8º Congresso da tendência petista Articulação de Esquerda
Projeto de resolução (versão aprovada pela Direção nacional da AE no dia
23 de julho de 2023)
À militância do PT
O Partido dos Trabalhadores aprovou, no V Encontro Nacional (1987) e no
I Congresso (1991), o direito de tendência. E determinou que as tendências
devem dar publicidade, ao Partido, acerca de suas posições e atividades.
Cumprindo esta determinação, informamos ao conjunto do Partido que nos
dias 28, 29 e 30 de julho de 2023, acontecerá na sede nacional do PT, em
Brasília, o 8º Congresso nacional da tendência petista Articulação de Esquerda.
Destacamos o fato de que neste ano de 2023 a tendência petista
Articulação de Esquerda completará 30 anos, fato que será lembrado no Oitavo
Congresso, para cuja sessão de abertura convidamos o conjunto da militância
petista, em particular a direção nacional do PT, a direção do PT no Distrito
Federal e a as direções de todas as tendências existentes no Partido, a começar
pelas 14 tendências que fazem parte das 8 chapas representadas no Diretório
Nacional do Partido eleito em 2019.
A seguir o texto principal e os textos anexos aprovados pela direção
nacional da AE, para debate e deliberação do 8º Congresso Nacional.
Sem luta não haverá transformação
Lula tomou posse na Presidência da República em 1º de janeiro de 2023.
Esta vitória só foi possível porque as forças democráticas e populares
resistiram e derrotaram os golpistas e os neofascistas, derrota consagrada no
dia 30 de outubro de 2022, tendo sido decisivo o voto da classe trabalhadora
com consciência de classe, das mulheres, das negras e negros, da juventude e
dos eleitores de coração nordestino, moradores ou não daquela região do país.
A partir da vitória eleitoral e antes mesmo de ser diplomado, Lula começou
de imediato a tomar decisões presidenciais. É o caso de sua participação na 27ª
Conferência do Clima das Nações Unidas e, também, da participação de Lula nas
negociações junto ao Congresso Nacional, buscando alterar o orçamento 2023, de
forma a incluir recursos para pagar a chamada Bolsa Família para milhões de
famílias. O governo de extrema-direita não havia incluído tais recursos na
previsão orçamentária e, caso a negociação não fosse feita, Lula iria iniciar
seu governo administrando uma crise humanitária de proporções ainda mais
graves.
Também no período de 31 de outubro a 1º de janeiro, Lula dedicou grande
atenção à transição e ao balanço da situação do país e do governo federal. O
resultado deste trabalho foi tornado público no dia 22 de dezembro de 2022, num
relatório cuja leitura é essencial para compreender a herança maldita recebida
pelo governo Lula.
No mesmo período, Lula se dedicou à composição do governo e à definição
de suas relações com o judiciário e com o legislativo. Nos três casos, aplicou-se
a chamada “política de frente ampla”, ou seja, a política de alianças entre o
Partido dos Trabalhadores e um amplo leque de forças, incluindo aí partidos e
setores de partidos de esquerda, de centro, de centro-direita e de direita.
Usando como argumento e muitas vezes como pretexto a “correlação de
forças”, se fizeram alianças, inclusive, com forças que no passado recente
fizeram parte da base de apoio do governo de extrema-direita. O resultado desta
política de amplas alianças foi que as forças de direita e extrema direita
obtiveram maioria nas eleições estaduais (governos e assembleias legislativas),
maioria no Congresso nacional (Senado e Câmara) e 48% de votos no segundo turno
das eleições presidenciais.
Alguns argumentam que a pequena diferença de votos que garantiu a
vitória de Lula (2 milhões de votos) seria uma confirmação da necessidade de
amplas alianças. Pensamos diferente: outra política no primeiro turno nos teria
colocado em melhores condições para disputar e vencer segundo turno. Aliás, cabe
lembrar que vários dos defensores da ampla política de alianças chegaram a
prognosticar uma vitória no primeiro turno. Depois, frente aos fatos, passaram
a argumentar exatamente o contrário do que diziam antes, demonstrando que sua defesa
da ampla política de alianças é um dogma: não importa o que esteja acontecendo,
a solução estaria sempre nas amplas alianças.
Em nossa opinião, no contexto das eleições de 2022, para ampliar nossa
votação seria necessário atrair o voto dos quase 30 milhões que se abstiveram,
votaram branco e nulo. E para isso teria sido importante uma campanha mais definida,
política e programaticamente.
Em resumo: para disputar e vencer as eleições presidenciais de 2022 era
necessário fazer alianças. Mas fazer alianças é diferente de
rebaixar o programa e capitular frente aos inimigos, motivo pelo qual
repetimos: outra política de alianças era possível e necessária, com mais
critérios, com mais limites. Foi isso o que
propusemos ao Diretório Nacional, sem êxito.
Na mesma linha, é óbvio que se faz necessário manter relações
institucionais com o sistema judiciário. Mas se hoje prevalece no Supremo uma
postura contrária à extrema direita, há pouco tempo prevaleceu uma postura
contrária à esquerda, com destaque para o respaldo dado pela “suprema corte”
para a ilegal condenação, prisão e interdição eleitoral de Lula. Por isso,
seguiremos lutando pelo controle externo e democrático do judiciário, combatendo
os que buscam atribuir-lhe funções e atribuições que não são suas. O
cumprimento da lei – como foi feito no caso que decidiu a inelegibilidade do
genocida – não deve ser confundido com a partidarização da justiça, com a
judicialização da política, com o protagonismo político das supremas cortes,
por exemplo, sob a forma do lavajatismo e do chamado lawfare. Em nenhum
caso é aceitável – ao menos em uma democracia – dar a uma instituição não
eleita poderes que são restritos à soberania popular e a quem for eleito por
ela. Assim como é inaceitável a hipótese de recondução do atual Procurador
Geral da República.
Ao compor o ministério de seu governo, Lula contemplou a ampla coligação
que o elegeu, mas também buscou contemplar outras forças, geralmente em nome de
compor uma maioria congressual. Entretanto, este objetivo não foi até agora alcançado.
As vitórias do governo no Congresso, pelo menos até o momento, se deram apenas
quando contamos com o apoio dos setores neoliberais, que por sua vez só apoiam
aquilo com que têm acordo total ou parcial. As derrotas sofridas no marco
temporal e na questão do saneamento são a contraprova disto.
Até o momento em que redigimos este projeto de resolução, dos 37
ministros e ministras, 17 são petistas ou simpatizantes do Partido; 3 são do
PSB; 3 são do MDB; 3 são do PSD; 2 são do União Brasil (partido que, entretanto,
não se considera parte da base do governo no Congresso Nacional); 2 são
vinculados ao PDT (embora um destes dois seja na verdade vinculado ao União
Brasil, que portanto ocupa de fato três cadeiras no ministério); 1 é presidenta
do PCdoB, 1 é destacada liderança da Rede e 1 é filiada ao PSOL (embora não
tenha se oposto a participação de Sônia Guajajara como ministra, o PSOL
enquanto partido não se considera parte do governo).
Os partidos de direita com participação no governo não garantiram até o momento
nem mesmo a fidelidade de suas bancadas parlamentares, em mais um caso do “toma
lá, sem dá cá” que tem caracterizado a relação do PT com setores da direita. E,
no dia 23 de julho de 2023, está em curso uma negociação que pode levar à
nomeação de novos ministros de direita, sob o argumento de ampliar a
governabilidade, vista única e exclusivamente de uma ótica institucional. Como
já disse o atual presidente da Câmara dos Deputados, este congresso é conservador
na política e liberal na economia; o governo pode mudar sua composição, isto
não vai alterar a orientação do Congresso.
Ademais da composição partidária estrito senso, é importante ressaltar
que o ministério é composto por uma maioria de homens e brancos, realidade que
precisa ser alterada, sempre tendo como premissa nomear pessoas do campo
democrático, popular e socialista. Também se faz necessário corrigir distorções
regionais e contemplar adequadamente a diversidade partidária, pois uma única
tendência controla a maior parte dos principais cargos. A esse respeito, está
certo quem aponta a contradição existente na postura de quem defende amplas
alianças com a direita e, ao mesmo tempo, tenta monopolizar para sua tendência
todos os cargos.
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Quando encerrarmos o 8º Congresso da Articulação de Esquerda, no dia 30
de julho de 2023, completar-se-ão sete meses do terceiro mandato de Lula na
presidência da República do Brasil.
Ao longo destes primeiros meses de atividade, o governo desenvolveu uma
intensa atividade. Balanço oficial divulgado pelo próprio governo apresenta o
seguinte resumo: “seis meses de união e reconstrução: é o Brasil no rumo
certo”, citando entre outras medidas “programas que fazem a diferença no
combate às desigualdades e conciliam crescimento econômico com inclusão social:
Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida, Mais Médicos, Brasil Sorridente e
Farmácia Popular, entre tantos outros”; “mais renda, mais consumo e mais
empregos, impulsionados pelo aumento real do salário mínimo, a redução dos
preços de alimentos e combustíveis e o aumento da taxa de isenção do imposto de
renda”; “o combate à fome voltou a ser uma política de Estado, com o aumento de
repasses do Bolsa Família, o novo Programa de Aquisição de Alimentos, o Plano
Safra Agricultura Familiar e o reajuste nos repasses da alimentação escolar para
estados e municípios”; “foram criados os ministérios da Mulher, da Igualdade
Racial e dos Povos Indígenas e sancionada a lei da igualdade salarial e
remuneratória entre mulheres e homens, além do anúncio do pacote de igualdade
racial e a volta da demarcação e homologação de terras indígenas”; “o
presidente Lula se reuniu com líderes de mais de 40 países e organizações
internacionais e transnacionais dentro e fora do País”. Acrescentamos, entre
outras medidas: combate ao garimpo ilegal; recursos para ciência e tecnologia;
investimento cultural via Lei Paulo Gustavo e Lei Aldir Blanc 2; combate ao
trabalho escravo; recomposição do orçamento das universidades federais; ações
para deter o genocídio contra o povo Yanomami; a retomada de várias obras
paradas; a interrupção de privatizações; a recomposição do salário do
funcionalismo público; e destacamos a política externa do presidente Lula.
Especificamente sobre a política externa, apontamos que nossa posição em
defesa da paz – as vezes confundida como apoio à Rússia – não é algo trivial.
No processo em curso, de transformação do cenário geopolítico global, é fundamental
que o Brasil marque um caminho próprio, que contribua para derrotar o
militarismo dos EUA e seus aliados, mas que preserve a autonomia dos nossos
interesses nacionais e regionais. Mas é preciso ter explícito que essa política
externa nos coloca na alça de mira do imperialismo. O golpe de Estado de 2016, que
instalou um governo usurpador, ilegal e ilegítimo, tornando possível a fraude
eleitoral ocorrida no pleito de 2018, foi possível porque teve o apoio direto e
indireto dos Estados Unidos, numa ação coordenada pelo então vice-presidente de
Obama, o senhor Joe Biden, atual presidente dos EUA.
Entre os diversos pontos da política externa que merecem destaque, citamos
a indicação de Dilma Rousseff para presidir o Banco dos BRICS. Independente das
divergências que tivemos no passado com a presidenta Dilma e sem prejuízo de
divergências que possamos ter no presente e no futuro, é imprescindível reconhecer
sua imensa contribuição, seja na resistência ao golpe, seja no debate nacional
e partidário desde então. Assim como o presidente Lula, a companheira Dilma Rousseff
conquistou – na resistência contra a ditadura militar, na ação dos governos
petistas e no enfrentamento do golpismo e do neofascismo - um lugar destacado
na trajetória de lutas do povo brasileiro.
Retomando nosso balanço dos primeiros meses do governo Lula: de conjunto,
embora haja muito que comemorar, é muito mais o que resta por fazer. Sabemos,
também, que não basta governar bem, administrar bem. Fizemos grandes
realizações administrativas entre 2003 e 2016, mas isso não impediu o golpe, a
vitória do cavernícola e quase sete anos de destruição. O desfecho da luta
política se decide na luta política, que é muito mais ampla do que a ação administrativa
de governo.
Por isto, o conjunto da militância petista deve saber combinar, de
maneira adequada, a necessária propaganda positiva das nossas realizações, com
a crítica e autocrítica dos nossos erros; a análise detalhada dos grandes
desafios que temos pela frente com um trabalho intenso de conscientização, de
permanente organização e mobilização do povo, bem como de elaboração das
táticas e da estratégica adequadas ao atual período histórico.
Êxitos, críticas e autocrítica
Tomados de conjunto, os primeiros meses do governo Lula devem ser
comemorados, especialmente frente aos malfeitos de sete anos dos governos
golpistas e de extrema-direita.
Entretanto, sabemos que a avaliação política do governo não é um
desdobramento automático de suas realizações administrativas; sabemos, também,
que – como diz o próprio presidente Lula – precisamos exercer nossa capacidade
de crítica e de autocrítica.
Devemos lembrar que o desempenho do governo Lula nesses primeiros meses
teria sido melhor, se vários ministérios não tivessem sido saqueados,
desmontados ou até mesmo extintos pelo governo cavernícola, o que agora exige
uma engenharia administrativa, legal e orçamentária que torna muito difícil este
início de governo. Além disso, o orçamento deixado pelo governo de
extrema-direita foi absolutamente inferior ao necessário, contrastando com a
realidade, que exige grande e imediata intervenção.
