Texto debatido na reunião da Dnae realizada dia 27 de novembro.
1.Como dissemos na resolução “SOBRE A TRANSIÇÃO,
A POSSE, O NOVO GOVERNO E SUAS MEDIDAS”, a coalizão que venceu as eleições presidenciais,
assim como parte importante de nossa base militante e eleitoral, está com suas
atenções voltadas para os trabalhos da comissão de transição instalada no CCBB,
assim como para a discussão sobre a posse e o futuro governo. Não se dando a devida
atenção para o ambiente internacional; para a ação dos neofascistas; para a
chantagem dos neoliberais; e para o pano de fundo do processo, a saber, a
desindustrialização do país e todos os seus efeitos.
2.Cabe a direção nacional do PT reunir-se
imediatamente, definir uma política para a transição, definir suas prioridades
para a composição e primeiras medidas do futuro governo. Ao mesmo tempo,
devemos dedicar parte de nossa atenção para: i/concluir o balanço do conjunto
do processo eleitoral; ii/definir o conjunto de nossa política nacional e
internacional para o período aberto com a vitória eleitoral; iii/adotar as
medidas organizativas decorrentes, no plano do Partido, das frentes e dos
movimentos.
3.O balanço das eleições não é algo trivial. Trata-se
de analisar o resultado da eleição presidencial, mas também das eleições para
governos estaduais e das eleições parlamentares. Com esta finalidade, além de estimular
que o Partido faça tal balanço, começaremos nós mesmos em dezembro um ciclo de seminários
sobre o tema.
4.A definição de nossa política nacional e
internacional para o período aberto com a vitória eleitoral vai muito além da
discussão sobre a transição, a posse e o futuro governo. E exige, como ponto de
partida, entender que 2023 não é 2003.
5.A situação internacional segue tempestuosa. A
guerra entre Ucrânia e Rússia é parte integrante da guerra estratégica entre
Estados Unidos e China. Esta guerra possui dimensões militares, políticas,
sociais, econômicas, ambientais e ideológicas. E repercute de diferentes
maneiras em cada região do planeta. O governo brasileiro que toma posse no dia
1 de janeiro de 2023 precisará de uma política nacional e internacional que nos
permita, no contexto desta guerra global, converter nossa região num dos polos
do mundo. E para isso não basta prestígio diplomático, nem tampouco basta ser
um grande exportador de primários; para ser um dos polos do mundo, é necessário
poder real, o que inclui capacidade científica, tecnológica, industrial. O que
nos remete para a transição. Não para aquela transição sediada no CCBB, mas para
a outra, a “grande transição” que começou em 1980 e não terminou até hoje.
6.Em 1980 o Brasil estava a caminho para
converter-se numa grande potência industrial. Então tivemos a crise da dívida
externa, a transição conservadora e os governos dos dois fernandos neoliberais.
Como resultado, o país foi se desindustrializando fortemente. Aí vieram os
governos Lula e Dilma, que tentaram colocar um freio e até reverter o processo
de desindustrialização. Tivemos então o golpe de 2016, os governos “temer” e
cavernícola. E de quase potência industrial viramos potência agroexportadora e
minérioexportadora, além de paraíso do capital financeiro, o país do "agro
é pop, deus, tudo".
7.Essa “grande transição” afetou tudo: mudou a composição
da classe dominante, mudou a composição e as condições de vida da classe
trabalhadora, mudou o ambiente político e cultural no Brasil. Foi nesse
ambiente que os neoliberais vieram e seguem atuando e chantageando. Foi em
reação a esse ambiente que a esquerda encabeçada pelo PT ganhou quatro eleições
presidenciais entre 2002 e 2014 e agora ganhou novamente. Foi também nesse
ambiente que os neofascistas vieram e ainda não foram embora.
8.Na eleição de 2022 impusemos uma derrota
eleitoral aos neofascistas. Mas falta muito por fazer. Os neofascistas, seus
nomeados e seus aliados continuam ocupando espaços importantes na administração
federal (como é o caso da presidência do BC); governam estados importantes
(como é o caso de RJ, MG e SP); controlam parte importante do Congresso
nacional, sem falar de prefeituras pelo país afora. Por isso, não basta a
vitória eleitoral de 2022: se faz necessário impor uma derrota política
completa aos neofascistas, o que supõe vencermos as batalhas eleitorais de 2024
e de 2026.
