sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Republicando texto antigo (mas que parece ter desaparecido)

“Por um Partido Lulista, Burguês e Reformista”: Resposta ao Presidente do PT-RJ

Publicado em 31 agosto 2017

https://jornalapatria.wordpress.com/2017/08/31/por-um-partido-lulista-burgues-e-reformista-resposta-ao-presidente-do-pt-rj/

Faz tempo que considero Washington Siqueira, vulgo Quaquá, um dos principais intelectuais orgânicos da atual maioria do PT.

Uma prova disto? Seu texto “Por um partido lulista, burguês e reformista!

O ponto de partida do texto é, segundo o autor, o debate sobre a “entrada de Renan Calheiros e de seu filho governador na caravana de Lula quando passou por Alagoas”.

Na verdade Quaquá não trava propriamente este debate. Seu texto nada diz sobre Renam, sobre o filho de Renam e sobre o que fizeram a favor do golpe. Sua (Quaquá) abordagem a respeito é pior que superficial.

Verdade que Quaquá critica, no seu texto, as elites.

Mas verdade, tambem, que ele faz isto baseado em lugares comuns.

Por exemplo: ele critica o “profundo descompromisso que as elites econômicas têm com a democracia e com o projeto inconcluso de construção da nação brasileira”.

Diz que o golpe parlamentar “compõe um quadro dramático de fascistização da sociedade e das instituições”.

Afirma que os “direitos e garantias liberais e burgueses foram suprimidos e um estado de exceção policialesco, comandado pelo aparelho judiciário, está em vigência”.

Estas frases usadas pelo presidente do PT do RJ constituem lugares comuns.

Na verdade, as elites tem um profundo compromisso com a democacia burguesa e com o seu (delas) projeto de nação.

O golpe parlamentar e tudo o mais constituem a regra, o modo normal de ser destas elites.

Os direitos e garantias liberais e burgueses não foram suprimidos, estão sendo aplicados. Em defesa delas e contra seus inimigos. Ou seja, contra a esquerda e contra a classe trabalhadora.

Curiosamente, por motivos que ficam claros mais adiante no seu texto, o presidente do PTRJ critica o republicanismo, mas parte do mesmo pressuposto do republicanismo: a defesa do Estado de Direito.

O respeito a este pressuposto contribui para garantir aos nossos inimigos o controle de instrumentos fundamentais para que eles nos governem, por bem ou por mal.

Ademais, esta maneira de enfocar o problema conduz a uma conclusão falsa. A saber: a de que o golpe foi dado por um grupo de criminosos, para tentar salvar suas cabeças, “postas na guilhotina pelo judiciário de exceção”; em troca, entregam à burguesia os direitos sociais e a soberania nacional.

Ou seja, segundo esta narrativa, o golpe não teria origem no grande capital. Mas sim num grupo de criminosos. Quando o correto seria dizer que o grande capital, para nos dar um golpe, recorreu a um grupo de criminosos. Como recorreu a Collor para nos derrotar em 1989.

Como veremos, apresentar os fatos desta maneira ajuda a construir o ambiente para o que Quaquá diz ao final de seu texto.

Mas para seguir adiante, Quaquá precisa responder algo. A saber: como o establishment político, “que esteve majoritariamente com o lulismo, de 2005 até 2013, nos abandonou em bloco?”

O problema poderia ser colocado noutros termos, a saber: por qual motivo as pessoas que hoje consideramos criminosos, ontem eram consideradas (por uma parte da esquerda) como nossos amigos?

Quaqua tenta responder isto falando que “uma tempestade perfeita se formou contra nós”.

De fato, foi uma tempestade perfeita.

Mas o uso deste termo serve para ocultar que aquela tempestade foi perfeita e previsível. E que os problemas vem desde o inicio do primeiro governo Lula.

Quaqua reconhece que o PT – e a esquerda – tiveram muita culpa na criação destes elementos que compuseram a tempestade perfeita.

Afirma, inclusive, que desde a Constituinte de 1988 “lideramos a montagem de um estado de exceção”.

O curioso, nesta como em outras passagens do texto, é que Quaquá concentra suas criticas na pequena burguesia.

Nas palavras dele: “o que temos de pior na sociedade brasileira: sua pequena burguesia, que consegue ser ainda pior que a burguesia, já que dela é um espelho e uma imagem falsificada”.

