domingo, 3 de abril de 2022

Os conselhos de Randolfe ao PT

Caiu na rede, com o perdão do trocadilho, a entrevista concedida pelo senador Randolfe Rodrigues ao jornalista Guilherme Amado, no dia 3 de abril de 2022.

A entrevista pode ser lida no endereço abaixo:

https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/bolsonaro-vencera-se-lula-nao-for-mais-plural-alerta-randolfe

O aspecto positivo da entrevista é reconhecer que Bolsonaro está bem longe de ser cachorro morto.

Vejamos agora os outros aspectos.

Perguntado a que atribuiu “a recente melhora da popularidade do presidente Bolsonaro”, Randolfe responde que esta ascensão foi “em parte acidental, mas o movimento de reação que o coloca no patamar em que está não é acidental”, dando destaque para o “bloco de poder militar e parlamentar”.

Nada é dito sobre outros fatores, como por exemplo o empresariado e governos estrangeiros.

Randolfe propõe que a “esquerda, os progressistas, os democratas, os republicanos e os liberais” devem “esquecer” dos “rancores que os dividiram no passado”.

Nada é dito sobre o fato de que a oposição de direita a Bolsonaro compartilha com ele o programa neoliberal, motivo que explica parte expressiva da divisão presente (e futura) entre a esquerda versus a direita não bolsonarista.

Perguntado sobre o “que fazer” diante deste cenário, Randolfe repete o mantra: “os democratas devem esquecer os rancores do passado”. 

E agrega: “se prevalecerem rancores ou purismos nesses momentos, terminaremos no ostracismo ou na prisão, nunca na conquista do poder”.

Nada é dito, repito, sobre o fato de parte dos “democratas” apoiar o mesmo programa neoliberal de Bolsonaro, motivo pelo qual a aliança proposta precisaria ser precedida de certas definições básicas.

Randolfe informa ter compreendido, ano passado, “que a eleição caminhava inexoravelmente para a polarização”.

Nisto concordamos: até o momento, parece não existir espaço para uma posição intermediária, de “centro”, entre Bolsonaro e Lula.

Paradoxalmente, a conclusão que Randolfe tira daí é propor a Lula e ao PT que se desloquem para o centro. 

É como se dissesse: “a terceira via morreu, viva a terceira via”.

Randolfe não é o único a propor isto. 

Mas sua explicação a respeito é das mais completas, como veremos a seguir.

Segundo Randolfe, “se não derrotarmos Bolsonaro este ano, temo não termos um retorno ao pacto civilizatório que fundou a Nova República”.

Randolfe foi do PT até 2005, quando saiu por conta de críticas políticas e éticas (melhor seria dizer: lavajatistas).

O mundo deu muitas voltas desde então, mas certamente Randolfe sabe que o “pacto” fundador da “Nova República” não foi “civilizatório”: foi o pacto entre um setor da oposição e um setor da ditadura. 

Um dos preços pagos por este pacto foi não punir os golpistas de 1964. 

Graças a este pacto, hoje temos Bolsonaro e outras desgraças do gênero.

Na época, coube ao PMDB ser a vanguarda daquele pacto das elites. 

Hoje, 40 anos depois, Randolfe propõe que o PT cumpra papel semelhante.

Aliás, não apenas faz propostas para o PT de 2022, como também faz autocrítica em nome do PT de 1985: “Alguns argumentam que o PT errou em 1985, quando não apoiou a chapa de Tancredo Neves. Essa é uma crítica verdadeira e acertada”.

Segundo Randolfe, “a Nova República acabou com a eleição do Bolsonaro. Precisamos voltar a ela, voltar ao que foi construído após a Constituição de 1988, com MP independente, PF autônoma, instituições funcionando, liberdade de imprensa, estrutura de transparência de combate a corrupção, federalismo, instituições democráticas…”.

O detalhe omitido por Randolfe é o seguinte: o golpe de 2016 foi obra e graça, exatamente, do “MP funcionando”, da “PF autônoma”, da liberdade das empresas de comunicação et caterva. 

