sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Transcrição resumida de uma exposição feita em 1996

Queria agradecer à Secretaria Nacional de Formação Política e à Fundação Perseu Abramo, o convite para falar neste seminário. As opiniões que vou dar aqui estão baseadas na experiência que tive no Instituto Cajamar (onde trabalhei de 1986 a 1990) e no coletivo nacional de formação do PT; e nas opiniões que tenho sobre o PT.

Pediram que eu respondesse à seguinte questão: qual o sentido da formação política, hoje.

Existem duas respostas para esta questão, uma resposta mais simples e outra mais complexa.

A resposta simples pode ser resumida numa palavra: NENHUM. Não faz nenhum sentido, para o PT, investir na formação política. A formação política, no PT de hoje, não faz NENHUM sentido.

A razão é a seguinte: apesar de ainda existirem, no discurso do PT, referências ao socialismo e à revolução, a prática do Partido é outra. Hoje o PT é um partido que visa disputar eleições, para chegar ao governo, a partir do qual buscará realizar políticas públicas democratizantes e que reduzam a desigualdade.

Isto não tem nada a ver com revolução, nem com socialismo. As tendências da chamada esquerda do PT são sobrevivências de um passado que não corresponde mais a ação prática do Partido. Nesse particular, devemos saudar a audaciosa reunião realizada recentemente, em Santiago do Chile, com a participação de Lula, Tarso Genro, José Dirceu, Marco Aurélio Garcia, Ciro Gomes, Mangabeira Unger e outros menos cotados, onde se formulou com clareza um objetivo para o partido: um capitalismo democratizado.

O que tudo isso tem a ver com formação política? Tudo!

Acontece que um partido eleitoral só pode ter sucesso caso: 1)seu discurso seja moderno, adaptado ao mundo, contemporâneo; 2)se ele dispor de figuras públicas, com visibilidade, que sejam referências para a massa e, principalmente, para os formadores de opinião; 3)se ele tiver capacidade de fazer campanhas eleitorais competitivas --o que significa conseguir dinheiro junto a empresas e empresários; 4)se, uma vez no governo, ele for capaz de governar para todos, compor amplas coalizões e ter um relacionamento maduro com os outros poderes, sem cair no infantilismo de achar que cabe aos executivos fazer oposição.

Ora , nenhuma dessas condições será atingida se o PT for dominado pela chamada militância. Não é preciso fazer muita sociologia a maioria dos militantes tende a ser adepta das posições mais radicais. Porque só um radicalismo político pode estimular determinadas pessoas a dedicarem grande parte da sua vida a uma atividade política voluntária, ideológica.

Pois bem: esta militância radical constitui um obstáculo àquelas quatro condições que possibilitam o sucesso de um partido eleitoral. Os militantes querem manter sob rédea curta as lideranças públicas do partido, não querem que o PT receba dinheiro de empresas, sustentam um discurso geralmente ultrapassado --baseado no marxismo, posicionam-se contrariamente a política de centro-esquerda proposta por Lula e por Dirceu.

Diante disto, eu pergunto: porque cargas d’água o Partido deveria investir na formação de pessoas que vão prejudicar seus interesses? Nós sabemos, por exemplo, que grande parte dos militantes formados pelo PT no período 1986-1990 filiam-se à chamada esquerda.

Em função disto tudo, é preciso ter a coragem de dizer: a formação política não faz nenhum sentido para o PT moderno, eleitoral, adepto da democratização do capitalismo. É por isso, aliás, que desde 1990 a atividade de formação política partidária vem perdendo força. Mas isso tem sido feito, até agora, de forma meio espontânea, meio disfarçada, meio hipócrita. O discurso partidário ainda é o de “investir na formação”. 

Agora entramos na fase de assumir com mais clareza as consequências da opção estratégica feito pelo Partido e acabar com a formação política partidária.

Alguém pode estar se perguntando: “mas não será possível fazer um trabalho de formação política partidária que forme militantes que estejam de acordo com a linha eleitoral e adeptos de um capitalismo democratizado e regulado”?

Eu estou convicto que não. Certos meios não se prestam a determinados fins. O número de militantes adeptos desta linha eleitoral-capitalista é reduzido. Sua formação política é feita naturalmente, sem mecanismos artificiais, a partir da própria prática partidária. Sua carência não é de doutrina, mas sim uma capacitação quase técnica: como governar, como legislar, quais as nossas políticas públicas.

