Para quem não acompanhou, trata-se do seguinte: recebi através do professor Boris Vargaftig um artigo de Valério Arcary, intitulado Por que a esquerda socialista terá poucos votos nas eleições de 2014? Este texto está disponível em http://marxismo21.org/esquerdas-e-eleicoes-2014/
Publiquei um comentário a respeito, que pode ser lido em http://valterpomar.blogspot.com.br/2014/09/quem-nao-sabe-contra-quem-luta-nao-pode.html
Acabo de receber a réplica de Arcary, intitulada De punhos fechados, mas com as mãos nos bolsos. Disponho do arquivo em pdf, para enviar a quem desejar.
Como eu já disse, no comentário anterior, o que de fundamental eu tinha para dizer, me limitarei agora a pequenos tópicos.
Começo por um tema abordado por Arcary, num rodapé.
No meu texto, eu disse que estive com ele num debate na PUC São Paulo, no dia em que Haddad e Alckmin anunciaram conjuntamente a revogação do aumento das tarifas. E ouvi, com estes ouvidos que a terra ainda há de comer, Arcary especulando sobre a possibilidade de um desenlace insurrecional para aquela situação política em que o país estava.
Arcary me corrige, da seguinte forma: "o debate que mantivemos na PUC/SP teria ocorrido uma semana depois do dia 20 de junho, quando foi revogado o aumento das tarifas por Haddad, portanto dia 27/06. Correu muito bem, e creio que foi filmado pelos colegas do NEILS. Não disse nada diferente do que escrevi naquelas semanas. Não foi prevista a iminência de insurreição alguma. Defendi, certamente, a atualidade de uma estratégia insurrecional em oposição à eleitoral".
De fato o debate foi filmado e, aparentemente, transmitido ao vivo. Como as memórias não coincidem, o melhor é assistir o que falamos à época e confrontar com o que estamos falando agora.
Agora, quanto a data do debate: segundo a página da PUC, o debate foi realizado no dia 19 de junho (http://www3.pucsp.br/eventos/neoliberal-neodesenvolvimentista-ou-pos-neoliberal-dez-anos-do-governo-do-partido-dos-trabal).
Passemos aos outros pontos.
Arcary acha que minha linha de argumentação "diminui o significado da desconfiança que cresceu durante doze anos, e o impacto de Junho de 2013".
Visto do ponto de vista de Arcary, admito que possa parecer assim. Mas basta ler os textos de minha autoria, bem como as resoluções da tendência de que faço parte no PT, para constatar que venho apontando seguidamente para a existência de um crescente desgaste do PT junto a setores importantes da classe trabalhadora. Acontece que este desgaste beneficia muito mais a oposição de direita e apenas marginalmente fortalece a oposição de esquerda. Já tratei disto numa polêmica com Mauro Iasi, que seguro Arcary acompanhou.
Arcary admite que "doze anos atrás", abraçou "uma avaliação de que o processo de desgaste da influência política do PT seria mais rápido". E diz que esta hipótese, este prognóstico, "foi construída considerando que um governo Lula, um governo de colaboração de classes, teria que realizar um ajuste econômico social terrível. O ajuste veio, e foi mesmo terrível".
Os indicadores econômico-sociais apontam outra coisa: visto de conjunto, a classe trabalhadora viveu melhor no governo Lula-Dilma (2003-2014), do que viveu no governo FHC. E mesmo fazendo comparações entre períodos parciais (por exemplo, a primeira etapa do governo FHC e a primeira etapa do governo Lula), ainda assim a conclusão é: a classe trabalhadora viveu melhor no governo Lula.
Arcary diz que "estávamos errados sobre os ritmos do desgaste da experiência com Lula. Tem sido muito mais lento". Mas considera ter errado "na avaliação do ritmo, mas não da dinâmica".
Na minha opinião, Arcary não compreendeu a dinâmica da "conciliação de classes realmente existente" e seus efeitos sobre cada grande classe social brasileira, tema que eu trato muito esquematicamente no texto http://www.valterpomar.blogspot.com.br/2014/08/comentario-complementar-ao-texto-do.html
Muito esquematicamente, a dinâmica não vem sendo "conciliação que provoca prejuízos". A dinâmica vem sendo "conciliação que num primeiro momento provocou ganhos desigualmente distribuídos e, num segundo momento, provoca prejuízos também desigualmente distribuídos".
Curiosamente, os setores moderados do PT cometem um equívoco similar ao de Arcary: enxergam apenas um momento, um aspecto do processo. E quem não compreende a dinâmica, tem dificuldade de interpretar o ritmo e as etapas. O setor moderado do PT não imaginava que junho de 2013 pudesse acontecer. Arcary imaginava que junho de 2013 pudesse ter outro desfecho.
