Roteiro do programa Contramola de 18/3/2024
No dia 18 de março de 1964, o
jornal Folha de S.Paulo publicou um anúncio muito especial.
Vou
ler trechos do referido anúncio:
“O nosso direito de amar a Deus, e a liberdade e a
dignidade de nossos maridos, filhos e irmãos, estão ameaçados pelos comunistas,
primários em seus instintos e brutos em seus sentimentos”.
“Eles se acham em plena marcha para submeter o Brasil à
escravidão da sua ditadura retrógrada, anti-humana, anti-cristã e fracassada na
quase faminta Rússia e na faminta China”.
“Explorando condições difíceis que eles próprios ajudaram
artificialmente a criar neste País da Esperança e do Futuro, os comunistas,
altamente acumpliciados, preparam-se para o assalto final às Igrejas de todos
os credos e a todas as liberdades de todos os cidadãos”.
“Vamos para as ruas, antes que os inimigos cheguem às
nossas Igrejas!”
“Compareça à “Grande Marcha da Família com Deus pela
Liberdade” que será realizada dia 19, partindo Às 16 horas da Praça da
República para a Praça da Sé”.
O anúncio era
assinado por dezenas de entidades.
Abrindo a lista
de signatários, estavam a
União Cívica Feminina (UCF) e o Movimento de Arregimentação Feminina (MAF).
Outros
dos signatários foram:
Fraterna Amizade
Cristã Urbana e Rural
Círculos Operários Católicos
Associações Cristãs de Moços
Associação Comercial de São Paulo
Sociedade Rural Brasileira
Clube dos Diretores Lojistas
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
Centro das Indústrias do Estado de São Paulo
Como já
dissemos, o anúncio foi publicado no dia 18 de março de 1964; no dia seguinte,
no dia 19 de março, uma quinta-feira, aconteceu a primeira Marcha da Família
com Deus pela Liberdade.
Digo a primeira,
porque aconteceram muitas, entre os dias 19 de março e 8 de junho de 1964.
A Marcha de São
Paulo foi a precursora.
A Marcha do Rio
de Janeiro, no dia 2 de abril, foi a mais concorrida, pois comemorava a vitória
do golpe, iniciado no dia 31 de março e consumado no dia 1 de abril.
Aliás, o dia
apropriado: o da mentira!
A Marcha de 19 de
março e as seguintes foram concebidas como uma resposta ao comício realizado na
sexta-feira, dia 13 de março de 1964, em frente à Estação Central do Brasil,
comício no qual discursaram João Goulart e Leonel Brizola, entre outros.
O discurso feito
por Leonel Brizola está disponível, na íntegra, no seguinte endereço:
O discurso feito
por João Goulart está disponível, na íntegra, no seguinte endereço:
https://memoria.ebc.com.br/cidadania/2014/03/discurso-de-jango-na-central-do-brasil-em-1964]
Vou citar uns
trechos do discurso de Jango:
Estaríamos,
sim, ameaçando o regime se nos mostrássemos surdos aos reclamos da Nação, que
de norte a sul, de leste a oeste levanta o seu grande clamor pelas reformas de
estrutura, sobretudo pela reforma agrária, que será como complemento da
abolição do cativeiro para dezenas de milhões de brasileiros que vegetam no
interior, em revoltantes condições de miséria.
Ameaça à democracia não é vir confraternizar com o povo na rua. Ameaça à
democracia é empulhar o povo explorando seus sentimentos cristãos, mistificação
de uma indústria do anticomunismo, pois tentar levar o povo a se insurgir
contra os grandes e luminosos ensinamentos dos últimos Papas que informam
notáveis pronunciamentos das mais expressivas figuras do episcopado brasileiro.
O inolvidável Papa João XXIII é quem nos ensina que a dignidade da pessoa
humana exige normalmente como fundamento natural para a vida, o direito ao uso
dos bens da terra, ao qual corresponde a obrigação fundamental de conceder uma
propriedade privada a todos.
É dentro desta autêntica doutrina cristã que o governo brasileiro vem
procurando situar a sua política social, particularmente a que diz respeito à
nossa realidade agrária.
O cristianismo nunca foi o escudo para os privilégios condenados pelos Santos
Padres. Nem os rosários podem ser erguidos como armas contra os que reclamam a
disseminação da propriedade privada da terra, ainda em mãos de uns poucos
afortunados.
