Nildo Ouriques escreveu um texto, eu fiz um comentário, ele respondeu aqui:
https://resistentes.org/artigos/valter-pomar-e-o-escafandrista/
Sobre esta resposta, começo confirmando que não aprecio o estilo
literário de Nildo. Não por ser um estilo “direto”, mas porque me lembra o de alguém
bem mais famoso, que prefiro não nomear para não ferir suscetibilidades.
Ouriques afirma que eu não entendi o que ele quis dizer: “Pomar (...)não somente não tomou
superficialmente meu parágrafo como pretendeu atribuir sentido oposto ao que
escrevi!!!!”
O
que Ouriques escreveu: “O PT nasceu do protesto operário contra a ditadura e do
esforço da esquerda socialista, derrotada na luta armada, para avançar na luta
pelo socialismo. No entanto, de maneira precoce, aderiu sem inibição à ordem
burguesa como qualquer um pode ver revisando as teses vitoriosas no V Encontro
do partido em 1987 sob comando de Lula e José Dirceu”.
O que eu
entendi: que as teses do V Encontro eram uma “adesão sem inibição à ordem
burguesa”.
O
que eu deveria ter entendido: “Ou seja, no parágrafo acima eu indico claramente
que, se o leitor revisar aquela antiga resolução e a comparar com o “Plano
Nacional de Reconstrução e Transformação do Brasil” divulgado há poucos meses
pela Fundação Perseu Abramo ou cotejar com a atuação dos deputados e senadores
do partido no covil de ladrões assanhados em votar no candidato da fração
financeira e/ou, finalmente, buscar ecos daquele texto nas declarações de
dirigentes nacionais ou regionais do partido, decerto entenderá por que afirmo
o fracasso histórico do PT, sua decadência política, moral e programática sem
remissão. Afinal, sou eu quem recordou certa grandeza no V encontro, pois, à
época, ainda era filiado ao Partido. É mais do que óbvio meu propósito pois,
tal como Pomar, na época militante da Articulação, já guardei, sem o orgulho
indisfarçável que ele ainda exibe, a memória daqueles “dias de glória”, que,
posteriormente, não impediram os governos petistas – Lula e Zé Dirceu no
comando – de se constituírem em tempo bem curto em administradores mais
competentes da ordem burguesa do que os tucanos, até então um adversário
confortável. Ora, com o ímpeto de sempre, ambos arquivaram as resoluções do V
Encontro como exemplo de um “erro de juventude”, que a maturidade não admitiria
mais…”
Nildo acha que o escrito acima estava indicado “claramente” no seu texto. E afirma que o seu propósito era “óbvio”. Diz ainda que eu não sou “capaz de reconhecer o bom português”.
De
fato, infelizmente, não estive à altura de compreender.
Aliás,
no meu texto escrevi o seguinte: “Certamente há algum texto onde Ouriques
explica melhor sua posição a respeito. Mas salvo melhor juízo, sua crítica ao
que de mais avançado o PT elaborou na década de 1980 indica que – apesar de
concordar que “a esquerda brasileira (...) necessita [de] um giro radical” –
Nildo aponta no sentido oposto ao que me parece adequado, ou seja, ele aponta
em um sentido oposto a uma estratégia democrático-popular e socialista”.
Aproveito
para reafirmar que continuo sem compreender se Nildo defende ou não a
atualidade da estratégia democrático-popular e socialista.
Por
exemplo: Nildo diz que as resoluções do 5º encontro são ainda hoje consideradas
“pela consciência ingênua de muitos petistas como o grau mais elevado da
consciência possível no interior do partido”.
E
qual seria o grau “mais elevado”, daqueles que não são ingênuos? Certamente, Netuno ou o Capitão Nemo saberão dizer.
Mudando
de assunto, mas ficando no mesmo: Nildo reclama que eu teria evitado “todos os temas espinhosos
e o núcleo racional de meu artigo: a decadência moral, política e programática
do PT”.
Lamento a frustração, mas acontece que os argumentos de Nildo a respeito desta questão em particular tornam inútil o debate. Como discutir sobre o PT, com alguém que escreve o seguinte: “hoje, não há mais o que preservar dessa experiência já superada pelos dinamismos da História. Nem a criança, nem a água suja do banho”. Seria como debater com Olavo de Carvalho sobre o PT. Debates assim, nem com escafandro.
SEGUE O TEXTO DE NILDO OURIQUES
VALTER POMAR E O ESCAFANDRISTA
Por Nildo Ouriques
Valter Pomar não aprecia meu estilo literário:
quando sou direto, ele o rejeita; quando sutil, não o entende. A linguagem,
disse Marx, é a consciência prática, razão pela qual não devemos brincar com
ela. No Brasil, a estranha combinação entre a recusa machadiana ao debate
público e o bom mocismo dominante nas filas da esquerda convertida à ordem
liberal produziu um deserto no qual a conduta avessa à polêmica não parece ser
signo de impostura e covardia, mas, ao contrário, de sapiência.
Portanto,
quando recebi sua crítica ao meu artigo Dentro da Baleia. A esquerda liberal e
a eleição da presidência da câmara dos deputados, considerei uma bela
oportunidade para sair da vala comum do silêncio cúmplice sobre questões
essenciais, que, finalmente, confina a esquerda liberal à manufatura da opinião
pública feita pela imprensa burguesa onde seus principais dirigentes imploram
espaço.