Segundo ele, repito, a classe dominante, os capitalistas, a burguesia, não são o pior que temos. O pior seria a pequena burguesia.

Quaqua chega a dizer o seguinte: “o extrato mais reacionário, antinacional e antipopular da sociedade brasileira: sua pequena burguesia! Dominaram e passaram, aos poucos, a comandar a nação”.

Se isto fosse verdade, nosso problema não seria mesmo ser a burguesia, pois quem comanda a nação teria passado a ser a pequena burguesia.

Como veremos ao final do texto de Quaqua, nada disto constitui um detalhe, uma frase errada.

Embora haja muitas frases erradas no texto do Quaqua, esta maneira de colocar o problema controi o pano de fundo para a conclusao final.

Verdade que no mesmo texto, Quaqua escreve que “nossa tática depois de 1989 e, em especial, no ano da vitória em 2002, foi a da conciliação de classe sem construção de retaguardas. Havia a crença de que era possível estabelecer um pacto social com a burguesia para um processo lento, gradual e seguro de mudanças sociais que, em médio prazo, nos levariam à construção do tão sonhado estado de bem estar social à brasileira”.

“Tática”? Certamente ele usa um termo inadequado.

Conciliação de classe sem construção de retaguardas? Ora, se houvesse realmente o construir de retaguardas, não se poderia chamar propriamente de conciliação de classe. No fundo Quaqua sugere exatamente isto: conciliação de classe com construção de retaguardas.

Um detalhe curioso desta passagem do texto reside no que se deixa de dizer. Vejam as frases: “havia a crença de que era possível estabelecer um pacto social com a burguesia para um processo lento, gradual e seguro de mudanças sociais que, em médio prazo, nos levariam à construção do tão sonhado estado de bem estar social à brasileira”.

Era este o nosso “sonho” (para usar o termo dele, que acho equivocado) em 1989?? Ou nosso objetivo era o socialismo?? Que foi deixado progressivamente de lado em favor da tentativa de construir um estado de bem estar social??

Notem que uma vez aceito este “detalhe” — trocar um “sonho” por outro — pode fazer sentido dizer que a pequena burguesia consegue ser ainda pior que a burguesia, pode fazer sentido falar em tatica no lugar de estrategia etc. Assim como pode fazer sentido dizer que o golpe foi feito pela… direita. Se abandonamos o socialismo, muda nossa maneira de ver o Capital e a burguesia.

Quaqua sugeriu que iria apontar os erros dos governos Lula e Dilma. Mas ao menos no texto que estamos analisando, ele faz outra coisa.

Segundo ele, “apesar de todos estes erros que vieram se acumulando no passado, a posse da poderosíssima máquina do governo federal, habilmente manejada pelo presidente Lula, garantia um pacto social que equilibrava as forças sociais e garantia uma vida melhor para todos”.

Mas “com a posse da presidenta Dilma sobre o aparelho de estado federal, perdeu-se a capacidade de equilibrar forças”.

Isto consiste em mais um lugar comum.

E, claro, trata-se de uma escolha adequada para quem prefere evitar qualquer critica ao Lula e ao chamado lulismo.

Para quem é Petista, não há como evitar tal critica?

Como fugir de responder o seguinte: por qual motivo, no momento em que eramos mais fortes, escolhemos “equilibrar as
as forças sociais”???

Afinal, o momento em que se devia desequilibrar estruturalmente o jogo a nosso favor era quando estavamos mais fortes.

Deixar de lado este fato e concentrar a critica no que teria ocorrido ou deixado de ocorrer no governo Dilma trata-se de algo facil, mas de pouca serventia para quem deseja ajudar a construir o futuro.

O mais impressionante nesta passagem do texto do Quaqua é que ele, sem perceber e sem querer, acaba explicando o golpe apenas e principalmente por nossos erros.

O golpe certamente foi vitorioso por causa de nossos erros. Mas sua causa real foi a necessidade que o grande capital tinha de retomar o controle completo do aparato de Estado, para fazer o que Temer vem fazendo.

Como Quaqua constroi outra narrativa, ele chega ao absurdo de reclamar e lamentar que não havia “ponte e pactos burgueses para amenizar a crise”.

Claro que inexistiam esta ponte e estes pactos. Mas inexistiam fundamentalmente porque a burguesia queria algo que um governo como o nosso estava impossibilitado de entregar. O que a burguesia queria? O que Temer vem fazendo.