Outro fator que dificulta a ação de vários ministérios é o fato de as
equipes demorarem demasiado para ser montadas, entre outros motivos porque o
governo combinou as nomeações com a busca – até o momento infrutífera – de ter maioria
no Congresso Nacional. Como resultado daquela busca, há situações que na opinião
do PT são inaceitáveis, como é o caso da presença de integrantes e apoiadores
do governo cavernícola em postos chave do atual governo. Presença que não mudou
o comportamento efetivo destes setores no Congresso, que aliás clamam por mais
espaços no ministério, tendo inicialmente mirado inclusive no ministério da
Saúde. A esse respeito, na esteira das manifestações da 17ª Conferência
Nacional de Saúde, reafirmamos: a saúde não é mercadoria e não pode ser objeto
de negociatas.
As ações positivas do governo Lula – especialmente quando postas em
contraste com anos de gestão golpista e da extrema-direita – não podem nos
levar a fechar os olhos para o fato de que, em algumas áreas e temas, até agora
muito pouco ou quase nada mudou. E isto se deve, entre outros motivos, ao fato
de que vários ministérios são encabeçados por titulares vinculados a direita,
inclusive a setores que participaram do golpe, do lavajatismo, além de terem
apoiado o governo derrotado.
Evidente que enquanto prosseguir esta situação, nesses ministérios – com
destaque para situações como as da Comunicação, da Defesa e o das Minas e
Energia – não haverá avanços efetivos, no sentido do cumprimento do programa de
reconstrução e transformação. Avanços que são urgentes: como tem dito e
repetido o presidente Lula, temos pressa. Não apenas para superar os motivos
que produzem sofrimento no povo, mas também porque a situação política
nacional, continental e mundial é muito instável, não sendo admissível que se
perca um segundo sequer.
Crise sistêmica mundial
A esse respeito, é preciso lembrar sempre que a situação mundial é de
crise sistêmica. Esta crise possui múltiplas dimensões (militar, política,
social, econômica, ambiental, cultural), tem duração indeterminada e seu desfecho
dependerá de muitos conflitos que atualmente estão em curso.
No âmbito mundial, um dos principais conflitos envolve Estados Unidos e
República Popular da China. Em nosso continente, um dos conflitos fundamentais
se dá entre os que defendem a submissão ao imperialismo estadounidense e, de
outro lado, nós que defendemos a integração regional latino-americana e
caribenha. E, no âmbito nacional, um dos conflitos fundamentais se dá entre
opositores e defensores do modelo primário-exportador, sem cuja superação não
haverá como garantir desenvolvimento, bem-estar social, liberdades democráticas
e soberania nacional.
Os grandes conflitos que caracterizam o atual período histórico
ganharam maior dimensão, profundidade e velocidade nos últimos anos, a partir
da crise internacional de 2008. Em seguida vieram: a onda de golpes na América
Latina e a posterior reviravolta ocorrida em diversos países, com governos
direitistas sendo substituídos por governos progressistas e de esquerda; a
pandemia e todos os seus impactos; o crescimento mundial da extrema-direita; a
guerra entre Rússia e Ucrânia/Otan.
Para onde quer que se olhe, o mundo está atravessado por conflitos,
lutas e mobilizações de todo tipo, como demonstra a onda de protestos na
França.
Momentos de crise profunda – como o que vivemos atualmente – são
terríveis e perigosos, mas também são propícios para darmos passos decisivos
para a construção de um novo mundo, um mundo com bem-estar e liberdades, com
soberania e integração, um mundo desenvolvido e que preserve o meio ambiente,
um mundo socialista.
Este é um dos motivos, aliás, que explica a calorosa recepção dada a
Lula nos quatro cantos do mundo: a humanidade quer um futuro diferente do
passado, um futuro que tenha na palavra igualdade uma de suas mais poderosas
sínteses. E igualdade – falemos das coisas por completo - implica em lutar
contra o capitalismo e pelo socialismo.
É desta perspectiva, favorável à mudanças radicais e sistêmicas, que
abordamos a atual conjuntura brasileira. Nosso governo está chamado a
contribuir para uma missão histórica, que inclusive transcende as fronteiras do
Brasil. Mas só teremos êxito se ampliarmos nosso apoio junto a classe
trabalhadora, se dermos um salto de qualidade na atuação de nosso Partido e se
impusermos derrotas tanto à extrema-direita neofacista quanto aos neoliberais.
Neste sentido, mais do que comemorar os êxitos parciais obtidos até
agora - entre os quais incluímos a inelegibilidade do cavernícola e, também, a
realização no Brasil do XXVI encontro do Foro de São Paulo - o esforço
principal do PT deve ser vencer as batalhas presentes e futuras, entre as quais:
i/mudar a política do Banco Central e ii/derrotar a ditadura do capital
financeiro; iii/garantir forças armadas comprometidas com a defesa da soberania
nacional; iv/impor à maioria de direita do Congresso o respeito às
prerrogativas constitucionais do executivo e v/criar as condições para
construir uma maioria de esquerda no Congresso nacional; vi/democratizar o
sistema judiciário; vii/quebrar o oligopólio da comunicação; viii/executar uma
política de reforma agrária e ix/enfrentar o agronegócio e a mineração; x/iniciar
um novo ciclo de desenvolvimento do Brasil, com industrialização, alta
tecnologia e proteção do meio ambiente. Tudo isto combinado e à serviço de xi/melhorar
rápida e profundamente a qualidade de vida da maioria do povo brasileiro, com empregos,
salários, direitos trabalhistas e sociais, políticas de moradia, saúde, educação
e cultura.
Vistas de conjunto, as batalhas presentes e futuras demandam xii/um
processo Constituinte, na linha do que já decidiu o sexto congressos do PT. A
Constituição de 1988 tinha imensas limitações, bem explicadas por Lula quando
informou que a bancada do PT votaria contra o texto final. Posteriormente,
cerca de 120 emendas constitucionais alteraram o texto aprovado, geralmente
acentuando seu caráter conservador. Quem deseja transformar o país, não pode
aprisionar nossos direitos e liberdades nos marcos de 1988. Nem pode retardar a
revogação das medidas adotadas pelos governos pós golpe de 2016: reafirmamos a
necessidade de xiii/revogar as contra reformas trabalhista e da previdência,
bem como destacamos que o correto teria sido aumentar o salário mínimo – como
defendeu a CUT – para no mínimo R$ 1.382,71 e já a partir do início de 2023,
como forma de compensar o confisco salarial resultante da inflação.
Reafirmamos, também, que é preciso achar maneiras de recuperar o que foi
confiscado desde o golpe.
Exonerar o presidente do Banco Central
Legislação aprovada durante o governo golpista concedeu uma suposta
“independência” ao Banco Central, suposta porque na prática o tornou ainda mais
dependente e extensão dos interesses do grande capital financeiro.
Nomeado pelo derrotado, o atual presidente do Banco Central mantém uma
política de juros alucinada, cujo único propósito é transferir recursos para o
setor financeiro. Mais recentemente, o presidente do BC tem falado em terceirizar
ainda mais a gestão de nossas reservas em moeda estrangeira.
É preciso tomar todas as medidas legais e institucionais para, no mais
rápido prazo possível, alterar a diretoria do Banco Central, a começar pela sua
presidência, sob pena de não conseguirmos adotar uma política de
desenvolvimento com ampliação do bem-estar social.
Apoiamos as críticas feitas pelo presidente Lula contra a política de
juros. E propomos, ao governo, que oriente seus representantes no Conselho
Monetário Nacional a atuar conforme prevê o artigo 5º da lei complementar
número 179, de 24 de fevereiro de 2021, que no seu artigo 5º diz o seguinte: “O
Presidente e os Diretores do Banco Central do Brasil serão exonerados pelo
Presidente da República (…) IV – quando apresentarem comprovado e recorrente
desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos do Banco Central do
Brasil. § 1º Na hipótese de que trata o inciso IV do caput deste artigo,
compete ao Conselho Monetário Nacional submeter ao Presidente da República a
proposta de exoneração, cujo aperfeiçoamento ficará condicionado à prévia
aprovação, por maioria absoluta, do Senado Federal. § 2º Ocorrendo vacância do
cargo de Presidente ou de Diretor do Banco Central do Brasil, um substituto
será indicado e nomeado para completar o mandato, observados os procedimentos
estabelecidos no art. 3º e no caput do art. 4º desta Lei Complementar, devendo
a posse ocorrer no prazo de 15 (quinze) dias, contado da aprovação do nome pelo
Senado Federal. § 3º Na hipótese do § 2º deste artigo, o cargo de Presidente do
Banco Central do Brasil será exercido interinamente pelo Diretor com mais tempo
no exercício do cargo e, dentre os Diretores com o mesmo tempo de exercício,
pelo mais idoso, até a nomeação de novo Presidente”.
A demissão do presidente do Banco Central e a redução da taxa de juros
são objetivos importantes, mas não são suficientes. Além de mudar a política de
juros altos e passar a ter a geração de empregos como o objetivo central da
política de juros, é preciso tomar medidas contra o oligopólio financeiro
privado. O país precisa ter soberania sobre sua moeda e isso depende de um
sistema financeiro que seja público.
Sem Anistia para os golpistas
No dia 8 de janeiro, milhares de criminosos atacaram os prédios do
governo federal, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Para
fazer a polícia da capital do país agir adequadamente contra os criminosos, o
presidente Lula foi obrigado a decretar intervenção na segurança do Distrito
Federal. Posteriormente, o presidente do Supremo Tribunal Federal decretou o
afastamento temporário do governador do Distrito Federal. E, dias depois, foi a
vez do comandante do Exército ser demitido e substituído, comprovando que ele
nunca deveria ter sido nomeado.
O ataque dos criminosos de extrema-direita não foi um ato espontâneo,
nem totalmente inesperado. Já no dia 12 de dezembro de 2022, quando da
diplomação de Lula, a extrema-direita promoveu um quebra-quebra na cidade de
Brasília, contando com a cumplicidade do então presidente da República, do
governo do Distrito Federal, de setores das Forças Armadas e das polícias. Na
sequência destes fatos, no final de dezembro de 2022 e início de janeiro de
2023, as redes (anti)sociais da extrema-direita foram tomadas por mensagens
arregimentando pessoas para vir a Brasília. E acampamentos foram montados em
frente a quartéis, por todo o Brasil.
Tratou-se, portanto, de uma operação de guerra, financiada por
empresários, coordenada por uma aliança cívico-militar e perpetrada por alguns
milhares de neofascistas, que usaram o acampamento defronte ao Quartel General
do Exército como principal base de operações. Apesar disso, o então e ainda
ministro da Defesa – que, reiteramos, precisa ser demitido - disse que nos tais
acampamentos havia “democratas”, inclusive “amigos e familiares” seus, prevendo
que eles se desmobilizariam aos poucos e pacificamente. Aliás, até hoje o atual
ministro da Defesa segue – contra todas as evidências – tentando encobrir a
participação criminosa de altos comandantes nos atos de 8 de janeiro. Suas
declarações apenas confirmam os motivos pelos quais ele foi preferido pelos
militares para ocupar o posto.
Resta evidente a necessidade de processar, julgar e punir quem financiou
as caravanas e os acampamentos da extrema-direita; quem, por ação ou omissão,
facilitou o acesso da extrema-direita à Esplanada dos Ministérios, onde ficam
os três prédios atacados; assim como processar, julgar e punir quem invadiu e
depredou os três palácios. Ficou patente, também, a necessidade de uma revisão
completa dos protocolos de segurança e inteligência do governo federal. Parte
disto vem sendo feito. Mas muito resta por ser feito, como ficou fartamente
demonstrado pelos fatos que levaram à demissão do General encarregado do
chamado GSI; e, mais recentemente, pela descoberta de diálogos mantidos pelo
então ajudante de ordem do cavernícola.
Até agora, oficiais-generais e outros militares de alta patente envolvidos
com o golpe não foram punidos, nem mesmo administrativamente. O ex-comandante
do Exército, por exemplo, general Júlio César Arruda, precisa ser
compulsoriamente reformado, uma vez que resistiu às ordens para desalojar o
acampamento bolsonarista montado diante do Quartel General do Exército em
Brasília, desacatou ministros e o interventor federal no Distrito Federal (DF)
e chegou a ameaçar um coronel da Polícia Militar que tentava remover os
acampados.
Outro general de quatro estrelas, Gustavo Dutra de Menezes, foi
responsável por impedir ações contra os bolsonaristas acampados no QG.
Portanto, é outro caso de militar da mais alta patente que não pode permanecer
na ativa, independentemente das ações que vierem a ser ajuizadas contra ele por
participação nos eventos golpistas.
Caso os generais Arruda e Dutra não sejam objeto de reforma, passando à
reserva, eles continuarão participando do Alto Comando do Exército, o que é uma
situação inaceitável, tais as evidências de seu envolvimento com os golpistas.
Reformá-los imediatamente é uma prerrogativa do governo federal e deve
ser levada a cabo, sob pena de premiar quem conspirou contra a vontade popular.
Dutra, por exemplo, vem até o momento exercendo uma subchefia do Estado-Maior
do Exército.
Destaque-se como ação extremamente positiva a transferência da Agência
Brasileira de Informações (ABIN) para a Casa Civil, deixando assim de fazer
parte do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Mas o próprio GSI deve ser
extinto e o controle da Inteligência (assim como da proteção do presidente da
República) deve ficar sob controle de órgãos civis e não do Exército. Ademais,
precisamos ter um Ministério da Defesa que seja legítimo representante do poder
civil. Além de seguir pendente a necessidade de criar um Ministério da
Segurança Pública e de dar publicidade aos atos cometidos pelos ministros da
Justiça do governo cavernícola.
Segue necessária, também, uma reforma das Forças Armadas e das PMs, que
seja capaz de democratizar tanto os processos de recrutamento e de formação de
oficiais como suas estruturas internas (organização, regulamentos, hierarquia).
Os currículos atuais das escolas militares são fortemente enviesados pelo
conservadorismo mais reacionário, calcado nas antigas doutrinas de “Segurança
Nacional” e nas agendas expansionistas dos EUA, a ponto de as Forças Armadas
considerarem seriamente a possibilidade de uma invasão da Amazônia pela França
e de colocarem um oficial-general a serviço da 5ª Frota dos Estados Unidos.
