Pode parecer estranho dizer isso, afinal o PSOL é um partido de esquerda e, portanto, supõe-se que não haveria novidade alguma no fato dele dar um passo à esquerda.
Acontece que se a aparência
fosse igual a essência, não haveria ciência.
O PSOL surgiu em 2003, pouco
tempo depois do PT expulsar alguns parlamentares: Luciana Genro, Heloisa
Helena, Babá e outro cidadão.
O PSOL surgiu fazendo
críticas de esquerda ao PT.
Em 2006 o PSOL lançou Heloísa
Helena à presidência.
Na vice, o César Benjamin.
HH foi muito bem votada no
primeiro turno, alcançando o melhor desempenho do PSOL até hoje, em eleições
presidenciais.
HH teve 6 milhões e 575 mil
votos, 6,85% dos votos válidos.
No segundo turno, HH não
apoiou Lula contra Alckmin.
Em 2010 o PSOL lançou Plínio de
Arruda Sampaio à presidência da República.
Plinio teve 886 mil votos, 0,87%
dos votos válidos.
No segundo turno Plínio não
apoiou Dilma contra José Serra, a quem Plínio chamava de “Zé”.
Aliás, um comentário vicinal:
o presidente Lula soltou um tweet dizendo achar “saudável” que “o PSDB esteja fazendo prévias pra escolher um
candidato. Eles costumavam fazer campanha civilizada. Uma coisa era disputar
contra o FHC, contra o Serra, outra coisa é disputar com o troglodita do
Bolsonaro”.
Claro que o Bolsonaro é como o bode da história:
comparado a ele quase tudo parece melhor. Mas não vamos esquecer que nas
campanhas eleitorais os tucanos testaram e anteciparam várias das armas
utilizadas por Bolsonaro. Serra em 2010, por exemplo, fez isso. Quem não lembra
da bolinha de papel? Ou das declarações sobre o tema do aborto? E Alckmin? E
Aécio? Não vou citar FHC, o cara que diz que votou branco em 2018.
Isto posto, saiamos da
vicinal e voltemos ao PSOL.
Em 2014 o PSOL lançou Luciana
Genro à presidência.
Luciana teve 1 milhão e 612 mil
votos, 1,55% dos votos válidos.
No segundo turno Luciana
Genro não apoiou Dilma contra Aécio Neves.
Ou seja: no frigir dos ovos, até
2014 a posição que predominava no PSOL era o antipetismo.
E, como já disse o Boulos, “o
antipetismo é de direita”.
Esta frase do Boulos foi dita
numa entrevista ao jornal Valor.
A frase inteira é um primor: “não
acreditamos que o PT seja de esquerda. O governo do PT não é um governo de
esquerda. Agora o antipetismo é de direita”.
Pois bem: depois do golpe,
para usar o critério de Boulos, o PSOL começou a vir para a esquerda.
Claro que continuou existindo
no PSOL um setor que organiza sua política a partir do antipetismo.
Em alguns casos, chegam a ser
lavajatistas.
É o caso da tendência da
Luciana Genro.
Mas a partir de 2016 cresceu
o setor disposto a fazer um giro à esquerda na política do PSOL.
Este setor foi reforçado pelo
ingresso, no PSOL, de dois setores.
O primeiro veio do PSTU e,
segundo os próprios, é a 4ª maior tendência do PSOL, com 7,5% do recém
encerrado congresso do Partido do Socialismo e da Liberdade.
O segundo setor foi o encabeçado
pelo Boulos.
Boulos filiou-se ao PSOL no
dia 5 de março de 2018.
Entrou e já foi para a
janelinha: virou candidato à presidência da República nas eleições daquele ano.
As boas línguas dizem que não
foi propriamente uma filiação, mas sim uma aliança entre o MTST e o PSOL.
Segundo as mesmas boas
línguas, uma das bases desta aliança teria sido a garantia de que Boulos poderia
fazer uma campanha que não fosse antipetista.
Já as más línguas dizem que Boulos
achava que iria atrair, em 2018, grande parte dos votos petistas, tendo em
vista a interdição de Lula.
Como sabemos, não foi isso o
que aconteceu.
Boulos teve 617 mil votos, ou
seja, 0,58% dos votos válidos.
Um desempenho inferior ao do
Plinio, que em 2010 teve 886 mil votos e 0,87% dos votos válidos.