Como Quaqua foge deste aspecto do problema, ele acaba preso numa armadilha mental, que se expressa na seguinte frase de seu texto: “Nós que enchemos o peito pra dizer que o próximo governo Lula tem que fazer as reformas que não fizemos nos primeiros anos, temos certeza de que a correlação de forças da sociedade permitirá isso? Basta vontade para fazer as reformas populares ou o buraco é mais embaixo?”

E qual resposta Quaquá mesmo apresenta para esta armadilha?

Por incrivel que possa parecer, a resposta consiste no seguinte: “quando atravessei o Rio São Francisco, de Sergipe para Penedo e, em Alagoas, encontramos Renan Calheiros e seu filho à espera do Lula e da sua Caravana, fiquei feliz! A vinda do Renan estabelece um novo passo na disputa política do Brasil. Um passo à frente diante da hegemonia golpista. É o primeiro peso-pesado do establishment político que se desloca para o nosso campo. Abre caminho pra outros e também daqui há pouco para setores da elite econômica”.

Notem a frase: Renam se “desloca para nosso campo”. E isso abre caminho para que daqui há pouco venham “setores da elite econômica”.

Vamos supor que isso seja verdade.

Pergunta: essa gente viria para “nosso campo” com que objetivos??? Eles viriam para nos ajudar a fazer outra política de “distribuição de renda e de afirmação da soberania nacional”???

Quaquá nos concede dizer que não podemos cometer “os erros dos nossos governos passados”.

Mas, segundo ele, nosso erro não foi “ampliar alianças. Nosso erro foi não ter organizado o povo para sustentar reformas mais potentes e impedir a sanha golpista de sempre da burguesia. Nosso erro foi não ter fortalecido o núcleo central de esquerda do governo, achando que as alianças eleitorais e congressistas eram suficientes…”

Ou seja, se o escrito acima vale, nosso erro teria sido acreditar que os aliados nunca se converteriam em criminosos.

Nosso erro teria sido, portanto, deixar de nos preparar para enfrentar e derrotar a sanha golpista de sempre da burguesia.

Mas se hoje sabemos disto, a burguesia igualmente sabe. E se eles sabem, por qual motivo eles nos deixariam seguir novamente o mesmo script que seguimos antes?

Gostariam eles de ver o mesmo filme, primeiro como tragédia, depois como farsa?

Parece surreal, ao menos considerando o que ocorreu em 1954, mas Quaqua tenta resolver o problema apresentado por ele mesmo, propondo que Lula repita Getulio Vargas, fazendo “dois movimentos sincronizados”.

As pessoas podem ler o texto do Quaquá abaixo e ver as palavras exatas dele. Mas para resumir o raciocinio, ao menos como entendi, para Quaqua tratar-se-ia de construir os equivalentes funcionais do que foram o PTB e o PSD.

O papel do PTB hoje seria assumido pelo PT e pela esquerda.

E o PSD?

Como Quaqua defende organizar a “influência lulista ao centro”?

Quaqua diz ser possível, em cada estado, “organizar as forças de centro-lulistas. Vi, nesta caravana do Nordeste, lideranças estaduais do PMDB, PSB, PP, e de tudo que é “P”, ávidas para receber apoio do Lula e apoiá-lo nas eleições de 2018. Um novo partido precisa surgir, nem que seja reformando um dos já existentes, para não ficarmos eternamente reféns do PMDB e dos “partidos de ajuntamento”. devíamos fazer como a direita faz, pegando um partido velho e colocando na oficina para reformar e mudar de nome. Devíamos operar seriamente a organização de uma nova agremiação, que talvez nasça maior até que o PT, e que seja a base das alianças com o establishment político-burguês. Fazer como Getúlio fez com o PSD. O presidente Lula deveria organizar diretamente um partido burguês para chamar de seu.”

Em parte Quaquá esta arrombando porta aberta. Vargas tentou e deu no que deu. E foi tentado fazer algo parecido, durante os governos Lula e Dilma, e deu no que deu.

Mas Quaqua defende algo ainda pior.

Ele defende que Lula deveria organizar “diretamente” um partido burguês para chamar de seu.

“Diretamente”.

Diz ainda que o Brasil precisa de um “novo partido burguês, com programa reformista mínimo, pactuando com as lideranças políticas regionais. Um partido que banque a proposta de uma nova constituinte e que avance na construção do estado burguês de bem estar social”..

O Brasil precisa mesmo disto?

