Além de ser do mesmo Partido de Lula, fiz campanha e votei nele todas as vezes em que isso foi possível. Sou apenas um, entre milhões que fizeram o mesmo, desde 1982.
Talvez por isso, toda vez que o Lula fala alguma coisa, gente como eu é questionada: “gostou? concordou?”
Isso aconteceu recentemente, acerca de declarações que Lula deu acerca da greve das universidades e institutos federais.
Destas declarações, quero comentar duas.
A primeira delas eu escutei, a outra eu li.
A que eu li foi a seguinte:
"As universidades sabem que demos 9% [de reajuste] no primeiro ano, sem eles pedirem. Aí o pessoal queria 4,5 %. Já ganharam em 2023, nem me agradeceram, e já estão querendo. Vamos resolver do jeito que for possível, temos que melhorar a vida das pessoas".
Supondo que Lula tenha mesmo dito isso, opino que “agradecimento” não é uma palavra adequada. A gente agradece um presente, uma gentileza, um favor, um carinho.
A gente não deve agradecer uma política pública. Política pública a gente conquista e defende.
No caso, a principal conquista foi obtida por 60 milhões de compatriotas. Alguns foram mais importantes, outros foram menos importantes. Certamente Lula foi muito importante nesta luta. Mas, mesmo assim, “agradecimento” não é a melhor palavra para falar de tudo que decorreu daquela conquista principal.
Alguém pode dizer: é só uma palavra. Que importância tem?
Respondo: quem acredita que merece agradecimento, pensa que fez um favor. E se fez um favor, logo acredita que pode deixar de fazer. Se 9% em 2023 foi um favor, então não haveria motivo para reclamarem do 0% em 2024.
Destaco ter sido muito positivo que o governo Lula tenha tomado uma medida "emergencial" em 2023, em favor da educação pública superior. Assim como é positivo que tenha dado mais alguns passos neste sentido, em 2024. O problema é que há um amplo sentimento de que o governo ficou aquém do necessário e aquém do possível.
No seu íntimo, alguns integrantes do governo - talvez por estarem esperando um “agradecimento” que não veio - não parecem considerar assim. E, portanto, ora dizem (como Camilo) que a greve não era necessária, ora dizem (como Lula) que “não há muita razão para a greve estar durando o que está durando”.
Essa declaração - somada a “quem está perdendo é o Brasil e os estudantes brasileiros” - gerou muita reação negativa na comunidade universitária.
A esse respeito, já escrevi aqui: Valter Pomar: Lula e a greve nas universidades
Claro que há os bolsonaristas e o chamado esquerdismo: estes são contra quase qualquer coisa que Lula diga. E há os denominados lulistas: estes são a favor de quase qualquer coisa dita pelo presidente.
Mas existe uma outra camada, pessoas que são de esquerda, que lutaram contra o golpe, lutaram contra a prisão de Lula, lutaram contra o Cavernícola, votaram 13 na última eleição presidencial.
Entre essas pessoas, que são progressistas e de esquerda, sem serem lulistas, as declarações supracitadas repercutiram negativamente.
Afinal, se a greve esta durando o que está durando, se alguns estão saindo da greve mas outros persistem, o motivo principal é que o governo está aquém.
Mas, ao invés de reconhecer isso, vários integrantes do governo resolveram dar “lição de moral” nos grevistas.
Isto é visto, por bastante gente, como uma postura arrogante: além de não ceder, ainda espezinha, alfineta, provoca, humilha. Sem falar da postura do negociador Feijóo e de certas atitudes cometidas pelos dois ministérios envolvidos.
Claro: patrão é patrão, governo é governo. Seria uma ingenuidade imensa esperar que os que controlam o cofre fossem apoiar a greve e suas demandas. E, sem dúvida, parte da reação negativa vem daí: da mesma forma que o presidente se coloca às vezes numa posição paternalista, parte da base tinha a expectativa de que o governo fosse mais sensível e coerente com os discursos de campanha.
Mas paternalismos e ilusões à parte, um governo encabeçado pela esquerda precisa sempre se esforçar para ter o apoio ativo dos trabalhadores. Inclusive dos trabalhadores do serviço público Já vimos - em 2015 e 2016 - o preço pago quando se faz confusão a respeito.
Neste sentido, algumas atitudes e declarações do presidente Lula e de seus auxiliares foram muito erradas. Nem ele, nem ninguém precisa concordar com isso. Mas é bom que saibam que muita gente - gente que ajudou a conquistar o governo, gente que deseja que o governo dê certo - pensa que o governo errou na mão, não apenas no mérito, mas também na forma.
E insistimos em dizer isso porque, especialmente na situação política em que estamos, teria sido fundamental que o governo adotasse outra postura frente aos trabalhadores em greve, especialmente numa área tão estratégica como a educação superior.
Declarações como as que citamos anteriormente (e outras) são erradas, entre outros motivos porque contribuem para agravar os problemas. Agora, apesar das greves estarem - por enquanto - se aproximando do seu desfecho, continua sendo fundamental mudar de atitude.
Mas para isso será preciso, para além do esforço de reconstruir laços, ações práticas muito concretas, a começar pela recomposição plena do orçamento das universidades e institutos.
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