As escolas militares não podem se furtar às orientações do Ministério da
Educação, nem escamotear uma vasta bibliografia de autores e escolas de
pensamento que os generais ainda hoje enxergam como “subversivos”. A
resistência dos militares a qualquer alteração no seu sistema escolar indica
precisamente quão crucial é esse sistema na reprodução da ideologia
profundamente antidemocrática, visceralmente oligárquica, que historicamente
vem enquadrando a visão de mundo de gerações e gerações de oficiais. Lembrando
que esta visão de mundo inclui a subordinação das forças armadas brasileiras a
uma potência estrangeira: os Estados Unidos.
A gestão das escolas militares é profundamente autoritária,
desrespeitando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e a Constituição
Federal, que preveem a gestão democrática do ensino, com a participação de
professores, funcionários e estudantes nos colegiados e nas decisões das
instituições escolares. No ensino superior, um exemplo é o Instituto
Tecnológico da Aeronáutica (ITA), cujo reitor é escolhido em processo de
seleção decidido exclusivamente pelo Alto Comando da Aeronáutica, sem consulta
à comunidade.
A extinção da diretoria responsável pelas escolas cívico-militares, no
âmbito da Secretaria de Educação Básica do MEC, foi um passo importante para
sepultar a política do governo anterior. Contudo, este passo e os posteriores não
são suficientes para avançarmos na desmilitarização da gestão educacional e
escolar das redes públicas. É preciso induzir a descontinuidade e a reversão do
processo de militarização de escolas em estados e municípios, para que as
estruturas civis responsáveis por essas unidades escolares reassumam plenamente
sua gestão, em todos os aspectos, livrando-as da interferência de militares e
de suas respectivas corporações. Destacamos, por exemplo, o caso de São Paulo e
do Rio Grande do Sul, em que os respectivos governadores são adeptos da militarização.
Vale lembrar, também, da necessidade de alterar o artigo 142 da
Constituição Federal, que prevê, atualmente, a figura da “garantia da lei e da
ordem” (GLO). É preciso acabar com as chamadas operações de GLO e transferir
automaticamente para a reserva o militar que assumir cargo público, encerrando
as especulações sobre o suposto “poder moderador” das Forças Armadas, pondo fim
a um certo discurso praticado por setores neofascistas com a finalidade de
justificar a tutela militar sobre a sociedade civil.
É central a reformulação do artigo 1º da Lei da Anistia (lei 6.683/1979)
e do seu parágrafo 1º, que preveem anistia para os autores de “crimes conexos”,
uma espécie de código para anistiar agentes militares e civis que praticaram
torturas, assassinatos e toda sorte de atrocidades contra aqueles e aquelas que
se opuseram à Ditadura Militar, bem como contra diferentes grupos
populacionais, inclusive camponeses e povos indígenas.
Ao “interpretar” essa lei, em 2010, o Supremo Tribunal Federal
considerou válidos os dispositivos de “crimes conexos”, legitimou a anistia que
os militares se autoconcederam (e a seus cúmplices civis), e interditou todo e qualquer
processo criminal contra torturadores e assassinos a serviço do regime
ditatorial e de seu terrorismo de Estado: centros de tortura, execuções
sumárias, “casas da morte”, desaparecimento forçado de corpos, falsificação de
laudos etc.
Não haverá sequer liberdades democráticas no Brasil, muito menos uma
“democracia”, enquanto persistir a tutela militar sobre a sociedade civil,
enquanto a tortura não for definitivamente banida, enquanto as Polícias
Militares tiverem licença para matar. Inclusive por isso, outra alteração que
devemos priorizar, não “apesar da conjuntura”, mas exatamente para enfrentar as
pesadas adversidades conjunturais, é a desmilitarização das Polícias Militares
e sua desvinculação do Exército. É preciso pôr fim à falida “guerra às drogas”.
As PMs seguem comportando-se como “tropa de ocupação” nas periferias e
comunidades faveladas dos grandes centros urbanos. São as forças policiais que
mais matam no mundo inteiro!
O texto atual da Constituição Federal as define como “forças auxiliares
do Exército”, o que dificulta aos governadores e governadoras exercer comando
sobre elas. O que vale inclusive para os governos estaduais encabeçados por
petistas, sendo o caso da Bahia particularmente inaceitável. Como demonstram os
dados do Anuário de Segurança Pública 2023, estamos no quinto governo sucessivo
do PT no estado e a Bahia tem uma das polícias mais letais do Brasil, abaixo do
Amapá e acima do Rio de Janeiro. Além disso, das 50 cidades mais violentas do
país ("segundo a taxa de Mortes Violentas Intencionais, com população
acima de 100 mil habitantes"), a Bahia tem 12. A saber: Jequié, Santo Antônio
de Jesus, Simões Filho, Camaçari, Feira de Santana, Juazeiro, Teixeira de
Freitas, Salvador, Ilhéus, Luis Eduardo Magalhães, Eunapolis e Alagoinhas. Reafirmamos
aqui todas as críticas feitas em documentos assinados pela AE contra a política
militar do então governador Rui Costa, hoje ministro da Casa Civil.
Vale dizer que a desmilitarização é uma das diretrizes aprovadas em 2009
na 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública, realizada em Brasília, entre
27 e 30 de agosto de 2009. No Relatório Final da Conferência, publicado pelo
ministério da Justiça, consta o seguinte: “Desmilitarização das polícias -
Realizar a transição da segurança pública para atividade eminentemente civil;
desmilitarizar as polícias; desvincular a polícia e corpos de bombeiros das
forças armadas; rever regulamentos e procedimentos disciplinares; garantir
livre associação sindical, direito de greve e filiação político-partidária;
criar código de ética único, respeitando a hierarquia, a disciplina e os
direitos humanos; submeter irregularidades dos profissionais militares à
justiça comum.”
Enfrentar a questão militar deve estar entre as prioridades do programa
do PT e exortamos o governo do companheiro Lula a tomar medidas concretas a
respeito.
Fatos recentes da história do Brasil – como o golpe contra a Dilma, a
prisão de Lula, a eleição do cavernícola, a tentativa de golpe do 8 de janeiro
– têm relação direta com a tutela militar.
A respeito disto, há inúmeras resoluções, aprovadas pelo nosso Partido, desde
1980 até 2017, no 6º Congresso Nacional do PT. Mas o que o nosso atual
Diretório Nacional, eleito em 2019, deliberou a respeito da questão?
Quando debatemos o programa de reconstrução e transformação, a maioria
dos integrantes do Diretório recusou as propostas de resolução apresentadas a
respeito da tutela militar; naquela ocasião, a maioria do Diretório escolheu
remeter o tema para debate em uma comissão de especialistas, que nunca se
reuniu, ao menos que seja do conhecimento oficial do Partido.
Quando debatemos o programa da Federação, a maioria dos integrantes do atual
Diretório Nacional do PT recusou as propostas de resolução apresentadas a
respeito. Quando debatemos o programa da coligação presidencial, a maioria dos
integrantes do atual Diretório Nacional do PT recusou as propostas de resolução
apresentadas a respeito. Na transição de governo, não foi constituído um grupo
para tratar do tema. Aí veio o 8 de janeiro de 2023. E apesar disto, seis meses
depois, no dia 10 de julho de 2023, 47 integrantes do Diretório Nacional do PT
decidiram votar contra um texto que afirmava o seguinte: “Não se poderá falar
em democracia plena no Brasil, enquanto persistir a tutela militar. O Diretório
Nacional do PT decide convocar uma conferência nacional para debater a política
de Defesa Nacional e o papel das forças armadas”.
Ou seja: o mesmo Diretório que exige “punição severa aos golpistas que
no dia 08 de janeiro intentaram contra o Estado Democrático de Direito”,
inclusive punição a seus “estimuladores militares”; este mesmo Diretório prefere
não falar de “tutela militar”. E, ao mesmo tempo, decide não convocar uma
conferência para debater o papel das forças armadas. Os argumentos de ocasião
utilizados pelos poucos membros do atual Diretório Nacional que tentaram sustentar
esta recusa são impublicáveis, pois imputam a terceiros a sua própria
indisposição de tratar do tema.
O golpismo de 8 de janeiro tem causas sistêmicas e seu tratamento não
pode ser adiado. E o tratamento dessas causas sistêmicas inclui o debate
público, aberto, democrático, acerca do papel das forças armadas. Aliás, é
incrível como muitos dos que fogem do tema são os mesmos que enfatizam a “defesa
da democracia” como sua estrela guia estratégica. Que “democracia” teremos, se
não enfrentarmos a tutela militar?
O fato do Diretório Nacional não querer debater o assunto e não querer aprovar
a emenda citada anteriormente não impede que o debate exista, muito menos faz a
tutela desaparecer. Mas o fato de a emenda ser rejeitada revela que os 47,
exata metade da direção nacional de nosso Partido, seguem não percebendo que o
tema é inescapável e inadiável, e que precisa ser tratado publicamente.
No dia 8 de janeiro, quando muita gente foi surpreendida pelos
acontecimentos, vimos o resultado deste procrastinar.
Reafirmamos: o PT deve convocar uma conferência nacional para debater
Defesa Nacional e o papel das forças armadas. Precisamos de forças armadas
fortes, capacidades tecnologicamente, subordinadas ao governo eleito pelo povo
e comprometidas com a defesa da soberania nacional.
No terreno militar, assim como em outros terrenos, o governo Lula
precisa combinar uma “guerra de movimento” com uma “guerra de posição”, neste
caso parecida com aquela que se precisa fazer quando se reocupa uma cidade que
fora tomada por um exército invasor. É preciso ir de casa em casa, desalojando
franco-atiradores, desmontando minas e armadilhas de todo tipo. E ao presidente
não cabe o papel de fazer reclamações, como se diz ter feito quando o criminoso
Mauro Cid compareceu fardado na CPMI do 8 de janeiro. Ao presidente cabe
comandar. E demitir quem não obedece aos seus comandos.
Acrescentamos às nossas preocupações o tema das Guardas Municipais,
regidas pela Lei 13.022/2014, uma lei consideravelmente progressista, devido os
princípios mínimos que orientam as atuações dessas instituições de segurança
pública municipais, previstos no artigo 3º, tornando-as teoricamente (mas ainda
não na prática) polícias de “novo tipo”, humanizadas, comprometidas com a
“proteção dos direitos humanos fundamentais, do exercício da cidadania e das
liberdades públicas”; com a “preservação da vida, redução do sofrimento e
diminuição das perdas” e compromissadas “com a evolução social da comunidade”.
Entretanto, são muitas vezes empregadas conforme o arbítrio dos gestores
municipais, violando tais princípios, assemelhando-se às polícias militares e
reproduzindo o modus operandi dessas forças militares. Assim sendo, defendemos
entre outras medidas a formação de um núcleo de fiscalização para o cumprimento
e desenvolvimento de tais princípios nas Guardas Municipais, introduzindo uma alteração
no parágrafo 8º do artigo 144 da Constituição Federal, com a inclusão da
obrigação do governo federal de exercer essa fiscalização.
Acrescentamos, também, a necessidade de prosseguir com as medidas que
vem sendo adotadas, no sentido de reduzir o acesso às armas e de enfrentar a
extrema-direita que se abriga nos CACs.
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Contra o semipresidencialismo e contra as emendas secretas, mobilização
popular, orçamento participativo e reforma política
Em 2022, a bancada do PT no Congresso Nacional, a pedido do governo
eleito, votou a favor da reeleição do presidente da Câmara dos Deputados e do
presidente do Senado federal. Isto apesar de ambos terem contribuído para dar
sustentação legislativa à administração da extrema-direita, além de terem
introduzido métodos duramente criticados pelo PT, como o popularmente designado
“orçamento secreto”.
Apesar da disposição pacífica do PT, prevalece desde então – no caso da
presidência da Câmara dos Deputados – a tentativa de impor uma espécie de
semiparlamentarismo (ou, o que é equivalente, um semipresidencialismo).
Combatemos e seguiremos combatendo esta tentativa, sem respaldo
constitucional e sem respaldo popular. A atitude especialmente de
Arhur Lira confirma o erro cometido pelo PT, ao votar na sua reeleição, sem nem
ao menos negociar previamente os termos desse apoio, numa atitude que, como já
dissemos, pode ser resumida assim: “toma lá, sem dá cá”. Mas ao invés de
reconhecer o erro cometido em 2022, em julho de 2023 se está negociando a
entrada no governo de ministros indicados pelo Centrão coordenado por Arthur
Lira.
Ceder à chantagem só levará a novas chantagens. Ao contrário desta
atitude, deveríamos tomar medidas para derrotar a hegemonia da direita e da
extrema-direita no Congresso Nacional.
No médio prazo, isto exigirá ampliar a votação da esquerda nas próximas
eleições proporcionais, mas também exigirá mudanças legislativas
constitucionais, sendo este um dos motivos pelos quais reafirmamos a
necessidade de fazer uma Assembleia Nacional Constituinte que promova uma
reforma política. Vale dizer que a convocação de uma Constituinte é uma
resolução aprovada pelo 6º Congresso do PT e até hoje vigente, embora esquecida
pelos que atualmente dirigem o Partido. Uma Constituinte é necessária, também,
para democratizar o sistema judiciário.
No curto prazo, impõe-se ampliar a denúncia contra as manobras do atual
presidente da Câmara, apoiar as investigações em curso contra os malfeitos de
que ele é acusado e, principalmente, criar um ambiente de mobilização social e
um verdadeiro mecanismo de participação popular na definição do orçamento, que
resgate os aspectos positivos do Orçamento Participativo, como contraponto ao
fisiologismo institucionalizado das emendas secretas, fisiologismo ao qual se
adapta crescentemente uma parte das bancadas de esquerda.