Àqueles que reclamam do Presidente de República uma palavra tranquilizadora
para a Nação, o que posso dizer-lhes é que só conquistaremos a paz social pela
justiça social.
O discurso de
Jango tem outros trechos muito importantes.
De conjunto, o
discurso sinalizou que o governo ia acelerar o passo em direção às reformas de
base.
No seu discurso,
Jango sinalizou, também, a expectativa de que as Forças Armadas apoiariam a
ação do governo.
Frente ao
Comício de 13 de março, a reação da direita foi acelerar as providências para o
golpe.
O golpe não foi
uma reação ao comício, nem foi uma reação ao esquerdismo de Jango, como reza uma
lenda que foi recentemente endossada pelo jornalista Azedo, num artigo
publicado no Correio Braziliense, dia 13 de março de 2024, artigo que no
fundo reforça a tese segundo a qual “a culpa é da vítima”.
O artigo de Azedo está aqui: Análise: um comício que marcou a história do Brasil (correiobraziliense.com.br)
O golpe de 1964,
sempre é bom lembrar, foi uma continuação do golpe tentado e frustrado em 1954.
Por esses e por
outros motivos, o golpe de 1964 não foi uma reação ao comício. Mas, isto sim, o
golpe foi acelerado pelo comício.
Algo parecido
ocorreu no Chile, em 1973.
Pinochet era
comandante do Exército e fingia ser um defensor da Constituição.
Quando Allende
contou a Pinochet que convocaria um plebiscito, para o povo decidir sobre a
continuidade ou não do governo da Unidade Popular, Pinochet pisou no acelerador
e antecipou o golpe de Estado.
Dito isto,
voltemos à Marcha da Família com Deus pela Liberdade, ou melhor, voltemos uns
dias antes, ao Comício do 13 de março de 1964.
Os líderes da
direita acompanharam atentamente o comício.
E estavam
preocupados, principalmente aqueles que sabiam de fato confirmado por sondagens
feitas na época, mas não publicadas, a saber, sabiam que o governo Jango tinha
o apoio da maioria do povo.
Mais detalhes
sobre a aprovação do governo Jango, ler aqui:
Por isso, para o
golpe ter sucesso, não bastava ter apoio clerical, midiático, parlamentar, militar
e empresarial; era preciso, também, passar a impressão de que os golpistas tinham
o apoio da maioria da população.
É também por
isso que líderes da direita encamparam uma iniciativa de setores católicos
anticomunistas; mas ao mesmo tempo aqueles líderes decidiram dar caráter mais
amplo à iniciativa, para que ela não ficasse restrita a uma denominação
religiosa.
Aqueles setores
católicos anticomunistas tinham ficado particularmente irritados com a seguinte
passagem do discurso de Jango:
“(...) Ameaça à
democracia é empulhar o povo explorando seus sentimentos cristãos, mistificação
de uma indústria do anticomunismo (...) O cristianismo nunca foi o escudo para
os privilégios condenados pelos Santos Padres. Nem os rosários podem ser
erguidos como armas contra os que reclamam a disseminação da propriedade
privada da terra, ainda em mãos de uns poucos afortunados”.
Na
época, se dizia que uma “Irmã” chamada Ana de Lurdes teria sugerido “convocar
as mulheres às ruas”, para “castigar” Goulart “pela ofensa que fizera ao “Santo
Rosário”!
Aqui
vale destacar três coisas.
Primeiro:
destacar que na época havia um forte movimento de mulheres católicas,
conservadoras e anticomunistas.
Num
texto publicado na época, pode-se ler o seguinte:
“Alguém te dirá um dia, porventura, que a revolução
brasileira foi uma arrancada de ricos contra pobres, de patrões contra
operários. Por este livro saberás o quanto isso é falso. A revolução autêntica
não se deu a 31 de março, mas a 19 de março. Foi tua mãe quem a fez, pensando
em ti, para que tu continuasses livre e em regime de livre iniciativa pudesses
construir o futuro esplendoroso do grande Brasil de amanhã”.
Segundo:
destacar que na época havia um movimento chamado “Cruzada do Rosário em
Família”, movimento criado nos Estados Unidos, nos anos 1940, por um padre
chamado Patrick Peyton, com o objetivo de combater o “materialismo ateu” e a
“deformação dos costumes”, garantindo assim a “unidade da família” e salvando
“sua formação moral e cristã”.
O
lema da “Cruzada do Rosário” era “família que reza unida, permanece unida”.
