quinta-feira, 27 de novembro de 2025

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 Uma década de intensa luta política!

Em 2014, o segundo turno das eleições presidenciais foi decidido por poucos votos, em meio a uma batalha épica. Os derrotados não aceitaram o resultado, chegando a questionar inclusive a composição social da votação obtida pela presidenta Dilma Rousseff. Deixaram claro, de forma absolutamente compreensível, que estavam dispostos a apelar para o golpe e que não repetiriam o erro cometido por Geraldo Alckmin em 2005, quando achou que o PT e Lula “sangrariam” até serem derrotados em 2006. Após o segundo turno de 2014, o PSDB e as elites sabiam que, se Dilma havia conseguido vencer naquele ano, Lula teria imensas chances de vencer em 2018. E, portanto, a saída era o golpe.

E os vencedores de 2014? Estes não entenderam o que estava acontecendo e cometeram um dos maiores erros de sua história. Nomearam um ministro da Fazenda ligado à oposição, que executou um ajuste ortodoxo que prejudicou o Brasil, a economia e o governo. Fizeram isso achando que, adotando a solução proposta pelos derrotados de 2014, estes se dividiriam: o empresariado se acomodaria, isolando os setores golpistas. Mas não foi o que aconteceu: a opção pelo golpismo não era apenas de Aécio Neves e de uma quadrilha, a opção pelo golpismo era da maior parte da classe dominante brasileira. E isso se devia, entre outros motivos, à mudança no cenário internacional: depois da crise de 2008, depois da marolinha ter virado um tsunami, a única chance de recuperar as taxas de lucro era arrochar os direitos, empregos e salários da classe trabalhadora. E, para fazer isso, era preciso tirar o PT da Presidência da República.

O restante da história é conhecido: golpe de 2016 contra a presidenta Dilma, condenação e prisão do presidente Lula, interdição da candidatura de Lula e eleição do cavernícola à Presidência da República em 2018.

Vale registrar que, assim como o golpe de 2016 surpreendeu muitos petistas, a candidatura de Bolsonaro também surpreendeu muita gente na direita gourmet. Afinal, o PSDB e o PMDB, quando apostaram no golpe e no governo Temer, o fizeram na expectativa de vencer as eleições de 2018 com um candidato da direita normal, neoliberal, mas capaz de usar garfo e faca. Mas quem planta vento colhe tempestade: durante anos, o PSDB vinha girando à direita, vinha estimulando a extrema-direita a vir para as ruas combater a esquerda. E, muito antes disso, essa mesma direita não quisera condenar e punir os crimes da ditadura. E mantivera as forças armadas intocadas, ensinando aos seus que, em 1964, ocorrera um “movimento democrático”, não um golpe militar. Sendo assim, não surpreende que, em 2018, Bolsonaro tenha surgido – por articulação conduzida pelo alto comando das forças armadas, especialmente do exército de Vilas Boas – como grande favorito.

Na hora da verdade, no segundo turno, a maior parte da direita não titubeou: preferiu votar em Bolsonaro contra Haddad, apesar de este ser o mais tucano dos petistas. Como resultado, vieram quatro anos de governo da extrema-direita, durante os quais a direita gourmet também preferiu conciliar. Mas a recíproca não era verdadeira: assim como a ditadura proscreveu os direitos políticos de parte da direita que apoiou o golpe de 1964, Bolsonaro também pretendia limitar os direitos de parte da direita que apoiou sua vitória em 2018. O STF e a Globo estavam na lista. E foi destes locais que brotou nova reviravolta: a libertação e o direito de Lula concorrer às eleições de 2018.

Durante anos, Lula resistira graças ao apoio do PT e da militância de esquerda. Foi esse apoio que preservou o “capital eleitoral” de Lula, capital que o tornava o único capaz de derrotar Bolsonaro em 2022. Parte da direita gourmet, percebendo isso, capitulou a realidade: aceitou que Lula voltasse à cena, confiante que o parlamentarismo de fato, a judicialização da política e a autonomia do Banco Central manteriam Lula e o PT na linha.

Os planos foram relativamente bem-sucedidos, não fosse por três fatos. Primeiro, devido à intentona golpista da extrema-direita. Esta gerou repercussões que mantêm a política nacional polarizada até hoje, impedindo a “pacificação neoliberal” que a direita gourmet tentou e segue tentando. Segundo, devido à situação internacional, que o governo dos Estados Unidos vem estressando dia sim e dia também. Terceiro e principalmente, devido à postura do capital financeiro e do setor primário-exportador, incapazes de fazer mínimas concessões. Estes três fatos podem empurrar o governo Lula e o PT para uma postura mais radical do que a admitida no script desejado pela direita gourmet. O que acontecerá se isso acontecer, veremos.

O que importa destacar é que, nesses mais de dez anos, a sociedade brasileira se politizou imensamente. Embora muitos falem em antipolítica, o que na verdade ocorre é o confronto entre visões políticas antagônicas e excludentes. Há quem não goste disso. Compreensível. Mas a verdade é que, como noutros momentos da história do Brasil, estamos diante de alternativas opostas: soberania ou colônia? Democracia popular ou coronelismo? Bem-estar social ou trabalho análogo à escravidão? Industrialização ou primário-exportação? Sendo esta a situação, é natural que a política reflita estas contradições agudas. Assim, a alternativa não deve ser reclamar da guerra. A alternativa é se preparar para vencer a guerra.

 Valter Pomar é professor da Universidade Federal do ABC e diretor de cooperação internacional da Fundação Perseu Abramo

 

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