A discordância acerca da dinâmica, como é óbvio, produz políticas totalmente distintas acerca de como lidar com a classe trabalhadora, com a juventude, com os movimentos sociais, com o governo etc.
Arcary me acusa de "valorizar" esta "terrível lentidão". Novamente, a crítica faz sentido a partir do ponto de vista de quem acha que depois de Kerensky virá Lênin. Mas quem acredita que a dinâmica é outra --quem, por exemplo, lembra que contra Vargas veio o golpismo-- não "valoriza a lentidão". Quem acha que a dinâmica é outra, quer mudar o rumo do governo.
Arcary diz que eu fui injusto ao acusá-lo de subestimar o significado da candidatura Marina Silva. Bom, por um lado acho bom ler na réplica o que não achei por escrito no artigo original, a saber: "Marina é perigosíssima".
Mas que valor prático tem isto, se logo em seguida Arcary diz que "os três candidatos têm projetos de gestão que se resumem à regulação do capitalismo, e ainda que as diferenças entre eles existam, são pequenas".
Pequenas? Num hipotético governo Marina o Brasil sai dos Brics e muda de política na Celac e na Unasul. A política econômica e social volta aos padrões do período FHC. E quanto a democracia... bom, me limito a dizer que os cavernícolas do Clube Militar do Rio de Janeiro apoiam Marina.
Arcary faz uma pequena provocação, perguntando se eu não acho que Marina é traidora. Acho a provocação desnecessária. Arcary sabe que sou neto de um comunista assassinado pela ditadura, episódio em que a repressão foi ajudada por um traidor. Portanto, para mim é óbvio que traidores existem. O que acontece é que, para usar as palavras do próprio Arcary, sou contra "supervalorizar o lugar da traição política na história”.
Finalmente, Arcary considera "bizarro" que a esquerda petista insista em "apoiar o governo" e que sejamos "entusiastas da campanha de Dilma".
Bom, o que posso dizer é repisar minha "hipótese", que tem 21 anos pelo menos:
*no atual período histórico, ou o PT corrige a linha e avança, ou somos todos derrotados pela direita. Esta luta para corrigir a linha do PT não é uma "luta interna", é uma luta por influenciar a opinião de um expressivo setor da classe trabalhadora que segue as diretrizes do chamado setor moderado do PT, defensor de uma estratégia que conduz à nossa derrota. Por óbvio, trata-se de uma luta em defesa do PT, travada nos marcos do PT.
Neste período histórico, quem acha possível derrotar ao mesmo tempo a direita e o PT, acaba geralmente virando linha auxiliar da direita. Sendo assim, prefiro ser acusado de bizarro.
Publiquei um comentário a respeito, que pode ser lido em http://valterpomar.blogspot.com.br/2014/09/quem-nao-sabe-contra-quem-luta-nao-pode.html
Acabo de receber a réplica de Arcary, intitulada De punhos fechados, mas com as mãos nos bolsos. Disponho do arquivo em pdf, para enviar a quem desejar.
Como eu já disse, no comentário anterior, o que de fundamental eu tinha para dizer, me limitarei agora a pequenos tópicos.
Começo por um tema abordado por Arcary, num rodapé.
No meu texto, eu disse que estive com ele num debate na PUC São Paulo, no dia em que Haddad e Alckmin anunciaram conjuntamente a revogação do aumento das tarifas. E ouvi, com estes ouvidos que a terra ainda há de comer, Arcary especulando sobre a possibilidade de um desenlace insurrecional para aquela situação política em que o país estava.
Arcary me corrige, da seguinte forma: "o debate que mantivemos na PUC/SP teria ocorrido uma semana depois do dia 20 de junho, quando foi revogado o aumento das tarifas por Haddad, portanto dia 27/06. Correu muito bem, e creio que foi filmado pelos colegas do NEILS. Não disse nada diferente do que escrevi naquelas semanas. Não foi prevista a iminência de insurreição alguma. Defendi, certamente, a atualidade de uma estratégia insurrecional em oposição à eleitoral".
De fato o debate foi filmado e, aparentemente, transmitido ao vivo. Como as memórias não coincidem, o melhor é assistir o que falamos à época e confrontar com o que estamos falando agora.
Agora, quanto a data do debate: segundo a página da PUC, o debate foi realizado no dia 19 de junho (http://www3.pucsp.br/eventos/neoliberal-neodesenvolvimentista-ou-pos-neoliberal-dez-anos-do-governo-do-partido-dos-trabal).
Passemos aos outros pontos.
Arcary acha que minha linha de argumentação "diminui o significado da desconfiança que cresceu durante doze anos, e o impacto de Junho de 2013".