Na
época, se dizia que as manifestações lideradas pelo Padre Peyton teriam reunido
600 mil pessoas em Recife, em 1961; e cerca de um milhão de pessoas, na cidade
do Rio de Janeiro, em 1962; e um milhão e meio de pessoas, em São Paulo
capital, no mês de agosto de 1964, depois do golpe.
Dizem
os especialistas que a Cruzada tinha o apoio da CIA e que não se limitava a
realizar estas atividades multitudinárias: também fazia trabalho de base nos
locais, nas paróquias.
Terceiro, destacar
que os marchantes mobilizaram também o mito da Revolução Constitucionalista.
Esse foi um dos
motivos pelos quais a Marcha com Deus começou na Praça da República.
Como diz um
texto também da época:
“MMDC
– Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo – é um poema da vida brasileira, escrito
numa placa de mármore, na praça da República, onde caíram varados a bala, os
primeiros quatro mártires da Revolução de 32. Eles jogaram e perderam, na
batalha pela liberdade de ser, liberdade de existir. Dali partiu a marcha,
reencetando a batalha perdida da outra vez. Na lembrança daqueles mortos,
encontrará o paulista vigor e fé para nova batalha, após cada batalha perdida”.
A
Marcha do dia 19 de março começou com uma exibição musical da banda da Força
Pública, matriz da atual Polícia Militar.
A
Marcha chegou na Praça da Sé, recebida pelo badalar de sinos das igrejas.
E,
claro, ao som do hino de 32!
Na marcha foi
distribuído um "Manifesto ao Povo do Brasil".
E os marchantes carregavam muitas faixas e repetiam palavras de ordem, por
exemplo:
“Reformas sim, comunismo
não”.
“Tá chegando a
hora de Jango ir embora”.
“Reformas
sociais sim, comunismo não”.
“Vermelho bom,
só batom”.
“Democracia sim,
comunismo não”.
“Verde e
amarelo, sem foice nem martelo”.
“Queremos um
governo cristão”.
“Defendamos a
Constituição”.
Entre as faixas,
havia uma que dizia também: “Instituto Braile de Santos”.
Na Praça da Sé,
houve vários discursos, entre os quais os do senador Audo de Moura Andrade, aquele
que presidiria a sessão do Congresso que, no dia 1 de abril, proclamaria vaga a
presidência da República.
Também
discursaram o deputado Herbert Levy, mais conhecido por conta da Gazeta
Mercantil; o senador Padre Calazans, da UDN; a deputada estadual paulista Conceição
da Costa Neves; Lino de Matos, do Partido Trabalhista Nacional; Plínio Salgado,
do Partido da Representação Popular; Gama e Silva, reitor da USP; o deputado
Antonio Silva da Cunha Bueno; e Miguel Reale!!
Sim, teve um
Miguel Reale na lista de oradores da Marcha de 19 de março, mostrando que quem
sai aos seus não degenera, exceto se...
Um dos mais
ilustres participantes da Marcha foi o Marechal Dutra, ex-presidente, que
declarou à Folha de S. Paulo o seguinte:
“Não posso me furtar a
fazer um apelo à lucidez e ao tradicional bom senso dos meus compatriotas, no
sentido de que se unam aos democratas, enquanto é tempo, a fim de evitar o
advento de condições que lancem o Brasil no desastre da irremediável secessão interna.
O respeito à Constituição é a palavra de ordem dos patriotas. A fidelidade à
lei é o compromisso sagrado dos democratas perante a nação. (...) Nada de bom
se resolve no clima do desentendimento, e é impossível sobreviver
democraticamente na subversão”.
Outra ilustre
participante foi dona Leonor de Barros, esposa do governador Ademar de Barros.
A reação da
esquerda a Marcha? Foram várias.
Destaco as que
desmereceram a Marcha como um ato “religioso” e de “classe média”.
Mesma atitude adotada
por alguns, frente à manifestação de golpistas realizada no dia 25 de fevereiro
de 2024.
Teve um elemento
religioso? Teve.
Teve presença da
chamada classe média? Teve.
Mas apesar disso
ou por isso mesmo, as Marchas – foram ao todo 69, realizadas entre 19 de março
e 1 de junho, incluindo nesta conta muitas Marchas realizadas em cidades do
interior do estado de São Paulo – atingiram o objetivo: criar a aparência de
que o golpe tinha respaldo majoritário na população.
