Editorial
Esta edição da revista Esquerda Petista coincide com o aniversário de 30 anos da tendência petista Articulação de Esquerda. O plano original era produzir um dossiê completo sobre a trajetória da tendência, mas dificuldades as mais variadas nos levaram a produzir algo mais modesto, mas que esperamos cumpra o objetivo de marcar o aniversário de uma iniciativa que foi e segue válida.
Isso posto, nos compete em primeiro lugar informar que o companheiro Marcos Jakoby foi responsável por coordenar, de forma militante, o conjunto de atividades relativas ao aniversário de trinta anos de fundação da AE, entre as quais citamos: a criação do selo 30 Anos, para ser usado nos materiais da tendência; a Agenda 2023; a reedição dos livros Socialismo ou Barbárie, Novos Rumos para o Governo Lula e a A Esperança é Vermelha -Resoluções da Décima Conferência da AE; a edição do livro O Brasil, a Universidade e o movimento estudantil; a publicação, em formato digital, das resoluções de todas as conferências e congressos da AE; a organização de uma seção especial no site Página 13; a gravação e disponibilização de um Arquivo Digital da AE; além desta edição da revista Esquerda Petista.
Em cada uma destas atividades, bem como em várias outras que não citamos, foi fundamental a contribuição de um conjunto de companheiras e companheiros, entre os quais o Emílio Font (responsável pelo desenho gráfico da quase totalidade de nossos materiais), o Rodrigo César (organizador e editor do livro sobre movimento estudantil citado anteriormente), a Adriana Miranda e a Rita Camacho (ambas na revisão e edição de diversos textos).
No caso específico desta edição de Esquerda Petista, agradecemos especialmente a quem contribuiu na elaboração dos textos que estão nas próximas páginas. É o caso dos companheiros Leandro Eliel, Marcos Jakoby, Mateus Lazzaretti e Lício Lobo; e das companheiras Natália Sena, Iriny Lopes, Sonia Hypólito, Pamela Kenne e Elisa Guaraná. Além de Emílio Font e das já citadas Rita Camacho e Adriana Miranda, contamos com a contribuição da Lena Azevedo.
O plano original desta edição da revista Esquerda Petista previa a publicação de uma linha do tempo, de um caderno de imagens e de uma seção de homenagens a militantes da AE que partiram ao longo das três décadas passadas desde a fundação. Pela razão exposta no início deste editorial, estas intenções não chegaram ao papel, embora estejam sendo executadas em nossa página digital (www.pagina13.org.br).
Para finalizar este editorial, queremos reafirmar que não somos nem queremos ser uma tendência com um grande passado pela frente. Não somos, porque temos a exata dimensão do que fomos, desde 1993: uma pequena organização militante, que buscou resistir ao movimento de domesticação que se abateu sobre o PT desde o início dos anos 1990. Não fomos, nem somos, os únicos a fazer isso e, por óbvio, não tivemos pleno êxito em nossos objetivos. Entretanto, o que fizemos contribuiu para que, nesses trinta anos que se passaram desde 1993, o PT continuasse sendo uma solução, aos olhos de parte expressiva da classe trabalhadora brasileira; e, também, contribuímos para que o PT continuasse sendo um problema, aos olhos da maior parte da classe dominante brasileira e, também, do imperialismo.
E não queremos ser uma tendência com um grande passado pela frente, porque embora avaliemos positivamente nossa modesta contribuição, entendemos que o mais importante ainda está por vir. Mesmo reconhecendo nossa condição minoritária, seguimos lutando contra a domesticação, cuja derrota supõe que as posições que nós – e outros setores da esquerda - defendemos se tornem majoritárias na classe trabalhadora, inclusive na direção nacional do PT.
Esta atitude, ao mesmo tempo resiliente e insistente, tem seu preço. Basta dizer que, já em 1993, a decisão de converter o movimento Hora da Verdade numa tendência organizada gerou o inconformismo e depois a ruptura daqueles que, no fundo, preferiam manter vínculos orgânicos com a “direita da Articulação”.
Desde então e até hoje, sofremos inúmeras rupturas coletivas e individuais. Na maioria dos casos, estas rupturas têm duas causas. Por um lado, os que buscam uma reaproximação teórica e orgânica com o setor moderado do Partido. De outro lado, os que desistem de disputar os rumos do Partido. Evidentemente, há os que saíram da Articulação de Esquerda por outros motivos, entre os quais se incluem nossas insuficiências, nossos erros e nossa linha política e métodos de funcionamento, que obviamente não são os únicos possíveis, do ponto de vista de quem luta pelo socialismo.
