Numa reunião recente, de avaliação do ato de lançamento do plano de reconstrução e transformação do Brasil, um importante dirigente do Partido disse que em política existem situação, oposição e Requião.
Lembrei da
frase, ao ler o artigo assinado por Requião e divulgado há pouco no Brasil 247, artigo cujo
título é “Teria o PT se transformado no Partidão?”
O referido texto está no seguinte endereço:
https://www.brasil247.com/blog/teria-o-pt-se-transformado-no-partidao
Como é
curto, transcrevo na íntegra abaixo:
“No dia 21 de setembro, às vésperas da primavera (algum
simbolismo?), participei também do
lançamento do “Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil” proposto pelo
PT. E, mais uma vez, fiquei com a sensação da incompletude, de que minha fome,
voracíssima fome, por um programa revolucionário, verdadeiramente transformador
para as nossas desgraças tão antigas e encrostadas, ficou na vontade de comer”.
“Ah, diriam: não é um programa, é um plano. Tipo assim a
Carta aos Brasileiros, que era um plano para quebrar as resistências das elites
conservadoras e vencer as eleições e que se tornou o programa dos governos do
PT?”
“(Desculpem o mau jeito. Talvez devesse começar o texto
elogiando os aspectos positivos do texto, que os há às pencas, para só depois
fazer reparos. Mas, vamos em frente.)”
“Por exemplo, gostaria de entender se os tais pressupostos da
macroeconomia, aquele trio famoso, são apenas parte de um plano ou são
elementos fundantes de um programa”.
“(Ou seriam os pressupostos macroeconômicos uma entidade que
paira acima das terrenas disputas político-ideológicas, etérea e intocada lá
nos céus das verdades eternas?)”
“Enfim, o que eu quero dizer é que não existe -porque nunca
existiu nos governos do PT- essa distinção entre plano e programa. Uma coisa é
outra coisa, e outra coisa é a primeira coisa. Tudo misturado e batido, a mesma
coisa.”
“Se não tocamos nos pressupostos, esses sacralíssimos
bovinos, o que nos resta, então? Se não temos uma política radical de reversão
de todas! as privatizações; de recuperação de cem por cento do pré-sal; de
revogação de todas as reformas e medidas lesivas aos interesses dos trabalhadores
e aos interesses nacionais; se o capitalismo financeiro continuar correndo
solto, sem o bridão do Estado; se não recuperarmos total e incondicionalmente a
soberania nacional sobre o solo e o subsolo, sobre o ar, os mares, os rios, as
florestas; se isso e muito mais, o que nos resta?”
“Resta-nos a generosidade das políticas compensatórias e
identitárias. Enfim, fazer cócegas, se tanto, nas crostas insensíveis do
monstro. Não mais que isso.”
“(Com tristeza d’alma e aperto no coração, vejo que é
proporcional o aumento de espaço na agenda da esquerda para as políticas
identitárias à diminuição do espaço para as propostas de transformação
revolucionária da sociedade brasileira. E há todo um esforço, que não diria
assim tão inocente, de substituir as lutas dos trabalhadores e das periferias
pobres por comida, moradia, salário, saneamento, saúde, educação, segurança
dignidade, por bandeiras políticas distantes das emergências de suas
desgraças.)”
“Os mais jovens não se lembram, mas nós, os mais velhos e a
geração dos anos 80, deveriam dar uma espiada na história, para recordar. Como surge o PT e como se forma a ala dos
autênticos do MDB? Frutos do que fomos, quem emulamos, com quem litigiamos e
demandamos para florescer? Com o PCB. O Partidão viu o seu quase monopólio
sobre a esquerda brasileira esfarelar-se por causa de suas posições
reformistas, frentistas, amplas e conciliatórias.”
“Por que descaminhos se perderam os revolucionários dos anos
80?”
“Outra coisa: um plano com 210 páginas?
“(Mais uma aproximação com o antigo Partidão, que vivia
sempre o dilema de ser um partido de quadros ou um partido de massas. Um plano
com 210 páginas é para um partido de quadros. É isso, então?)”
“Desculpem-me a sinceridade, mas redigi este texto com a
mesma franqueza com que o Papa Francisco combate o domínio absoluto do capital
financeiro sobre a humanidade. O longo, o longuíssimo texto do Plano não
transmitiu ao povo brasileiro aquele sentimento de esperança e de mudança
imprescindível, conditio sine qua, para insufla-lo.”
“O que haverá de mobilizar os brasileiros, os trabalhadores,
os assalariados de todas as classes, as massas pobres e deserdadas da cidade e
do campo, as cada vez mais empobrecidas camadas médias se não fortes,
peremptórios e sinceros acenos de mudança?”
“Amigos, companheiros, camaradas são as minhas aflições. Relevem as amarguras e as angústias deste velho companheiro. Mas, pensem no que ele disse”.
Ao ler este texto, eu fico me perguntando: a que ponto nós chegamos?
Afinal, não é de hoje que o PT recebe este tipo de crítica, vinda de partidos (real ou nominalmente) à nossa esquerda.
Mas é, digamos, um pouco impactante ler tudo isso, vindo de alguém que passou os últimos 40 anos no PMDB-MDB, convivendo com Sarney, com Temer e outros de igual quilate.
(Aliás, recordo de uma visita que fiz ao então governador Requião, acompanhando uma delegação do Departamento América do PC cubano. Com o mesmo estilo sincero, o anfitrião reclamou de-não-sei-o-quê do PT e eu respondi ter certeza que ele, como peemedebista, entendia bem mais do que eu as diferenças que existem em um partido.)
