O texto abaixo é a segunda versão de um verbete elaborado para um projeto de dicionário sobre o marxismo na América. O texto foi enviado para quem solicitou em novembro de 2021. Por absoluta impossibilidade de concluir o texto, inclusive com as devidas referências, o divulgo por aqui na condição de rascunho incompleto, apenas para chamar a atenção para este cidadão: MN Roy.
Apesar de ter pretensões universais, o marxismo nasceu na Europa, fortemente influenciado por tradições alemãs, francesas e inglesas. A expansão do capitalismo e do movimento socialista foi pouco a pouco internacionalizando o marxismo, através da circulação das ideias inicialmente elaboradas por europeus e através do surgimento de marxistas de outros continentes. O processo se acelerou a partir da Grande Guerra de 1914-1918, da Revolução Russa de outubro de 1917 e da fundação da Internacional Comunista em 1919, seguida da criação de partidos comunistas fora da Europa. O México foi pioneiro, com a fundação de um Partido Comunista ainda em novembro de 1919. Um dos fundadores do Partido Comunista do México foi Manabendra Nath Roy. Roy tinha cerca de 30 anos (há controvérsias sobre a data exata em que ele teria nascido) e não era mexicano: nascera na Índia, mas exatamente na região de Bengala Ocidental, próxima aos atuais Nepal, Bangladesh e Myanmar.
Roy fora parar no México fugindo dos Estados Unidos, onde corria o risco de ser preso e deportado para a Inglaterra. Naquela época a Índia fazia parte do Império Britânico e Roy era um nacionalista, que estava viajando o mundo a busca de recursos financeiros e de armas para lutar pela independência de seu país.
Como também acontecera com os republicanos irlandeses, os republicanos da Índia mantinham relações com o Império Germânico, adversário dos britânicos. Mas a Revolução Russa de 1917 criou um polo de atração alternativo para aqueles que queriam lutar contra todos os imperialismos. Nos Estados Unidos e depois no México, Roy aprofunda seus conhecimentos marxistas e transita do nacionalismo ao comunismo, de defensor do “terrorismo” à defensor da revolução. Teve importância nessa transição um revolucionário russo chamado Mikhail Borodin (1883-1951), que o convida para participar do Segundo Congresso da Internacional Comunista, também conhecida como Terceira Internacional.
A participação de Roy neste Congresso, realizando em 1920, fez dele uma referência obrigatória para todos os que estudam a história do movimento comunista, especialmente no período que precedeu a crise de 1929. A importância de Roy deve-se a ele ter contribuído para as resoluções do Segundo Congresso acerca da chamada “questão colonial”.
É importante lembrar que naquela época grande parte do mundo estava sob dominação direta dos países europeus. Além disso, havia inúmeras nações que, embora nominalmente independentes, eram consideradas “semicolônias” de países europeus, dos Estados Unidos e do Japão. Noutras palavras, o debate sobre “a questão colonial” tinha imensa importância, vinculando-se a chamada questão nacional, que envolvia também povos europeus -como o irlandês e o polonês - submetidos a governos estrangeiros.
A relevância era tamanha, que coube a Lênin - principal dirigente da Revolução Russa de outubro de 1917 e figura mais destacada presente ao Segundo Congresso da Internacional Comunista – apresentar o relatório sobre as questões nacional e colonial.
Suas palavras no dia 26 de julho de 1921 são as seguintes: "Camaradas, limitar-me-ei apenas a uma breve introdução, após o que o camarada Maring, que foi secretário da nossa comissão, apresentará um relatório pormenorizado sobre as modificações que fizemos nas teses. Depois dele tomará a palavra o camarada Roy, que formulou teses adicionais”. Ainda na sua introdução ao debate, Lênin destaca “a questão do movimento democrático-burguês nos países atrasados. Esta foi precisamente a questão que suscitou algumas divergências. Discutimos sobre se, do ponto de vista dos princípios e da teoria, era ou não correto declarar que a Internacional Comunista e os partidos comunistas devem apoiar o movimento democrático burguês nos países atrasados; em resultado desta discussão chegamos à decisão unânime de que deve falar-se de movimento revolucionário nacional em vez de movimento "democrático burguês". Não resta a menor dúvida de que qualquer movimento nacional só pode ser democrático burguês, pois a massa principal da população nos países atrasados é constituída pelo campesinato, que representa as relações capitalistas burguesas. Seria utópico pensar que os partidos proletários, se é que eles podem surgir em geral em tais países, são capazes de aplicar nestes países atrasados uma táctica comunista sem manter determinadas relações com o movimento camponês e sem o apoiar na prática. Mas aqui foram feitas objecções de que se falássemos de movimento democrático burguês se apagaria qualquer diferença entre os movimentos reformista e revolucionário. Entretanto, nos últimos tempos esta diferença manifestou-se nos países coloniais e atrasados com inteira clareza, porque a burguesia imperialista procura com todas as forças implantar o movimento reformista também entre os povos oprimidos. Entre a burguesia dos países exploradores e a dos coloniais verificou-se uma certa aproximação, pelo que, muito frequentemente - e talvez mesmo na maioria dos casos - a burguesia dos países oprimidos, apesar de apoiar os movimentos nacionais, luta ao mesmo tempo de acordo com a burguesia imperialista, isto é, juntamente com ela, contra todos os movimentos revolucionários e as classes revolucionárias. Na comissão isto foi demonstrado de forma irrefutável, e nós consideramos que a única coisa correta era ter em atenção esta diferença e substituir em quase toda a parte a expressão "democrático burguês" pela expressão "revolucionário-nacional". O sentido desta mudança consiste em que nós, como comunistas, só devemos apoiar e só apoiaremos os movimentos libertadores burgueses nos países coloniais nos casos em que esses movimentos sejam verdadeiramente revolucionários, em que os seus representantes não nos impeçam de educar e organizar num espírito revolucionário o campesinato e as amplas massas de explorados. Mas se não existirem essas condições, os comunistas devem lutar nestes países contra a burguesia reformista, à qual também pertencem os heróis da II Internacional. Nos países coloniais existem já partidos reformistas, e os seus representantes dizem-se por vezes sociais democratas e socialistas. A distinção mencionada foi aplicada a todas as teses, e penso que graças a isto o nosso ponto de vista está agora formulado de um modo mais preciso”.
