quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Rascunho do texto para a agenda 2026

 Todo final de ano, a tendência petista Articulação de Esquerda lança uma Agenda dedicada a um tema. Já tivemos agendas dedicadas ao aniversário do PT, da revolução russa, da revolução chinesa, da unificação do Vietnã, dos 100 anos do comunismo no Brasil, assim como agendas dedicadas à Rosa Luxemburgo, ao Che e a outras lideranças da luta pelo socialismo.

As vezes a escolha do tema não é óbvia e dá certo trabalho. Mas para 2026, não havia dúvida: dedicamos esta Agenda ao centenário de Fidel Castro.

Falar de Fidel é falar de Cuba, ilha situada no mar do Caribe, com 110.922 km2 de extensão e uma população que gira ao redor de 11 milhões de habitantes, ¾ deles morando nas cidades.

O principal fato político da história cubana foi e segue sendo a luta pela independência. Nesta luta, há pelo menos três marcos: a guerra de 1868-1878 (derrotada); a guerra de 1895-1902 (parcialmente vitoriosa); e a revolução de 1953-1959 (vitoriosa).

Na guerra de 1895-1902, quando os revolucionários estavam para vencer a guerra de independência, os Estados Unidos invadiram Cuba a pretexto de “ajudar” os cubanos na luta contra a Espanha. Por isto, quando é proclamada, em 20 de maio de 1902, a República de Cuba nasce constitucionalmente atrelada aos Estados Unidos. A chamada Emenda Platt legalizava o direito dos EUA intervirem em Cuba.

A história de Cuba, de 1902 até 1959, girou ao redor da luta de independência contra os Estados Unidos. Esta luta passa por diversas etapas, a última das quais se combinavam com a a luta contra a ditadura surgida a partir de março de 1952, quando ocorre um golpe encabeçado pelo sargento Fulgencio Batista.

Uma das reações a este golpe é o ataque ao Quartel Moncada, ataque liderado por Fidel Castro, jovem advogado ligado ao Partido Ortodoxo, partido que provavelmente venceria as eleições canceladas devido ao golpe.

Fidel nasceu no Oriente cubano, região de forte tradição revolucionária. Seu pai era proprietário de uma finca de 10 mil hectares. Fidel fez parte de seus estudos numa escola jesuíta, depois formou-se advogado. Na universidade, participou ativamente do movimento estudantil e da política cubana, como militante da ala esquerda do Partido Ortodoxo, num período histórico rico em influências: Guerra Civil Espanhola, Segunda Guerra Mundial, a ascensão da URSS à condição de potência, o início da “Guerra Fria”, o Bogotazo na Colômbia, o golpe na Guatemala.

Mas o que parece ter empurrado Fidel para uma militância revolucionária foi o duplo impacto do suicídio (em 5 de agosto de 1951) de Eduardo Chibás, líder do Partido Ortodoxo; e também do golpe de Batista (10 de março de 1952). Os dois acontecimentos deixaram pouca margem para a oposição democrática cubana.

Na época, Fidel era então um nacionalista e um democrata radical. Sua referência principal era José Martí, que ele chamará de “autor intelectual” do assalto ao Quartel Moncada.

O ataque ao Moncada, realizado no dia 26 de julho de 1953, fracassa totalmente. Os poucos sobreviventes, entre eles Fidel, são condenados à prisão. No julgamento, Fidel faz sua própria defesa, que é posteriormente publicada num livro cujo título é profético: A história me absolverá!

Anistiados em 1955, os líderes do assalto ao Moncada fundam o Movimento 26 de julho (M26), vão para o exílio e desencadeiam um plano político-militar que os levaria ao poder, em 1 de janeiro de 1959.

O M26 era uma organização político-militar, com forte base urbana, especialmente entre os setores médios. Existiam outras forças com muita presença de massa, como o Diretório Revolucionário e o Partido Popular Socialista (nome assumido pelo partido comunista em Cuba), além de um forte movimento estudantil e sindical.

