A resolução
do PSOL sobre o governo Lula
O Diretório
Nacional do PSOL, reunido no dia 17 de dezembro, aprovou uma resolução intitulada
“PSOL COM LULA CONTRA O BOLSONARISMO E PELOS DIREITOS DO POVO BRASILEIRO”.
A resolução
foi comemorada publicamente por gregos e troianos.
O presidente
do PSOL Juliano Medeiros disse que “Conseguimos ajustar as diferenças internas
no PSOL e reafirmar nosso apoio ao governo Lula para reconstruir o Brasil. Ao
mesmo tempo, manteremos nossa essência combativa em defesa das políticas de
justiça social, ajudando o novo presidente a entregar um país melhor para todos
daqui quatro anos”.
A deputada federal
Sâmia Bomfim afirmou que “O Diretório Nacional do PSOL acaba de aprovar uma
resolução que afirma: seguiremos na linha de frente do combate à extrema
direita; apoiaremos o governo Lula em todas as medidas benéficas ao povo;
preservaremos nossa independência e não teremos cargos do governo”.
E o deputado
federal Guilherme Boulos divulgou que “O Diretório Nacional do PSOL acabou de
aprovar que estaremos na base de apoio do Governo Lula. Parabéns ao partido
pela decisão correta!”
Considerando
a polêmica pública existente sobre o tema, antes da reunião, os elogios supracitados
indicam que ou bem houve um milagre, ou bem predominou certa ambiguidade.
Vejamos o
que diz a resolução, item a item (a íntegra está no final).
No ponto 1, a
resolução afirma que “precisamos responder a três desafios centrais: derrotar a
extrema-direita, lutar por mudanças estruturais que assegurem direitos para o
povo explorado e oprimido e garantir que o governo Lula efetive o programa
eleito em outubro”.
Os objetivos
supracitados são compartilhados por toda a esquerda que apoiou Lula, especialmente
a esquerda que deu este apoio já no primeiro turno. Com base neles se justifica
“estar na base”, mas não se justifica a recusa a participar do governo.
No ponto 2, a
resolução afirma que “estará com Lula em defesa da legitimidade do novo
governo. Jamais seremos indiferentes aos ataques da direita ao governo. Ao
contrário, não pode haver nenhuma dúvida entre o PSOL e a oposição de
extrema-direita”.
Embora a
frase anterior seja incompreensível (“dúvida entre”), o sentido geral deste ponto
da resolução é muito relevante, tendo em vista a notória influência do
lavajatismo em setores do PSOL.
No ponto 3,
a resolução defende enfrentar o bolsonarismo “na raiz”, através de uma tática
de “enfrentamento e não a conciliação. Por isso não aceitaremos nenhuma anistia
aos golpistas”.
Neste ponto,
a resolução demarca com setores da esquerda que têm uma visão mais tutelada a
respeito.
No ponto 4, a
resolução fala que “outro erro grave” seria “incluir líderes da extrema-direita
na coalizão do governo ou fazer acordos para ‘deixar passar’ os delitos
inconstitucionais cometidos pelos bolsonaristas, fortalecendo uma perspectiva
conservadora de governabilidade”.
Novamente, a
resolução demarca com setores da esquerda que têm uma visão mais tutelada a respeito.
No ponto 5,
o PSOL promete estar na linha de frente da luta “por medidas para ‘desbolsonarizar’
o Brasil e superar o caos social provocado por Bolsonaro, uma tarefa que deve
ser de toda a esquerda”.
Como já foi
dito no ponto 1, estes objetivos são compartilhados por toda a esquerda que
apoiou Lula, especialmente a que deu este apoio já no primeiro turno. Com base neles
se justifica “estar na base”, mas não se justifica a recusa a participar do
governo.
No ponto 6, a
resolução lista medidas que devem ser implementadas desde já, sob pena do
governo “não dar certo”, gerando “frustrações por parte daqueles e daquelas que
esperam mudanças”.
Como nos
pontos 3 e 4, neste ponto 6 o PSOL busca demarcar com uma orientação da qual afirma
discordar.
No ponto 7,
a resolução afirma que “o PSOL não abrirá mão de suas opiniões ou sua liberdade
de ação. Construir a unidade não representa suprimir as diferenças ou baixar
nossas bandeiras. Apostamos principalmente na mobilização popular para aprovar
medidas” (....) “Sem luta, as conquistas não serão possíveis!”
A posição expressa
acima é compartilhada por toda a esquerda. Nem o PT, nem o PCdoB, nem qualquer
outra organização que apoiou a eleição de Lula pretende “abrir mão” de nada,
muito menos acredita que será possível avançar “sem luta”.
Cabe
perguntar: estar na base do governo, mas dele não participar, ajuda a lutar
mais?
A impressão
que fica é a seguinte: ao decidir que não comporá o governo, o PSOL parece
pretender travar esta luta com mais “liberdade de ação” do que a esquerda “governista”.
Resta saber, entretanto, como combinar isto com a decisão de fazer parte da “base”.
No ponto 8,
o documento afirma que as mudanças “exigem também enfrentar a chantagem do
mercado” e afirmam que a resposta de Lula, “até aqui tem reafirmado o programa
eleito”.
Novamente, como
nos pontos 3, 4 e 6, neste ponto 8 o documento do PSOL busca um jeito “sutil”
de demarcar (“até aqui”).
No ponto 9, a
resolução afirma que “Por todas essas razões, o PSOL estará ao lado de Lula
contra o Bolsonarismo e combaterá a oposição ao seu governo. Nossa relação será
baseada no compromisso com as pautas populares, não em negociação de espaços ou
condicionada à composição de Ministérios. Enquanto o centrão negocia cargos, o
PSOL irá privilegiar a negociação de propostas”.
