O texto abaixo é a contribuição da tendência petista Articulação de Esquerda ao debate político geral na reunião do Diretório Nacional do PT de 8 de dezembro. Sobre o tema da transição e composição do governo, nos manifestaremos noutro documento.
GARANTIR A POSSE E INICIAR IMEDIATAMENTE AS TRANSFORMAÇÕES
1/A eleição de Lula, no segundo turno das eleições presidenciais de 2022, é um fato de imensa importância. Do ponto de vista mundial, permite engajar o Brasil na construção de uma ordem baseada na paz, no desenvolvimento e no atendimento às necessidades dos povos. Do ponto de vista continental, permite retomar, ainda que em novas bases, o processo de integração regional que estava em curso antes da crise de 2008 e da ofensiva das forças de direita. Do ponto de vista nacional, torna possível interromper o retrocesso e cria melhores condições para lutarmos por transformações profundas em nossa sociedade, em benefício das classes trabalhadoras. E do ponto de vista imediato, impede o que aconteceria em caso de vitória da extrema-direita: uma escalada repressiva e violenta contra as forças democráticas, populares e socialistas.
2/A grande responsável por nossa vitória foi a militância que foi às ruas defender a eleição de Lula e das demais candidaturas das forças democráticas e populares, em particular das candidaturas petistas. Por isso, constitui uma obrigação dirigir o mais profundo agradecimento a cada militante, assim como a cada eleitor e eleitora que no dia 30 de outubro compareceu às urnas para votar 13. Foram estas pessoas, na sua maioria integrantes dos setores mais pobres da nossa classe, negros e negras, mulheres, moradores da periferia, trabalhadores e trabalhadoras com consciência de classe, residentes em todos os cantos de nosso país, mas especialmente nordestinos de moradia e de coração, que nos permitiram conquistar esta vitória. É graças a todos e todas que hoje podemos dizer: vencemos!
3/Desde o dia seguinte à vitória, assistimos a dois movimentos opostos: os vencedores, ocupados com a transição, a posse, a composição do novo governo e a discussão das medidas emergenciais; e parte dos derrotados, defendendo intervenção militar e fazendo ao final do governo o que fizeram desde o golpe de 2016: sabotar as condições de vida do povo. É nesse ambiente que reunimos o Diretório Nacional do Partido os Trabalhadores, para definir suas posições acerca da transição, definir suas prioridades para a composição do futuro governo e debater suas primeiras medidas. Ao mesmo tempo, o Diretório Nacional dá início ao debate sobre o balanço do conjunto do processo eleitoral, sobre nossa linha política nacional e internacional para o período aberto com a vitória eleitoral, assim como ao debate sobre as medidas organizativas decorrentes, no plano do Partido, das frentes e dos movimentos.
4/O balanço das eleições não é algo trivial. Trata-se de analisar o resultado da eleição presidencial, mas também das eleições para governos estaduais e das eleições parlamentares. Com esta finalidade, o Partido determina à Fundação Perseu Abramo que organize o processo de balanço.
5/A definição de nossa política nacional e internacional para o período aberto com a vitória eleitoral vai muito além da discussão sobre a transição, a posse e o futuro governo. E exige, como ponto de partida, entender que 2023 não é 2003. A situação internacional segue tempestuosa. A guerra entre Ucrânia e Rússia é parte integrante da guerra estratégica entre Estados Unidos e China. Esta guerra possui dimensões militares, políticas, sociais, econômicas, ambientais e ideológicas. E repercute de diferentes maneiras em cada região do planeta. O governo brasileiro que toma posse no dia 1 de janeiro de 2023 precisará de uma política nacional e internacional que nos permita, no contexto desta guerra global, converter nossa região num dos polos do mundo. E para isso não basta prestígio diplomático, nem tampouco basta ser um grande exportador de primários; para ser um dos polos do mundo, é necessário poder real, o que inclui capacidade científica, tecnológica, industrial.
