de “centro” e também de esquerda). E dentro do Partido, os problemas são imensos. No âmbito das direções, os problemas principais são:

-um importante setor do Partido segue alérgico a fazer um balanço, um debate estratégico e uma mudança de linha;

-um importante setor do Partido contribui para perpetuar métodos de funcionamento inadequados, contribuindo pela ação ou pela omissão para que continuemos sendo um partido centrado no eleitoral, dirigido a partir de mandatos parlamentares e executivos, com reduzida organização de base e débil organização intermediária, com dificuldade para implementar campanhas permanentes salvo disputar eleições de 2 em 2 anos;

-um importante setor do partido atua como se fosse um “partido dentro do partido”, o que afeta o bom funcionamento das instâncias partidárias. Além disso, existe também a pressão geralmente conservadora exercida por militantes que estão “profissionalizados” pelo partido, por mandatos e governos;

-até o momento, os setores insatisfeitos com esta situação não conseguiram construir uma alternativa que permita ao PT sair da situação em que nos encontramos hoje. Aliás, entre os setores que criticam o status quo partidário, é cada vez mais comum encontrarmos a reprodução das mesmas práticas que são criticadas.

83.Para que 2021 seja um ano do reposicionamento estratégico do PT, devemos:

-apontar com absoluta clareza os problemas programáticos e estratégicos que precisam ser resolvidos, sob pena do PT ser destruído por fora e/ou por dentro;

-defender a convocação do 8º congresso partidário, com o objetivo de retomar a embocadura de formulação que marcou o 5º encontro nacional de 1987 e o 6º congresso nacional do PT de 2017.

-implementar em 2021 uma linha de intensa mobilização política, cultural e social contra o bolsonarismo e o ultraliberalismo;

84.Entre os problemas a ser enfrentados no 8º Congresso Nacional, problemas sobre os quais devemos nos debruçar imediatamente, destacamos os seguintes:

1/análise e propostas referentes a situação mundial, da crise do capitalismo, da disputa de hegemonia entre EUA e China, do curso da América Latina;

2/análise e propostas referentes a crise do capitalismo brasileiro e a luta de classes em curso no Brasil;

3/análise e propostas referentes a como lidar com as diferentes frações existentes na classe dominante, inclusive como disputar com o “bolsonarismo raiz”, com a “direita tradicional” e com os setores denominados de “centro”;

4/análise e propostas referentes a como lidar com os chamados setores médios e com os diferentes setores da classe trabalhadora e suas demandas;

5/análise e propostas referentes a como lidar com as diferentes organizações da esquerda politica e social, incluindo aí as frentes, os partidos, as centrais e os movimentos;

6/análise e propostas referentes a próxima disputa presidencial.

Seguem anexos: o “Balanço preliminar do primeiro turno” e o “Plano de trabalho”

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