Texto debatido na reunião da Dnae realizada no dia 28 de novembro.
1.Acerca do tema da transição, posse e futuro
governo, a direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda realizou
duas reuniões nacionais, a primeira no dia 9 de novembro e a segunda no dia 17
novembro de 2022. Também dedicamos aos temas transição, posse e futuro governo a
edição do programa Antivírus que foi ao ar no dia 21 de novembro. Os temas
também foram tratados na reunião que a direção nacional fez, no dia 23 de
novembro, com nossa bancada federal e assessores. Integrantes da Dnae também realizaram
reuniões com outros setores do partido, inclusive com as maiores chapas que compõem
a executiva nacional do PT. Além disso, nossos militantes, assim como
militantes de outros setores do Partido estão se mobilizando e debatendo a
transição, a posse e o futuro governo federal, nas bancadas, nos governos
estaduais e municipais, nos estados, nos setoriais e nos movimentos sociais. A
resolução a seguir busca sistematizar nossa opinião preliminar a respeito.
2.Os integrantes da coalizão que venceu as
eleições presidenciais, assim como parte importante de nossa base militante e
eleitoral, acompanha com atenção os trabalhos da comissão de transição
instalada no CCBB, assim como vem discutindo a posse e o futuro governo.
3.Entretanto, nem sempre se está dando a devida atenção
para o ambiente internacional; para a ação dos neofascistas; para a chantagem
dos neoliberais; e para o pano de fundo do processo, a saber, a
desindustrialização do país e todos os seus efeitos. Tratamos destes temas na
resolução de conjuntura debatida, no dia 27 de novembro, pela direção nacional
da tendência petista Articulação de Esquerda. Nesta resolução nos focamos na
transição, na posse e na composição do futuro governo.
4.Sobre a transição estrito senso, lembramos que
ela se fundamenta na Lei 10.609/2002. A primeira transição foi de FHC para Lula.
Não há transição em caso de reeleição, motivo pelo qual ela só voltou a ocorrer
em 2010, de Lula para Dilma. Por motivos óbvios, não houve transição depois do
golpe de 2016. Voltou a haver transição em 2018, de “temer” para o cavernícola.
A atual transição começou oficialmente depois do pronunciamento do cavernícola,
admitindo (ainda que sem admitir) a derrota, quando o ministro Ciro Nogueira
falou que se faria a transição na forma da lei.
5.A transição em curso tem Geraldo Alckmin como
coordenador, uma escolha equivocada, que decorre e potencializa o erro
decorrente de sua indicação para vice. Registre-se que o presidente Lula disse
explicitamente que Alckmin é o coordenador, mas que não será ministro, uma vez que
ele é vice-presidente. Apesar disso ou por causa disso, o vice-presidente se
sentiu à vontade para dizer recentemente, em palestra num evento denominado “fórum
esfera”, que “não tem reformas a serem desfeitas. A reforma trabalhista é
importante. Não vai voltar imposto sindical nem legislado sobre acordado”.
6.A coordenação da transição é composta, além do
vice Alckmin, por mais quatro pessoas: Gleisi Hoffmann, que é a coordenadora de
relações institucionais (também chamada de “articulação política”); Aloizio Mercadante,
coordenador dos grupos temáticos; Rosângela Lula da Silva, mais conhecida como Janja,
coordenadora da posse presidencial; e Floriano Pesaro, coordenador executivo.
Pesaro, atualmente no PSB, foi vereador em SP e foi deputado federal pelo PSDB,
tendo um forte histórico de antipetismo.
7.Vale lembrar que o presidente Lula tem dito,
reiteradamente, que estar na transição é uma coisa, estar no governo e ser
indicado como ministro é outra. Ou seja, não necessariamente quem está na
transição estará no governo. Mas, seja para colaborar na transição, seja para
disputar espaço no futuro governo, houve e segue havendo uma forte pressão – vinda
de todos os lados, cores e sabores – para participar da transição e/ou para ter
contato com quem está na transição.