6/Em 1980 o Brasil estava a caminho para converter-se numa grande potência industrial. Então tivemos a crise da dívida externa, a transição conservadora e os governos dos dois fernandos neoliberais. Como resultado, o país foi se desindustrializando fortemente. Aí vieram os governos Lula e Dilma, que tentaram colocar um freio e até reverter o processo de desindustrialização. Tivemos então o golpe de 2016 e os decorrentes governos golpistas. E de quase potência industrial viramos potência agroexportadora e minério-exportadora, além de paraíso do capital financeiro. Essa “grande transição” afetou tudo: mudou a composição da classe dominante, mudou a composição e as condições de vida da classe trabalhadora, mudou o ambiente político e cultural no Brasil. Foi nesse ambiente que os neoliberais vieram e seguem atuando e chantageando. Foi em reação a esse ambiente que a esquerda encabeçada pelo PT ganhou quatro eleições presidenciais entre 2002 e 2014 e agora ganhou novamente. Foi também nesse ambiente que os neofascistas vieram e ainda não foram embora.
7/Na eleição de 2022 impusemos uma derrota eleitoral aos neofascistas. Mas falta muito por fazer. Os neofascistas, seus nomeados e seus aliados continuam ocupando espaços importantes na administração federal; governam estados importantes; controlam parte importante do Congresso nacional, sem falar de prefeituras pelo país afora. Por isso, não basta a vitória eleitoral de 2022: se faz necessário impor uma derrota política completa aos neofascistas, o que supõe vencermos as batalhas eleitorais de 2024 e de 2026; desarmar os grupos paramilitares e trata-se, também, de estabelecer outros comandantes, outra cultura e outro padrão de funcionamento às forças armadas e às polícias que foram colonizadas pelo neofascismo; construir, na maioria da nossa população, uma cultura democrática, popular, socialista, ao mesmo tempo nacionalista e internacionalista, antiimperialista e latinoamericanista. Tudo isso como parte de uma transformação estrutural e institucional da sociedade brasileira. A maneira como funciona o Estado brasileiro e seus marcos constitucionais foram incapazes de impedir o surgimento do neofascismo; mais do que isso, chegaram a estimular a onda neofascista, na exata medida em que estimularam o neoliberalismo. Ou alteramos a atual institucionalidade e o conjunto da sociedade, ou a ameaça neofascista continuará presente, como aliás o golpismo militarista esteve presente em toda a história republicana brasileira. Neste sentido, não cabe enxergar no bonapartismo judicial uma alternativa idônea contra o neofascismo. Não haverá superação do neofascismo, enquanto não houver superação do neoliberalismo, uma nova institucionalidade, uma nova sociedade. E nada disso será produzido pelo caminho da judicialização da política.
8/Por tudo isso e muito mais, um dos grandes desafios do governo que tomará posse no dia 1 de janeiro de 2023 é servir de ponto de partida para uma nova “grande transição”, desta vez de subpotência agro-minério-exportadora para uma verdade potência industrial de novo tipo. Para que isso ocorra, há muitas batalhas a serem vencidas e muitas decisões a serem tomadas, entre elas a já citada definição de uma política internacional que aposte na integração regional e nos BRICS; a definição de uma política adequada para enfrentar a hegemonia ora neoliberal, ora neofascista, nas chamadas “instituições”; medidas práticas e imediatas que nos permitam consolidar e ampliar apoios nos setores populares; e, de imediato, a batalha da posse.
9/Sobre isso, seguem em curso as manifestações da extrema direita, até agora sob o olhar cúmplice dos comandantes de parte das forças de segurança e defesa. Não há, por enquanto, sinais de que as manifestações possam converter-se em algo além de instrumento para a chantagem, tanto das forças armadas, quanto dos neoliberais, todos interessados em manter a impunidade e o usufruto das benesses e lucros acumulados desde pelo menos 2016. Entretanto, não se deve minimizar o movimento golpista e é preciso ampla mobilização popular para respaldar a posse no dia 1 de janeiro.
10/Teremos pela frente uma longa disputa contra o neofascismo e contra o neoliberalismo. Seguiremos enfrentando imensos desafios de natureza orgânica, que dizem respeito a maneira como nos vinculamos com a classe trabalhadora e que, correlatamente, dizem respeito a maneira como nos organizamos. Afinal, se por um lado o PT mais uma vez reafirmou sua condição de partido de massas, sem o qual não haveria vitória contra o neofascismo; por outro lado também é verdade que em nosso Partido acumulam-se problemas e debilidades imensas. Vamos lembrar que ganhamos quatro eleições presidenciais, mas não fomos capazes de impedir o golpe de 2016. Também pensando nisso, é preciso adotar um conjunto de medidas, inclusive organizativas.
