quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Venezuela: o papo (quase) reto de Roberto Robaina

Roberto Robaina é do PSOL.

Mais precisamente, da tendência MES.

Que, segundo dizem os entendidos em PSOL, seria parte da ala esquerda daquele partido.

Segundo Robaina, a “posição da diplomacia brasileira sobre a crise da Venezuela é muito inteligente”. 

É uma posição “de difícil execução, mas a única que poderia ser adotada capaz de preservar a defesa das liberdades democráticas e a soberania do processo eleitoral, não fazendo, tampouco, o jogo da extrema direita”.

Seria diferente da “posição da direção nacional do PT", que segundo Robaina "é de respaldo incondicional ao presidente Maduro e a legitimidade de sua reeleição”.

Sempre segundo Robaina, a posição da diplomacia brasileira “busca colocar o Brasil num lugar que lhe permita mediar o conflito”.

A partir deste ponto, Robaina começa um exercício de interpretação, que vou resumir abaixo a meu modo (na dúvida, confiram a versão original). 

Para Robaina, mediar o conflito seria “evitar uma guerra civil”.

Mas atenção: esta guerra civil poderia ter como pólos “uma insurreição cuja direção seja da extrema direita ultraliberal e um autogolpe do próprio Maduro”.

Ou seja: tratamento equivalente às partes.

Robaina especula, ainda, o seguinte: uma “hipótese em que a diplomacia certamente está trabalhando seria a substituição do governo Maduro via um processo de negociação e transição que permita anistia, exílio, manutenção de privilégios à cúpula militar etc.”

"Certamente", nessa "hipótese", a equivalência some.

"Anistia" e "exílio" são para os apoiadores do governo. Nada se fala sobre o destino da oposição de extrema direita. 

Para Robaina, a hipótese de substituição do governo Maduro poderia “se fortalecer à medida em que as mobilizações populares cresçam e que exista um polo diplomático capaz de ser um mediador, justamente o lugar que o Brasil quer ocupar”. 

Mobilização popular, pelo menos até agora, foram as guaribas promovidas pelo crime e pela extrema-direita. 

Substituição do governo Maduro por quem? Não se explicita.

Robaina especula sobre qual seria a posição dos EUA. 

Segundo Robaina, “a ligação telefônica entre Lula e Biden mostra que os EUA têm também interesse nesse papel do Brasil – consciente de que  a simples derrubada do governo é uma hipótese cuja realização é muito difícil, tem alto custo humano, político e econômico". 

Notem o que está escrito: por este caminho proposto por Robaina não teríamos uma “simples derrubada do governo Maduro”.

De fato! Seria uma derrubada. Só não seria “simples”. 

Notem, também, uma nova equivalência. Antes seria entre Maduro e a extrema-direita. Agora, seria entre Brasil e EUA: "para os EUA, a saída negociada pode ser também a melhor”. 

A candura de Robaina para com o imperialismo se estende à oposição venezuelana. 

Segundo Robaina, se “Lula consegue essa posição, mesmo a direita da Venezuela terá que ressaltar seu papel de mediadora e irá enfraquecer o discurso anti-Lula da extrema direita – e mesmo da ignorante e/ou reacionária burguesia liberal e sua mídia corporativa que ataca Lula".

Ou seja: segundo interpreto eu, Robaina acredita que se Lula agisse como Boric, a direita trataria Lula bem. 

(Que com Boric não aconteça assim isto, deve ser porque é Boric, ou porque é o Chile, ou por algum motivo misterioso qualquer.)

Robaina apresenta mais alguns argumentos, que podem ser verificados diretamente no texto, que está no endereço abaixo:

https://movimentorevista.com.br/2024/07/uma-breve-nota-sobre-venezuela/

Deles, destaco a afirmação com que Robaina fecha seu texto: “o sucesso da via diplomática, aliás, seria justamente reverter o fluxo migratório, permitindo que milhões de venezuelanos voltem para suas casas e suas famílias. Eis o que seria uma vitória para o povo da Venezuela.”

Traduzindo em papo reto,com palavras que tenho impressão de já ter ouvido em alguma campanha da direita: "Tiremos Maduro, acabemos com a instabilidade e milhões poderão voltar às suas casas!"

(As aspas acima não são de Robaina.)

Três comentários finais.

Primeiro, lamento que Robaina não tenha assumido para si a paternidade daquilo que ele atribui à diplomacia brasileira. Mas entendo sua postura. Trata-se daquele tipo de recato que leva certas pessoas a atribuírem algumas de suas realizações a terceiros.

Segundo, agradeço a Robaina por seu papo quase reto. Graças a isso, fica demonstrado que uma parte dos que pedem atas, na verdade já "apuraram" a eleição e já estão compondo outro governo.

Terceiro, comprova-se mais uma vez que o mundo é redondo. O que faz com que, começando pela esquerda, se possa terminar na extrema-direita.

Pois como sabe todo mundo, se vingar a proposta de Robaina, o que virá não será um governo de esquerda, nem de centro-esquerda, nem de centro, nem mesmo de direita.

Robaina, claro, não acha que isto faça o "o jogo da extrema direita”. 

Mas como Robaina mesmo disse, faz o jogo dos EUA, para quem "a simples derrubada do governo é uma hipótese cuja realização é muito difícil, tem alto custo humano, político e econômico".

E depois de derrubado o governo, não tenho dúvida sobre quem será chamado para por ordem em casa. 

Motivo pelo qual a proposta de Robaina é útil para a extrema-direita. Não sei por qual motivo não me surpreendo com isso.



 

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