8.Até o momento, para compor os 31 grupos
técnicos que foram criados, foram oficialmente indicados mais de 300 nomes. A maioria
desses nomes é de pessoas que foram indicadas para trabalho voluntário.
9.A lei prevê que a equipe oficial, que é nomeada
para cargos comissionados remunerados, pode ter até 50 nomes. Os 31 grupos temáticos
são os seguintes: 1-Agricultura, pecuária e abastecimento; 2-Cidades; 3-Ciência
e tecnologia; 4-Comunicação; 5-Comunicação social; 6-Cultura; 7-Desenvolvimento
agrário; 8-Desenvolvimento social; 9-Desenvolvimento regional; 10-Direitos humanos;
11-Economia; 12-Educação; 13-Esporte; 14-Igualdade racial; 15-Indústria e
comércio; 16-Infraestrutura; 17-Infância; 18-Justiça e segurança pública; 19-Juventude;
20-Meio ambiente; 21-Minas e energia; 22-Mulheres; 23-Pesca; 24-Planejamento, orçamento
e gestão; 25-Povos originários; 26-Previdência social; 27-Relações exteriores; 28-Saúde;
29-Trabalho; 30-Transparência, integridade e controle; 31-Turismo.
10.Em alguns dos grupos temáticos, a composição expressa
mais ou menos corretamente o sentido programático do voto dado pela maioria do
eleitorado, nos dois turnos da eleição presidencial. Noutros grupos temáticos, há
uma representação desproporcional de setores empresariais, neoliberais,
conservadores e neoaliados. Além disso, no conjunto da obra há baixa presença
de negros e negras, de quadros políticos oriundos do Nordeste e de
representações das organizações populares de uma forma geral. Portanto, nesses
casos estão subrepresentadas visões importantes, de concepções, de perspectivas
de mérito que devem ser levadas em conta na montagem de um governo popular e de
esquerda. A baixa participação desses setores na transição, além de passar um
sinal ruim, prejudica o mérito do trabalho que irá subsidiar o início do nosso
futuro governo.
11.Registramos que não existe um grupo temático
sobre Defesa e Forças Armadas. Repete-se, portanto, o gravíssimo erro já cometido
desde o debate do Plano de Reconstrução e Transformação, que não diz absolutamente
nada sobre o tema; pelo contrário, se decidiu não reafirmar as posições
históricas do Partido. Este erro se torna ainda mais grave neste momento, em
que os atuais comandantes da Marinha, da Aeronáutica e do Exército soltaram uma
nota afirmando que as manifestações pedindo, direta ou indiretamente,
"intervenção militar" constituiriam, na opinião deles, algo protegido
pela Constituição. Que os atuais comandantes não entendam que forças armadas
existem para defender a soberania nacional, não para interferir na política
nacional, é mais uma prova de que a caserna está em estado de sedição. A
inexistência de um grupo temático expressa a ausência de política para as
forças armadas ou a opção por uma política que não pode ser explicada ou
defendida de público.
12.Para além do trabalho de transição propriamente
dito – parte do qual já está consubstanciado em um detalhado relatório do TCU –
a comissão instalada no CCBB está servindo para diálogos sobre o futuro governo,
suas políticas e integrantes.
13.Um dos temas mais importantes, no curto prazo,
é a questão do orçamento, resumido na chamada PEC da transição. Nesta batalha
já estão visíveis alguns dos problemas de fundo que nosso governo enfrentará,
desde as diferenças internas sobre o mérito e procedimentos, até as
dificuldades oriundas de um Congresso conservador. Aliás, já fica a questão: o
que faremos na eleição das mesas da Câmara e do Senado? Em nossa opinião, a
política acertada é não se submeter, nem se comprometer, com o Centrão.
14.Outro problema de fundo, mais estratégico, é
qual o protagonismo do PT no futuro governo. Na comissão de transição, segundo levantamento
feito pela Folha, há 1/3 de petistas. A conta não inclui o próprio Lula; mas o
presidente eleito já disse que “o governo não será petista”. Obviamente isso é
verdade. Mas também é verdade que o PT precisa definir qual relação terá com o
governo que toma posse dia 1 de janeiro de 2023.