Consideramos necessário fazer um balanço do PPA participativo, na perspectiva
de construir um Orçamento Participativo. Devemos buscar a elevação permanente
de participação popular na gestão da sociedade brasileira como um todo, intensificar
e acelerar o caminho para uma democracia cada vez mais participativa, praticar
efetivamente o previsto no complemento do
parágrafo único do artigo primeiro da Constituição de 1988, usar das
possibilidades abertas pelos meios de comunicação eletrônica.
#
Iniciar um novo ciclo de desenvolvimento
Comemoramos o fato de 88% das negociações da data base de maio (setor
privado) tenham obtido vitórias acima da inflação. Assim como comemoramos todas
as medidas de recomposição de políticas públicas adotadas em nossos governos e
desmontadas pelo golpismo e pelo cavernícola. Mas para mudar os rumos do
Brasil, não basta aumentar os salários e ampliar as políticas sociais. A
ampliação do consumo popular é importante, mas ela não é suficiente para dar os
saltos produtivos que o país necessita, se quisermos deixar de ser uma
subpotência primário-exportadora. E sem deixarmos de ser uma potência
primário-exportadora, haverá limites intransponíveis para melhorar a vida do
povo.
A nossa vitória contra a extrema direita e contra o neoliberalismo
dependem não apenas de melhorar conjunturalmente a vida do povo, mas também de
mudanças estruturais, o que exige construirmos uma nova perspectiva de futuro
para o Brasil. Entre estas mudanças estruturais, destacamos a reforma agrária e
a política ambiental, essenciais para oferecer alternativas concretas à
hegemonia do bloco primário-exportador, composto pelo agronegócio e pela
mineração. Outras medidas essenciais, evidentemente, são as que constroem nossa
industrialização e desenvolvimento tecnológico.
Neste sentido, é fundamental que o anúncio do Novo PAC mude o rumo do
debate acerca da política econômica. O problema central do Brasil não é
“controlar gastos”, mas sim ampliar os investimentos, especialmente os
investimentos do Estado, no sentido de induzir um tipo de desenvolvimento que
combata a desigualdade e mude o lugar do Brasil no mundo. Neste sentido, os
investimentos devem ficar fora do “teto de gastos” estabelecido pelo chamado
novo marco fiscal.
As políticas dos governos golpistas e de extrema-direita foram no
sentido oposto ao que defendemos, ou seja, foram no sentido de beneficiar a
primário exportação e a ditadura do capital financeiro. Um dos instrumentos
disto foi o chamado “teto de gastos”, aprovado em 2017, que buscava limitar por
20 anos a expansão do gasto público à variação inflacionária, excetuando os
gastos financeiros, cuja evolução seguiu descontrolada. O resultado foi a
evolução descontrolada da dívida pública, a desestruturação das políticas públicas
e a estagnação da economia nacional. O preço quem pagou foi a maioria do povo,
assim como foi o povo que pagou os custos da mal denominada “lei de
responsabilidade fiscal”, que nunca impediu o crescimento da dívida pública,
que beneficiava o setor financeiro.
O PT sempre se opôs ao “teto de gastos” e congêneres. O presidente Lula,
na campanha de 2022, informou que iria trabalhar por sua revogação. E de fato,
enquanto o teto de gastos impedia a expansão real do gasto público, o chamado
Novo Arcabouço Fiscal (NAF, ainda em debate no Congresso nacional) permite que
isso ocorra. Mas o NAF permite a expansão do gasto público apenas sob
determinadas condições. Em um cenário em que não se conseguir aumentar os
impostos, em que não se conseguir avanços significativos no combate às
desonerações e à sonegação, o crescimento dependerá fundamentalmente do
investimento privado. Mais do que isso: ao estabelecer um crescimento das
“despesas” sempre menor do que as receitas, o NAF aponta para um futuro em que
o Estado será mais mínimo do que é hoje.
Diante do marco fiscal proposto pelo Ministério da Fazenda, defendemos em
tempo hábil diversas alterações, no sentido de:
1) estabelecer metas de crescimento e geração de empregos, como
parâmetros para a política fiscal;
2) estabelecer metas fiscais expansionistas, portanto opostas à política
monetária do BC, para evitar o risco de uma dupla pressão contracionista;
3) estabelecer metas de evolução do superávit subordinadas às
necessidades de investimento, em nenhum caso aceitando déficit zero ou
superávit, enquanto a economia brasileira não crescer de forma sustentada;
4) diluir ao longo de vários anos as “punições” previstas para o caso de
não cumprimento das metas;
5) incluir propostas tributárias que, além de rever desonerações e
combater a sonegação, aumentassem os impostos sobre os ricos;
6) alterar os números de variação da receita e crescimento dos “gastos”,
no sentido de eliminar qualquer restrição ao papel do setor público na economia
brasileira. Reiteramos: o peso do setor público frente ao PIB deve crescer e
não diminuir, ao contrário do previsto na proposta da Fazenda e na proposta de
Cajado;
7) retirar a educação, a saúde, a previdência, o salário-mínimo e os
investimentos da conta dos “gastos”, para evitar cortes nos demais gastos
públicos;
8) permitir a transferência de recursos do Tesouro para os bancos
públicos.
Destacamos, ainda, nosso alerta de que o marco fiscal proposto pelo
Ministério da Fazenda, se fosse aprovado como proposto, iria gerar pressões
contra o piso constitucional da saúde e da educação.
Além de apresentarmos as propostas anteriormente resumidas, opinamos que
o marco fiscal proposto pelo Ministério da Fazenda era contraditório com as
posições históricas do Partido e, principalmente, contraditório com o tipo de
política que o Brasil necessita para sair das atuais condições de economia
primário-exportadora, capturada pelo setor financeiro, uma sociedade de imensa
desigualdade.
Consideramos que a propaganda positiva que o Ministro da Fazenda e parte
de sua equipe fazem a respeito é, em parte, puro “pensamento positivo”; e, em
parte, expressão de sua submissão à lógica fiscalista e curtoprazista que
predomina na elite brasileira, inclusive nos setores com coração de esquerda.
Argumentou-se, dentro do governo e do Partido, que o marco fiscal
proposto pelo Ministério da Fazenda seria “o máximo de avanço possível, dada a
correlação de forças”.
De fato, a correlação de forças é sempre um problema. Mas por isso mesmo
a questão não está principalmente em constatar qual é a correlação de forças; a
questão fundamental está sempre em decidir o que fazer para alterar a
correlação de forças. Se nos limitarmos a constatar qual é a correlação de
forças, é óbvio que o passo seguinte será dobrar-se a ela e, com isso,
retroceder ainda mais. E foi exatamente isso que ocorreu no debate do marco
fiscal no Congresso Nacional.
Submetido ao debate na Câmara dos Deputados, o NAF original foi alterado
para pior, com a introdução de contingenciamento obrigatório, criminalização,
eliminação de exceções, proibição de concursos e reajustes etc.
Mesmo a direção do Partido não tendo sido consultada previamente,
prevaleceu na bancada da Câmara uma postura recuada, de não apresentar emendas.
Isto contribuiu para que a direita do Congresso nacional, através do relator
Cajado, pudesse agir sem nenhum contraponto, apresentando um relatório que
piorou muito os problemas já existentes na proposta apresentada originalmente
pela Fazenda.
O relatório foi aprovado pela Câmara, inclusive com o voto da bancada do
PT. Como resultado, o marco fiscal original foi alterado para pior, com a
introdução de contingenciamento obrigatório, criminalização, eliminação de
exceções, proibição de concursos e reajustes etc.
Posteriormente, no Senado, a proposta aprovada pela Câmara sofreu duas
alterações importantes, no sentido de preservar o Fundeb e os investimentos em
ciência e tecnologia. Agora o tema está novamente em debate na Câmara. Se for
mantida a proposta do relator Cajado (PP Bahia), passaremos a ter dois
problemas: uma política monetária contrária ao crescimento e uma política
fiscal que não contribui para o desenvolvimento.
Por que então setores do governo e do Partido apresentam o marco fiscal
como uma vitória?
Em alguns casos, por achar que tudo que vem do governo é bom. Noutros
casos, por entender que o marco fiscal aprovado é melhor do que o teto de gastos,
o que era verdade parcial no caso do proposto originalmente pela Fazenda e
quase deixou de ser no caso do aprovado pela Câmara. Há, também, os que pensam
que, com a aprovação do NAF, será possível alterar pacificamente a política do
Banco Central. E há, ainda, os que sinceramente acreditam que, com o NAF,
teremos um cenário de retomada dos investimentos privados, grandes
investimentos estrangeiros, êxitos no combate à sonegação e redução nas
isenções.
De fato, se este cenário se confirmar, parte das restrições da política
monetária do BC e parte das restrições da política fiscal terão sido superadas.
Também neste cenário, mesmo que o crescimento dos “gastos” seja sempre menor do
que as receitas, mesmo que o marco fiscal projete um futuro em que o peso do
setor público no PIB seja menor do que é hoje, será possível alguma ampliação
dos investimentos públicos e do bem-estar social.
A pergunta é: este cenário otimista é realista? E, mesmo que ele venha a
se materializar, seria na intensidade e no tempo político adequados, ou seja, de
forma a afetar positivamente nosso desempenho nas eleições de 2024 e 2026? E,
finalmente, mas não menos importante, as mudanças contidas neste cenário otimista
seriam suficientes para o país sair da condição primário-exportadora?
Em nossa opinião, sem mudança na política de juros e sem forte
investimento público, o investimento privado não crescerá, ao menos não
crescerá na quantidade e na qualidade necessárias. Motivo, aliás, pelo qual
defendemos uma modificação radical na política de lucros/dividendos da área da
energia, Petrobrás principalmente.
Por outro lado, o cenário internacional é excessivamente turbulento, não
sendo prudente confiar em investimentos estrangeiros cujo volume e natureza
permitam saltos de qualidade na economia de um país como o Brasil. Além disso,
mesmo que haja crescimento nos investimentos, privados e estrangeiros, nas
condições atuais ele seria em grande parte capturado pelo sistema financeiro.
Sem falar que fazer depender nosso desenvolvimento de capitais estrangeiros é
um equívoco em si mesmo, como já foi fartamente demonstrado pela história republicana
brasileira.
O mais importante, contudo, é que só teremos êxito na distribuição de
renda, no combate à sonegação e na redução das isenções, no volume e na
velocidade necessárias, se houver uma imensa mobilização política dos setores
populares contra os muito ricos. Paradoxalmente, abrimos mão - na elaboração do
marco fiscal e no debate da reforma tributária – do recurso à mobilização e optamos
por fazer concessões à Faria Lima, que retribuiu ampliando a popularidade (entre
os gestores financeiros) do ministro da Fazenda.
Conclusão: o cenário otimista não é o mais provável. Sem mobilização
popular e intensa luta política e ideológica, o mais realista é um cenário sem
grandes investimentos estrangeiros, sem grandes investimentos privados
nacionais, sem avanços significativos no combate às desonerações, sem avanços
significativos no combate à sonegação. E neste cenário realista o novo marco
fiscal impõe imensas restrições a ação do Estado e aos investimentos públicos;
aliás, já se discute abertamente o possível descumprimento das metas de
superávit, o contingenciamento orçamentário e o fim dos mínimos constitucionais.
Diante desta situação, estamos convocados a travar uma imensa batalha em
favor de uma reforma tributária progressiva, que faça os ricos pagarem a conta.
O que exigirá superar, entre outros obstáculos, a postura atual do Ministério
da Fazenda, que assumiu indevidamente os compromissos de não aumentar e de não
criar impostos sobre os ricos.
Sem novos impostos sobre os ricos, as receitas não vão crescer
significativamente. Acontece que, nos próximos anos, certas despesas vão
aumentar, aconteça o que acontecer. E como – segundo o marco fiscal – o conjunto
das despesas não pode crescer mais do que 70% do crescimento das receitas... a
conclusão inevitável é que haverá uma disputa para saber quais despesas serão
mantidas e quais serão cortadas.
Pelos motivos acima, vai crescer a pressão para revogar os atuais pisos
constitucionais da saúde e da educação, conforme aliás já anunciado pelo
Relatório de Projeções Fiscais, publicação da Secretaria do Tesouro Nacional
(STN), que defende mudanças nos “principais despesas vinculadas a receitas",
citando as emendas parlamentares obrigatórios, o fundo constitucional do
Distrito Federal, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) e - em primeiro lugar -
os Gastos Mínimos Constitucionais com Saúde e Educação.
A atitude da Secretaria do Tesouro Nacional é coerente: afinal, como já dissemos,
uma das premissas do "novo marco fiscal" é que os gastos só crescerão
até 70% do crescimento das receitas. Para um governo que não quer ampliar
investimentos, isto não é problema. Mas para um governo que não só deseja, mas
também está ampliando investimentos, há um conflito óbvio, que só se resolve:
i/fazendo crescer muito as receitas (o que exigiria, por exemplo, uma reforma
tributária de verdade, algo totalmente diferente da reforma aprovada
recentemente, em primeira instância, pela Câmara dos Deputados) e/ou 2/contendo
algumas "despesas", para abrir espaço para alguns investimentos. Daí
vem a tentação de fazer algo que a direita neoliberal sempre defendeu: desconstitucionalizar,
de fato ou de direito, os investimentos em saúde e educação.
Ou seja, um dos efeitos colaterais do marco fiscal ainda em debate,
neste dia 23 de julho de 2023, será jogar pobres contra pobres, na disputa por um
cobertor curto.
Por estes e por outros motivos, parabenizamos os parlamentares federais
(mais de 22) que, apesar de respeitarem a disciplina partidária, fizeram uma
declaração de voto demarcando com as diretrizes do marco fiscal.