No
entanto, ao ler o artigo de Pomar, recordei de imediato uma antiga advertência
de Gramsci quando o sardo, há quase um século, nos Cadernos do Cárcere,
recomendava que sempre devemos “ser justos com os adversários, no sentido de
que devemos nos esforçar por compreender aquilo que queriam realmente dizer e
não se agarrar maliciosamente aos significados superficiais e imediatos de suas
expressões”. Pomar, não obstante, foi mais longe: não somente não tomou
superficialmente meu parágrafo como pretendeu atribuir sentido oposto ao que
escrevi!!!!
Na
resposta, Pomar evitou todos os temas espinhosos e o núcleo racional de meu
artigo: a decadência moral, política e programática do PT, que, uma vez mais,
se expressa na tentativa de “derrotar o governo”, elegendo um deputado que é
expressão acabada da fração financeira turbinada por Maia e garantia última de
Bolsonaro/Guedes. Ele reconhece – sempre de viés – “afirmações interessantes”
no meu texto, unicamente para não tratar o tema crucial. Aproveitou o registro
que fiz sobre o V Encontro para, à maneira de um escafandrista, recuperar
seletivamente memórias de um tempo submerso, como se a miséria atual do seu
partido não guardasse relação com as escolhas de Lula e Zé Dirceu, essas que,
ao fim e ao cabo, o motivaram a se separar de ambos e formar a Articulação de
Esquerda.
Vamos ao
ponto central escolhido por Pomar, ou seja, o V Encontro do PT, realizado em
1987.
Pomar pretendeu me colocar contra as resoluções daquele evento ainda hoje
considerado pela consciência ingênua de muitos petistas como o grau mais
elevado da consciência possível no interior do partido. Mas o que eu, de fato,
escrevi? Reproduzo aqui, uma vez mais, pois mais claro não poderia ser:
“O PT
nasceu do protesto operário contra a ditadura e do esforço da esquerda
socialista, derrotada na luta armada, para avançar na luta pelo socialismo. No
entanto, de maneira precoce, aderiu sem inibição à ordem burguesa como qualquer
um pode ver revisando as teses vitoriosas no V Encontro do partido em 1987 sob
comando de Lula e José Dirceu”.
Ou seja,
no parágrafo acima eu indico claramente que, se o leitor revisar aquela antiga
resolução e a comparar com o “Plano Nacional de Reconstrução e Transformação do
Brasil” divulgado há poucos meses pela Fundação Perseu Abramo ou cotejar com a
atuação dos deputados e senadores do partido no covil de ladrões assanhados em
votar no candidato da fração financeira e/ou, finalmente, buscar ecos daquele
texto nas declarações de dirigentes nacionais ou regionais do partido, decerto
entenderá por que afirmo o fracasso histórico do PT, sua decadência política,
moral e programática sem remissão. Afinal, sou eu quem recordou certa grandeza
no V encontro, pois, à época, ainda era filiado ao Partido. É mais do que óbvio
meu propósito pois, tal como Pomar, na época militante da Articulação, já
guardei, sem o orgulho indisfarçável que ele ainda exibe, a memória daqueles
“dias de glória”, que, posteriormente, não impediram os governos petistas –
Lula e Zé Dirceu no comando – de se constituírem em tempo bem curto em
administradores mais competentes da ordem burguesa do que os tucanos, até então
um adversário confortável. Ora, com o ímpeto de sempre, ambos arquivaram as
resoluções do V Encontro como exemplo de um “erro de juventude”, que a
maturidade não admitiria mais…
Nesse
caso, então, não me defronto com uma apropriação superficial do meu texto por
Pomar tal como condena Gramsci, mas para além disso, observo uma surpreendente
leitura interessada, que não é capaz de reconhecer o bom português e, em
consequência, tenta atribuir ao parágrafo sentido oposto ao que escrevi!!
Qual a
razão desse procedimento arbitrário, contrário ao sentido expresso de meu
texto?
Bueno,
farei breves considerações. Os poucos militantes do PT que ainda se consideram
de esquerda e orientados pelo marxismo estão numa situação bem difícil. O grau
de adesão do partido à ordem burguesa é de tal magnitude, que a “esquerda do
PT” não possui chance alguma de mudar a correlação de forças internas em seu
favor. Ademais, caminhando nesse eterno labirinto, são os mesmos que também
defendem a “tese” de que Lula segue sendo a expressão máxima do sentimento
popular e que o centro da esquerda brasileira tem como referência o PT e o
ex-presidente. Em consequência, não são poucas as vezes que esses mesmos
militantes afirmaram a impossibilidade de futuro para a esquerda brasileira…
sem Lula e o PT!! Finalmente, nas circunstâncias atuais, não podem estocar
contra Zé Dirceu e Lula senão de viés, indicando apenas que eles não eram em
1987 entusiastas das resoluções do V Encontro, embora saibamos que nada seria
aprovado naquele evento sem a assinatura de ambos, pois comandavam a tendência
majoritária, a Articulação. Assim, Pomar não pode superar a contradição na qual
estão metidos e a qual, por sua vez, alimentam!
O PT
abandonou precocemente o combate para a superação da dependência e do
subdesenvolvimento. O compromisso que em suas origens afirmou com o socialismo
jamais foi suficientemente profundo para elucidar a luta dentro e contra a
ordem, razão pela qual Lula, Zé Dirceu e seus principais dirigentes muito cedo
consideraram – ingênua e tragicamente – que poderiam conquistar a cidadania
para nosso povo nos marcos do capitalismo dependente sem teorizar e lutar pela
revolução social, pela revolução brasileira. Hoje, não há mais o que preservar
dessa experiência já superada pelos dinamismos da História. Nem a criança, nem
a água suja do banho.
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