11/A primeira dessas medidas: estimular a criação de núcleos presenciais do Partido nos locais de trabalho, nos locais de estudo, nos locais de moradia, nos espaços de cultura e lazer. Não basta ter presença nas redes, é preciso ter presença física na vida cotidiana da classe trabalhadora, participar de suas lutas, de suas entidades. Todo militante deve estar ligado a algum organismo de massa e a algum organismo do Partido. É preciso elaborar, implementar e avaliar de forma contínua um plano cotidiano de trabalho junto as nossas bases sociais e eleitorais. Este é um dos caminhos para que tenhamos um partido de militantes, não um partido de filiados ou de eleitores. Como parte da reconstrução de um partido militante, é preciso que o PT retome a contribuição financeira militante. E é preciso, para além desta medida essencialmente política, tenhamos iniciativas que nos permitam dispor de mais recursos, tornando possível ter sedes (que funcionem como centros culturais) e outras iniciativas de massa permanentes em cada cidade
12/É preciso que as direções funcionem, em âmbito nacional, em todos os estados, municípios e setores de atuação: reuniões periódicas, análise da situação, divisão de tarefas, balanço do realizado. Este método por si só não garante nada. Mas sem ele, nenhum dos problemas será efetivamente resolvido. É preciso impulsionar nossas atividades de formação e comunicação, de forma a atingir o conjunto da base partidária, social e eleitoral. Se quisermos ampliar a influência do PT, é preciso ter presença institucional, é preciso ter presença nos movimentos sociais, é preciso ter funcionamento adequado da máquina partidária, mas é preciso também e até principalmente ter presença na batalha de ideias. E, como base para isto tudo, é preciso que tenhamos mais capacidade coletiva de formulação acerca dos grandes problemas do mundo, do continente e do Brasil. Finalmente, é preciso enfrentar caso a caso, com paciência e método, os problemas políticos e organizativos que impedem nosso crescimento e/ou que reduzem nossa influência em vários estados e cidades.
13/Nosso partido atua, no mais das vezes, em um ambiente que geralmente é hostil para as posturas militantes e socialistas. Anos de vida eleitoral e institucionalização partidária, as dificuldades dos movimentos sociais, a influência de concepções neoliberais e desenvolvimentistas-conservadoras, a perda da memória e da prática da vida coletiva, agravada pela profissionalização de atividades que antes eram realizadas de forma militante, tudo isso junto e misturado só será superado se houver um trabalho de “retificação” do funcionamento do nosso Partido e, no que couber, das demais organizações da esquerda partidária e social, com quem devemos buscar um trabalho cada vez mais frentista. Nossa história, inclusive nossa luta desde o golpe de 2016, reafirmaram o papel do Partido dos Trabalhadores como principal referência partidária dos trabalhadores com consciência de classe. Mas é preciso transformar referência em organização, o que inclui convidar para ingressar no PT a militância que foi às ruas. Neste espírito, damos início agora a uma campanha nacional de filiação ao Partido dos Trabalhadores. Nossa campanha presidencial de 2022 foi vitoriosa porque recebemos o apoio dos trabalhadores pobres, das mulheres trabalhadoras, dos negros e negras com consciência de raça e classe, da intelectualidade democrática, dos que lutam contra o fundamentalismo e contra todo tipo de preconceito, dos povos indígenas e dos quilombolas, da juventude que ocupou um maravilhoso espaço em todas as nossas manifestações, do “nordeste político-cultural” que existe não apenas na região geográfica que chamamos de nordeste, mas no “nordeste” que existe em cada região, estado e cidade de nosso país. Nosso Partido precisa transformar essa base social e eleitoral, que se mobilizou para conquistarmos o governo, em base militante não apenas para defender o governo, mas principalmente para transformar o Brasil, num sentido democrático, popular e socialista. A hora é de comemoração, de unidade dos setores populares, mas acima de tudo é hora de sair às ruas, não apenas na posse, mas principalmente na luta permanente por nossas reivindicações imediatas e históricas.
Gosto dessa autocrítica e das medidas a serem tomadas. O militante deve convencer o povo a defender este futuro governo nas ruas, mas pra isso o governo deve sinalizar com atitudes encorajadoras de luta de classe.
ResponderExcluirAté agora a velha conciliação com a participação efetiva da Open Society na transição nas nos dá muito ânimo.
Grande abraço,
Almir Albuquerque
Panorâmica Social