Na primeira parte deste texto, disponível no endereço abaixo, comentei um artigo de Gilberto Maringoni.
http://valterpomar.blogspot.com/2022/04/vanuchi-e-maringoni-estao-gastando-vela.html
Nesta
continuação, vou comentar um artigo de Paulo Vannuchi, publicado na Folha de
S. Paulo no dia 8 de abril de 2022 e disponível no endereço abaixo:
Segundo
Vannuchi, a união entre Lula e Geraldo Alckmin “sintetiza com absoluta
concretude as propostas esparsas que há, três anos, apontavam a necessidade de
uma frente ampla para sepultar o ciclo de ódio que marca o bolsonarismo”.
Concordo com
ele, embora tire daí conclusões muito diferentes. E isso está relacionado ao
fato de contarmos de forma um pouco diferente o passado recente do Brasil.
No citado artigo
de Vannuchi, o bolsonarismo parece caído do céu. Não se comenta a
responsabilidade dos tucanos e seus aliados na ascensão do neofascismo, nem se
aponta a identidade programática dos tucanos com aspectos centrais do programa
de governo do cavernícola.
Exemplo: Vannuchi
fala dos “ataques sistemáticos às instituições democráticas” já terem “sido a
tônica da campanha eleitoral do atual presidente em 2018”. Mas não fala absolutamente
nada sobre o ataque dos tucanos, Alckmin inclusive, às instituições democráticas”
no golpe contra Dilma em 2016, nem fala nada do seu apoio à condenação, prisão
e interdição eleitoral de Lula em 2018.
Vannuchi
fala que, reeleito, Bolsonaro “seguirá adiante na destruição voraz de todas as
políticas construídas desde 1988 em áreas essenciais como direitos humanos,
saúde, educação, cultura, desenvolvimento social, ciência e tecnologia,
relações exteriores e muitas outras”. Isto é verdade, mas não podemos olvidar que
entre 1989 e 2018 a tal “destruição voraz” esteve na maior parte do tempo a cargo dos tucanos, entre os
quais se destacou Alckmin, governador de São Paulo por inúmeras vezes.
Por estas e
outras razões, Lula está coberto de razão ao afirmar que a unidade antifascista
precisa ter “condicionantes”. Segundo Vannuchi, para Lula seria “inegociável”
um ponto central de seu programa: “os pobres devem ocupar posição angular na
recuperação econômica e na reconstrução democrática. Sem isso, nenhuma unidade
antifascista haverá de durar”.
E aí cabe
perguntar: a presença de Alckmin na vice de Lula contribui para garantir isto? Vannuchi
acha que sim. Mas como ainda não nasceu o político brasileiro capaz de não colocar “em
primeiro lugar os que mais precisam”, nada mais prudente do que desconfiar dos
efeitos supostamente positivos de ter como vice de Lula alguém que desde 1995 esteve
entre os protagonistas da política neoliberal.
O simples
fato de o ex-governador paulista ter aceito a convocação para ser vice de Lula
não prova nada, salvo que ele sabe muito bem diferenciar o momento cela solitária
do momento rampa de palácio. É impossível esquecer: Alckmin
comemorou enfaticamente a prisão e a interdição de Lula, fato suficiente para
não dar ao ex-governador a medalhinha de “adversário leal”.
Tampouco
basta o fato de Alckmin ter deixado o “terminal PSDB”. Cabe perguntar: o PSDB saiu
dele? Noutras palavras: ele saiu do PSDB por divergências programáticas ou por ter perdido
espaço? Infelizmente, os elogios de petistas a Alckmin têm sido tão exagerados que o ex-governador tem podido manter silêncio sobre suas posições programáticas (embora seu
discurso ao entrar no PSB tenha passagens reveladoras: http://valterpomar.blogspot.com/2022/03/o-discurso-de-alckmin.html).
Um exemplo
destes elogios que tentam pintar Alckmin de gauche: “Alckmin optou pela sigla
mais à esquerda no leque de partidos colocado à sua disposição, o PSB, aliado
do PT desde a Frente Brasil Popular, de 1989”. É fato, mas também é fato que o próprio
PSB não é mais aquele da frase “socialismo sem liberdade, socialismo não é;
liberdade sem socialismo, liberdade não pode ser”. Basta lembrar do apoio do PSB
a Aécio Neves no segundo turno de 2014 e, também, do apoio dado pelo PSB ao
golpe contra Dilma em 2016.
Deixo de
lado outros pontos do texto de Vannuchi e pulo direto para o resumo que ele faz
das críticas de esquerda a ter Alckmin na vice de Lula. De cara, esclareço que tal
resumo não contempla o ponto de vista desenvolvido no seguinte texto: http://valterpomar.blogspot.com/2022/04/resolucao-sobre-vice.html
Em segundo
lugar, considero simplesmente assustadora a comparação entre o governo Alckmin e os governos
petistas. Segundo Vannuchi, “episódios de violência policial ocorreram de fato
naquele período [de governos Alckmin] – muitos e graves –, mas não seria
honesto esquecer de ocorrências policiais graves registradas também em governos
estaduais liderados por nosso partido. Os reiterados choques com o professorado
estadual também constituíram assunto sem acordo, mas vale lembrar que governos
petistas também enfrentaram prolongadas greves nessa mesma área de atuação
sindical combativa”.