O que Randolfe tem a dizer a respeito deste detalhe? Ao menos na entrevista, nada. 

Conclusão: se aderirmos a este regresso ao “paraíso perdido” da Nova República, vamos trilhar um caminho cujo desfecho já conhecemos.

Em seguida, perguntam a Randolfe “como está o processo de reconciliação de Marina Silva com o PT?”

A resposta é: “Já fiz tudo possível”. (...) “Já conversei com a Marina, mas a tomada de consciência deve ser não só dela, deve ser de Ciro, de setores democratas do MDB, que são muitos, dos setores democráticos do PSD”.

Ou seja: segundo o próprio Randolfe, a resistência a uma aliança viria de outros, não de Lula. 

Entretanto, é do PT que Randolfe cobra uma atitude.

Uma das atitudes propostas por ele é “ter diálogo direto com o povo, estar presente na rua, dialogar com a sociedade civil. O segundo é que, para ganhar essa eleição, Lula tem que se apresentar como o Lula de 2022. Precisamos menos do Lula de 1989 e mais do de 2022. O Lula de 2022 é o candidato da reconciliação do Brasil, da união nacional, do governo da transição e do restabelecimento da ordem democrática”.

A proposta é: “quem é de direita, quem é democrata, quem é social democrata, renuncie as diferenças para daqui a quatro anos. Nós vamos fazer a transição”. 

E qual seria o programa deste governo de transição? 

Nenhuma palavra é dita a respeito.

O que é dito é uma cobrança: “E acho que a própria campanha de Lula, faço uma autocrítica porque eu estou nela, tem que ir para a rua, chamar a sociedade para conversar, chamar os atores nacionais, conversar com todo mundo. Conversar com os sem-terra, mas conversar com o agronegócio. Conversar com bancário, mas tem que conversar com banqueiros. Conversar com os rincões da Amazônia e com a Zona Sul do Rio de Janeiro. Tem que caminhar pelo Nordeste, mas também pelo Sul. Conversar com o chão de fábrica e com a Faria Lima. Tem que conversar com a mídia alternativa, mas também com a Globo e a Record. Não deve ser uma candidatura da esquerda, mas sim uma candidatura da união nacional”.

Pulo o fato de que parte disso já vem sendo feito.

E passo para a pergunta que não quer calar: o que será dito, por exemplo nestas conversas com a turma da Faria Lima, acerca do programa deste governo de “união nacional”?

Nada é dito. Programa, pelo visto, é um detalhe.

Mesmo assim, talvez suspeitando que Randolfe esteja arrombando porta aberta, o jornalista pergunta: “O senhor já disse isso para o presidente Lula?”

Randolfe responde que sim, acrescentando uma frase genial: “Mas quem sou eu pra falar isso pro Lula? Ele nos ensinou isso. Quando Lula foi eleito, eu era da esquerda do PT, e ele me mostrou como é fazer um governo desta natureza, conversando com todos os setores, fazendo as composições necessárias”.

A vida é mesmo engraçada. 

Vejamos: Randolfe era da chamada esquerda do PT, saiu do Partido, deu a volta no mundo e hoje se aproxima pelo lado oposto. 

Nas curvas desta estrada Randolfe parece ter esquecido que a fórmula “governo de transição” já foi utilizada por Palocci. 

Foi deste senhor a política hegemônica no governo Lula e no PT entre 2003 e 2004. 

Aí perdemos a eleição de 2004, perdemos a presidência da Câmara, veio a chamada crise do Mensalão. 

E ao longo destes anos, saíram do PT muitos esquerdistas, muitos udenistas e muitos e&u associados (HH é o tipo exemplar). 

A crise foi superada apenas e quando o PT e o governo se livraram da política de Palocci.

O que Randolfe nos propõe é algo parecido, só que num mundo e num Brasil bem pior. Vai dar certo?

Voltemos à entrevista. 