Acontece que, diferente de Plínio,
de Luciana Genro e de HH, no segundo turno Boulos apoiou e fez muita campanha
para Haddad.
Foi um passo importante para
a esquerda como um todo.
E foi um passo à esquerda do
próprio PSOL.
Pois transformaram uma derrota
eleitoral em uma vitória política.
Vitória que foi ampliada em
2020 quando – ajudado pela incorreta decisão de Haddad de não disputar a
eleição da prefeitura paulistana – Boulos foi ao segundo turno das eleições
municipais na cidade mais populosa do país.
Agora, no seu recém encerrado
Congresso, o PSOL decidiu dar mais um passo à esquerda.
Decidiu não lançar
candidatura à presidência da República.
Para ser mais preciso, o PSOL
decidiu que neste momento não lançará candidato à presidência.
Ano que vem, a depender do
que aconteça, o PSOL pode mudar de opinião.
#
Reproduzo a seguir a
resolução aprovada no 7º Congresso do PSOL, realizado nos dias 26 e 27 de setembro
de 2021, reunindo de forma online 402 delegados e delegadas, que representariam
cerca de 51 mil filiados.
RESOLUÇÃO SOBRE ELEIÇÕES 2022
1. O PSOL tem como prioridade
a derrota da extrema-direita. Lutamos pelo impeachment de Jair Bolsonaro e sua
inelegibilidade, mas sabemos que isso depende de fatores que não estão
totalmente sob nosso controle. Ainda assim, temos feito nossa parte, lutando
pela unidade da oposição no Congresso Nacional, estimulando a luta nas ruas e
denunciando permanentemente os crimes de Bolsonaro e seus aliados.
2. As eleições de 2022 são
parte decisiva do processo de superação da extrema-direita. É preciso reunir
forças sociais e políticas para, em primeiro lugar derrotar Bolsonaro, e a
partir de 2023 lutar pela superação da profunda crise social, política,
econômica, sanitária e ambiental que vivemos. Não queremos simplesmente um
governo de "salvação nacional": queremos um governo de esquerda,
comprometido com os direitos sociais, o meio ambiente, a soberania nacional, a
superação dos preconceitos e da violência de Estado. Um governo à serviço da
igualdade e da justiça social.
3. Além disso, será
necessário fortalecer nossas bancadas tanto em nível federal quanto nos estados
com o propósito de revogar as medidas antipopulares aprovadas desde o golpe
parlamentar de 2016. Eleger deputadas e deputados comprometidos com a derrota
da extrema-direita, mas acima de tudo, com a classe trabalhadora e os
excluídos, é parte fundamental da nossa tarefa. Disso depende nosso projeto
partidário, especialmente diante de medidas antidemocráticas como a cláusula de
barreira.
4. Nossos desafios, portanto,
são enormes. Por essa razão, apesar de dispor de excelentes nomes, o PSOL não
apresentará neste momento uma pré-candidatura para a disputa presidencial. A
prioridade, em nível nacional, deve ser a construção da unidade entre os
setores populares para assegurar a derrota da extrema-direita. Esse processo de
diálogo deve envolver elementos programáticos, arco de alianças e não pode ser
uma via de mão única.
5. Estamos diante de um
desafio complexo, que exigirá respeito, diálogo e a produção de sínteses. Um
debate entre diferentes dispostos a unir forças em defesa do povo brasileiro.
Diante do exposto, o 7º Congresso Nacional do PSOL resolve:
a) Autorizar a Executiva
Nacional do PSOL a iniciar diálogos formais para a construção de uma frente
eleitoral das esquerdas com vistas à unidade no plano nacional, bem como
autorizar as Executivas Estaduais a fazerem o mesmo no plano local quando
possível, levando em consideração a necessidade de derrotar a extrema-direita e
os governos reacionários que tenham agenda alinhada ao governo Bolsonaro.
b) Convocar uma Conferência
Eleitoral Extraordinária, formada pelos membros do Diretório Nacional do PSOL,
para o primeiro semestre de 2022 com a finalidade de tomar as definições
conclusivas sobre a tática eleitoral, distribuição dos recursos do fundo
eleitoral, política de alianças, regulamentação das candidaturas coletivas e
temas afins.
c) Delegar à Executiva
Nacional, com o apoio da Fundação Lauro Campos-Marielle Franco, a criação de um
Grupo de Trabalho com o objetivo de apontar os elementos programáticos
fundamentais para o PSOL no processo eleitoral de 2022.
