sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Entrevista

 https://novaramedia.com/2022/10/07/brazil-election-lula-may-be-in-the-lead-but-hes-up-against-a-powerful-ideology/

1. Primeiro pedia-lhe que fizesse um comentário breve sobre os resultados, talvez explicando a um público inglês o porquê de Lula não ter chegado à maioria absoluta/Bolsonaro se ter saído melhor do que se previa.

O que ocorreu no primeiro turno das eleições brasileiras não deveria surpreender ninguém. Depois do fim da ditadura militar, em 1985, até hoje, 2022, ocorreram 9 eleições presidenciais. Destas 9, 7 foram resolvidas no segundo turno. As candidaturas petistas nunca ganharam no primeiro turno, nem mesmo quando Lula tinha 80% de aprovação. Portanto, embora fosse possível uma vitória de Lula no primeiro turno, o mais provável era ocorrer um segundo turno. Infelizmente, amplos setores do eleitorado lulista acreditaram que a vitória no primeiro turno era líquida e certa e, agora, tem muita gente desnorteada. Mas a culpa é das ilusões, não da realidade, que sempre foi dura e cruel. Detalhe: no meu caso, desde sempre fui de opinião que o mais provável era acontecer um segundo turno. Mas para vencer no primeiro turno, precisávamos ter feito uma inflexão na linha de campanha. Infelizmente, esta posição foi minoritária na direção nacional do PT. 

2. Dado os resultados qual é o caminho ou a estratégia a tomar agora?

Primeiro é preciso reconhecer que embora a vitória de Lula ainda seja o mais provável, a vitória de Bolsonaro é uma possibilidade. A maioria dos governadores eleitos, a maioria dos senadores eleitos, a maioria dos deputados eleitos, a maioria das forças armadas e dos serviços de segurança pública e privada, boa parte do empresariado, parte importante das igrejas pentecostais, parte dos meios de comunicação apóiam Bolsonaro. A máquina do governo federal está operando pesadamente. E, além disso tudo, Bolsonaro desenvolve uma guerra ideológica  permanente. Sendo este o quadro, repito, devemos partir do pressuposto de que Bolsonaro pode vencer. Basta de acreditar, como disse no início do ano uma importante liderança de meu partido, que o resultado estava dado e que se tratava de "administrar a vitória". Sendo este o quadro, devemos em primeiro lugar consolidar o voto de quem já votou em Lula no primeiro turno, disputar os votos que setores populares deram a Bolsonaro e priorizar a disputa dos votos de mais de 30 milhões de eleitores que não compareceram às urnas. Bolsonaro precisa de 6 milhões de votos para ganhar e vai buscar estes votos no povo. Nós temos que fazer o mesmo. A nossa prioridade não pode ser a disputa do eleitorado dos setores médios, nem a disputa de apoios institucionais. Nossa prioridade é buscar o voto popular.

3. Quão mais ampla pode ser a frente ampla contra Bolsonaro/o bolsonarismo?

Queremos o apoio de todo mundo que quiser derrotar Bolsonaro. Mas a real amplitude da frente não é o número de personalidades, nem o número de legendas partidárias. A amplitude da frente se mede pelo apoio popular, pelo número de trabalhadores e trabalhadoras, de pobres e moradores periféricos, de negros e de negras, de jovens, de mulheres que a campanha Lula tiver em seu apoio. E estas pessoas só virão em nosso apoio se formos radicais: numa guerra ideológica, vencerá quem convencer a maioria da justeza de seus valores, de sua visão de mundo. 

4. O PT poderia ser mais ambicioso nas suas propostas? Falar de reforma fiscal (por exemplo)? Ou seriam demandas nesse sentido demasiado controversas para este momento?

O PT pode e deve ser ambicioso nas propostas. Mas o que vai vencer as eleições não é o rol de propostas, nem é o legado dos governos. Bolsonaro fez um governo de merda, contribuiu para a morte de pelo menos 700 mil pessoas, e mesmo assim 51 milhões votaram nele no primeiro turno. E votaram não por conta das propostas, nem por conta do legado, mas porque concordam com a visão de mundo do cavernícola. Portanto, embora devamos apresentar propostas, o que vai vencer as eleições é conquistar corações, mentes e votos num projeto de futuro. Contra quem fala em "Deus, pátria, família e liberdade", não basta falar de "arroz, feijão, saúde e educação". Fazendo blague, para vencer precisamos entender que "é a ideológica, estúpido!"


https://novaramedia.com/2022/10/07/brazil-election-lula-may-be-in-the-lead-but-hes-up-against-a-powerful-ideology/

Um comentário:

  1. Gramsci também tem a minha admiração e por certo, nem só de "arroz, feijão" viverá o brasileiro. A superestrutura deve ser compreendida pelo petista mesmo sem o petista ser um marxista. Basta sair dos gabinetes acarpetados e do conforto das redes sociais.
    O PT aprendeu com as derrotas e colheu em diversos territórios o que plantou na última eleição de prefeitos e vereadores. O cinturão vermelho foi reconquistado apesar da desmobilização que você testemunhou.
    Mas não foi a ideologia que desenhou o cenário desfavorável no Estado de SP. O PT paulista deixou o candidato de Kassab ileso no 1o turno. Caiu na arapuca. Levou o drible da vaca.

    Podemos contar com a sorte, um erro do inimigo, mas se o comportamento de Haddad contra o candidato de Kassab e Serra for o mesmo do 1o turno...

    Isso sim seria uma estupidez

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