Neste espírito, Lênin dirá o seguinte: “o proletariado dos países avançados pode e deve ajudar as massas trabalhadoras atrasadas e que o desenvolvimento dos países atrasados poderá sair da sua etapa atual quando o proletariado vencedor das repúblicas soviéticas estender a mão a essas massas e puder prestar-lhes apoio”. E admite: “Sobre esta questão travaram-se na comissão debates bastante vivos não só em ligação com as teses assinadas por mim, mas mais ainda em ligação com as teses do camarada Roy (...). A questão foi colocada do seguinte modo: poderemos considerar correta a afirmação de que o estádio capitalista de desenvolvimento da economia nacional é inevitável para os povos atrasados que estão agora a libertar-se e entre os quais se observa agora, depois da guerra, um movimento na via do progresso? Respondemos negativamente a esta questão. Se o proletariado revolucionário vitorioso realizar entre eles uma propaganda sistemática e os governos soviéticos forem em sua ajuda com todos os meios de que dispõem, é errado supor que o estágio capitalista de desenvolvimento é inevitável para os povos atrasados. Em todas as colónias e países atrasados devemos não só formar quadros independentes de combatentes, organizações partidárias, não só realizar uma propaganda imediata pela organização de Sovietes camponeses e procurar adaptá-los às condições pré-capitalistas, mas a Internacional Comunista deve estabelecer e fundamentar teoricamente a tese de que os países atrasados, com a ajuda do proletariado dos países avançados, podem passar ao regime soviético e, através de determinadas etapas de desenvolvimento, ao comunismo, evitando o estágio capitalista de desenvolvimento”.
Embora Lênin afirme que o Segundo Congresso da Internacional Comunista teria conseguido “chegar a uma completa unanimidade em todas as questões importantes”, esta “unanimidade” não vai sobreviver por muito tempo. Já na década de 1920, mas também nas décadas posteriores, os comunistas se dividirão sobre como tratar o nacionalismo burguês e sobre as possibilidades de realizar revoluções socialistas em países considerados “atrasados”, “coloniais”, “semi-coloniais”, “periféricos”.
As posições defendidas por Roy em suas “teses suplementares” sobre a questão nacional e colonial e sua participação nos debates o credenciam para ser eleito como integrante de vários organismos dirigentes da Internacional Comunista, a partir dos quais ele intervém pessoalmente em processos muito relevantes, com destaque para o afegão, o indiano e o chinês.
Roy estará presente na China em 1927 e acompanhará os momentos finais da ruptura entre o Kuomitang e o Partido Comunista. De volta a Moscou, participa do balanço que a Internacional fez acerca dos acontecimentos. Em seguida vai - oportunamente - para Berlim, a busca de tratamento médico. Em Berlim, se associa a um grupo de comunistas alemães dissidentes. Este fato é o pretexto para sua expulsão do movimento comunista, oficializada no dia 13 de dezembro de 1929.
Além dos contatos de Roy com Brandler e Thalheimer, outras variáveis pesaram em sua expulsão: os acontecimentos na China, na Índia e sua relação com Bukharin. No primeiro caso, o grupo que dirige a Internacional o inclui na lista de responsáveis pela tragédia que se abatera sobre o comunismo chinês. No segundo caso, o mesmo grupo rejeita a opinião de Roy, que percebe que a política da Grã Bretanha pode estimular um certo desenvolvimento do capitalismo da Índia, alterando a conduta da burguesia indiana frente ao movimento de libertação. No terceiro caso, Roy é visto como próximo daqueles que Stálin decidira derrotar, não apenas na Internacional, mas também no Partido Comunista Russo.
Expulso, Roy começa a se afastar não apenas do movimento, mas também das ideias comunistas. Regressa para a Índia, onde é preso e condenado a uma sentença de 12 anos, devido a seu envolvimento na luta contra o Império Britânico. Posteriormente a pena é reduzida, mesmo assim Roy ficará encarcerado por 5 anos e 4 meses. Quando sai da prisão, em 1936, o mundo estava às portas da Segunda Guerra, na qual Roy se posiciona contrário ao nazifascismo. Mantém relações com o Partido do Congresso, mas depois do término da Segunda Guerra Roy divulga um manifesto intitulado “Novo Humanismo”, em torno do qual constitui uma corrente política própria, distinta tanto do comunismo quando do nacionalismo liderado por Gandhi e Nehru.
Poucos anos depois, em 25 de janeiro de 1954, Roy morre. Tinha 66 anos, durante os quais transitou do nacionalismo ao comunismo e depois ao "humanismo".
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