Visto do ponto de vista de Arcary, admito que possa parecer assim. Mas basta ler os textos de minha autoria, bem como as resoluções da tendência de que faço parte no PT, para constatar que venho apontando seguidamente para a existência de um crescente desgaste do PT junto a setores importantes da classe trabalhadora. Acontece que este desgaste beneficia muito mais a oposição de direita e apenas marginalmente fortalece a oposição de esquerda. Já tratei disto numa polêmica com Mauro Iasi, que seguro Arcary acompanhou.
Arcary admite que "doze anos atrás", abraçou "uma avaliação de que o processo de desgaste da influência política do PT seria mais rápido". E diz que esta hipótese, este prognóstico, "foi construída considerando que um governo Lula, um governo de colaboração de classes, teria que realizar um ajuste econômico social terrível. O ajuste veio, e foi mesmo terrível".
Os indicadores econômico-sociais apontam outra coisa: visto de conjunto, a classe trabalhadora viveu melhor no governo Lula-Dilma (2003-2014), do que viveu no governo FHC. E mesmo fazendo comparações entre períodos parciais (por exemplo, a primeira etapa do governo FHC e a primeira etapa do governo Lula), ainda assim a conclusão é: a classe trabalhadora viveu melhor no governo Lula.
Arcary diz que "estávamos errados sobre os ritmos do desgaste da experiência com Lula. Tem sido muito mais lento". Mas considera ter errado "na avaliação do ritmo, mas não da dinâmica".
Na minha opinião, Arcary não compreendeu a dinâmica da "conciliação de classes realmente existente" e seus efeitos sobre cada grande classe social brasileira, tema que eu trato muito esquematicamente no texto http://www.valterpomar.blogspot.com.br/2014/08/comentario-complementar-ao-texto-do.html
Muito esquematicamente, a dinâmica não vem sendo "conciliação que provoca prejuízos". A dinâmica vem sendo "conciliação que num primeiro momento provocou ganhos desigualmente distribuídos e, num segundo momento, provoca prejuízos também desigualmente distribuídos".
Curiosamente, os setores moderados do PT cometem um equívoco similar ao de Arcary: enxergam apenas um momento, um aspecto do processo. E quem não compreende a dinâmica, tem dificuldade de interpretar o ritmo e as etapas. O setor moderado do PT não imaginava que junho de 2013 pudesse acontecer. Arcary imaginava que junho de 2013 pudesse ter outro desfecho.
A discordância acerca da dinâmica, como é óbvio, produz políticas totalmente distintas acerca de como lidar com a classe trabalhadora, com a juventude, com os movimentos sociais, com o governo etc.
Arcary me acusa de "valorizar" esta "terrível lentidão". Novamente, a crítica faz sentido a partir do ponto de vista de quem acha que depois de Kerensky virá Lênin. Mas quem acredita que a dinâmica é outra --quem, por exemplo, lembra que contra Vargas veio o golpismo-- não "valoriza a lentidão". Quem acha que a dinâmica é outra, quer mudar o rumo do governo.
Arcary diz que eu fui injusto ao acusá-lo de subestimar o significado da candidatura Marina Silva. Bom, por um lado acho bom ler na réplica o que não achei por escrito no artigo original, a saber: "Marina é perigosíssima".
Mas que valor prático tem isto, se logo em seguida Arcary diz que "os três candidatos têm projetos de gestão que se resumem à regulação do capitalismo, e ainda que as diferenças entre eles existam, são pequenas".
Pequenas? Num hipotético governo Marina o Brasil sai dos Brics e muda de política na Celac e na Unasul. A política econômica e social volta aos padrões do período FHC. E quanto a democracia... bom, me limito a dizer que os cavernícolas do Clube Militar do Rio de Janeiro apoiam Marina.
Arcary faz uma pequena provocação, perguntando se eu não acho que Marina é traidora. Acho a provocação desnecessária. Arcary sabe que sou neto de um comunista assassinado pela ditadura, episódio em que a repressão foi ajudada por um traidor. Portanto, para mim é óbvio que traidores existem. O que acontece é que, para usar as palavras do próprio Arcary, sou contra "supervalorizar o lugar da traição política na história”.
Finalmente, Arcary considera "bizarro" que a esquerda petista insista em "apoiar o governo" e que sejamos "entusiastas da campanha de Dilma".
Bom, o que posso dizer é repisar minha "hipótese", que tem 21 anos pelo menos:
*no atual período histórico, ou o PT corrige a linha e avança, ou somos todos derrotados pela direita. Esta luta para corrigir a linha do PT não é uma "luta interna", é uma luta por influenciar a opinião de um expressivo setor da classe trabalhadora que segue as diretrizes do chamado setor moderado do PT, defensor de uma estratégia que conduz à nossa derrota. Por óbvio, trata-se de uma luta em defesa do PT, travada nos marcos do PT.
Neste período histórico, quem acha possível derrotar ao mesmo tempo a direita e o PT, acaba geralmente virando linha auxiliar da direita. Sendo assim, prefiro ser acusado de bizarro.
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