15.No período 2003-2016, os partidos de esquerda,
o sindicalismo, os movimentos populares e a intelectualidade democrática se
dividiram entre os que faziam oposição (supostamente de esquerda) aos nossos
governos, os que apoiavam de maneira acrítica e os que apoiavam ao mesmo tempo
que disputavam os rumos. A postura que predominou em amplos setores do PT,
durante a maior parte do tempo, foi a de apoiar de maneira acrítica. Um dos exemplos
disso foi o ocorrido em 2015, quando 55% dos delegados e delegadas ao congresso
partidário realizado em Salvador (BA) avalizaram a política econômica do
governo, política econômica cujos efeitos contribuíram objetivamente para o
sucesso do golpe de 2016.
16.Hoje, precisamos ter claro o seguinte: se o
governo é de coalizão, cabe ao presidente da República arbitrar e cabe ao PT apoiar
o governo e ao mesmo tempo liderar a esquerda partidária e social na disputa pelos
rumos do governo. Fazer isso (apoiar e disputar) exige capacidade de elaboração,
exige debate, exige divisão de trabalho, exige política fina. E nada disso vai
existir se pelo menos a direção nacional do Partido não se reunir.
17.Dentro dos limites estreitos do que cabe a uma
tendência petista, nós da AE temos feito isso. Nosso principal objetivo é
garantir que a transição, a composição e as medidas imediatas do novo governo
correspondam ao sentido do voto popular que elegeu Lula presidente. Na prática,
trata-se de: a) seguir derrotando a extrema-direita; b) bloquear a chantagem
dos setores neoliberais; c) garantir o protagonismo do PT, partidos e
movimentos sociais da esquerda democrática, popular e socialista.
18.Em relação a extrema-direita, é preciso manter
sob vigilância, denunciar e reprimir as manifestações golpistas; manter as medidas
de preservação da vida pessoal e coletiva; e, ao mesmo tempo que devemos
estimular o comparecimento popular à festa do dia 1 de janeiro, em Brasília,
cabe tomar medidas efetivas de proteção ao deslocamento das caravanas e também
a manifestação da posse.
19.Como sempre dissemos, frente a extrema-direita
não devemos subestimar, nem devemos ter medo. Para derrotar o neofascismo, é
preciso ampliar a mobilização e ampliar a organização. Embora as manifestações
da extrema direita sejam repletas de matéria-prima para memes cômicos, é um
erro naturalizar (mesmo que através do humor) o que está ocorrendo. Não é coincidência,
por exemplo, que o atirador assassino que matou várias pessoas no Espírito Santo,
fosse um bolsonarista e estivesse usando a suástica. Assim como não é coincidência
que, para ilustrar a matéria que falava deste crime cometido por um jovem
branco, o jornal O Estado de São Paulo tenha colocado a foto de uma mão
negra segurando uma arma.
20.Episódios de violência política seguem
ocorrendo em todo o país, assim como seguem os episódios de racismo, os feminicídios,
as violências baseadas no fundamentalismo e no preconceito, as ações criminosas
de policiais contra as populações pobres, pretas e periféricas. A tendência é
que isto prossiga e inclusive se acentue, não apenas antes e durante a posse,
mas inclusive depois, pois está evidente que a extrema direita fará oposição da
seguinte forma: uma pata na institucionalidade, outra pata nas ruas e o rabo no
crime. E é como criminosos
que devem ser tratados, desde ontem, os que ameaçam a posse do dia 1 de janeiro,
seja com ameaças de atentados, seja com bloqueios promovidos por empresários de
transporte.
21.Em relação aos neoliberais, é preciso: a) denunciar
e pressionar pela correção dos desequilíbrios existentes na chamada comissão de
transição; b) evitar as armadilhas que tendem a nos colocar sob tutela do
Centrão. Por incrível que possa parecer, só agora amplos setores de nossa
militância, de nossa base social e eleitoral estão se apercebendo das
decorrências das alianças feitas no primeiro turno, com destaque para o papel
concedido para um cidadão que – a vida demonstrou – teve seu peso eleitoral superestimado.