d) Trabalhar pela construção
de um amplo processo de formulação programática para esta frente das esquerdas
em 2022, impulsionando seminários, fóruns, debates a partir de uma mesa de
diálogo nacional envolvendo partidos, movimentos sociais e intelectuais para
constituição de um programa unitário e antineoliberal.
e) Definir como prioridade a
superação da cláusula de barreira nas eleições de 2022; dela depende a
continuidade do nosso projeto político e a construção de uma alternativa socialista
e democrática para o Brasil.
f) Delegar à Executiva
Nacional a responsabilidade de formular uma proposta de regulamentação sobre
candidaturas coletivas, em conjunto com GT formado especificamente para esse
fim, a ser apreciada pela Conferência Eleitoral.
6. Nossa luta não termina nas
eleições de 2022. Pelo contrário: a reconstrução do Brasil encontrará a partir
daí desafios ainda mais complexos. Mas não nos omitiremos diante das
expectativas de milhares de pessoas que têm no PSOL sua esperança de mudança.
Daremos tudo o que estiver ao nosso alcance para livrar o Brasil do pesadelo
bolsonarista e garantir um Brasil justo, livre e democrático.
#
Como se pode ler, a resolução
sinaliza que o PSOL pode vir a apoiar o PT no primeiro turno das eleições de
2022.
E isso sem dúvida é muito
importante, um passo à esquerda que deve ser comemorado.
É bom para o povo brasileiro
e para a esquerda como um todo.
E é bom para o PSOL, pelos
motivos que já expusemos antes.
Entretanto, por mais que todo
mundo saiba que o PSOL está anunciando que pode vir a apoiar Lula no primeiro
turno, a resolução congressual em nenhum momento cita o nome do Lula, em nenhum
momento cita o nome do PT.
Alguém pode se perguntar: “que
importância isto tem?”
Nós achamos que alguma importância
tem.
A esse respeito, recomendamos
ler com atenção os vários balanços feitos a respeito do Congresso, balanços que
não vamos comentar aqui, mas que comentaremos em outros espaços e
oportunidades.
Ainda sobre a resolução aprovada
no Congresso do PSOL, queremos destacar o trecho que fala da “prioridade” que
eles atribuem para a superação da cláusula de barreira nas eleições de 2022: “dela
depende a continuidade do nosso projeto político e a construção de uma
alternativa socialista e democrática para o Brasil”.
Cá entre nós, a construção de
uma alternativa socialista e democrática para o Brasil não pode “depender” da
superação da cláusula de barreira em uma eleição.
Ou melhor: quem acredita
nisto tem uma visão sobre o tema que é 100% institucional.
O que não deixa de ser
surpreendente, vindo de um partido que criticava o PT pelo institucionalismo.
#
A resolução sobre 2022 foi
aprovada por 56% de votos a favor e 44% de votos contrários.
Estes números talvez ajudem a
entender o porquê de a resolução não falar explicitamente do PT, nem de Lula.
Num artigo publicado no Esquerda
Online, intitulado “7º Congresso do PSOL: as polêmicas e um passo à frente
na luta contra Bolsonaro” e assinado por Deborah Cavalcante, se fala da “cozinha”
do congresso.
Segundo Deborah, há “dois
grandes blocos no interior do partido. De um lado, o bloco do “PSOL de Todas as
Lutas”, formado pela unidade de dois campos: o PSOL Semente, formado pela
Resistência, Insurgência, Subverta, Maloka Socialista, Viva o PSOL e Carmen
Portinho, além de militância independente e o PSOL Popular, formado por
Primavera Socialista (maior corrente que indicou o novo Presidente, Juliano
Medeiros) e Revolução Solidária (corrente de Guilherme Boulos e MTST). O PSOL
de Todas as Lutas contou com 228 delegados, sendo 61 do PSOL Semente e 167 do
PSOL Popular”.
De outro lado, sempre segundo
Deborah, estaria o bloco da “oposição de esquerda”, “que reúne o MES (corrente
da Luciana Genro), Comuna (corrente de João Machado), APS, Fortalecer, CST, LS
(as duas últimas seções da UIT-CI) e correntes locais. Todo esse bloco reuniu
173 delegados”. Além disso, se portando “de forma independente aos dois blocos”,
estaria a LSR, “seção brasileira da ASI, que possuía 1 delegado e não lançou
chapa à direção nacional”.