É o M26 de julho que organiza a expedição que chegará em Cuba, trazendo cerca de 80 revolucionários, a maioria dos quais morre em combate logo após o desembarque. Os sobreviventes, liderados por Fidel, organizam a guerrilha em Sierra Maestra e – com forte apoio político e material nas cidades – desencadeiam uma guerra de guerrilhas que os levará ao triunfo.

Quanto comandou o assalto ao Quartel Moncada, o programa de Fidel, delineado no discurso A história me absolverá, é o de uma revolução democrática e nacional. A derrota do assalto ao Quartel Moncada, a prisão, o julgamento, o exílio, o regresso e a guerrilha na Sierra Maestra provocam uma radicalização nesse programa, entre outros motivos porque a principal base social da guerra transita dos setores médios urbanos para os trabalhadores rurais.

Quando conquistam o poder, no dia 1 de janeiro de 1959, os revolucionários – especialmente aqueles vinculados ao Movimento 26 de julho – começam a implementar um programa não apenas nacional, mas nitidamente anti-imperalista; não apenas democrático, mas democrático-popular. O principal sinal disso é a reforma agrária.

A burguesia cubana, parte dos setores médios e o imperialismo estadounidense resistem e contra-atacam, seja indo para fora do país, seja com intensa pressão ideológica e política, estimulando dissidências no governo e nos grupos revolucionários, fazendo sabotagem econômica e atentados e estimulando a intervenção dos Estados Unidos. O ponto alto deste contra-ataque é o desembarque gusano-yankee em Praia Girón.

É esse momento que vai marcar a conversão de uma revolução democrático-popular em uma revolução socialista. O anúncio foi o discurso feito por Fidel Castro, dia 15 de abril de 1961, na véspera da invasão da Praia Girón, episódio também conhecido como Baia dos Porcos. Se tudo o que queremos fazer em Cuba é socialismo, então a revolução é socialista...

Mas que tipo de socialismo? E qual relação Cuba manteria com o “campo socialista” liderado então pela União Soviética?

Vale lembrar que a revolução cubana desmoralizou muitos dos dogmas do “marxismo-leninismo” hegemônico no movimento comunista da época. Segundo aquele doutrina, os Partidos Comunistas tinham por definição um papel de vanguarda nas revoluções socialistas. Acontece que em Cuba o Partido Socialista Popular cumpriu um papel secundário, e muitas vezes oposto às necessidades revolucionárias.

Segundo a doutrina já citada, a revolução em países atrasados como Cuba devia percorrer primeiro uma etapa democrática-nacional-capitalista, e só depois a socialista, sendo ambas separadas por um certo período histórico. Mas em Cuba as “etapas” se confundiram num fluxo contínuo.

Para o senso-comum de boa parte dos “marxistas-leninistas” da época, seria impossível fazer uma revolução contra o Exército e nas barbas dos Estados Unidos. Mas em Cuba ocorreram ambas as coisas.

Essas e outras questões empurraram os revolucionários cubanos, sob a liderança de Fidel, a buscar um caminho próprio. Nos dois casos, Che Guevara cumpriu um papel destacado, tanto na tentativa de construir uma dinâmica econômica diferente do modelo soviético, quanto na tentativa de estimular outros revoluções que contribuíssem para reduzir o cerco dos EUA contra a revolução cubana. O assassinato de Guevara, em outubro de 1967, simboliza a derrota destas tentativas.

Na prática, Cuba foi forçada a alinhar-se com a União Soviética, com seu modelo econômico, com sua política internacional e com a doutrina “marxista-leninista”. Mas as diferenças continuaram existindo, como demonstram o apoio cubano às guerrilhas latino-americanas, para o desespero da linha “pacífica” predominante nos partidos comunistas.

Fidel nunca foi o “marxista-leninista” que as academias soviéticas (e norte-americanas) desejariam. Vale lembrar, a esse respeito, o esforço feito para emprestar a José Martí a mesma estatura de Lenin. Segundo os cubanos, Martí teria se antecipado ao revolucionário russo, em duas questões fundamentais: na análise do imperialismo e na teoria do Partido.

Mas apesar das muitas e importantes diferenças, o fato principal é que o modelo econômico adotado por Cuba a tornou altamente dependente do bloco dirigido pela URSS.