Seja como for, um fato é: desde que surgimos até hoje, nunca abrimos mão de disputar os rumos do Partido. Somos uma tendência petista. E, também por isso, ao mesmo tempo em que sempre defendemos a necessidade da unidade da esquerda, dentro e fora do PT, nunca nos furtamos de criticar aquelas organizações que estruturavam sua estratégia – supostamente de esquerda - em torno do objetivo de derrotar o PT. Igualmente nunca nos furtamos de criticar as posições de conciliação estratégica com setores da classe dominante brasileira, presentes e hegemônicas em vários partidos, algumas vezes combinadas com o objetivo de derrotar o petismo.
No caso do PT, a conciliação assume diferentes formas. Exemplos disso, no terreno programático: quando a reforma agrária perde centralidade; quando o combate ao capital financeiro se limita ao tamanho da taxa de juros; quando a reversão das privatizações é substituída pela naturalização das terceirizações; quando a reindustrialização é dependente do investimento privado, mormente estrangeiro; quando o socialismo sai da agenda, dando lugar a uma política de combate à exclusão. Exemplos disso no terreno estratégico: quando não se faz nada, a sério, no sentido de derrotar o oligopólio da comunicação, de democratizar o sistema judiciário e o parlamento, de reorganizar as forças armadas e as polícias, de criar as condições para realizar uma Assembleia Nacional Constituinte. Sem falar, é claro, da hipertrofia do institucional frente ao trabalho de organização, conscientização e mobilização direta da classe trabalhadora. E da desistência não apenas da revolução, mas também das reformas estruturais.
A essas dimensões – programática e estratégica – da conciliação, cabe adicionar uma outra, muito visível a partir do nosso “lugar de fala”, na condição de tendência petista: a domesticação orgânica do Partido. Comecemos seguindo a pista do dinheiro: o Partido se tornou quase que absolutamente dependente de fundos públicos, em detrimento da contribuição militante, que desde 2015 deixou de ser uma condição universalmente necessária para participar dos processos deliberativos internos. Depois, observemos o poder interno, cada vez mais concentrado nas mãos dos que ocupam mandatos executivos ou legislativos, em detrimento das instâncias coletivas do Partido. Por estes e outros caminhos, vão tentando converter o PT em parte do aparato de Estado, fazendo-o perder a condição de rebeldia antisistêmica que foi decisiva na sua primeira década de vida.
Este fenômeno atinge o PT, mas atinge também suas tendências internas, muitas das quais se converteram em cooperativas de parlamentares, em agências para disputar empregos públicos, em instrumentos para ocupar espaços nas direções, não mais para disputar os rumos políticos do Partido.
Todos estes fenômenos afetam a Articulação de Esquerda. “Como já dissemos e queremos repetir, temos entre nós muitos dos problemas e defeitos que existem no interior do PT e da esquerda brasileira. Em alguma medida isso é inevitável: não vivemos numa bolha, não somos uma seita. Embora, a bem da verdade, alguns dos problemas citados, embora também existam entre nós, existem em quantidade muito menor e sem afetar a conduta geral da tendência, como já se demonstrou em temas como a promiscuidade com a direita, a promiscuidade com o empresariado, o oportunismo no debate político-ideológico e a violência de gênero” (trecho da resolução do 8º Congresso da AE, realizado em julho de 2023).
Quando falamos estas coisas como elas são, há quem conclua que o jogo está jogado, que a partida está perdida, que a metamorfose se concluiu. Não é esta a nossa opinião. Seguimos no PT, seguimos disputando os rumos do PT, não por inexistir alternativa, mas por compreender que – nesta quadra histórica em que vivemos – a vitória da classe trabalhadora depende do Partido dos Trabalhadores. Não de um PT ou de uma esquerda imaginária, mas do PT e da esquerda realmente existentes, com todas as suas contradições, com seus problemas, com suas limitações. Pureza como caminho para redenção é uma máxima fascista. Ao contrário, quem tem algo de marxista sabe que a realidade é profundamente contraditória. E quem tem algo de leninista sabe que, se queremos mudar uma realidade contraditória, como é o caso do próprio PT, é preciso lutar.
Portanto, aos 30 anos de vida, o que podemos dizer é que vamos seguir lutando e fazendo de tudo para vencer, menos aquilo que o já famoso causídico atribuiu ao “pequeno príncipe”.
Venceremos? Só o tempo e a luta dirão. Sendo importante lembrar: não há a menor chance de vitória, de nenhuma estratégia da esquerda - da mais moderada até a mais radical-, se não houver uma crescente mobilização da classe trabalhadora. Mobilização ainda mais necessária, nesses tempos de guerra que vivemos.
Encerramos este editorial reiterando algo que está na resolução de nosso 8º Congresso: “momentos de crise profunda – como o que vivemos atualmente – são terríveis e perigosos, mas também são propícios para darmos passos decisivos para a construção de um novo mundo, um mundo com bem-estar e liberdades, com soberania e integração, um mundo desenvolvido e que preserve o meio ambiente, um mundo socialista”.
Valter Pomar, editor da revista Esquerda Petista e um dos presentes ao seminário de 1993, que fundou a Articulação de Esquerda
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