Uma década de intensa luta política!
Em 2014, o segundo turno das
eleições presidenciais foi decidido por poucos votos, em meio a uma batalha
épica. Os derrotados não aceitaram o resultado, chegando a questionar inclusive
a composição social da votação obtida pela presidenta Dilma Rousseff. Deixaram
claro, de forma absolutamente compreensível, que estavam dispostos a apelar
para o golpe e que não repetiriam o erro cometido por Geraldo Alckmin em 2005,
quando achou que o PT e Lula “sangrariam” até serem derrotados em 2006. Após o
segundo turno de 2014, o PSDB e as elites sabiam que, se Dilma havia conseguido
vencer naquele ano, Lula teria imensas chances de vencer em 2018. E, portanto,
a saída era o golpe.
E os vencedores de 2014? Estes
não entenderam o que estava acontecendo e cometeram um dos maiores erros de sua
história. Nomearam um ministro da Fazenda ligado à oposição, que executou um
ajuste ortodoxo que prejudicou o Brasil, a economia e o governo. Fizeram isso
achando que, adotando a solução proposta pelos derrotados de 2014, estes se
dividiriam: o empresariado se acomodaria, isolando os setores golpistas. Mas
não foi o que aconteceu: a opção pelo golpismo não era apenas de Aécio Neves e
de uma quadrilha, a opção pelo golpismo era da maior parte da classe dominante
brasileira. E isso se devia, entre outros motivos, à mudança no cenário
internacional: depois da crise de 2008, depois da marolinha ter virado um
tsunami, a única chance de recuperar as taxas de lucro era arrochar os
direitos, empregos e salários da classe trabalhadora. E, para fazer isso, era
preciso tirar o PT da Presidência da República.
O restante da história é
conhecido: golpe de 2016 contra a presidenta Dilma, condenação e prisão do
presidente Lula, interdição da candidatura de Lula e eleição do cavernícola à Presidência
da República em 2018.
Vale registrar que, assim como o
golpe de 2016 surpreendeu muitos petistas, a candidatura de Bolsonaro também
surpreendeu muita gente na direita gourmet. Afinal, o PSDB e o PMDB, quando
apostaram no golpe e no governo Temer, o fizeram na expectativa de vencer as
eleições de 2018 com um candidato da direita normal, neoliberal, mas capaz de
usar garfo e faca. Mas quem planta vento colhe tempestade: durante anos, o PSDB
vinha girando à direita, vinha estimulando a extrema-direita a vir para as ruas
combater a esquerda. E, muito antes disso, essa mesma direita não quisera
condenar e punir os crimes da ditadura. E mantivera as forças armadas
intocadas, ensinando aos seus que, em 1964, ocorrera um “movimento
democrático”, não um golpe militar. Sendo assim, não surpreende que, em 2018,
Bolsonaro tenha surgido – por articulação conduzida pelo alto comando das
forças armadas, especialmente do exército de Vilas Boas – como grande favorito.
Na hora da verdade, no segundo
turno, a maior parte da direita não titubeou: preferiu votar em Bolsonaro
contra Haddad, apesar de este ser o mais tucano dos petistas. Como resultado,
vieram quatro anos de governo da extrema-direita, durante os quais a direita
gourmet também preferiu conciliar. Mas a recíproca não era verdadeira: assim
como a ditadura proscreveu os direitos políticos de parte da direita que apoiou
o golpe de 1964, Bolsonaro também pretendia limitar os direitos de parte da
direita que apoiou sua vitória em 2018. O STF e a Globo estavam na lista. E foi
destes locais que brotou nova reviravolta: a libertação e o direito de Lula
concorrer às eleições de 2018.
Durante anos, Lula resistira
graças ao apoio do PT e da militância de esquerda. Foi esse apoio que preservou
o “capital eleitoral” de Lula, capital que o tornava o único capaz de derrotar
Bolsonaro em 2022. Parte da direita gourmet, percebendo isso, capitulou a
realidade: aceitou que Lula voltasse à cena, confiante que o parlamentarismo de
fato, a judicialização da política e a autonomia do Banco Central manteriam
Lula e o PT na linha.
Os planos foram relativamente
bem-sucedidos, não fosse por três fatos. Primeiro, devido à intentona golpista
da extrema-direita. Esta gerou repercussões que mantêm a política nacional
polarizada até hoje, impedindo a “pacificação neoliberal” que a direita gourmet
tentou e segue tentando. Segundo, devido à situação internacional, que o
governo dos Estados Unidos vem estressando dia sim e dia também. Terceiro e principalmente,
devido à postura do capital financeiro e do setor primário-exportador,
incapazes de fazer mínimas concessões. Estes três fatos podem empurrar o
governo Lula e o PT para uma postura mais radical do que a admitida no script
desejado pela direita gourmet. O que acontecerá se isso acontecer, veremos.
O que importa destacar é que,
nesses mais de dez anos, a sociedade brasileira se politizou imensamente.
Embora muitos falem em antipolítica, o que na verdade ocorre é o confronto
entre visões políticas antagônicas e excludentes. Há quem não goste disso.
Compreensível. Mas a verdade é que, como noutros momentos da história do
Brasil, estamos diante de alternativas opostas: soberania ou colônia?
Democracia popular ou coronelismo? Bem-estar social ou trabalho análogo à
escravidão? Industrialização ou primário-exportação? Sendo esta a situação, é
natural que a política reflita estas contradições agudas. Assim, a alternativa
não deve ser reclamar da guerra. A alternativa é se preparar para vencer a
guerra.
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