Recomenda-se a leitura da “Nota de conjuntura” divulgada recentemente pelo Movimento Brasil Popular.
Tal
Movimento resulta da cisão da organização chamada Consulta Popular.
Para maiores
informações sobre o MBP, ler:
https://www.brasildefato.com.br/2022/03/29/movimento-brasil-popular-reunindo-forcas-para-os-desafios-que-virao
A “Nota de
conjuntura” intitula-se “Construir organização popular para defender o governo
Lula e disputar os rumos do Brasil”.
A nota
começa com uma descrição da “profunda, estrutural e prolongada crise do modo de
produção capitalista”, que inclui a “crise política das democracias liberais e do
Estado burguês”, “expressa na ascensão de ideologias fascistas em todo o mundo”.
Em resumo, uma era de “instabilidade no cenário internacional”.
Neste contexto,
a “eleição de governos progressistas na América Latina, incluindo a vitória de
Lula no Brasil, abre a perspectiva de uma maior integração entre os países e
pode contribuir para reposicionar a região na geopolítica mundial e abrir um
ciclo de conquistas que fazem parte dos nossos desafios atuais”.
A nota não considera
outras perspectivas (derrotas, traições, cooptações, adaptações social-liberais
etc.) e parte para destacar que a “eleição de Lula, com sua conhecida
capacidade de liderança na região frente a esse cenário, deve imprimir uma nova
rodada de oportunidades ao Brasil, que deverá aproveitar do cenário conflituoso
no campo externo e barganhar uma posição de maior autonomia externa”. Neste
contexto se fala da “aproximação econômica com a China”, que segundo a Nota “tem
práticas comerciais não imperialistas na região”.
Em resumo: a
Nota, mesmo quando reconhece problemas, destaca que “ampliou-se o espaço de
manobra”.
Sobre a
conjuntura nacional, a Nota inicia falando que “Mesmo com a brutal ofensiva da
extrema-direita para destruir o campo progressista e implementar um programa
ultraneoliberal nos últimos anos, Lula voltará à presidência com uma ampla e
heterogênea aliança”.
Como na
parte internacional, a Nota faz diversos elogios a Lula: “Além de consagrar a
força eleitoral do próximo presidente, o resultado das eleições consagrou a
profunda identidade do povo brasileiro com a maior liderança popular da
história do país”; “Mesmo com toda a campanha de desmoralização, a perseguição
política, midiática e judicial e o encarceramento injusto por 580 dias, Lula
conseguiu unificar as forças populares, resgatar a confiança da militância,
contagiar a sociedade e construir uma ampla aliança nacional do campo
democrático”.
Na descrição
das ações do cavernícola, a Nota cita “o uso do dinheiro público e das mentiras”,
“pastores pentecostais e padres conservadores”, “denúncias de assédio eleitoral
de patrões”. A Nota não fala do papel cumprido pelas forças armadas e pelas polícias.
A Nota tampouco destaca o papel do agronegócio e da média burguesia em geral
como base do bolsonarismo em todo o país.
Na descrição
das ações da campanha Lula, a Nota não faz nenhum tipo de crítica ou ressalva. Tampouco
se fala da eleição congressual e da eleição para governadores. Um exemplo da postura
descritiva é o seguinte trecho: “O bolsonarismo conseguiu mobilizar temas como
valores, família e sexualidade, fazendo com que a campanha tivesse de “abrir
mão” de pautas históricas”.
A Nota incorpora
a tese da “questão meridional” brasileira. E resume a situação da seguinte
forma: “o momento é de ofensiva tática dentro de um quadro de defensiva
estratégica”, não estando descartado “o cenário de ‘ganhar e não levar’, como
aconteceu em 2014, quando Dilma foi eleita, mas seu governo foi
progressivamente inviabilizado até a consumação do golpe”.
Para impedir
isso, a Nota afirma ser necessário “a ampliação da organização popular, com um
novo ciclo de lutas sociais e com o enfrentamento ideológico para disputar os
rumos da sociedade”, afirmando que “a tática das forças populares têm cinco
eixos para balizar as ações e iniciativas”.
O primeiro
deles é “consolidar a Frente Popular para incidir sobre um governo de Frente
Ampla”. Para isso será “necessário o fortalecimento do núcleo político das
forças populares e do próprio PT, da articulação política entre os partidos
progressistas que estão no bojo dessa aliança ampla e das lutas dos movimentos
populares e sindicais para mobilizar a sociedade em torno dos pontos
programáticos centrais para fazer a disputa de hegemonia. A perspectiva de
unificação das Frentes Brasil Popular e Povo sem Medo é um sinal de que bons ventos
estão soprando para na consolidação de um pólo popular, que será fundamental
para a contenção das pressões sobre o governo Lula, o que é pré-condição para
disputar os rumos do governo”.