A burguesia precisa mesmo que digamos o que ela deve fazer?

Devemos colocar Lula para organizar “diretamente” um partido burgues?

Alguem acredita que seja possivel um partido burgues que assuma o programa resumido por Quaqua?

Ou estamos diante do mesmo tipo de quimera que contribuiu para que setores do comunismo brasileiro se colocassem ao dispor de outra classe social?

Segundo meu ponto de vista, isto que Quaquá defende é irreal.

Mas se o PT visse a embarcar nisto, nosso partido poderia mesmo converter-se num simulacro do tal partido burgues, reformista e lulista que Quaqua acha que precisa existir.

Quaqua resumiu a tese central do que ele defende, nas seguintes frases: “O socialismo é uma aposta futura e de transição. Nesse período, a transição ainda é burguesa e o será por muitos anos. Por isso, é centro da estratégia política montar um partido lulista, burguês e reformista”!

Releiam a frase dita pelo Washington Quaquá: o “centro” de nossa “estratégia” deveria ser, segundo ele, montar um partido lulista, burguês e reformista!

Um detalhe curioso: acabamos de sair do congresso do Partido. Quaqua participou, foi inclusive eleito presidente estadual do PT RJ. Infelizmente nada foi dito acerca desta teoria segundo a qual vivemos um periodo onde “a transição ainda é burguesa e o será por muitos anos”.

Seja o que for que Quaqua pretenda dizer com todo este palavreado, o que importa mesmo pode ser resumido assim: o socialismo fica para o futuro, hoje devemos construir um programa burguês e reformista.

Se isto fosse mesmo levado a cabo, na melhor das hipóteses destruiria o PT. Na pior, desmoralizaria Lula e o Partido. Melhor usar de outra forma nossas energias.

Segue abaixo o texto criticado:

Por um partido lulista, burguês e reformista!

Washington Siqueira Quaquá

O título parece uma provocação. E é! Mas não no sentido negativo e sim no positivo de provocar o debate sobre nosso projeto político para o Brasil. A entrada de Renan Calheiros e de seu filho governador na caravana de Lula quando passou por Alagoas suscinta o debate sobre nossa política de alianças. Não há voto popular e democracia, sobretudo no nordeste, sem Lula.

O golpe de estado sob verniz parlamentar que sofremos no país, em 2016, evidencia a permanência do profundo descompromisso que as elites econômicas têm com a democracia e com o projeto inconcluso de construção da nação brasileira. O golpe parlamentar compõe um quadro dramático de fascistização da sociedade e das instituições. Os direitos e garantias liberais e burgueses foram suprimidos e um estado de exceção policialesco, comandado pelo aparelho judiciário, está em vigência.

Um forte aparelho midiático, comandado pela Rede Globo e pelas outras redes de TV de propriedade de poucas famílias bilionárias – associadas a um trabalho cirúrgico feito nas redes sociais, incitam, diariamente, o ódio ideológico e de classe contra a esquerda, compondo um ambiente social fascista. Recrutam, assim, seu exército social de combate das causas burguesas nas classes médias.

O establishment político executou o golpe a partir de um Congresso corrupto e de péssima qualidade política e moral. A diretoria do “sindicato do crime parlamentar”, presidida pela dupla Cunha/Temer, deu o golpe financiado pela grande burguesia estrangeira e seus parceiros na gerência dos negócios tupiniquins.

Juntou a fome com a vontade de comer. Ao se apossarem do governo federal, tomaram o controle dos fundos públicos para que pudessem roubar, sem qualquer pudor, de um lado; e por outro criaram perspectivas de tentar salvar suas cabeças, postas na guilhotina pelo judiciário de exceção. Assim, o estado policial e o judiciário de exceção passaram a perseguir e empastelar apenas a esquerda lulista e alguns aliados do passado. Em troca, entregam à burguesia os direitos sociais e a soberania nacional. Este é o estado da arte, como se diz na academia, ou o “estado do crime”, como bem quiserem.

Mas como o establishment político, que esteve majoritariamente com o lulismo, de 2005 até 2013, nos abandonou em bloco? Um tempestade perfeita se formou contra nós e, vou entrar aqui numa discussão que virou tabu entre nós, mas como eu não tenho língua pra guardar na boca, vou colocar clara minha avaliação do que ocorreu.