Qualquer que seja o formato final do NAF, seguiremos necessitando de
medidas extraordinárias que nos permitam sair das atuais condições de
desigualdade social e primário-exportação. Precisamos de muitos investimentos,
investimentos principalmente estatais, e feitos com velocidade, durante várias
décadas. Sem isso, nosso país não escapará da atual situação, de subpotência
primário exportadora.
Para financiar nossa política de desenvolvimento, é preciso – entre
outras medidas – realizar uma reforma tributária progressiva, de grande
impacto. Esta batalha deve ser articulada com o Novo PAC: os ricos devem pagar
a conta, para o Brasil se desenvolver combatendo a desigualdade.
Nessa perspectiva, de politizar o debate sobre o desenvolvimento,
defendemos a convocatória imediata de uma Conferência nacional pelo desenvolvimento.
Sem mobilização popular, a chamada neoindustrialização será apenas um slogan
publicitário, restrito a uma bolha ou mesmo capturado pelos defensores da
primário-exportação. Aliás, é bom lembrar que parte expressiva dos índices positivos
de crescimento recém-verificados são resultado do agro, que usa isso como
argumento para seguir capturando imensos recursos públicos, o que por outro
lado demonstra que a “livre iniciativa” no Brasil segue sustentada, em grande
medida, pelos recursos do Estado.
Ainda na perspectiva de uma política de desenvolvimento que mereça o
nome, destacamos a necessidade de a Petrobrás adotar medidas que rompam
totalmente com a política adotada no governo anterior e a façam jogar papel
central, junto com a Eletrobrás, no processo de retomada do crescimento, do
desenvolvimento e da chamada neoindustrialização. A mudança da política de
preços – cuja redução poderia ter sido muito maior - é um importante passo
neste sentido, mas muito mais precisa ser feito. Defendemos a criação de uma
empresa pública de energia, como base imprescindível para um projeto de
desenvolvimento coerente com nossos objetivos de liberdade, bem-estar,
soberania e integração. Uma empresa de energia que tenha como objetivo central
o abastecimento do mercado interno aos menores custos, proporcionar competitividade
para a economia brasileira, coordenar todo o setor energético brasileiro -
fóssil e renováveis, abundantes em nosso território nacional - para
enfrentarmos a transição energética com a garantia de assegurar benefício
social, econômico e ambiental para a imensa maioria de nossa população.
Destacamos, por fim, que não haverá “neoindustrialização”, nem tampouco
política ambiental com transição ecológica, se não houver mudanças radicais no
agronegócio e na mineração. Estes dois setores não têm “conflitos ideológicos”
apenas com o PT e com o governo Lula; tem conflitos com o futuro da maioria do
povo brasileiro. No futuro que eles defendem, não haverá mudança no lugar do
Brasil no mundo, nem tampouco mudança na desigualdade social existente em nosso
país.
Transformar a qualidade de vida do povo
A luta contra o neofascismo é inseparável da luta contra o
neoliberalismo. As políticas neoliberais submetem o povo a um massacre
cotidiano e contribuem para que parcelas da nossa população sejam capturadas
pela extrema direita e pelo individualismo extremo. Por isso, tampouco basta
ampliar os empregos e os salários. É indispensável recuperar e ampliar os
direitos trabalhistas e sociais. E é preciso mudar as condições de vida como um
todo, o que exige fortes políticas públicas de cultura, comunicação, saúde e
educação, entre outras. Acerca da comunicação, que já foi objeto de resoluções específicas
em outros congressos da AE, reafirmamos que é preciso cumprir a Constituição e
quebrar os oligopólios midiáticos.
Quanto a saúde e a educação, são peças fundamentais em nossa política de
desenvolvimento. Acerca destes dois temas – saúde e educação – o congresso
aprovou resoluções específicas, cuja leitura recomendamos.
É necessário retomar a pauta do financiamento, que de acordo com a Meta
20 do Plano Nacional de Educação deveria chegar até 10% do PIB, objetivo que
sofreu um profundo retrocesso com a Emenda Constitucional que instituiu o
chamado “teto dos gastos”. É preciso enfrentar, também, os retrocessos
ocorridos, desde 2016, na Educação Básica e no Ensino Médio. Nos somamos a luta
dos trabalhadores da educação e dos estudantes que pedem a revogação da chamada
reforma do ensino médio e combatem as concepções privatistas na área da
educação, inclusive as que se manifestaram na transição e no ministério da
Educação.
Apoiamos as resoluções aprovadas pela 17ª Conferência Nacional de Saúde
e um SUS 100% público, integral, equânime e democrático. Apoiamos, também, a
luta para recuperar o orçamento do SUS, a defesa do piso da enfermagem, a luta
contra a avassaladora privatização da gestão dos serviços e das ações
assistenciais, o enfrentamento à desregulamentação dos planos e seguros
privados, as ameaças ao cuidado em liberdade e antimanicomial.
Ainda no tocante à saúde, lembramos que em janeiro de 2023 foi anunciado
a criação de um departamento no Ministério do Desenvolvimento Social, com a
seguinte nomenclatura: “departamento de entidades de apoio e acolhimento
atuantes em álcool e outras drogas”. Essa ação favorece o setor privatista da
saúde, a ala conservadora das igrejas e seus partidos, o tratamento para
usuários em abuso/dependência em substâncias psicoativas fora dos preceitos de
direitos humanos.
As chamadas comunidades terapêuticas não se enquadram na Resolução de
Tipificação dos Serviços Socioassistenciais aprovadas no Conselho Nacional de
Assistência Social (n. 13/2014) e há contra as Comunidades Terapêuticas
diversas denúncias de irregularidades em todo o Brasil, apontadas no Relatório
da inspeção nacional em CTs, elaborado pelo Conselho Federal de Psicologia,
pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e pelo Ministério
Público Federal (2018).
Nesse sentido, defendemos que o governo Lula revogue o decreto federal que
cria tal departamento, como recomendou o Conselho Nacional de Saúde, e
simultaneamente desenvolva ações, sob a coordenação do Ministério da Saúde,
voltadas ao controle e vigilância de modo a gradativamente extinguir tais
instituições, suspendendo a transferência de verbas públicas e definindo-as
como asilos religiosos ou assemelhados, agenciando seu fechamento com a
retomada e fortalecimento dos serviços substitutivos na RAPS.
A respeito da cultura, remetemos para a leitura da resolução específica
a respeito.
A política no comando
O PT foi fundado em 1980. Temos 43 anos. Em 1980 o povo brasileiro não
elegia pelo voto direto seu presidente da República. Este direito básico só foi
conquistado em 1989. Outra conquista em 1989 foi a ampliação do número de pessoas
habilitadas a votar. Desde 1989, a maior parte do povo brasileiro tem direito a
votar nas eleições. Não era assim antes. Pois bem: desde 1989 até hoje
aconteceram 9 eleições presidenciais. O PT venceu cinco e ficou em segundo
lugar nas outras quatro eleições presidenciais.
Isso dá uma ideia da importância do PT na política brasileira e do apoio
eleitoral que temos no povo.
Entretanto, toda essa nossa força eleitoral não foi capaz de impedir o
golpe de 2016. E em 2022, nós ganhamos a eleição presidencial, com 60 milhões
de votos, mas nosso inimigo teve 58 milhões de voto. Além disso, as forças de
direita ganharam grande número de eleições estaduais e são majoritárias no
Congresso nacional.
Portanto, temos pela frente imensos desafios, se quisermos atingir
nossos grandes objetivos: ampliar o bem-estar social do povo, ampliar as
liberdades democráticas, impulsionar o desenvolvimento de novo tipo, garantir a
soberania nacional, participar da integração regional, contribuir para a
construção de uma nova ordem mundial, tudo isto tendo como objetivo histórico e
estratégico o socialismo.
Para dar conta desses objetivos de médio e longo prazo, precisamos neste
momento concentrar nossas energias em: 1/derrotar a extrema-direita; 2/superar
a influência do neoliberalismo; 3/disseminar, no povo brasileiro, uma cultura
democrática e popular; 4/ampliar a força das esquerdas nas instituições de
Estado, a começar pelas prefeituras que estaremos disputando em 2024 e pela
reeleição de nosso projeto em 2026; 5/estimular a auto-organização da classe
trabalhadora, em seus movimentos, sindicatos e partidos, a começar pelo próprio
PT.
Estas cinco tarefas estão intimamente ligadas ao sucesso do governo
Lula, sucesso que não se limita a “união e reconstrução”, mas que precisa se ampliar
no sentido da reconstrução e transformação. Se o governo Lula tiver sucesso
neste trabalho de reconstrução e transformação, teremos sucesso naquelas cinco tarefas.
E para o governo Lula ter sucesso no trabalho de reconstrução e transformação,
precisamos que o Partido e a esquerda partidária e social tenham êxito naquelas
cinco tarefas.
Por isso, se faz necessário dar um salto de qualidade no funcionamento
do nosso Partido, bem como do conjunto do campo democrático e popular. O que
inclui, no curto prazo, um enfrentamento coletivo da CPI do MST, a preparação
adequada das eleições 2024. E, no curto e médio prazo, maior sincronia entre ação
do governo, dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais, o que exige a
construção de uma frente de esquerda.
Lula é hoje chefe de Estado, chefe de governo, líder da ala esquerda do
governo e nosso principal comunicador social. É uma sobrecarga brutal sobre os
ombros de uma única pessoa. Cabe ao Partido, como instituição coletiva, assumir
mais tarefas na defesa e na disputa de rumos do governo, na luta contra a
direita neoliberal e neofascista. E cabe tanto à esquerda partidária quanto à
esquerda social – lideradas pelo PT – não apenas vencer nas urnas em 2024 e
2026, mas também ocupar de maneira permanente as redes e as ruas. Só a
ampliação da luta social garantirá a reconstrução e a transformação do Brasil.
Dito de outra forma: sem uma grande ampliação da luta social, da mobilização de
massas, da conscientização e da organização das massas trabalhadoras, não teremos
êxito em alterar a conjuntura em nosso favor. E, mais cedo ou mais tarde,
seremos novamente derrotados. É um mal sinal, nesse sentido, que desde a
campanha eleitoral não tenhamos mais conseguido – as vezes, nem tentado – realizar
grandes mobilizações. É particularmente escandaloso que, frente ao ocorrido no
dia 8 de janeiro, o campo democrático e popular não tenha reagido à altura,
deixando tudo nas mãos das chamadas instituições.
Atuando sob condições mais difíceis
O ocorrido no dia 8 de janeiro, o ocorrido com o NAF e os acontecimentos
internacionais confirmam que o terceiro governo Lula atua em condições muito
mais complexas e difíceis do que os governos encabeçados pelo PT entre 2003 e
2016.
Além das dificuldades resultantes da situação mundial e da herança maldita
do golpismo e do bolsonarismo, temos as dificuldades ligadas à situação do
governo Lula, da classe trabalhadora, da esquerda e do PT.
Fica evidente, a cada dia que passa, que enfrentamos uma dupla oposição:
da direita tradicional e da direita neofascista, ambas neoliberais. Estas duas
direitas estão presentes no governo e na máquina de Estado. São majoritárias no
Congresso nacional, entre os governadores de Estado, nos aparatos de segurança
e na grande mídia. As duas oposições, embora se dividam no que toca a
“reconstrução”, unificam-se para impedir a “transformação” nacional. Ambas
operam para vencer as eleições de 2024 e tirar o PT da presidência, em 2026.
Frente a este quadro, a linha política hegemônica na esquerda brasileira
e em nosso Partido está demonstrando ser ineficiente e insuficiente, tanto do
ponto de vista tático quanto do ponto de vista estratégico. É preciso mudar de
orientação estratégica e tática. E, para fazer isto, é preciso começar
abandonando totalmente a atitude baluartista, cabotina, autocongratulatória, de
elogio a nós mesmos, que prevalece em certos setores; e, no lugar disto, é preciso
debater abertamente os problemas existentes, debate que deve ser feito nas
instâncias partidárias, com a base militante, com o povo de esquerda.
Hoje, ainda tem prevalecido a opção de não travar o debate, nem mesmo
nas instâncias. Como já dissemos, antes da campanha eleitoral de 2022 começar,
a maioria dos integrantes do atual Diretório Nacional escolheu não aprovar
nenhuma resolução sobre como enfrentar o bolsonarismo nas forças armadas, assim
como não aprovou uma resolução que propunha enfrentar - já na campanha
eleitoral - a mal denominada “independência” do Banco Central. Tampouco
debatemos previamente, na direção do Partido, a proposta de Novo Arcabouço
Fiscal. Como resultado, o Partido tem mais dificuldade de enfrentar os
problemas, uma vez que estes não desaparecem pelo fato de não terem sido
debatidos.
A respeito desses e de outros temas, como por exemplo a necessidade de
revogar as contrarreformas da previdência, trabalhista, sindical e do ensino
médio, a mudança de rumo da Petrobrás e a recuperação da Eletrobrás, a luta por
outra política de segurança pública e de Defesa, a tendência petista
Articulação de Esquerda tem apresentado diversas propostas ao Diretório
Nacional do PT e a outras instâncias partidárias.
Com base nelas, e também com base nas propostas surgidas dos congressos
de base, o Oitavo Congresso da AE reitera a necessidade de mais e melhores medidas
concretas e imediatas, no sentido de retomar o crescimento, implementar uma
industrialização de novo tipo, mudar o curso do desenvolvimento nacional,
realizar a reforma agrária, defender o meio ambiente, ampliar as políticas
públicas de saúde e educação, concretizar o bem-estar social e as liberdades
democráticas do povo brasileiro, recuperar a soberania nacional, promover a
integração latino-americana e caribenha, mudar o lugar do Brasil no mundo.