9.Não apenas derrotar politicamente, também é
necessário impor uma derrota militar ao neofascismo: trata-se, por exemplo, de
desarmar os grupos paramilitares e trata-se, também, de estabelecer outros
comandantes, outra cultura e outro padrão de funcionamento às forças armadas e
às polícias que foram colonizadas pelo neofascismo.
10.Não apenas derrotar política e militarmente, também
é necessário impor uma derrota cultural ao neofascismo: trata-se de construir,
na maioria da nossa população, uma cultura democrática, popular, socialista, ao
mesmo tempo nacionalista e internacionalista, antiimperialista e
latinoamericanista.
11.Não apenas derrotar política, militar e
culturalmente, mas também estrutural e institucionalmente: a maneira como funciona
o Estado brasileiro e seus marcos constitucionais foram incapazes de impedir o
surgimento do neofascismo; mais do que isso, chegaram a estimular a onda neofascista,
na exata medida em que estimularam o neoliberalismo. Ou alteramos a atual institucionalidade
e o conjunto da sociedade, ou a ameaça neofascista continuará presente, como
aliás o golpismo militarista esteve presente em toda a história republicana
brasileira.
12.Neste sentido, não cabe enxergar no
bonapartismo judicial uma alternativa idônea contra o neofascismo. Não haverá
superação do neofascismo, enquanto não houver superação do neoliberalismo, uma nova
institucionalidade, uma nova sociedade. E nada disso será produzido pelo
caminho da judicialização da política.
13.Por tudo isso e muito mais, uma grande questão
é saber se o governo que tomará posse no dia 1 de janeiro de 2023 será capaz de
servir de ponto de partida para uma nova “grande transição”, desta vez de
subpotência agro-minério-exportadora para uma verdade potência industrial de
novo tipo.
14.Para que isso ocorra, há muitas batalhas a
serem vencidas e muitas decisões a serem tomadas, entre elas a já citada
definição de uma política internacional que aposte na integração regional e nos
BRICS; a definição de uma política adequada para enfrentar a hegemonia ora neoliberal,
ora neofascista, nas chamadas instituições (STF, BC, Congresso, grande mídia,
forças armadas, grande empresariado); medidas práticas e imediatas que nos
permitam consolidar e ampliar apoios nos setores populares; e, de imediato, a
batalha da posse.
15.Sobre isso, seguem em curso as manifestações
da extrema direita, até agora sob o olhar cúmplice dos comandantes de boa parte
das forças de segurança e defesa. Não há, por enquanto, sinais de que as
manifestações possam converter-se em efetivo golpe. Mas mesmo não havendo golpe, se nada for
feito, a posse não será um passeio; e a ameaça golpista continuará assombrando a
política nacional, servindo como instrumento para a chantagem tanto das forças
armadas, quanto dos neoliberais, todos interessados em manter a impunidade e o usufruto
das benesses e lucros acumulados desde pelo menos 2016.
16.Todas as questões políticas tratadas
anteriormente dependem, no limite, de ampliar os níveis de consciência,
organização, mobilização e disposição de luta da classe trabalhadora. Noutras palavras,
a política depende da organização e vice-versa. Cabe, portanto, debater um
conjunto de medidas organizativas no plano do Partido, das frentes e dos movimentos.
17.Teremos pela frente uma longa disputa contra o
neofascismo e contra o neoliberalismo. Seguiremos enfrentando imensos desafios
de natureza orgânica, que dizem respeito a maneira como nos vinculamos com a
classe trabalhadora e que, correlatamente, dizem respeito a maneira como nos
organizamos.
18.Afinal, se por um lado o PT mais uma vez reafirmou
sua condição de partido de massas, sem o qual não haveria vitória contra o
neofascismo; por outro lado também é verdade que em nosso Partido, mas também em
todas as organizações de esquerda, há sintomas de degeneração, fadiga de
material e desorientação política e ideológica, que se expressam numa contaminação
neoliberal e num relaxamento socialdemocrata. Contra isso, é preciso adotar um
conjunto de medidas, inclusive organizativas.