Segundo a Debora, estes dois
blocos vieram se constituindo desde 2016. E em 2021 um dos blocos teria
constituído a maioria de 56% do Congresso, maioria que – sempre citando - autorizou
a direção do PSOL a iniciar diálogos formais com as esquerdas a respeito de uma
possível frente eleitoral nacional em 2022. Sendo que – ainda citando - a
decisão final sobre a tática eleitoral do PSOL será tomada em abril do próximo
ano, em uma Conferência Eleitoral composta pelo DN eleito no Congresso.
Vale dizer que o Congresso do
PSOL também aprovou uma resolução sobre conjuntura nacional e outra sobre
conjuntura internacional. A resolução sobre tática é mais enxuta do que estas
duas.
Um detalhe curioso que está
no texto da Debora é o seguinte: “Caso Lula seja eleito e, caso convide o PSOL
a participar de seu governo, é o Diretório Nacional quem decidirá sobre o
assunto. Neste caso, não há qualquer dúvida sobre a posição da Resistência ou
do PSOL Semente: não participamos de governos com a burguesia”.
#
Por tudo que foi dito, fica evidente
que - embora tenha sido dado um passo importante à esquerda - no frigir dos ovos
pode ocorrer uma mudança, por exemplo:
-uma mudança no quadro
nacional (especialmente se Bolsonaro cair ou se derreter eleitoralmente. Neste
caso o objetivo central de derrotar Bolsonaro perderá força e o PSOL poderia
decidir outra tática eleitoral);
-uma mudança na correlação de
forças interna ao PSOL (pesando nisto a atitude do PT, não apenas no tema do
programa e das alianças, mas também no tema “eleição para governador em SP”,
onde o PSOL gostaria que o PT apoiasse Boulos.).
No PT e na esquerda em geral,
a decisão do PSOL gerou muito entusiasmo, mas também gerou polêmica.
Um exemplo disto foi a reação
do professor Luis Felipe Miguel, que no dia 27 de setembro escreveu no seu
perfil do face o seguinte:
“É difícil a situação do PSOL.
Está dividido entre o
lançamento de uma candidatura presidencial própria (e provavelmente fadada à
irrelevância eleitoral), posição minoritária no congresso encerrado ontem, e um
apoio quase incondicional a Lula, não importa o quanto a resolução partidária
fale que "não pode ser uma via de mão única".
Meu olhar é externo ao
partido, mas me parece que nenhuma das duas opções é atraente.
É razoável lançar uma
candidatura sem chance de ganhar. Mas ela tem que ser capaz de incidir sobre o
debate público e, em alguma medida, tensionar as outras candidaturas.
Boulos não teve força
para fazer isto em 2018. É ainda mais improvável que Glauber o consiga em 2022.
Mas se é para ser
simplesmente um caudatário do lulismo, qual o sentido da existência do PSOL?
Se é para simplesmente
apoiar a candidatura de Lula, por que alguém se filiaria ao PSOL, em vez de
entrar logo no PT - e, se for o caso, achegar-se a uma de suas correntes mais à
esquerda?
O problema não nasce da
conjuntura. Ele revela a debilidade histórica do PSOL.
Parece-me que o PSOL
falhou em definir uma identidade como partido. Desde que nasceu, seu papel
principal foi ser uma espécie de grilo falante da consciência petista,
denunciando as acomodações do PT com o sistema vigente e a ruptura de tantos de
seus compromissos históricos.
Este papel perde
sentido na hora em que o PT passa à oposição - ainda mais no bojo de um golpe
contra a democracia e os direitos, tal como ocorreu.
Nos últimos anos, o
PSOL fez dois movimentos para ganhar identidade própria. Um foi assumir-se como
porta-voz das múltiplas pautas chamadas "identitárias", aceitando
seus diversos registros, dos liberais aos emancipatórios.
Mas, na falta de um
programa político claro, que integre tais reclamos num projeto de sociedade, é
algo necessariamente frágil. E outros partidos já descobriram este nicho do
mercado eleitoral e se esforçam por ocupá-lo.
O outro movimento foi
transformar-se no "partido de Boulos", tal como o PT é o partido de
Lula. O líder do MTST ganhou um capital de simpatia à esquerda nas eleições de
2018, apesar da fraca votação, e mostrou potencial eleitoral em 2020.