Uma vez que - segundo Randolfe - Lula pensa o mesmo que ele e o teria convencido a deixar a disputa pelo governo do Amapá e o teria convidado para ser coordenador da campanha, o jornalista pergunta o óbvio: “O que tem impedido na sua visão que ele [Lula] faça isso?”

A culpa, adivinhem só de quem é?

Resposta de Randolfee: “O PT precisa ter essa consciência”.

E a resposta vem junto com um sincericídio: “As pessoas que estiveram com Lula nos momentos mais difíceis têm que compreender que o Lula não é patrimônio partidário, não pertence ao PT”.

Ou seja: segundo Randolfe, o PT foi imprescindível nos tempos de cadeia. Agora, para chegar ao Planalto, segundo Randolfe, o PT atrapalha. 

Portanto, os que estiveram com Lula nos “momentos difíceis” agora precisam abrir espaço para outros, inclusive para aqueles que -como Alckmin- apoiaram e aplaudiram a prisão de Lula.

Definitivamente, para alguns o crime compensa.

Randolfe propõe “um comando de campanha amplo”, tipo o das Diretas Já. E, novamente, cobra do PT “consciência do que está se passando”. 

Ou seja: apesar do próprio Randolfe ter admitido, pouco antes, que a resistência a fazer aliança está nos outros, ele não consegue se livrar do cacoete segundo o qual “a culpa é do PT”.

Mais prático, o jornalista pergunta se os “nomes do campo democrático deveriam rever suas candidaturas?” 

Randolfe responde o seguinte: “Eu acho que tem de ter. Eu acho que a candidatura do Lula tem de ter diálogo… A candidatura do Ciro Gomes não é uma candidatura antagônica e inimiga, e o gesto de diálogo e generosidade tem que partir da campanha do Lula, que está na frente. A campanha da Simone Tebet, do MDB, não é uma campanha inimiga, e também deve partir da campanha do Lula o gesto de generosidade para dialogar com ela. Eu diria até que nem a candidatura de Doria e Eduardo Leite são inimigas e antagônicas. A de Janone também”.

Pergunta que não quer calar: qual seria este milagroso gesto de “diálogo e generosidade”? 

Não teria bastado colocar um golpista e neoliberal na vice? Não teriam bastado os acordos eleitorais nos estados? Não teriam bastado algumas indefinições e silêncios programáticos? 

Pausa vintage: corre a lenda de que, no auge da crise do chamado mensalão, propuseram a Lula sair do PT e assumir o compromisso de não disputar a reeleição. 

Será que Randolfe estaria pensando em um "gesto" desta natureza?

Mesmo errada, mesmo não explicando porque os movimentos à direita já feitos não estão agregando pontos à dianteira que Lula já tinha, a tese de Randolfe é do tipo flex.

Se tudo der errado, ele ainda poderá dizer: "faltou ampliar".

Pena que Randolfe não perceba que se pode ampliar indo para a esquerda. Assim como se pode estreitar indo para a direita. Mas pelo visto tem gente que gosta do "Feitiço do tempo".

(sem revisão)


4 comentários:

  1. Devemos ser na visão se Randolfe Policarpo Quaresma. Policarpo deixou sua Luta e substituiu sua radicalidade, seu sonho,se transformando em um moderado. É mesmo assim terminou preso. Vamos ao sinistro portanto se continuar acreditando em nós e nossa gente. Em vem de deixar tudo para conquistar o poder sozinhos, sem coletivo, sem compromisso.
    Pobre fim de Picarpo Quaresma.

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  2. Obrigada, Valter por ter me "obrigado" a ler o texto entrevista do Randolf. Seus comentários me fazem perceber que, de fato, ele pensa pouco e fala muito (muita besteira). A saída e pela esquerda, no centro o muro impede a visão...

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  3. Pomar, o que é plural? e dual? é simples ou complexo?