Aliás, cá entre
nós, sugiro responder a seguinte questão: se os golpistas de 1964 tinham
maioria nas Forças Armadas e tinha, também, maioria no Congresso e no STF da
época, por quais motivos gastaram tempo fazendo movimentação de rua?
As respostas
para a questão acima ajudam a entender, também, por quais motivos a esquerda de
2024 - sem maioria no Congresso, sem maioria nas Forças Armadas, com um STF
neoliberal e que sabemos o que fez no verão passado - precisa necessariamente
mobilizar as ruas.
A
extrema-direita, tanto em 1964 quanto em 2024, não teve nem tem dúvidas a
respeito da importância de ocupar as ruas.
Hoje, mobilizam
muita gente que não tinha nascido em 1964, mas que usa com prazer um figurino
parecido com a da Marcha sexagenária.
O figurino é
vintage, mas não está deslocado. Pois os dilemas de fundo do Brasil seguem
muito parecidos, sessenta anos depois.
Infelizmente,
uma parte da esquerda resiste a tirar as devidas consequências deste fato.
Um último
comentário.
Um dos temas da
Marcha era a defesa do Congresso e da Constituição, contra a suposta ameaça de
Jango e dos comunistas.
Menos de 15 dias
depois, o Ato Institucional número 1, assinado pelo autoproclamado “Comando
Supremo da Revolução, representado pelos Comandantes-em-Chefe do Exército, da
Marinha e da Aeronáutica”, afirmou o seguinte:
É
indispensável fixar o conceito do movimento civil e militar que acaba de abrir
ao Brasil uma nova perspectiva sobre o seu futuro. O que houve e continuará a
haver neste momento, não só no espírito e no comportamento das classes armadas,
como na opinião pública nacional, é uma autêntica revolução.
(...)
A
revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se
manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais
expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa,
como Poder Constituinte, se legitima por si mesma. Ela destitui o governo
anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo. Nela se contém a
força normativa, inerente ao Poder Constituinte. Ela edita normas jurídicas sem
que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua vitória. Os Chefes da
revolução vitoriosa, graças à ação das Forças Armadas e ao apoio inequívoco da
Nação, representam o Povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte, de que o
Povo é o único titular. O Ato Institucional que é hoje editado pelos Comandantes-em-Chefe
do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, em nome da revolução que se tornou
vitoriosa com o apoio da Nação na sua quase totalidade, se destina a assegurar
ao novo governo a ser instituído, os meios indispensáveis à obra de
reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a
poder enfrentar, de modo direto e imediato, os graves e urgentes problemas de
que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da
nossa Pátria. A revolução vitoriosa necessita de se institucionalizar e se
apressa pela sua institucionalização a limitar os plenos poderes de que
efetivamente dispõe.
O presente
Ato institucional só poderia ser editado pela revolução vitoriosa, representada
pelos Comandos em Chefe das três Armas que respondem, no momento, pela
realização dos objetivos revolucionários, cuja frustração estão decididas a
impedir. Os processos constitucionais não funcionaram para destituir o governo,
que deliberadamente se dispunha a bolchevizar o País. Destituído pela
revolução, só a esta cabe ditar as normas e os processos de constituição do
novo governo e atribuir-lhe os poderes ou os instrumentos jurídicos que lhe
assegurem o exercício do Poder no exclusivo interesse do Pais. Para demonstrar
que não pretendemos radicalizar o processo revolucionário, decidimos manter a
Constituição de 1946, limitando-nos a modificá-la, apenas, na parte relativa
aos poderes do Presidente da República, a fim de que este possa cumprir a
missão de restaurar no Brasil a ordem econômica e financeira e tomar as
urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão comunista, cuja purulência já se
havia infiltrado não só na cúpula do governo como nas suas dependências
administrativas. Para reduzir ainda mais os plenos poderes de que se acha
investida a revolução vitoriosa, resolvemos, igualmente, manter o Congresso
Nacional, com as reservas relativas aos seus poderes, constantes do presente
Ato Institucional.
Fica,
assim, bem claro que a revolução não procura legitimar-se através do Congresso.
Este é que recebe deste Ato Institucional, resultante do exercício do Poder
Constituinte, inerente a todas as revoluções, a sua legitimação.
Moral da
história: a época empurrava grande parte das forças políticas para uma ruptura.
A esquerda defendia que esta ruptura exigiria uma nova Constituição, elaborada
pelo povo. Já a direita primeiro afirmou defender a Constituição, depois deu um
golpe e, em seguida, rasgou a Constituição, tudo isso sem e contra o povo.