Uma pergunta
que pode derivar daí, mas cuja resposta não é apresentada: o que pode
contribuir para o “fortalecimento do próprio PT”?
O segundo
eixo é “revogar as reformas institucionais pós-golpe e construir uma nova
institucionalidade democrática”.
A Nota não
explicita as palavras “assembleia nacional constituinte”, mas deixa claro que “o
campo democrático-popular historicamente se constituiu na confrontação com os
limites do modelo de democracia forjado na transição da ditadura para a
democracia e na Constituição de 1988”, sendo “necessário inventar uma nova
institucionalidade democrática ancorada em nosso projeto político”. E destaca a
necessidade de acabar com o “orçamento secreto” e “da revogação da institucionalidade
do golpe”.
O terceiro eixo
consiste em “Defender o governo e mobilizar a sociedade em defesa de políticas
emergenciais que apontem para um programa de superação do neoliberalismo” (...)
“o desafio nos próximos quatro anos é aprofundar a contradição entre o
atendimento das necessidades emergenciais do povo brasileiro com os limites
impostos pelo modelo neoliberal”.
Se afirma,
também, que “a conjugação da Frente Ampla com a Frente Popular expressa o
desafio duplo de defender o governo contra as ameaças golpistas da
extrema-direita e de fazer a disputa de programa contra as forças neoliberais”.
Como na
Frente Ampla estão setores neoliberais, a “conjugação” exposta será deveras
animada.
O quarto
eixo consiste em “Desenvolver uma atuação institucional orientada por uma
estratégia de construção de força social”.
Este é o
ponto mais importante da Nota, pois nele se busca resolver um dos nossos
principais problemas estratégicos: como usar nossa presença no governo para dar
um salto na capacidade de organização, mobilização e no nível de consciência da
classe trabalhadora.
A solução
proposta pela nota é: caberia ao governo e ao presidente “reorganizar o quadro
político e articular segmentos econômicos para construir uma força
político-social para avançar com um projeto de mudanças sociais”.
Ou ainda: caberia
ao governo contribuir, com sua ação institucional, para a “construção de uma
força social de massas que dê sustentação para o avanço do projeto popular para
o Brasil”. (....) “Todas as políticas públicas devem estar associadas a um
processo de educação política e organização popular”.
A maneira
como a Nota apresenta a proposta pode dar em dois caminhos diferentes: num
deles o governo contribui para que movimentos e partidos organizem; no outro caminho
o governo é, ele próprio, o centro do esforço organizativo (o que seria algo
inédito, levando-se em conta ser um governo “de frente ampla”).
O quinto
eixo é “Disputar a sociedade e organizar o povo, fomentar a luta de massas e
derrotar o neofascismo e o neoliberalismo”.
A Nota diz ser
“preciso convocar as milhares de pessoas que se engajaram na campanha de Lula a
se organizarem permanentemente”, apresentando “os comitês populares” como “uma
referência organizativa a ser estimulada e multiplicada”.
A Nota
afirma ainda ser “preciso converter o lulismo de manifestação difusa de apoio à
figura de Lula em movimento de massas em torno de um projeto político, que
possa transbordar a parcela mais politizada do povo brasileiro e envolver a
base eleitoral que deu a vitória à Lula e à nossa resistência”.
A Nota não
explora a relação entre isso (fazer do lulismo um “movimento de massas” organizado)
e a referência anterior acerca do PT.
A Nota
afirma, ainda, que “O governo e a figura de Lula terão um papel decisivo para
reverter a derrota ideológica que sofremos nos últimos anos, na construção
dessa força social e na disputa da sociedade, que impõe a retomada do debate
sobre o projeto de país”, sendo preciso “apresentar para a sociedade um
horizonte político mais alargado do que o combate à fome”, colocando em “perspectiva
reformas estruturais”.
Se afirma
ser necessário “resgatar a dimensão utópica do projeto histórico do povo
brasileiro para mobilizar uma força subjetiva em torno de objetivos comuns. É
preciso que todas as nossas ações tenham no horizonte a construção do Projeto
Popular para o Brasil”.
Além da
ausência já referida das palavras “forças armadas” e “polícias”, chama a
atenção a ausência da palavra “socialismo”.
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