Ao contrapor
sua posição a do Centrão, o PSOL deixa a pergunta no ar: os demais partidos de
esquerda que apoiam Lula e integram seu governo estão agindo do jeito certo (“compromisso
com as pautas populares”) ou estão negociando espaços e ministérios?
No ponto 10 a
resolução afirma que “o PSOL apoiará o governo Lula em todas as suas ações de
recuperação dos direitos sociais e de interesses populares. Estaremos presentes
nas trincheiras do parlamento e nas lutas do povo brasileiro, combatendo a
extrema-direita e defendendo o governo democraticamente eleito, mas o PSOL não
terá cargos na gestão que se inicia. Ainda assim, compreendemos que a indicação
de Sonia Guajajara, como liderança do movimento indígena, para o ministério dos
povos originários é uma conquista de extrema importância para uma luta tão
atacada por Bolsonaro e deve ser respeitada pelo partido”.
Este talvez
seja o ponto mais sofisticado da resolução. Pois o que está dito neste ponto 10
é que o PSOL apoiará e defenderá, no parlamento e nas ruas, o governo Lula...
quando ele fizer a coisa certa. Donde se deduz que, quando o governo Lula
errar, o PSOL não apoiará e não defenderá, nem nas ruas e nem no parlamento. Ou
seja: o PSOL buscará ao mesmo tempo os bônus de ser governo e de ser
oposição.
Como se já
não fosse sofisticação suficiente, a resolução afirma que o PSOL “não terá
cargos na gestão que se inicia”. Mas ao mesmo tempo diz que ter Sonia Guajajara,
filiada ao PSOL e candidata a vice-presidente da República em 2018, é uma “conquista
de extrema importância”.
No ponto 11,
se explica como vai funcionar: “os filiados que, no caso de convidados, optem
por ocupar funções no governo federal, devem se licenciar dos espaços de
direção partidária. A eventual presença nesses espaços não representa
participação do PSOL”.
O que está
dito no ponto 11 pode ser traduzido, de maneira mordaz, assim: se os filiados-licenciados
mandarem bem, viva. Se mandarem mal, não temos muito que ver com isso.
No ponto 12,
se insinua a explicação: “A eleição de 12 deputados federais e 22 deputados
estaduais demonstra que somos uma força social própria e em ascensão. Temos
compromisso com as expectativas e a esperança de milhões de brasileiros que não
querem apenas voltar ao passado, mas deram um voto de confiança no futuro, na
construção de uma esquerda comprometida com transformações estruturais e com o
combate radical às desigualdades do nosso país”.
Ou seja: o
PSOL quer falar pelos que votaram em Lula, mas “não querem apenas voltar ao
passado”. Este “apenas” é tão malicioso que chega a ser inacreditável que ele esteja
aí.
Finalmente,
temos o ponto 13 da resolução, provavelmente inserido em homenagem ao PT, pois
não diz nada de relevante.
De conjunto,
a posição expressa na resolução não deveria surpreender ninguém. Afinal, o PSOL
é composto por dois blocos, um dos quais no limite poderia fazer parte do PT,
enquanto o outro mantém viva a alma daquele PSOL que, em 2006, 2010 e 2014,
lançou candidatura própria e não apoiou as candidaturas petistas no segundo
turno.
Sendo assim
as coisas, manter a unidade do PSOL é mesmo uma engenharia muito difícil. A
resolução do Diretório Nacional do PSOL buscou, ao que parece, uma solução de
unidade através da tese compor a base e não compor o governo.
Esta solução
talvez funcionasse sem grandes problemas na Europa parlamentarista; no Brasil presidencialista
de 2023 é pouco provável que funcione. Até porque muitas das concessões da
esquerda ao centro e a direita se darão nas votações parlamentares.
Aliás,
recomendo a leitura da resolução do Diretório do PSOL sobre a bancada: lá está
escrito que “A bancada do PSOL no Congresso Nacional participará da base de
sustentação ao governo Lula no Legislativo, observando as orientações políticas
a seguir, quando mantidas as condições políticas para essa composição”.
Repito: “Quando
mantidas as condições políticas para essa composição”
Independente
disto, a resolução do PSOL apenas verbaliza em palavras novas um problema
antigo, compartilhado pela esquerda que algum dia saiu do PT, mas também pela
esquerda que não deseja entrar no PT: a crença de que será possível construir
uma alternativa melhor, sem comprometer-se a fundo.
Como sabe
quem acompanha as discussões “internas” do PT, comprometer-se a fundo não
significa silêncio obsequioso, não significa aceitar tudo, não significa votar tudo,
não significa apoiar tudo. Significa “apenas” perceber que neste momento
histórico, não existe alternativa para a esquerda brasileira que não passe pelo
sucesso do governo Lula. E na luta pelo sucesso do governo Lula, não dá para
ficar de fora. E isto não tem nada que ver com ter ou não ter cargos no
governo.
O PSOL deu
um passo importante para entender isto, no primeiro turno, quando deliberou que
“uma candidatura própria teria representado o isolamento do PSOL e traria
consigo uma enorme derrota eleitoral e política”. A decisão de participar
da base e não compor o governo é, deste ponto de vista, um retrocesso.
Seja como
for, fica a lição para os amigos petistas que votaram em candidatos do PSOL,
apostando noutro tipo de solução: amigos, amigos, partidos à parte.
A íntegra da
resolução, bem como de outras, pode ser lida aqui: https://psol50.org.br/psol-reafirma-compromisso-com-lula-e-fara-parte-da-base-do-governo-no-congresso/
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