Para não cometer uma injustiça completa na avaliação do estopim dos problemas que nos levaram ao golpe de 2016, precisamos analisar o conjunto do material explosivo e ver que o PT – e a esquerda – tiveram muita culpa na criação destes elementos que compuseram a tempestade perfeita.

Vivemos os governos Lula e Dilma um republicanismo de dar inveja a um liberal inglês do século XVIII, na desesperada sanha de nos livrar das vergonhas patrimonialistas que, para alguns, só nossa tradição lusitana tem. E que seria a causadora de todos os nossos males, como se nenhum estado burguês fosse patrimonialista! Como era gostoso o meu inglês… ou francês… Há no fundo, nesta teoria republicanista, o sonho burguês e pequeno-burguês brasileiro de uma origem mais nobre.

Tratamos, desde a constituinte de 1988, de liderar a montagem de um estado de exceção, comandado pelo que temos de pior na sociedade brasileira: sua pequena burguesia, que consegue ser ainda pior que a burguesia, já que dela é um espelho e uma imagem falsificada.

Um Ministério Público poderosíssimo foi criado; um judiciário com superpoderes; tudo isso indecentemente caro aos cofres públicos e funcionalmente operado para atrapalhar o desenvolvimento nacional. Estes aparelhos, verdadeiros poderes moderadores, acima da vontade e do voto popular, foram entregues ao extrato mais reacionário, antinacional e antipopular da sociedade brasileira: sua pequena burguesia! Dominaram e passaram, aos poucos, a comandar a nação.

Também, temos que admitir que nunca assumimos, de verdade, como fez Leonel Brizola, uma briga frontal contra os meios de comunicação antinacionais e antipopulares, em especial a Rede Globo. Sequer construímos paralelamente nossas redes alternativas de comunicação com a prioridade de que essa tarefa exigia e exige!

Na verdade, nossa tática depois de 1989 e, em especial,
no ano da vitória em 2002, foi a da conciliação de classe sem construção de retaguardas. Havia a crença de que era possível estabelecer um pacto social com a burguesia para um processo lento, gradual e seguro de mudanças sociais que, em médio prazo, nos levariam à construção do tão sonhado estado de bem estar social à brasileira.

Não politizamos e nem organizamos suficientemente o povo. Perdemos uma geração inteira, durante os nossos governos, que mais degenerou gente, formando burocratas longe da luta social, do que forjou militantes da transformação social. É verdade que vivíamos já um longo período de descenso dos movimentos sociais, mas formar quadros aptos a governar não deixa de ter grande importância para a luta popular.

De certo, podíamos ter utilizado todo o aparato governamental para organizar a massa beneficiada por nossos programas sociais. Tivéssemos dez milhões de militantes organizados e politizados, a partir do Bolsa Família; Minha Casa Minha Vida; Prouni; Mais Médicos; etc… Se isso tivesse sido feito, a direita não conseguiria dar nenhum golpe. Fica a lição para o próximo governo Lula!

Mas, apesar de todos estes erros que vieram se acumulando no passado, a posse da poderosíssima máquina do governo federal, habilmente manejada pelo presidente Lula, garantia um pacto social que equilibrava as forças sociais e garantia uma vida melhor para todos.

Com a posse da presidenta Dilma sobre o aparelho de estado federal, perdeu-se a capacidade de equilibrar forças. Perdeu-se a capacidade de fazer política com os diversos atores econômicos e políticos. Uma arrogância desmedida tomou conta do centro de decisões. Perdemos o poder de articulação social e política, o único centro real de poder que dispúnhamos, que era a Presidência da República e a máquina poderosíssima do governo federal. Não tínhamos povo organizado para defender o legado das políticas públicas; e nem alianças no Congresso para nos sustentar; não havia ponte e pactos burgueses para amenizar a crise.

Isolados, por erros e arrogância, fomos facilmente derrotados por uma coalizão que ajudamos a unificar. Nós ajudamos a criar todas as condições para “a tempestade perfeita”. Mas disso falarei em outro artigo. Vamos ao que interessa aqui neste artigo. Do futuro!

Mas, afinal, teremos um próximo governo Lula? E se ele acontecer, haverá maioria no parlamento? Os movimentos sociais que hoje não tem força para barrar o golpe e a quebra de direitos históricos vai sustentar todas estas mudanças por nós pretendidas? Nós que enchemos o peito pra dizer que o próximo governo Lula tem que fazer as reformas que não fizemos nos primeiros anos, temos certeza de que a correlação de forças da sociedade permitirá isso? Basta vontade para fazer as reformas populares ou o buraco é mais embaixo?