Mas o próprio Boulos
rechaçou a posição - contradizendo minha impressão inicial, de que ele buscava
deliberadamente mimetizar a trajetória política de Lula (do movimento social
para a construção do partido, com a manutenção de um capital de radicalidade
que o credenciaria em sucessivas disputas).
Não vejo saída para o
impasse de hoje que não aprofunde a crise de identidade do PSOL (e que o
impasse se coloque nestes termos já denuncia o caráter eminentemente eleitoral
do partido). É uma agremiação que tem grandes quadros, inclusive entre aqueles
que compõem sua bancada na Câmara dos Deputados, mas que, em quase 20 anos de
existência, não conseguiu se firmar como um polo efetivo da política
brasileira.
Em 2018, apoiei a
candidatura presidencial de Boulos por julgar que o Brasil precisa de um
partido à esquerda do PT.
Continuo achando isto.
Só é cada vez mais difícil acreditar que o PSOL seja capaz de desempenhar este
papel”.
#
Outro exemplo, mas em sentido
diferente, da polêmica causada pela decisão do PSOL está no texto de Douglas
Belchior (reproduzido na íntegra ao final), onde ele afirma: “acredito e
defendo a necessidade de fortalecer desde já a candidatura de Luiz Inácio Lula
da Silva como contraponto a Bolsonaro. Titubear à esta altura é um erro. Mais
um tema tergiversado neste Congresso”.
Como se pode ver, além de
importante, a decisão do PSOL contém muitos ângulos e possíveis desdobramentos.
Noutro momento voltaremos a
falar deles. Mas por enquanto ficaremos na comemoração, afinal não é todo dia
que um partido de esquerda dá um importante passo à esquerda.
Segue a íntegra da nota citada
NOTA DE SAÍDA DO PSOL
Por Douglas Belchior
Aqui com os links:
https://uneafrobrasil.org/nota-de-saida-da-psol/
Quinta feira, 30 de Setembro
de 2021
Laroye!
Informo às amigas e aos
amigos de luta e de vida que acompanham a caminhada desses anos todos a minha
desfiliação do PSOL - Partido Socialismo e Liberdade. Nos últimos 16 anos,
busquei contribuir com o que pude. Que se abram os caminhos!
Acompanho o Psol desde que
era ainda uma ideia. Me dediquei à coleta de assinaturas para o registro do
partido entre 2003 e 2005. Filiado ao núcleo da PUC-SP, onde cursei História,
vivi intensamente a campanha de Heloísa Helena para presidente em 2006. Em
2010, com o velho Plínio de Arruda Sampaio à frente, acompanhei de perto nosso
candidato a vice-presidente, militante do movimento negro baiano, Hamilton
Assis. Em 2012, fui candidato a vereador em Poá-SP, sendo o mais votado, mas
que, sem coeficiente eleitoral, não acessamos a cadeira. Em 2014, fui candidato
a deputado federal, sendo o terceiro mais votado da lista. Em 2016, fui
candidato a vereador da capital de SP, novamente ficando na suplência.
Em 2018, candidato mais uma vez
a deputado federal, alcançamos quase 50 mil votos, mesmo sem apoio do partido.
Figuramos entre os eleitos, mas perdemos a vaga ao final da apuração. Em 2020,
optamos por fortalecer novas lideranças do movimento negro e elegemos, com
muito custo e mais uma vez apesar do Psol, Elaine Mineiro co-vereadora da
capital paulista, em uma candidatura coletiva - o Quilombo Periférico, ao lado
de Débora Dias, Julio Cesar, Samara Sosthenes, Erick Ovelha e Alex Barcellos,
todas lideranças de movimentos de base das periferias de SP.
Minha atuação sempre foi
dirigida pelo movimento negro e periférico, em especial pela Uneafro Brasil,
que ajudei a fundar, e por diversos coletivos que constroem a luta cotidiana
nas periferias do Estado de São Paulo há mais de 20 anos. Nos últimos três anos
me dediquei à construção da Coalizão Negra por Direitos, aliança nacional de
movimentos negros que tem uma agenda política sintetizada em sua carta
programa. Sempre acreditei em partido-movimento. Sempre defendi que o partido
faça parte da vida ordinária, cotidiana das pessoas. Sempre critiquei
partidos-mandatos, partidos-correntes, partidos de vida eleitoral apenas. Me
dediquei a essa forma de atuação e todas as candidaturas que vivi foram
expressão do trabalho dos movimentos que ajudo a construir. E sempre lamentei o
fato de o Psol não reconhecer essa nossa atuação em São Paulo.