Entretanto, não bastam propostas, se não conquistarmos apoio e maioria
organizada junto a classe trabalhadora.
As eleições presidenciais de 2022 demonstraram que a esquerda é
majoritária entre os eleitores ativos, por uma diferença de 2 milhões de votos.
Aliás, como já foi dito, ganhamos 5 das últimas 9 eleições presidenciais. Entretanto,
se considerarmos os mais de 30 milhões que votaram branco, nulo e se
abstiveram; e somarmos a estes os trabalhadores que votaram na candidatura
presidencial da extrema-direita, a conclusão inescapável é que, neste momento,
a esquerda ainda não tem maioria numérica na classe trabalhadora.
Ademais, décadas de neoliberalismo, somadas a décadas de
institucionalização e burocratização, enfraqueceram brutalmente a presença, a
força e a representatividade das organizações da classe trabalhadora: movimentos,
associações, sindicatos, partidos. E, de outro lado, nas últimas décadas
constituiu-se uma extrema-direita com base de massas. A situação é tão grave
que alguns setores da esquerda têm medo de disputar as ruas, têm medo de mobilizar
a população, por termos de que percamos controle e a direita assuma protagonismo.
Grande parte do balanço de junho de 2013 é marcado por este temor, que se não
for superado vai selar nosso destino: não merece o nome, uma esquerda que, por opção
e antecipação, cede as ruas para a direita.
Portanto, uma de nossas tarefas estratégicas, de cujo sucesso dependem
todas as outras tarefas, é fazer com que a esquerda conquiste e organize a
maioria da classe trabalhadora.
Conquistar e organizar a maioria exige um conjunto de ações práticas,
entre as quais trabalho de base, funcionamento regular das instâncias, política
de comunicação. Mas exige, acima de tudo, linha política correta. Neste
sentido, reafirmamos a necessidade de recuperar o “fio vermelho” das
elaborações do V Encontro Nacional (1987) e do 6º Congresso Nacional do PT
(1917).
Elaborar uma linha política correta tem sido, também, uma das preocupações
fundamentais da tendência petista Articulação de Esquerda, desde 1993. Isso
pode ser constatado na leitura das resoluções de nossos seis seminários nacionais
(1993-1997), de nossas onze conferências nacionais (1998-2009) e de nossos sete
congressos nacionais (2011-2020). A seguir destacamos algumas das questões
presentes nessas resoluções.
Diretrizes estratégicas
A construção do socialismo supõe que a classe trabalhadora tenha poder
para reorganizar a sociedade. O tema do poder, no que consiste, como
construí-lo, como conquistá-lo, é a questão chave em toda reflexão política.
Durante o século XIX, os socialistas enxergavam o tema do poder através
do prisma oferecido pela revolução francesa: 1789, 1848, 1871 eram os
paradigmas clássicos ao redor dos quais girava o imaginário de anarquistas,
sindicalistas revolucionários, socialistas, social-democratas, narodniks, comunistas
etc.
As revoluções russas de 1905, fevereiro de 1917 e outubro de 1917
ofereceram um novo paradigma, ao redor do qual passou a girar, durante décadas,
a reflexão política, tática e estratégica de diferentes setores da esquerda
mundial.
Os paradigmas “francês” e “russo” tinham semelhanças: o protagonismo da
plebe urbana, o papel contraditório das massas camponesas, a insurreição
seguida de guerra civil e contra inimigos externos, o caráter “permanente” da
revolução, o fantasma do “Termidor”.
O isolamento da Rússia soviética e a derrota das tentativas
revolucionárias na Alemanha, na Romênia e na Itália, entre outras, resultarão –
nos anos 1920 e 1930 – numa reflexão acerca da estratégia a adotar, seja nos
países capitalistas desenvolvidos, seja nos países da chamada periferia
colonizada ou formalmente independente.
Tal reflexão correu simultânea a outros debates, acerca da construção do
socialismo na URSS, acerca de qual devia ser a política internacional de um
Estado socialista, acerca da evolução do capitalismo e do imperialismo
pós-Primeira Guerra Mundial, acerca de como se posicionar frente a, na época, ascensão
do nazifascismo e a cada vez mais provável (segunda) guerra mundial.
Os escritos de Antonio Gramsci datam deste período, embora sua
influência (em variadas versões e contraditórias releituras) vá se estabelecer
após a Segunda Guerra, em uma situação mundial distinta daquela que serviu de
base para as reflexões do comunista italiano.
De toda forma, até o final da Segunda Guerra, quando se debatia os temas
do poder, predominava em grande parte da esquerda o paradigma da revolução
russa: o papel de vanguarda da direção partidária, o protagonismo das plebes
urbanas, o acúmulo de forças via lutas sindicais, políticas e ideológicas, o
duplo poder, a insurreição como parte da guerra civil, uma certa modalidade de
construção do socialismo. Tal “modelo” estava presente inclusive nos que
defendiam as Frentes Populares, inclusive em sua versão mais moderada, de
alianças estratégicas com setores da burguesia, nas políticas conhecidas como
“etapistas”.
Um novo paradigma se afirmará com a vitória da revolução chinesa de
1949. Neste paradigma, o papel do Partido continua destacado, mas agora
trata-se de um partido-exército. O protagonismo principal passa a ser das
massas camponesas. As cidades, antes palco da insurreição decisiva, passam a
ser “cercadas pelo campo”. O acúmulo de forças prévio inclui experiências
precoces de duplo poder, com libertação de territórios, formação de governos e
de um exército popular. A insurreição urbana torna-se um elemento auxiliar da
guerra popular prolongada.
Aos paradigmas “russo” e “chinês” soma-se, logo em seguida, um terceiro,
o da guerra de libertação nacional. Este terceiro paradigma vai se materializar
sob duas formas principais. A primeira delas é antinazista, por exemplo em
países como Albânia e Iugoslávia (onde a derrota dos nazistas foi seguida pela
instauração de governos de orientação socialista); como a Grécia (neste caso, a
guerrilha comunista foi derrotada pela intervenção britânica); como Itália e
França (nestes dois casos, a política dos partidos comunistas foi a de nem ao
menos tentar transformar a guerra em revolução).
A segunda forma pela qual vai se materializar o paradigma da guerra de
libertação nacional é o da guerra anticolonial, como no caso por exemplo de
Vietnã, Laos, Camboja, Angola, Moçambique e Guiné Bissau.
Vale lembrar que ainda hoje há lutas anticoloniais em curso, como no
caso de Porto Rico, Sahara Ocidental e da Palestina. Por uma destas ironias da
história, os Estados Unidos – resultado da revolução anticolonial vitoriosa das
chamadas 13 colônias contra o Império Britânico – tornaram-se desde há muito o
principal ponto de apoio para o colonialismo moderno.
Os três paradigmas citados - “russo”, “chinês” e de “libertação
nacional” - influenciaram o debate político e estratégico da esquerda
latino-americana, ao longo de boa parte do século XX. Há toda uma literatura a
respeito, que vale a pena revisitar sempre, especialmente aquela que leva em
conta o impacto da revolta de Tupac Amaru, da revolução haitiana e da grande
revolução mexicana, processos que apavoraram a elite continental muito antes
que acontecesse a revolução socialista russa.
A partir de 1959, surge outra grande influência paradigmática, a
revolução cubana, uma revolução democrática antiditatorial, baseada na
combinação entre diferentes formas de luta e organização, com ênfase na
combinação entre guerrilha no campo e insurreição urbana; revolução que, uma
vez vitoriosa, se revelou cada vez mais democrática popular e
anti-imperialista; e que acabou convertendo-se em uma revolução socialista.
A revolução cubana - especialmente em suas interpretações de tipo
“foquista” – também influenciou fortemente a esquerda latinoamericana e
caribenha nos anos 1960 e 1970. Mas, com a parcial exceção da revolução
nicaraguense, as estratégias inspiradas no exemplo cubano não foram vitoriosas
em nenhuma parte de nosso subcontinente.
O mesmo, entretanto, deve ser dito das demais estratégias adotadas pela
esquerda socialista em nosso continente. Aliás, devemos reconhecer que se as
revoluções são fenômenos raros, as revoluções vitoriosas são fenômenos ainda
mais raros e profundamente singulares: há mais constância nos motivos de
derrota do que nas razões de vitória.
Nos anos 1970 também tivemos a experiência do governo da Unidade Popular
chilena. A história da Unidade Popular, os antecedentes da vitória eleitoral de
1970, as vicissitudes do governo Allende, o golpe de 1973, a ditadura que veio
em seguida (com semelhanças e diferenças frente a outras ditaduras
contemporâneas), as políticas neoliberais e os governos de centro-esquerda
posteriores, são processos cujo estudo é essencial para quem hoje faz ou busca
fazer parte dos governos “progressistas e de esquerda” na América Latina.
Reformista demais para os revolucionários, revolucionária demais para os
reformistas, a estratégia experimentada pela Unidade Popular ficou numa espécie
de limbo até 1998. Desde então, diversos governos da região passaram a tentar
construir o socialismo, não a partir de revoluções, mas sim a partir de
vitórias eleitorais.
Ao mesmo tempo, outros partidos socialistas da região passaram a ter que
lidar – em seus esquemas estratégicos – com governos que buscavam implementar
reformas mais ou menos profundas no capitalismo. Portanto, pelo menos para
alguns setores da esquerda regional, a experiência pós 1998 exigia revisitar o
debate sobre a orientação estratégica que se buscou materializar no governo da
Unidade Popular (UP), evidentemente que à busca de construir um “caminho
chileno com final feliz”.
Este revisitar da experiência da UP não fazia sentido, é óbvio, para
quem a revolução (e, em alguns casos, o socialismo) não faziam mais parte do
horizonte estratégico. Para gente assim, não cabia mais diferenciar “luta pelo
governo” e “luta pelo poder”; para eles, ganhar uma eleição seria igual a
ganhar o poder. Na prática, a confusão entre governo e poder contribuía para não
se pensar em tocar nos demais instrumentos de poder controlados pela classe
dominante. Não admira que muitos dos que confundiam governo e poder, também
acreditavam que golpes seriam coisa do passado: imaginavam que se não
mexêssemos com os poderes fáticos, a classe dominante não se sentiria
pressionada e, portanto, faria “as pazes com a democracia”. Esta crença
equivocada acerca dos supostos compromissos democráticos da classe dominante latino-americana
e caribenha foi abalada por tudo o que ocorreu depois de 2008; mas ainda assim,
uma parte da esquerda regional saiu do recente ciclo de golpes ainda mais
recuada do que antes.
O revisitar da experiência da UP tampouco fazia sentido para quem
acreditava que os governos progressistas e de esquerda eram, na verdade, uma
aclimatação da experiência socialdemocrata europeia ou uma “customização” da experiência
populista latino-americana e caribenha. Para quem pensava ou pensa desta
maneira, os governos progressistas e de esquerda não passavam de experiências
mais ou menos funcionais ao esquema de dominação imperialista e capitalista,
governos mais ou menos reformistas que logo seriam ultrapassados pelos
acontecimentos, após o que a luta de classe voltaria a condições que exigiriam
– da parte da esquerda – a adoção de algum dos paradigmas revolucionários
clássicos. Esta crença equivocada acerca da tolerância da classe dominante
frente a governos social-liberais ou social-democratas foi, também, abalada por
tudo o que ocorreu depois de 2008; mesmo assim, há setores da ultra-esquerda
que não aprenderam nada com a história recente e, hoje, organizam sua política
em torno do combate aos governos progressistas e de esquerda.
Portanto, seja para o esquerdismo, seja para a esquerda “melhorista”, a
experiência da Unidade Popular chilena não era vista como tendo muito o que nos
ensinar, do ângulo estratégico, salvo do ponto de vista negativo.
Aliás, é curioso constatar essas e outras semelhanças entre melhoristas
e esquerdistas. Ambos foram surpreendidos pelo golpismo, uns porque achavam que
a classe dominante não faria golpe contra governos que supostamente faziam o
que a classe dominante desejava; outros porque achavam que a classe dominante
não golpearia quem havia renunciado a fazer mudanças estruturais radicais e imediatas.
Já para aqueles setores que continuam tendo o socialismo como objetivo
estratégico e que, portanto, querem que a classe trabalhadora tenha o poder
necessário para construir o socialismo, o “caso” da Unidade Popular entre 1970
e 1973 segue sendo estrategicamente atual. E a pergunta chave é: como converter
a parcela de poder obtida num processo eleitoral, não apenas em melhorias
concretas para a vida do povo, mas também em transformações estruturais, inclusive
no poder, condição indispensável para iniciar uma transição socialista?
Ao longo dos anos, a tendência petista Articulação de Esquerda vem
buscando responder a esta questão, tanto no plano prático quanto no plano
teórico. A seguir resumimos algumas de nossas respostas, desenvolvidas por extenso
em outras de nossas resoluções.
Em primeiro lugar é preciso construir um sólido apoio nas classes
trabalhadoras, o que inclui articular sob um comando estratégico único a maior
parte das organizações políticas e sociais. A combinação entre luta
institucional e eleitoral, ação parlamentar e de governos, luta social e
construção partidária, só é virtuosa quando articulada politicamente.
Em segundo lugar, é preciso ganhar o apoio dos setores médios, dividir
as classes dominantes e isolar o inimigo principal. Impedindo que ocorra o
contrário: que a classe dominante isole a esquerda, ganhe o apoio dos setores
médios e divida as classes trabalhadoras.
Em terceiro lugar, é preciso combinar disputa política com disputa
cultural. A construção do poder necessário para iniciar uma transição
socialista é indissociável da construção de outra hegemonia ideológica, cultural.
O que remete, em quarto lugar, para a necessidade de ganhar apoio e/ou
incidir de forma expressiva nos organismos estatais e nos organismos
aparentemente privados que executam funções públicas, como é o caso das
igrejas, das escolas, da indústria cultural e dos meios de comunicação.