Entre o Primeiro Congresso do PCC (1975) e a debacle do “campo socialista” (1991), passaram-se pouco mais de quinze anos.

O desmanche do bloco soviético impactou a economia cubana, atingindo fortemente um dos pilares da hegemonia comunista na ilha: a relativa igualdade social. Quando aquele bloco e a própria União Soviética deixaram de existir, Cuba perdeu, simultaneamente, o comprador de seus produtos de exportação e o fornecedor de suas importações. Entre 1989 e 1991, entre a dissolução dos regimes socialistas no Leste Europeu e o fim da URSS, as exportações cubanas se reduziram em 62% e as importações caíram pela metade.

Ao mesmo tempo, os Estados Unidos ampliaram o bloqueio e todo tipo de sabotagem contra a Ilha, na expectativa de que Cuba tivesse o mesmo destino dos regimes dirigidos pelos partidos comunistas do Leste Europeu.

Nessas circunstâncias, Cuba teve que gerar divisas (para importar) e substituir importações (para não precisar mais importar). Isso, vale lembrar, sob a pressão do bloqueio norte-americano. E também sob outra restrição fundamental: a carência de algumas riquezas materiais, o que torna Cuba necessariamente dependente do comércio internacional, salvo um cavalar avanço tecnológico, que possibilitasse uma enorme substituição de matérias-primas.

Cuba entrou então no “período especial”, marcado por imensas restrições materiais. Na época, um dos caminhos adotados para enfrentar a situação foi o de abrir o país ao turismo e às inversões estrangeiras. O resultado acabou sendo a criação de uma dupla economia: a economia do peso cubana e a economia do dólar estadounidense. Socialmente, isso significou cavar um fosso entre os que tinham e os que não tinham moeda estrangeira.

Algumas das decorrências disso, segundo palavras de Raúl Castro, irmão de Fidel e seu sucessor, foram a corrupção, a prostituição, a mão de obra especializada recebendo em pesos muito menos do que mão de obra não especializada que recebe em dólar etc.

Durante esta etapa, marcada pelo unilateralismo, neoliberalismo e colapso do socialismo soviético, há um forte debate sobre como sobreviver, como seguir independente e como prosseguir socialista.

Antes mesmo do fim da URSS, Fidel tomou distância dos soviéticos, demarcou suas diferenças com as reformas de Gorbachev e reforçou o componente nacional de sua ideologia. Num discurso proferido em 1986, ele dirá que o marxismo-leninismo é profundamente internacionalista e, por sua vez, profundamente patriótico.

Com todas as dificuldades possíveis e inimagináveis, Cuba resistiu até que a situação na América Latina e Caribe mudou, com a eleição de Chavez na Venezuela (1998), Lula no Brasil (2002), Kirchner na Argentina (2003) e Tabaré Vazques no Uruguai (2004).

Nesse período, muita gente imaginava que o governo cubano, sob liderança de Fidel, adotasse medidas denominadas de liberalizantes, ou seja, que estimulasse os investimentos estrangeiros, as empresas privadas cubanas e o trabalho por conta própria. Mas tais medidas só começaram a ser implementadas depois que, em 31 de julho de 2006, por razões de saúde, Fidel Castro teve que se afastar do comando do Estado e do Partido cubanos.

A linha geral dessas medidas está descrita num documento chamado "Lineamientos para la Política Económica y Social del Partido y la Revolución", um conjunto de orientações aprovadas pelo Sexto Congresso do Partido Comunista de Cuba, realizado em 2011.

Tendo como objetivo construir um “socialismo próspero y sostenible”, os “Lineamientos” reafirmam a propriedade social dos meios de produção fundamentais e falam em “atualização do modelo”. Mas as ações práticas decorrentes não constituem uma mera “atualização”, mas sim o abandono de um determinado “modelo” de construção do socialismo, baseado na quase exclusiva propriedade estatal dos meios de produção, em favor de outro caminho que, em nome de desenvolver as forças produtivas indispensáveis ao socialismo, apela para diferentes formas de propriedade privada e relações de mercado.

Este outro caminho, na medida em que busca dar uso produtivo para a capacidade de trabalho de amplos setores da população cubana, também implica em legalizar e em alguns casos ampliar a desigualdade social.