    Tudo se move, mas tudo é um, já pensavam os antigos. Três maiores países da América Latina tiveram destinos parecidos no séc. XX e com seus cardenismo, peronismo e varguismo tentaram se livrar do domínio dos EUA e construir nos marcos do capitalismo uma soberania politica e independência econômica aos seus repectivos povos. No caso brasileiro o varguismo tinha 2 partidos: PTB e PSD. Provavelmente um terceiro à reboque, o PCB à esquerda. No México com o PRI e na Argentina com o PJ, o caudilhismo forjou um único partido. O PT venceu o PCB e o brizolismo e conseguiu colocar Lula no lugar de líder nacional.
    Por que Lula reproduz a estrutura varguista de partidos? PT, PSB, PSOL à reboque?
    É possível no Brasil um partido nacional que contemple a classe trabalhadora?
    Não estou defendendo a Federação, mas ou o PT se torna um partido nação, com um programa que atraia setores nacionalistas ou deverá se contentar em ser um PTB de Lula.

    A classe trabalhadora conseguirá realizar a tarefa nacional e democrática?

    Só pra não dar murro em ponta de faca e debater a quadratura do círculo né...

    PT precisa fazer campanha de massas com bandeira da Constituinte

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  4. Olá, companheiros. Estou profundamente preocupado com o rumo que as coisas estão tomando.

    A cada dia que passa, mais transparece a falta de rumo da candidatura Lula. A impressão é de que vão fazer qualquer loucura para ganhar, e por isso mesmo vão perder. Ao invés de definir uma política real, baseada no fato da deterioração da situação política mundial, da dissolução dos regimes políticos, da ascensão da extrema direita, do golpe de estado de 2016, dos militares no poder, esses senhores que estão tomando as decisões estão se guiando por uma série de ilusões.

    Não posso deixar de mencionar a mistura de covardia e autoritarismo que tomou conta das direções da esquerda. O debate sobre as questões fundamentais da situação política é postergado 'ad infinitum' como forma de impedir que os interesses particulares de oportunistas, carreiristas e até bandidos sejam contrariados pela vontade das massas.

    A necessidade premente de mobilização é trocada por um estímulo puramente eleitoral. O discurso é "precisamos de bancada no congresso", e não, como deveria ser, "precisamos de povo na rua". Isto é, todas as fichas são jogadas na seara eleitoral. E muito pior, é alimentada a ilusão eleitoral, de que tudo o que os trabalhadores devem fazer é ir às urnas no dia da eleição e votar 13, e magicamente os problemas estão resolvidos. Nada de organização, nada de mobilização, nada de nada.

    De março de 2020 a maio de 2021, a esquerda brasileira ficou em casa assistindo à morte de 500 mil brasileiros por covid. Em 1º de maio de 2021, tivemos vários atos no Brasil. Da extrema direita. O único da esquerda foi feito por uma pequena vanguarda. Nada de PT, PCdoB, PSOL, PCB, PSTU. Nesse primeiro de abril, enquanto os militares festejaram o golpe que eles deram em 1964 - o que significa que eles fariam de novo com prazer -, a esquerda se recusou novamente a sair às ruas, não fez nada. Enquanto isso, a CUT paralisada e o MST sendo convertido em Fintech de 'banqueiro de esquerda'. Não quero ser pessimista, prefiro ser realista. Mas não descarto a terrível hipótese de que estamos vendo a lenta morte do PT como partido dos trabalhadores, um retrocesso histórico para o Brasil.

    É perturbador assistir o grotesco espetáculo daqueles que passaram anos chamando parte do povo brasileiro de 'gado', sem se atentar para o fato de que o que ocorreu foi, isso sim, um golpe na mão grande, com militares, STF, TSE e tudo, tratarem agora a militância de esquerda como gado, como pessoas que não podem opinar e decidir os rumos do movimento de massas. Na visão desses míopes 'senhores', a base é gado para ser tocado, não tem que pensar nem ter opinião.

    Companheiros, a probabilidade disso terminar em um desastre é muito grande. Todas as pessoas com consciência deveriam ficar consternadas com tamanho desenvolvimento negativo da situação. Temos muito a perder.

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