Em quinto lugar, é preciso conquistar uma maioria eleitoral que seja
suficiente para ter hegemonia de esquerda nos organismos executivos e
legislativos fundamentais. É insuficiente ter a presidência da República, mas
sem maioria no Congresso, nem nos governos subnacionais fundamentais.
Em sexto lugar, é preciso impedir a sabotagem e a subversão provenientes
dos organismos de Estado não eletivos, principalmente a alta burocracia, o
judiciário e as forças armadas. Trata-se de democratizar o acesso, estabelecer
controle social, mudar as doutrinas vigentes e, fundamentalmente, garantir o
respeito a legalidade que advém da soberania popular. Motivo pelo qual é tão
decisiva a realização de processos constituintes nos países engajados em
transformações estruturais.
Em sétimo lugar, é preciso construir uma rede de solidariedade e
proteção internacional, que reduza a ingerência externa que as metrópoles
capitalistas centrais fazem sobre processos socialistas nacionais. Daí, por
exemplo, uma das razões pelas quais adquire centralidade a integração regional
latino-americana e caribenha.
Em oitavo lugar, é preciso implementar um programa de transformações que
parta dos problemas reais enfrentados pela sociedade e que construa soluções que
atendam às necessidades das camadas populares, respeitando os níveis de
consciência e a correlação de forças em cada momento, mas sempre tendo em
perspectiva que cada passo gera novas necessidades, novos conflitos e novas
reações, cabendo à direção política do processo se antecipar.
No caso chileno, o programa de transformação seguiu por dois eixos
fundamentais: o poder popular e a área de propriedade social. O que nos remete
para uma nona questão, que é a necessidade de – como primeiro passo de longo processo
- converter uma economia dominada pelo capitalismo privado, em uma economia
hegemonizada pelo Estado, sob condução de um governo de esquerda.
Finalmente, décimo tema, é preciso manter a iniciativa tática,
especialmente nos momentos de impasse estratégico. O ano de 1973, no Chile, foi
um desses momentos. A classe dominante havia decidido ir para o golpe. E o
governo Allende perdeu progressivamente a iniciativa, passando a uma postura
cada vez mais defensiva, confundindo a defesa estratégica da legalidade, com a
passividade legalista frente à subversão de direita.
O legalismo corresponde a visão estática da consciência popular. A
legalidade é sempre uma mediação entre o texto estrito da lei (que expressa a
correlação de forças passada) e a legitimidade (que expressa a correlação de
forças presente). A burguesia sabe disto muito bem e não deixa de invocar o
suposto apoio popular, quando lhe interessa desrespeitar a lei, sempre que esta
favorece a esquerda.
A história poderia ter sido diferente se, por exemplo frente ao Tancazo,
o presidente Allende tivesse acatado as propostas do General Prats, no sentido
de afastar os comandantes golpistas. Também por isso, é um erro dizer que o
golpe no Chile teria sido, inevitavelmente, vitorioso. O mesmo vale para o Brasil:
o golpe poderia ter sido derrotado, se tivesse sido outra a política adotada
pelo nosso Partido e pelo nosso governo.
A estratégia do PT
Na segunda metade dos anos 1980, o Partido dos Trabalhadores elaborou
e tentou implementar uma estratégia política que fazia referência explícita à
experiência chilena de 1970-1973. Entre 1990 e 2002, a experiência da Unidade
Popular perdeu influência nas formulações petistas, mas seguiu presente. Entre
2003 e 2016, os governos petistas enfrentaram várias situações que teriam sido
melhor equacionadas, se algumas lições do Chile tivessem sido levadas em
consideração.
Em 2016, um golpe de Estado derrubou o governo brasileiro, então
encabeçado pela presidenta Dilma Rousseff, do PT. Veio então um governo
golpista, sob o qual foram realizadas as eleições presidenciais de 2018, nas
quais se impediu a participação do então ex-presidente Lula. Lula assistiu da
cadeia a vitória e a posse de um cavernícola. Mas, pouco tempo depois, Lula foi
libertado, reconquistou o direito de disputar as eleições e venceu – por dois
milhões de votos de diferença – as eleições presidenciais de 2022.
O atual governo Lula (2023-2026) experimenta dilemas estratégicos
semelhantes aos presentes em seus dois primeiros governos (2003-2006,
2007-2010), mas hoje as condições são piores do que no passado. Algo parecido
ocorre com os demais governos encabeçados por partidos nacional-populares, de
esquerda e progressistas na América Latina e Caribe.
Guardadas as devidas proporções, a mudança de cenário e, em particular,
a mudança de ânimo de alguns dos protagonistas as vezes faz lembrar o que
ocorreu quando o Partido Socialista voltou à presidência do Chile, com Ricardo
Lagos (2000-2006): o mundo era outro, o Chile era outro, o Partido Socialista era
outro, os problemas eram maiores e menores os meios para resolvê-los. Mas,
acima de tudo, era diferente a estratégia predominante na esquerda chilena. E
diferente num sentido muito profundo: em 2000, para amplos setores da esquerda
chilena, o “horizonte”, o objetivo final, deixara de ser o socialismo e passara
a ser, não a socialdemocracia europeia ou o desenvolvimentismo latino-americano
dos anos 1950-1970, mas sim o social-liberalismo, ou seja, a tentativa de fazer
coexistir certos compromissos democráticos e sociais, com políticas econômicas
neoliberais e a submissão à hegemonia estadounidense.
Na época, talvez muitos não tenham se dado conta disso. Assim como,
hoje, muitos setores da esquerda latino-americana e caribenha pensam
sinceramente que não mudaram de lado, que estão apenas fazendo concessões
devido à correlação de forças etc. Tal metamorfose atinge, como é fartamente
demonstrado pelo governo Boric, inclusive setores que há tão pouco tempo eram
vistos como alternativas idôneas à velha esquerda.
Tudo isto ocorre, paradoxalmente, mas não surpreendentemente, num
ambiente em que o cenário mundial é de crises e guerras, o que noutros tempos
desembocou em rupturas e revoluções. E depois de 40 anos de neoliberalismo, que
provocaram mudanças profundas nas classes trabalhadoras, mudanças que colocam
novos desafios teóricos e práticos para as forças políticas e sociais que
seguem comprometidas com a derrota do capitalismo e do imperialismo.
O papel do PT e da AE
Levando em conta o conjunto da situação, cabe concluir que, assim como
nossa poesia deve ser extraída do futuro, a estratégia da esquerda brasileira
também está por ser construída. E, se quisermos construir vitórias no tempo de
nossas vidas, esta construção passa por nosso Partido, pelo Partido dos
Trabalhadores.
A maioria da classe trabalhadora com consciência de classe,
especialmente mulheres, jovens, negros e negras, se identifica com o PT. Desde
os anos 1980 até hoje, as vitórias da classe trabalhadora brasileira
dependeram, em grande medida, das opções feitas pelo PT. Assim como pesa sobre
nós parte importante da responsabilidade pelas derrotas.
Hoje, nosso Partido – ao mesmo tempo que tem imensos méritos – vem
apresentando imensas debilidades. A principal destas debilidades não é
organizativa, nem de comunicação; a principal debilidade é política: nosso
Partido até agora não construiu uma linha política e uma maneira de funcionar
adequadas aos tempos de guerra em que vivemos.
Guerra esta que é travada, contra a maioria do povo brasileiro, pelos
defensores do imperialismo, do capitalismo, do modelo primário exportador, do
neofascismo, do patriarcado, do racismo, do fundamentalismo, pelos defensores
de todo tipo de preconceito, opressão e exploração. Guerra que custou a vida de
centenas de milhares de pessoas, como é o caso dos indígenas vítimas de
genocídio; e, também dos brasileiros e brasileiras que poderiam estar entre
nós, se o governo de extrema direita não tivesse sido aliado da Covid.
Neste contexto, de um Partido que ainda não construiu uma estratégia à
altura de seu próprio papel, qual é o papel da tendência petista Articulação de
Esquerda?
A resposta é: contribuir, no limite de nossas forças, para que nosso
Partido – associado a CUT, ao MST, a CMP, ao MNLM, a UNE, a Ubes, as Frentes e
a todas as demais organizações do nosso povo – estejamos à altura dos imensos
desafios postos pela atual situação nacional, continental e mundial. Desafios
que exigem, sob a liderança e iniciativa do PT, a formação de uma ampla frente
de esquerda, reunindo as forças democráticas, populares e socialistas.
Os desafios históricos e estratégicos postos diante de nossa classe
exigem, de nosso Partido, um intenso trabalho organizativo, com destaque para
nosso enraizamento na classe trabalhadora e para a mudança de métodos de funcionamento.
E para isso, a retificação que exigimos que seja feita no PT, também deve ser
feita entre nós. As minorias e as maiorias de nosso Partido padecem de
deformações gravíssimas e não somos alheios a isto.
Destacamos, como parte desta retificação, em primeiro lugar, dar
prioridade total para contribuir na organização da classe, nos locais de
trabalho, de moradia, de estudo, nos espaços de cultura e lazer. Para este
esforço convocamos cada militante de nossa tendência. Não basta criticar o que
os outros não fazem, é preciso fazer aquilo que achamos que precisa ser feito.
Em segundo lugar, contribuir para construir o Partido dos Trabalhadores
e das trabalhadoras, como partido de massas e radicalmente democrático.
Novamente, reafirmamos: não basta criticar os que têm maioria nesta ou naquela
instância, é preciso fazer por nossa própria conta o que pode e deve ser feito.
Em terceiro lugar, lutar contra as políticas equivocadas que existem no
interior do chamado campo democrático-popular, com destaque para os setores
social-liberais infiltrados na esquerda, defensores das privatizações, das
terceirizações, do capital financeiro e do agronegócio. Neste terreno, é
preciso lembrar que as concessões feitas ao neoliberalismo só produzem mais
neoliberalismo.
Em quarto e fundamental lugar, trabalhar para que o PT continue lutando,
aqui e agora, em favor de soluções efetivamente socialistas e revolucionárias
para os grandes problemas do nosso país, de nosso continente e do mundo. Nos
tempos perigosos e desafiantes em que vivemos, não cabe dúvida: o futuro
depende da classe trabalhadora lutar com todas as suas forças pela soberania,
pela democracia, pelo desenvolvimento e pelo socialismo. A única alternativa à
crise sistêmica do capitalismo é o socialismo.
#
Anexo 1: Resolução organizativa sobre o PT e a AE
No dia 19 de setembro de 2023, a tendência petista Articulação de
Esquerda completará 30 anos de existência.
Caberá a direção nacional eleita no 8º Congresso dar continuidade às
ações planejadas para marcar a data. Entre estas ações, citamos: a publicação
de uma coleção de livros contendo todas as resoluções aprovadas em nossos
seminários, conferências e congressos nacionais; a publicação da coleção completa
de jornais Página 13; a publicação de uma revista Esquerda Petista, bem como de
edições especiais do Antivírus e do Podcast; a alimentação da seção especial
dedicada ao tema no site www.pagina13.org.br
Caberá, também, à direção nacional eleita no 8º Congresso publicar uma
edição atualizada do Manual do Militante, contendo uma apresentação da
tendência e de seu funcionamento interno; a realização de um seminário de
balanço dos 30 anos (nos dias 16 e 17 de setembro); e a realização de eventos
virtuais nos dias 18 e 19 de setembro.
Este conjunto de atividades deriva, em primeiro lugar, de nossa
avaliação de que temos um passado defensável.
Nesses trinta anos, não abrimos mão do socialismo. E hoje, mais do que
antes, o socialismo se reafirma como alternativa à crise sistêmica do
capitalismo.
Nesses trinta anos, não abrimos mão da luta por reformas estruturais e
por uma revolução política e social. E hoje, mais do que antes, fica evidente
que o caminho exclusivamente gradualista não é capaz de superar os obstáculos
imensos postos diante da luta pelo bem-estar social, pelas liberdades, pela
soberania e pelo desenvolvimento, para não falar dos obstáculos postos à luta
pelo socialismo.
Nesses trinta anos, ao mesmo tempo que construímos uma estratégia que
compreende a luta eleitoral e a ação de governo como parte da luta pela construção
e conquista do poder, nunca abrimos mão da necessidade de combinar formas de
luta – cultural, de massas e institucional – e de organização independente da
classe, a começar pelo Partido. E a experiência dos últimos anos confirma que a
hipertrofia da via institucional frente às outras formas de luta reduz,
inclusive, nossas chances de vitória eleitoral.
Nesses trinta anos, não abrimos mão do internacionalismo, do
anti-imperialismo, da integração latino-americana e caribenha, da solidariedade
a quem é vítima da exploração, da opressão e do preconceito. E a vida confirmou
que o futuro do Brasil depende, em importante medida, da situação mundial –
inclusive no plano ambiental, que incorporamos em nossa política de curto, médio
e longo prazo.
Nesses trinta anos, não abrimos mão da defesa e construção do Partido
dos Trabalhadores. Diferente de outros setores da esquerda que se pretende revolucionária
e socialista, sempre afirmamos que – nesta quadra histórica, no tempo de nossas
vidas – a vitória da classe trabalhadora passa pelo PT, não contra o PT, não
sem o PT, mas com o PT. Nos opusemos, às vezes ferozmente, aos que declaravam o
PT como “esgotado”, aos que afirmaram que o PT “não era de esquerda”, aos que
se foram do PT supostamente pela esquerda e hoje voltam ao PT explicitamente
pela direita, aos que se dedicaram a construir seitas e organizações mais do
que perfeitas, mas que pouco afetam a grande luta de classes.
Nesses trinta anos, ao mesmo tempo em que construímos e defendemos o PT,
nunca abrimos mão de enfrentar as posições social-liberais e social-democratas
existentes dentro do nosso Partido e que atualmente são majoritárias na sua direção
nacional.