As reformas (termo mais adequado que “atualização do modelo”) geram polêmicas. A direita não gosta da reafirmação do socialismo, nem da manutenção do Partido Comunista no comando do Estado cubano: Raul Castro deixou claro que não foi eleito para fazer Cuba voltar a ser capitalista.

Por outro lado, setores de esquerda não apreciam as “concessões ao capitalismo”, além dos que defendem que as reformas sejam acompanhadas de mais debate e democracia popular, inclusive para tratar das citadas desigualdades.

Para além destas polêmicas, há que se levar em conta a conjuntura internacional e latinoamericana. A aprovação dos Lineamentos coincide com um período de contraofensiva dos EUA e da oligarquia regional, contra os setores progressistas e de esquerda. Em muitos países, a esquerda perdeu os governos. E onde conseguiu manter as dificuldades aumentaram muito. De conjunto, o apoio a Cuba ficou menor.

Um dos marcos dessa contraofensiva foi o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, consumado no final de agosto de 2016. Poucos meses depois, em 25 de novembro de 2016, Fidel morreu aos 90 anos de idade.

Ao longo de muitas décadas, Fidel combinou as características de chefe de partido, chefe de Estado e líder de massas. Ele não foi um teórico ao estilo de Lênin e de Mao. Apesar disso, é muito provável que seus textos, entrevistas e discursos continuem a ser estudados por muito tempo. Isto porque a trajetória de Fidel é a expressão individual e concentrada da história recente cubana. E Cuba foi o mais longe que uma nação atrasada pode ir: transformou suas aspirações nacionais, sociais e democráticas em força motriz de uma revolução anti-imperialista e anti-capitalista. Da mesma forma, Fidel foi o mais longe que um democrata e nacionalista radical poderia ir, nas condições do seu tempo –tornou-se um comunista.

Um bom exemplo destas múltiplas facetas de Fidel são suas declarações no dia 21 de janeiro de 1988, por ocasião da visita à Cuba do Papa João Paulo II. Terminemos pois este texto dando a palavra ao Comandante Fidel Castro.

[Vossa Santidade] não encontrará aqui aqueles pacíficos e bondosos habitantes que a povoavam quando os primeiros europeus chegaram a esta ilha. Os homens foram exterminados quase todos pela exploração e pelo trabalho escravo...; as mulheres, convertidas em objeto do prazer ou escravas domésticas. Houve também os que morreram sob o fio de espadas homicidas, ou vítimas de enfermidades desconhecidas importadas pelos conquistadores... No correr de séculos, mais de um milhão de africanos cruelmente arrancados de suas distantes terras ocuparam o lugar dos escravos índios já extintos... A conquista e colonização de todo o hemisfério se estima que custou a vida de 70 milhões de índios e a escravização de 12 milhões de africanos...

Cuba, em condições extremadamente difíceis, chegou a construir uma nação. Lutou só com insuperável heroísmo por sua independência. Sofreu por isso, faz exatamente 100 anos, um verdadeiro holocausto nos campos de concentração, onde morreu parte considerável de sua população, fundamentalmente anciões e crianças...

Hoje de novo se tenta o genocídio, pretendendo render através da fome, enfermidade e asfixia econômica total a um povo que se nega a submeter-se aos ditames e ao império da mais poderosa potência econômica, política e militar da história, muito mais poderosa que a antiga Roma... Como aqueles cristãos atrozmente caluniados, nós, tão caluniados como eles, preferimos mil vezes a morte que renunciar a nossas convicções.

 

Um comentário:

  1. Excelente.
    Só acho que a data mais relevante da relação Estado Igreja aconteceu com a visita do papa polonês pouco antes da ascensão de Chaves na Venezuela.
    Lembre que esse mesmo líder dos católicos se alinhou com o imperialismo para mobilizar a classe operária contra a burocracia soviética.
    Essa visita mobilizou milhões na Ilha com fortes críticas do próprio pontífice ao mundo de consumo capitalista.
    Fidel dizia, repetindo Che, que a tarefa mais importante da Revolução é criar o novo homem, um outro ser humano não?
    Guajira Guantanamera....

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