19.A primeira dessas medidas: estimular a criação
de núcleos presenciais do Partido nos locais de trabalho, nos locais de estudo,
nos locais de moradia, nos espaços de cultura e lazer. Não basta ter presença
nas redes, é preciso ter presença física na vida cotidiana da classe
trabalhadora, participar de suas lutas, de suas entidades. Todo militante deve
estar ligado a algum organismo de massa e a algum organismo do Partido. É
preciso elaborar, implementar e avaliar de forma contínua um plano cotidiano de
trabalho junto as nossas bases sociais e eleitorais. Este é um dos caminhos
para que tenhamos um partido de militantes, não um partido de filiados ou de
eleitores.
20.Como parte da reconstrução de um partido
militante, é preciso lutar para que o PT retome a contribuição financeira
militante. E é preciso, para além desta medida essencialmente política, tenhamos
iniciativas que nos permitam dispor de mais recursos, tornando possível ter
centros culturais e outras iniciativas de massa em cada cidade
21.É preciso que as direções funcionem, em âmbito
nacional, em todos os estados, municípios e setores de atuação: reuniões periódicas,
análise da situação, divisão de tarefas, balanço do realizado. Este método por
si só não garante nada. Mas sem ele, nenhum dos problemas será efetivamente
resolvido.
22.É preciso impulsionar nossas atividades de
formação e comunicação, de forma a atingir o conjunto da base partidária,
social e eleitoral. Se quisermos ampliar a influência do PT, é preciso ter
presença institucional, é preciso ter presença nos movimentos sociais, é preciso
ter funcionamento adequado da máquina partidária, mas é preciso também e até
principalmente ter presença na batalha de ideias. E, como base para isto tudo,
é preciso que tenhamos mais capacidade coletiva de formulação acerca dos
grandes problemas do mundo, do continente e do Brasil.
23.Finalmente, é preciso enfrentar caso a caso,
com paciência e método, os problemas políticos e organizativos que impedem
nosso crescimento e/ou que reduzem nossa influência em vários estados e
cidades.
24.Nosso partido atua, no mais das vezes, em um
ambiente que geralmente é hostil para as posturas militantes e socialistas. Anos
de vida eleitoral e institucionalização partidária, as dificuldades dos
movimentos sociais, a influência de concepções neoliberais e desenvolvimentistas-conservadoras,
a perda da memória e da prática da vida coletiva, agravada pela
profissionalização de atividades que antes eram realizadas de forma militante,
tudo isso junto e misturado só será superado se houver um trabalho de “retificação”
do funcionamento do nosso Partido e, no que couber, das demais organizações da esquerda
partidária e social, com quem devemos buscar um trabalho cada vez mais
frentista.
25.A experiência prática confirmou todos os problemas
existentes na chamada “federação”. O resultado colhido pelo PSB, pelo PDT, pelo
PSOL, pelo PCdoB, por organizações como a UP, o PCB e o PSTU, assim como a tática
adotada pelo MST e a cisão na chamada Consulta Popular, reafirmaram o papel do
Partido dos Trabalhadores como principal referência partidária dos trabalhadores
com consciência de classe. Mas é preciso transformar referência em organização,
o que inclui convidar para ingressar no PT tanto militantes recém-chegados,
quando militantes que se deram conta dos limites dos projetos em que estão atualmente
engajados. Neste espírito, damos início agora a uma campanha nacional de
filiação ao Partido dos Trabalhadores.
26.Nossa campanha presidencial de 2022 foi vitoriosa
porque recebemos o apoio dos trabalhadores pobres, das mulheres trabalhadoras,
dos negros e negras com consciência de raça e classe, da intelectualidade
democrática, dos que lutam contra o fundamentalismo e contra todo tipo de preconceito,
dos povos indígenas e dos quilombolas, da juventude que ocupou um maravilhoso
espaço em todas as nossas manifestações, do “nordeste político-cultural” que
existe não apenas na região geográfica que chamamos de nordeste, mas no
“nordeste” que existe em cada região, estado e cidade de nosso país.
27.Nosso Partido precisa transformar essa base
social e eleitoral, que se mobilizou para conquistarmos o governo, em base
militante não apenas para defender o governo, mas também para conquistar o poder.
28.Defendemos que o Partido debata a fundo cada
uma destas questões e tantas outras que não citamos aqui. No que nos diz respeito,
enquanto tendência petista, dedicaremos a estas questões o nosso 8º Congresso Nacional.
E, acima de tudo, conclamamos os setores populares a sair às ruas, não apenas na
posse, mas principalmente na luta permanente por nossas reivindicações
imediatas e históricas.
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