Mas enfim, deixemos
de lado o mensageiro e prestemos atenção na mensagem.
Igual ao que diz Requião, acho que o Plano de reconstrução e transformação tem muita coisa positiva.
A começar pelo fato de que foi lançado num momento de campanha municipal, quando muita gente tenta desvincular o local do nacional.
Ademais, demarca com o conjunto da política cavernícola, defendendo a soberania, as liberdades, os direitos e o desenvolvimento.
Uma defesa do povo e do futuro, contra aquilo que está nos levando em direção ao passado.
Agora, concordo que o plano é mais de “reconstrução”, do que de “transformação” (e isso é em si mesmo uma contradição, pois na atual situação não dá para reconstruir sem transformar).
Além disso, embora tenha colocado o legado no anexo, o plano é fortemente prisioneiro da lógica que prevaleceu em 2002 (pois de fato não defende rupturas estruturais, naquilo que é o essencial: a propriedade e o poder).
Refiro-me, por exemplo, ao que se diz e ao que não se diz acerca do setor financeiro, do agronegócio, das estatais privatizadas e sob ameaça de privatização.
Refiro-me, também, ao fato de que o plano não enfrenta o tema das forças armadas (nem ao menos repete aquilo que o partido já tem acumulado a respeito, por exemplo a mudança no artigo 142 da Constituição e as decisões da Comissão Nacional da Verdade).
Ocorre que não estamos numa situação parecida com a de 2002. Portanto, não é bom caminho repetir a lógica adotada na época ou algo parecido com ela.
Em resumo, penso que o plano apresentado ao país no último dia 21 de setembro contém um programa bem pouco desenvolvimentista e quase nada socialista (isso apesar da
palavra desenvolvimento aparecer 188 vezes no texto, enquanto a palavra socialismo
aparece acho que umas duas vezes).
Acontece que desenvolvimento, especialmente um desenvolvimento de novo tipo, exige um alto nível de enfrentamento com o imperialismo, com o capital financeiro, com a lógica primário-exportadora e, em particular, com o poder das classes dominantes.
E, nesse sentido, o plano deixa a desejar.
Por exemplo: quando fazemos a busca da palavra “capitalismo” no programa, descobrimos que se fala uma vez de “capitalismo de vigilância”; outra vez se diz que o capitalismo precisa de um sistema de crédito; e as restantes oito vezes se fala de “capitalismo neoliberal”.
Para bom entendedor, meia palavra basta: o objetivo do plano de reconstrução e transformação é construir no Brasil outro tipo de capitalismo.
É por isso que, no debate travado no Diretório Nacional do PT, foram derrotadas as várias propostas que defendiam explicitar, como fio organizador deste plano, a construção de um Brasil democrático, popular e socialista.
Nesse
sentido, penso que Requião tem certa razão: a lógica que anima este plano é parecida
com a que animava o velho Partidão.
O que Requião não leva em devida consideração, na sua crítica, é que o fantasma do partidão ronda o PT faz muito tempo.
Por exemplo, lembro que num texto escrito em dezembro de 1992, texto intitulado “Noventa e três e os próximos anos”, eu comecei dizendo o seguinte: “Um fantasma ronda o PT: o fantasma do comunismo. Não o comunismo de que falava Marx, mas sim um comunismo pragmático, eleitoreiro, reformista, típico do velho Partidão”.
Agora, trinta anos depois, pergunto: e por acaso poderia ser diferente? Seria (ou será) possível construir um partido socialista de massas no Brasil, sem conviver com as “tentações” da conciliação de classe?
Quem achava que seria possível, ou não entrou no PT, ou em algum momento saiu dele. E não me consta que tenham conseguido resultados superiores aos obtidos pelo PT, desde 1980 até agora.
Entretanto, assim como não há mal que nunca se acabe, também não há bem que sempre dure. A atual situação histórica coloca o PT diante de situações que ele nunca viveu antes. Erros antigos, aos quais sobrevivemos, agora podem ser fatais. Especialmente por isto, considero que as críticas de Requião são muito bem-vindas. Embora eu realmente não consiga entender o seu, digamos, "lugar de fala".
Quem diria, será necessário um puxão de orelhas por parte do Requião para que a direção do PT acorde? Se acordar, darei meus parabéns ao Requião, já que não se escuta Seus próprios pares internos.
ResponderExcluirSim, a linha política do PT vai de mal a pior. A cada nova tentativa mais se rebaixa o programa que deu origem ao PT.
Isso tudo justifica posturas de aliança nas eleições desde 2002. Eu cheguei até a acreditar que todo esse processo que estamos vivendo desde 2014 trouxesse uma mudança radical no partido, mas parece que estamos mesmo é nos alinhando mais e mais a algo do tipo “neoliberalismo de esquerda”.
Só me resta aplaudir seu comentário.
ExcluirRequião é aquele cara, do Paraná, seu ex-governador, e que comeu sementes de mamona pensando que fosse amendoim. Deve ser levado muito a sério.
ResponderExcluirMas até quando será que vai resistir dentro do seu glorioso MDB? Até a morte do PT? Mai um, de olho no suposto espólio do PT. O programa do PT foi sincero e aberto à discussão e contribuições, inclusive e principalmente para aqueles que para o seu lançamento foram convidados de participar. Requião preferiu atacar pelas costas. Ingenuidade da direção do PT? Pode ser. Da próxima vez que convide pessoas honestas.