Apesar disso, Luiz
Carlos Azedo, no texto já citado, diz que “em vez de apostar num
“dispositivo militar”, era mais importante respeitar as decisões do Congresso e
convencer a sociedade de que as reformas eram necessárias. E não as impor”.
Vamos
por partes.
Na
época do governo Goulart, a esquerda estava tendo êxito em convencer a
sociedade de que as reformas eram necessárias. E a maioria do povo apoiava o
governo, segundo o Ibope. Como é óbvio, o golpe ocorreu exatamente porque os
golpistas temiam perder as eleições presidenciais de 1965, assim como Pinochet
temia perder o plebiscito convocado por Allende.
O
governo Goulart não desrespeitou as decisões do Congresso. Aliás, no discurso
de 13 de março de 1964, Jango diz que para fazer mais, seria preciso mudar a
Constituição. Logo, quem “impôs” algo foi o golpe, não o governo Goulart.
Claro, os golpistas acusavam o governo Jango de atentar contra a Constituição.
E os golpistas de 64 também diziam que eles é que defendiam a democracia. Mas
deixemos para a direita a tarefa de repetir, sessenta anos depois, essa
“história alternativa”.
O
verdadeiro dilema que o governo Jango experimentava, como experimenta qualquer
um que tenta fazer reformas num marco institucional hostil, é: como furar o
cerco?
A
decisão do governo Jango foi a de apelar para a mobilização popular. E para se
convencer da necessidade de mobilização, Jango não precisa ser emprenhado pelo
ouvido por Prestes, como afirma Azedo, em mais uma versão de “a culpa é do
PT”, digo, “dos comunistas”. Cá entre nós, o trabalhismo daquela época tinha no
seu meio gente que viveu tanto 1930, quanto a Cadeia da Legalidade.
Seja
como for, só é possível fazer mobilização popular, se ela for acompanhada de
medidas práticas, que mostrem ao povo de que lado o governo realmente está, não
apenas na retórica, mas na ação.
O
problema não residia, portanto, em “respeitar” ou não respeitar “as decisões do
Congresso”; o problema residia em aceitar ou não a correlação de forças
congressual como sendo o limite do que o governo podia, ou não podia, fazer.
Ao
decidir ultrapassar este limite, o governo sabia que viriam reações ainda
maiores. E foi este, na minha opinião, o erro fatal: não estar preparado para
estas reações.
Portanto,
diferente do que diz Azedo, o problema não foi a disposição de usar um
dispositivo militar, para combater o golpismo. O problema foi confiar num
“dispositivo” fake, de araque, que não existia de verdade. O erro foi confiar
que havia, naquelas forças armadas, efetiva disposição de combater os golpistas
e seus aliados estrangeiros.
No
final de seu discurso, dia 13 de março de 1964, Jango disse: “só conquistaremos a paz social pela justiça
social”.
Faltou, em nome da paz, se preparar para fazer a guerra contra os patrocinadores e beneficiários da injustiça social.
ps 1. acusei outra pessoa de ser culpada pelo que disse Azedo. Na versão acima, está corrigido. Mil agradecimentos ao Gilberto Maringoni, pelo alerta.
ps 2.
quem quiser ler mais a respeito, sugiro as obras citadas abaixo, onde está
parte das informações comentadas no texto.
PRESOT,
Aline Alves. As Marchas da família com Deus pela liberdade e o golpe de 1964.
Dissertação de mestrado – Programa de Pós-Graduação em História Social.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004.
RODEGHERO,
Carla Simone. Religião e patriotismo: o anticomunismo católico nos Estados
Unidos e no Brasil nos anos da Guerra Fria. Revista Brasileira de História, São
Paulo, v. 22, n.44, p. 463-487, 2002.
CORDEIRO,
Janaína Martins. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade em São Paulo:
direitas, participação política e golpe no Brasil, 1964. Rev. hist. (São
Paulo), n.180, a01720, 2021, http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2021.167214
A história se repete e o combate sempre é contra o Comunismo abstendo-se de esclarecer a falência do capitalismo. O mesmo discurso da Folha lemos hj nas entrelinhas diariamente. O caminho será dar uma repaginada no Comunismo p quem sabe podermos nos fazer entender, ou entendem e combatem c a única intenção de manter a exploração capitalista comprovadamente destrutiva e mortal?
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