Nos cabe fazer o maior esforço possível para impedir que esta superestimação se
traduza em espaço governamental e em políticas públicas.
22.Em relação ao protagonismo da esquerda, é
preciso: a) manter a pressão, para que o governo inicie cumprindo o programa,
especialmente aquele voltado aos setores mais populares; b) ampliar a
representação dos setores democrático populares no processo de transição; c)
orientar os movimentos sociais e sindicais a fazerem pressão direta sobre a chamada
comissão de transição.
23.Especificamente em relação ao PT, é preciso que
as instâncias partidárias (diretórios municipais e estaduais, setoriais e
núcleos em todos os níveis, bancadas e governantes municipais/estaduais) se
reúnam e aprovem resoluções sobre o tema transição/composição/medidas
imediatas, resoluções que devem ser encaminhadas ao Diretório Nacional e ao
conjunto do Partido.
24.A militância e as instâncias municipais,
estaduais e nacional da tendência petista Articulação de Esquerda devem
contribuir para este processo de “ressureição” das instâncias partidárias e canalizar,
através das instâncias, nossas propostas e nossas indicações.
25.Lembramos que em processos anteriores, a
composição de governo envolveu convites individuais; indicações de instâncias
partidárias, de movimentos e organizações; e consultas mais ou menos
formalizadas às tendências. Mas o processo atual possui várias diferenças em
relação ao ocorrido em 2002, 2006, 2010 e 2014. Uma destas diferenças é a
seguinte: o espaço do conjunto do PT não está garantido. Inclusive por isso, é mais
produtivo – para cada setor do PT – que se busque agir coletivamente, enquanto Partido.
Portanto, especialmente neste momento, o essencial é lutar para garantir o
protagonismo do PT nas definições sobre transição/medidas imediatas/composição.
26.Devemos seguir pressionando para que se
realizem imediatamente as reuniões presenciais da Executiva Nacional e do
Diretório Nacional do PT; e também para que se constitua oficialmente uma
comissão partidária para acompanhar a comissão de transição, comissão
partidária que também possa servir de canal através do qual possam ser
apresentadas propostas e indicações do PT.
27.Nos espaços partidários, defendemos que pelo
menos os seguintes ministérios e áreas sejam dirigidos por militantes de
esquerda, de preferência por petistas: Fazenda, Desenvolvimento Agrário,
Defesa, Relações exteriores, Trabalho, Saúde, Educação, Cultura, Combate ao
racismo, Mulheres, Juventude, Direitos Humanos, Indígenas. Consideramos
fundamental, também, que desde a transição até o exercício do governo, a esquerda
invista nos mecanismos de participação popular, como os conselhos, conferências
e a questão do Orçamento Participativo.
28.Também nos espaços partidários, apoiamos as indicações
dos companheiros Edegar Pretto e Célio Moura para compor o governo; assim como apoiaremos
as demais indicações que nos sejam apresentadas pelas direções estaduais e
setoriais da tendência que se reunirem e formularem propostas, que devem ser
encaminhadas para as respectivas direções estaduais e setoriais do PT, com
cópia para a Dnae. Também buscaremos apoiar as indicações apresentadas pelas
tendências que integram nossa chapa, bem como por movimentos sociais com os
quais mantemos forte relação, como o MNLM, a UNE, o MST e a CUT.
29.Finalmente, reiteramos ao conjunto da tendência
que a dinâmica predominante na comissão de transição, na composição de governo
e na definição das primeiras medidas ainda não é a que gostaríamos. Nos
preocupa, em particular, a inexistência de métodos e procedimentos claros, o
que acaba estimulando um “reunionismo” improdutivo. Neste sentido, reiteramos
que nosso esforço principal segue sendo o de buscar o pleno funcionamento das instâncias
e métodos transparentes. E reafirmamos que o Diretório Nacional do PT deve se
reunir imediatamente.
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