Por isso que, quando atravessei o Rio São Francisco, de Sergipe para Penedo e, em Alagoas, encontramos Renan Calheiros e seu filho à espera do Lula e da sua Caravana, fiquei feliz! A vinda do Renan estabelece um novo passo na disputa política do Brasil. Um passo à frente diante da hegemonia golpista. É o primeiro peso-pesado do establishment político que se desloca para o nosso campo. Abre caminho pra outros e também daqui há pouco para setores da elite econômica.

Porque não se ganha eleição e não se governa sem conseguir deslocar uma parte da elite política e econômica. Não estamos brincando de disputar eleição. Não estamos marcando posição ideológica. Estamos disputando uma eleição para decidir os destinos do povo brasileiro e da nação. Precisamos ganhar e governar para fazer outra política de distribuição de renda e de afirmação da soberania nacional. Para reconstruir a trajetória democrática e popular. Não se trata de luta do bem contra o mal. O jogo da vida não é simples assim, como um desenho de super herói…

É claro que não podemos cometer os erros dos nossos governos passados. Mas nosso erro não foi ampliar alianças. Nosso erro foi não ter organizado o povo para sustentar reformas mais potentes e impedir a sanha golpista de sempre da burguesia. Nosso erro foi não ter fortalecido o núcleo central de esquerda do governo, achando que as alianças eleitorais e congressistas eram suficientes…

Fazer autocrítica é necessário, mas com o devido rigor para não jogar a criança fora junto a água do banho.

Lula é maior do que o PT e a esquerda. Lula é o único pólo catalizador que pode permitir que, neste engenho colonial devorador de gente, retomando mais uma vez o universo de entendimento de Darcy Ribeiro, se construa um país de verdade. Que nesta máquina de moer carne humana, pobre, negra, indígena, que se chamou de Brasil, se construa de fato uma nação soberana e mais justa, onde o povo possa exercer seu desejo natural de felicidade.

Para isso, o Presidente Lula deveria trabalhar em dois movimentos sincronizados, usando o exemplo de Getúlio Vargas. O Presidente Lula devia reorganizar a política brasileira utilizando toda a sua força popular. Pela esquerda, já há uma movimentação grande de revitalização do PT e dos partidos da área de influência lulista; de constituição da Frente Brasil Popular, etc. E ele tem tido uma generosidade imensa e um papel fundamental neste processo de revitalização do PT.

É preciso fortalecer e avançar na organização e na potencialização da esquerda. O PT, o partido de Lula, a base e o coração do lulismo, devem se equipar, saber liderar coalizões políticas e organizativas para se tornar, cada vez mais o intelectual coletivo e o coordenador pedagógico do “pobretariado brasileiro”. O partido líder de uma ampla coalizão de partidos de esquerda, movimentos sociais e personalidades que comandam a construção da nova, justa e potente nação brasileira sob a liderança do Presidente Lula.

Mas há também a necessidade de se organizar a influência lulista ao centro. É possível, em cada estado, organizar as forças de centro-lulistas. Vi, nesta caravana do Nordeste, lideranças estaduais do PMDB, PSB, PP, e de tudo que é “P”, ávidas para receber apoio do Lula e apoiá-lo nas eleições de 2018. Um novo partido precisa surgir, nem que seja reformando um dos já existentes, para não ficarmos eternamente reféns do PMDB e dos “partidos de ajuntamento”. devíamos fazer como a direita faz, pegando um partido velho e colocando na oficina para reformar e mudar de nome. Devíamos operar seriamente a organização de uma nova agremiação, que talvez nasça maior até que o PT, e que seja a base das alianças com o establishment político-burguês. Fazer como Getúlio fez com o PSD. O presidente Lula deveria organizar diretamente um partido burguês para chamar de seu.

O Brasil precisa de um novo partido burguês, com programa reformista mínimo, pactuando com as lideranças políticas regionais. Um partido que banque a proposta de uma nova constituinte e que avance na construção do estado burguês de bem estar social. O socialismo é uma aposta futura e de transição. Nesse período, a transição ainda é burguesa e o será por muitos anos. Por isso, é centro da estratégia política montar um partido lulista, burguês e reformista!

Washington Quaquá é presidente estadual do PT RJ e foi prefeito de Maricá por oito anos (dois mandatos), elegendo o sucessor.

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