Diferente de outros setores da chamada esquerda petista, optamos por
demarcar o campo de classe, travar a disputa ideológica, fazer a crítica,
disputar a direção. Nunca aceitamos abrir mão de nossas posições, em troca de
espaços e quetais. Pagamos um preço alto por isso, entre outros motivos porque
não é fácil, nem tampouco óbvio defender posições revolucionárias em épocas
reformistas, defender que caminhos radicais podem ser os melhores para superar
derrotas, defender que uma boa luta é melhor do que um péssimo acordo. E,
também, porque – como petistas que somos - não somos imunes aos problemas que
criticamos.
Se estamos seguros de que nosso passado é defensável, também temos
certeza de que não queremos ter “um grande passado pela frente”.
A continuidade de nossa tendência só faz sentido se formos capazes de seguir
contribuindo para que a classe trabalhadora e nosso Partido façam a coisa
certa, especialmente nos próximos meses e anos.
E para isso nossa tendência precisa – como está indicado na resolução política
do Congresso – passar por um imenso processo de retificação.
Como já dissemos e queremos repetir, temos entre nós todos os problemas
e defeitos que existem no interior do PT e da esquerda brasileira. Em alguma
medida isso é inevitável: não vivemos numa bolha, não somos uma seita. Mas se
queremos cumprir um papel diferenciado, precisamos enfrentar de maneira mais
enfática e resolutiva cada um dos problemas e defeitos do nosso Partido, e
corrigir o que deles exista em nós.
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Primeiro: há petistas que dizem militar no Partido. Esta visão é
equivocada. O espaço da militância é a classe trabalhadora, a luta de classes
na sociedade. O partido deve ser o espaço onde organizamos nossa atuação nesta
luta de classes. Claro que o Partido realmente existente está muito longe de
ser isso. Mas se o Partido não faz coisa certa, devemos trabalhar para que
faça. E devemos dar o exemplo, fazendo com que a tendência também seja o espaço
de organização de nossa ação na sociedade, na classe trabalhadora. Claro que o
PT, além de um partido, é também um movimento social, talvez o maior movimento
social do país, com mais de 30 milhões de simpatizantes autodeclarados. Nesse
sentido específico, cabe à tendência organizar nossa atuação militante junto a
este movimento social que chamamos de “nação petista”. Mas organizar nossa atuação
não pode ser, nem única, nem principalmente, divulgar nossa opinião sobre os
acontecimentos. É preciso um trabalho militante junto a classe trabalhadora.
Segundo: militar não é aparecer ocasionalmente, muito menos aparecer
apenas ou principalmente em momentos eleitorais. Militar é atual de maneira
permanente - nos locais de trabalho, de moradia, de estudo, nos espaços de
cultura e lazer – com três objetivos fundamentais: conscientizar, organizar e
mobilizar. E para que isso tenha efeito, não basta a militância individual, é
preciso militância coletiva. E para tal é necessário que existam e funcionem as
chamadas instâncias, que elas debatam o que fazer, avaliem o que foi feito,
façam o trabalho de crítica e autocrítica, corrijam rumos, tomem as decisões
fundamentais. Tanto no partido quanto na tendência, há instâncias que deveriam
existir e não existem; há instâncias que existem formalmente, mas não funcionam
de fato; há instâncias que funcionam, mas não coletivamente. É preciso
trabalhar para mudar esta situação, indo de estado a estado, de cidade a
cidade, de categoria a categoria, de setor a setor. As direções, as
coordenações, os organismos de base precisam existir, se reunir periodicamente,
planejar e avaliar sua atuação.
Terceiro: o trabalho de conscientização é permanente. Queremos
transformar o mundo, queremos construir e conquistar o poder, queremos
materializar soluções criativas para todos os problemas da humanidade. E isso
exige estudar e elaborar, de forma permanente. As pessoas que ocupam posições
dirigentes precisam estudar, a militância precisa estudar, a classe
trabalhadora precisa estudar. Por isso, o trabalho de cultura, de comunicação e
de educação são essenciais e não podem ser capturados pelo baixo nível da
classe dominante, pela autopropaganda que dialoga apenas com nossa própria
bolha, com cirandas recreativas que evitam tratar com a profundidade e
seriedade os grandes problemas da classe, do Brasil e do mundo. É preciso
desenvolver, em nossa militância, a convicção de que, por mais que o coletivo
tenha seu papel, a autoformação é essencial. E que a conscientização – da
classe, da militância, dos dirigentes – não se faz principalmente estudando
problemas e soluções passados, se faz debatendo e elaborando soluções presentes
para os problemas presentes. É no enfrentamento cotidiano contra a extrema
direita e contra os neoliberais; e também na disputa cotidiana contra os
social-liberais e social-democratas; que deve se formar nossa classe, nossa
militância e nossos dirigentes. Em palavras antigas, mas que seguem válidas:
nosso marxismo só ganha sentido se for análise concreta da situação concreta. E
o maior educador, a maior pedagogia, é a luta.
Quarto: parcelas do nosso partido só se mobilizam em anos pares.
Convertem o PT em espaço para discussão de temas eleitorais e, em menor medida,
em espaço para debater a ação dos mandatos conquistados. Em decorrência disso,
vão aceitando que mandatos parlamentares e executivos dirijam o Partido. Alguns
já se referem, jocosamente, a existência de um “sindicato” de parlamentares,
vários dos quais não pagam o Partido. Recentemente, este “sindicato” teve uma
grande vitória, anulando ilegalmente no Diretório Nacional uma resolução
congressual do Partido, que limitava o número de vezes em que alguém pode disputar
sucessivamente um mesmo cargo.
A parlamentarização do PT atinge, também, muitas tendências de nosso
partido, que se converteram em verdadeiras “cooperativas de parlamentares”,
meras fachadas de mandatos, instrumento dos interesses de lideranças públicas
com força eleitoral. O resultado é que – apesar dos nomes às vezes pomposos - muitas destas tendências vem perdendo progressivamente
a capacidade de formular e de dirigir projetos realmente coletivos. Como um efeito
colateral disso, o Partido vai sendo tratado, por muitas pessoas, como uma
agência de alocação em mandatos parlamentares, em governos ou em estruturas
conexas.
Não aceitamos esta situação e a combatemos, tanto no Partido quanto em
nossa própria tendência. Queremos ter mais presença em mandatos e em governos,
mas queremos fazer isso preservando o princípio petista segundo o qual é o
Partido, através de suas instâncias, que dirige os mandatos; e que a luta
eleitoral e a ação institucional constituem duas dimensões, mas não as únicas
dimensões, da vida partidária. E lembramos sempre que queremos ser
revolucionários profissionais, não políticos profissionais, que buscam a todo
custo espaços e salários no Partido, em mandatos ou em governos.
Quinto: nosso Partido não pode depender de recursos públicos. Hoje, é
isso que ocorre. A maioria dos filiados não contribui. Grande parte dos
militantes não contribui. E um número significativo de governantes,
parlamentares, assessores e dirigentes tampouco contribui financeiramente. Isso
gera uma dependência absoluta do Partido frente aos recursos públicos, seja o
fundo partidário, seja o fundo eleitoral. O resultado é a estatização do
Partido, na mais absoluta contramão de tudo o que PT defendia quando surgiu (e
na mais absoluta contradição com o discurso de muitos que “fizeram carreira”
criticando a estatização dos partidos no chamado socialismo real). Tanto no
Partido quanto na tendência, sustentamos a necessidade da contribuição
militante.
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A direção nacional da tendência, eleita no 8º Congresso, vai dirigir a
tendência até 2025. Neste período, deve dar conta de pelo menos quatro grandes
tarefas: a retificação da tendência, a disputa pelos rumos do governo Lula, as
eleições de 2024 e o PED de 2025.
Em relação a primeira tarefa: no segundo semestre de 2023, a direção
deve acompanhar todos os congressos estaduais da tendência, contribuindo na
elaboração das diretrizes políticas e do plano de trabalho. E no caso dos
estados onde ainda não existimos organizadamente (caso por exemplo de RR, AC,
RO, GO, SC) e no caso dos estados onde temos grandes debilidades
político-organizativas (caso por exemplo de PR, MT, MG, BA, PB, PI), a direção
nacional deve propor um plano de trabalho conjunto para organização da
tendência. Em todos os casos, a questão central que vai ser apresentada à
militância é: o que fazer para reforçar e ampliar nossa presença nos locais de
trabalho, moradia, estudo, cultura e lazer, especialmente nos movimentos
sociais e no movimento sindical.
Em relação a segunda tarefa: devemos fortalecer o coletivo responsável pelo
acompanhamento das ações de governo e parlamentares, de forma a elaborar um
diagnóstico contínuo da situação e das perspectivas, contribuindo para elaborar
políticas nos espaços onde temos militantes atuando (no governo, no parlamento
ou relacionando-se com eles); e também contribuindo para elaborar diretrizes
para aquelas questões que a resolução política do 8º Congresso aponta como
centrais.
Em relação a terceira tarefa: ainda este ano, devemos elaborar um mapa
da situação eleitoral nacional e – em conjunto com as direções estaduais –
elaborar uma opinião sobre qual deva ser a tática do Partido, caso a caso. E,
nos estados e cidades onde tenhamos grandes chances, traçar um plano para
contribuir nacionalmente com nosso êxito eleitoral.
Em relação a quarta tarefa: devemos nos preparar desde já para disputar,
com chapa e candidatura presidencial, o PED 2025. A experiência desde 2001 até
hoje demonstraram que uma tendência com as nossas características não pode se
dar ao luxo de abrir mão de travar, com perfil próprio, a disputa nacional.
Sempre que possível, devemos adotar a mesma política nos estados e cidades. Se
estivermos preparados para disputar com perfil próprio, podemos fazer os
ajustes e alianças que cada situação exija. Mas se não estivermos preparados,
seremos arrastados para soluções que não necessariamente são adequadas à nossa
política. A preparação inclui ampliar a filiação ao Partido e ampliar a
filiação a tendência; manter iniciativas comuns com outros setores do Partido (com
destaque para o Manifesto Petista e para a Elahp); preparar desde já quadros
que possam assumir a tarefa de compor e encabeçar chapas, com atenção especial
para mulheres, jovens e pessoas negras.
Um aspecto importante de nossa preparação para o PED 2025 é nossa
contribuição para atualizar o programa, a estratégia e os métodos de trabalho
do Partido dos Trabalhadores. Nesse sentido, a direção da tendência deve
dedicar parte de seu tempo para estimular o debate sobre os seguintes temas: a
situação mundial, em particular a situação do capitalismo e as perspectivas do
socialismo; a situação nacional, em particular a crise e as perspectivas do
capitalismo e da luta pelo socialismo no Brasil, com destaque para o estudo das
classes sociais e da luta de classe em nosso país; a análise crítica das
organizações políticas e sociais da classe trabalhadora, com destaque para o
movimento sindical e para as organizações partidárias, incluindo o PT e as
principais organizações que se propõem alternativas ao petismo (os partidos e
organizações comunistas, o PSOL e o PSTU, os grupos derivados do racha da
Consulta Popular); bem como enfrentar, com perfil próprio, os debates acerca
das questões ambientais, de gênero, geracionais e étnicas.
Para dar conta dessas tarefas, propomos que a próxima direção nacional
seja composta da seguinte maneira:
1/uma direção nacional composta por 16 integrantes, sendo no mínimo 8
mulheres;
2/uma executiva nacional composta por 6 integrantes, sendo no mínimo 3
mulheres;
3/nos dois casos (direção e executiva) garantir a cota étnica e geracional,
bem como buscar a participação de militantes não profissionalizados;
4/a direção (16, dos quais 10 não são da executiva e 6 são da executiva)
se reunirá de três em três meses, virtual e/ou presencialmente;
5/a executiva (6) se reunirá mensalmente, virtual e/ou presencialmente;
6/as pessoas que integrarão a direção devem ter i/acordo com a linha
política aprovada no Congresso; ii/capacidade dirigente; iii/disposição de
assumir tarefas, a começar pela participação nas reuniões periódicas;
7/lembrando que a direção nacional não é um parlamento representativo
das regiões, estados, setores etc., a nominata da direção nacional deve buscar
ter pelo menos 1 dirigente residente em cada uma das grandes regiões do país;
deve buscar ter pelo menos 1 dirigente do movimento sindical, do movimento
estudantil, do movimento de mulheres, do combate ao racismo; deve buscar ter
pelo menos 1 parlamentar e 1 integrante do governo federal;
8/lembrando que a executiva nacional é uma instância, como diz o nome,
executiva, cada uma das pessoas que venha a participar dela devem assumir pelo
menos 1 das seguintes tarefas: secretaria geral e de organização; comunicação;
finanças; formação política; acompanhamento das direções partidárias;
acompanhamento da frente institucional. Além disso, as pessoas integrantes da
executiva devem compartilhar as seguintes tarefas: acompanhamento dos setoriais
da AE; acompanhamento da frente institucional; acompanhamento dos movimentos
sociais; acompanhamento da atuação da AE nos estados. De forma que cada
dirigente da executiva terá pelo menos duas tarefas.
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Anexo 2 Saúde como política pública estratégica e de Estado,
democrática, classista, anticapitalista e rumo ao socialismo
No caso do anexo 2, a versão inicial está disponível no link abaixo e a versão
definitiva está em fase final de elaboração, para incluir as resoluções da Conferência
de Saúde.
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Outros anexos: o anexo 2 (saúde) e outros anexos (por exemplo educação,
cultura, balanço da atual direção nacional da AE) serão distribuídos
posteriormente.
Ficou ótimo!
ResponderExcluirSeguimos na esperança (e luta) de que as medidas sugeridas sejam avaliadas e aplicadas.