Os resultados do 7º Congresso
Nacional do partido, realizado neste último final de semana, confirmam que,
embora o discurso carregue elementos de mudanças, a estrutura não muda, a
direção é a mesma, a mesma lógica de partilha interna de poder, a mesma cara, a
mesma tez.
Nestes 16 anos a sociedade
como um todo sofreu importantes mudanças na forma de fazer política e de tratar
o tema do racismo. Em todos esses anos de vínculo travei debates internos e
públicos sobre o papel do partido frente ao desafio do enfrentamento ao racismo
como elemento fundamental do momento histórico que vivemos. Bem como da
necessidade de o partido se abrir às demandas organizativas dos movimentos de
periferia e do movimento negro. Infelizmente o partido jovem e depositário da
confiança de uma base social também jovem e sedenta de novas experiências,
sempre foi preso à velha lógica das correntes internas, proprietárias reais da
máquina partidária, hegemonizadas pelo pensamento e pela forma
branco-eurocêntrica da esquerda tradicional de se fazer política.
Este 7o. Congresso também
evidencia dificuldade em lidar com experiências que não aquelas acorrentadas à
dinâmica das tendências internas, explicitado na necessidade de regulação
(controle e limitação) de candidaturas coletivas, na proibição de candidaturas
apoiadas por iniciativas da sociedade civil e na limitação da possibilidade de
busca de recursos fora dos "padrões partidários". E avança pouco na
produção de mecanismos de efetivação do fortalecimento de lideranças negras
orgânicamente ligadas aos movimentos negros. Quanto à conjuntura, acredito e
defendo a necessidade de fortalecer desde já a candidatura de Luiz Inácio Lula
da Silva como contraponto a Bolsonaro. Titubear à esta altura é um erro. Mais
um tema tergiversado neste Congresso.
É evidente que pesa também na
decisão pela saída do partido, toda a violência política, a prática do boicote,
do apagamento, do silenciamento, da desqualificação e do racismo institucional
que sofri nesses anos de embate, sobretudo quando passei a questionar, a partir
de 2016, em documentos e diálogos internos, até chegar à esfera pública em
2018, a conduta racista das direções de São Paulo, de correntes internas e da
direção nacional do Psol. Foram justas as disputas que travei e sinto que
surtiram algum efeito, constrangeram posturas e abriram caminhos para avanços
que, quero crer, um dia virão.
Meu afastamento das
instâncias internas do partido se deve à óbvia conclusão de que a única
possibilidade de a agenda negra incidir e produzir efeitos sobre a dinâmica
social é o fortalecimento das experiências organizativas do Movimento Negro e,
sobretudo, da imposição do Movimento Negro como instância legítima e
indispensável para a formulação de um projeto de país que nos leve a superar a
desgraça em que estamos mergulhados. O sucesso por essa opção é evidente. O
Movimento Negro se fortalece a cada dia e hoje qualquer formulação, iniciativa
ou atuação política que se queira honestamente comprometida com o povo
brasileiro, deve por obrigação observar, respeitar e considerar a elaboração e
o acúmulo histórico da resistência negra organizada. É só o começo.
Sou entusiasta do trabalho de
tantos e tantas militantes do Psol, que tem tensionado a branquitude que
hegemoniza direta ou indiretamente as direções partidárias, bem como do
compromisso com a construção do movimento negro para além dos muros
partidários. Registro meu respeito a essas lideranças e reconheço a importância
de diversos mandatos legislativos, alguns deles comprometidos com a agenda do
movimento negro.
Temos um governo racista e
genocida para derrotar e um país para construir. Precisamos estar fortes para
enfrentar os horrores do fascismo que nos atormenta. Para isso, é preciso
construir a unidade possível, nos marcos da defesa dos direitos humanos, cuja
missão seja o fortalecimento de agendas fundamentais em nossos dias, a saber: a
defesa da vida de pessoas negras, mulheres, quilombolas e indígenas, comunidade
LGBTQIA+, atenção às questões climáticas, enfrentamento à fome e as violências
do Estado. Comprometidos desde sempre com esta agenda, construímos muito até
aqui. E daqui pra frente, faremos muito mais! Saudações aos que têm coragem!
Okê arô!
Muitas sairam pela porta esquerda do PT e depois como num passe de mágica se viram depois bem para lá da porta direita. Isaac Deustcher tinha razão sobre o "comunista" arrependido.
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