De fato, há governantes
petistas que emulam práticas tucanas, mas o ocorrido nos governos Alckmin não pode
ser apresentado como “episódios de violência policial” ou “reiterados choques
com o professorado estadual". Nos governos Alckmin houve uma política de
segurança pública, uma política de educação e um trato com o funcionalismo
público orientados por um programa e uma estratégia política distintas e oposta
às políticas defendidas pelo PT.
Vejamos
agora outro ponto elencado por Vannuchi: “a avaliação – temerária, embora
respeitável –de que a vitória seria possível sem alianças tão amplas. Mesmo que
esse otimismo se confirmasse, faltaria desatar um nó igualmente difícil, o da
necessária maioria no Legislativo para aprovar os projetos mais centrais do novo
mandato”.
Da minha
parte, concordo que a situação política e eleitoral
é dificílima. Não estou entre os “otimistas”, nem sobre 2022 nem sobre o depois. E não tenho objeção de princípio
contra alianças, nem mesmo com setores conservadores. Meu ponto é: esta aliança
com Alckmin terá um alto preço eleitoral, um altíssimo preço programático e inclui
um expressivo risco prático. Existem outras alternativas de vice, mais coerentes e menos
perigosas, dentro e também fora do campo democrático e popular. Afinal, nem todo conservador fez oposição aos governos Lula e Dilma, nem
todo conservador apoiou o golpe de 2016 e defendeu a fraude de 2018.
Acontece que
os defensores de Alckmin vice parecem achar supimpa ter um vice golpista e
neoliberal. Como diria Vannuchi, os apoiadores de Alckmin são de um “otimismo temerário” (aliás, como não lembrar de Temer), desconsiderando totalmente os aspetos negativos.
Vannuchi vai
além: sugere semelhanças entre Alckmin, Severo Gomes, Teotônio Vilela. Alceu
Amoroso Lima e dom Helder Câmara. E afirma ser “menos aceitável ainda” condenar
a chapa com Geraldo Alckmin “pelo simples temor de que ele fatalmente haveria
de trilhar o mesmo caminho de vileza percorrido pelo vice de Dilma Rousseff.
Não é justo igualar os dois perfis”.
Também acho
injusto: não se sabia em 2010 que Temer apoiaria o golpe em 2016 e 2018, mas já
se sabe em 2022 que Alckmin apoiou o golpe em 2016 e 2018. Aliás, chega a ser
engraçado: Vannuchi diz que “no próprio testemunho de Lula e Haddad, Alckmin
sempre foi um adversário leal e respeitoso na convivência republicana entre
presidente, governador e prefeito. Aquele outro vice, temos a obrigação de
reconhecer, já tinha percorrido longos caminhos obscuros antes de chegar ao
Jaburu”. Pois é, mas na época da indicação de Temer não se levou em devida
conta estes “caminhos obscuros”, como agora não se está levando em devida conta os caminhos obscuros
de Alckmin.
Injustiça
maior ainda é comparar Alckmin com José de Alencar. Este, para citar Vannuchi, atacava “com
toneladas de razão, os juros altos que corroem o potencial da indústria e
tornam os bancos monarcas absolutos do capitalismo brasileiro”. O segundo integra
a lista dos defensores do agronegócio e do capital financeiro.
Seja como for, espero que Vannuchi tenha razão e que não estejamos caminhando “no sentido de se repetirem as traições que culminaram no golpe de 2016, porta aberta, ao lado dos crimes praticados em Curitiba pelo Poder Judiciário, para que a direita extremista obtivesse uma vitória eleitoral que parecia impensável”. Mas quando vejo os defensores de Alckmin passarem o pano na criatura, concluo que é mais provável estarmos repetindo a história como farsa. Aliás, pior do que fazer certas alianças é acreditar em certos aliados.
Último comentário: salvo fato novo ou engano da minha parte, Alckmin na vice terá o apoio da ampla maioria do Diretório e do Encontro nacional do PT. E fora do PT, além dos óbvios, Alckmin coleciona apoios até mesmo em setores de esquerda que no passado recente romperam e/ou criticaram publicamente certas alianças e concessões petistas. Sendo assim, fiquei deveras surpreso com os artigos de Maringoni e Vannuchi, aparentemente desproporcionais frente a tão reduzida oposição. Vai saber...
Como ninguém chuta cachorro morto, mesmo contando com ampla maioria de votos, pode haver temor da militância agir passivamente a chapa e se acomodar
ResponderExcluirÉ fácil manter a estabilidade enquanto as coisas estão estáveis.
ResponderExcluirÉ fácil lidar com as coisas enquanto elas não mostram sinal de irem mudar.
O que é frágil é fácil de quebrar, o que é pequeno é fácil de dispersar.
Mas há que pôr as coisas em ordem antes de haver confusão.
Porque as coisas se podem transformar nos seus opostos.
Uma árvore do tamanho do abraço de um homem começa por ser pequena.
Uma torre de nove andares começa por ser um monte de terra.
Uma viagem de mil léguas começa num passo.
Encarrega-te dos problemas antes de eles surgirem.
Assim, evitarás ter depois de agir.
As dificuldades são facilmente superadas antes de começarem.
Aquele que age pode complicar a obtenção do que pretende.
Aquele que agarra as coisas, perde-as.
Quem é sábio não faz nada de errado porque não age.
Não se prende a nada e, por isso, nunca perde nada.
Tao Te Ching 道德經 (Cap.64)
https://pt.wikipedia.org/wiki/Wu_wei
E não poderia deixar passar essa.
"Eles não passarão. Eu passarinho." (Quintana)
https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2022/04/13/passaro-faz-coco-em-cima-de-joe-biden-enquanto-ele-critica-putin.htm