O trabalho de formação política partidária possui um pressuposto filosófico implícito, qual seja, o de que existiria uma doutrina verdadeira (não importa qual seja, não importa se mais ou menos plural, mas verdadeira) que deve ser transmitida a um grupo de pessoas (os militantes), que transformadores em portadores desta doutrina se capacitam para melhor travar a guerra santa, digo, a luta de classes na sociedade.

Ora, esse pressuposto filosófico implícito é contraditório com a idéia de amplitude necessária a um partido eleitoral, reformista e radicalmente democrático. Porque um dos componentes básicos da democracia é o livre debate de idéias. Como garantir esse livro debate, se nos fechamos partidariamente, se consideramos nossas idéias superiores às dos demais?

O que o PT moderno tem que fazer é seminários e debates abertos (como fez recentemente o Diretório Municipal da capital, convidando e pelo que sei pagando bem o Delfim Neto). E isso, falemos com franqueza, não é formação política partidária. É outra coisa, mesmo que queriamos por comodidade ou para evitar chocar os mais puristas, continuar chamando de formação política.

Bem, isto que falei até agora é a resposta simples à questão que me fizeram. Agora eu queria dar a resposta complexa, que também pode ser resumida a uma palavra: TODA. A formação política faz todo sentido nesse momento da vida partidária.

Acontece que nós vivemos num partido em disputa. A burguesia brasileira desenvolve um movimento duplo em direção ao PT: o da cooptação e o da destruição. A cooptação visa justamente que nosso Partido vá se aproximando das concepções ideológicas e das  práticas tradicionais da política brasileira, como o caciquismo, a promiscuidade entre os partidos e o poder econômico, a demagogia eleitoral, a corrupção, a violência física e o abuso de poder econômico nas relações internas etc... E a destruição, bem essa nós vemos todo dia e não preciso dar exemplos: basta olhar como a mídia trabalha e repercute as declarações do João Pedro Stédile e, agora, com as denúncias contra Lula.

Ocorre que dentro do PT, muitos companheiros colaboram para esse trabalho de cooptação e de destruição do Partido. Abandonando o socialismo. Defendendo alianças estratégicas com a burguesia. Se deixando cooptar pelos limites da luta eleitoral e institucional. E, no limite, adotando práticas cotidianas que fazem o partido perder suas diferenças em relação aos demais, inclusive no terreno da ética, do trato da coisa pública, da democracia.

Se o Partido não enfrentar com honestidade esses dilemas, ele vai se transformar num PMDB; ou vai rachar; ou vai definhar até virar uma força inexpressiva na política brasileira.

Nessas condições, a formação política é decisiva. No curto prazo, como um instrumento para capacitar a militância de base do Partido a participar do debate sobre os rumos do PT. No médio prazo, como um instrumento permanente que pode evitar essas guinadas para a direita a que fiz referência.

Quero deixar claro que não considero a formação política como salvação Muitas vezes, ela pode se transformar no espaço para a hipocrisia. Por exemplo, a crítica que fizemos --dentro do PT-- ao tipo de socialismo construído na União Soviética é profundamente superficial. Se essa crítica tivesse sido mais profunda, nós estaríamos vendo com outros olhos o que está acontecendo hoje, no PT. Afinal, um dos motivos pelos quais o Leste Europeu ruiu foi o fato da militância comunista aceitar, em nome de não fortalecer o inimigo de classe, o capitalismo, que seus dirigentes cometessem as maiores barbaridades. Criticar os dirigentes não é criticar o partido; e criticar o partido não é trair o socialismo --isso o Leste Europeu deveria ter ensinado para muita gente que hoje está possessa, irada, exigindo ordem unida dos militantes.


Também quero deixar claro que não proponho que, num partido em disputa, a formação política seja um instrumento da esquerda petista para difundir a sua linha (ainda que, verdade seja dita, foi isso que nós da formação fizemos, de 1986 a 1990 --difundimos e consolidamos a linha da velha Articulação). A formação, para o bem ou para o mal, também é um espaço em disputa. Mas a sua simples existência, do meu ponto de vista, é uma vitória para o tipo de Partido que o PT se propôs a construir. Nesse sentido, é fundamental estabelecer procedimentos formativos que garantam a pluralidade, o espaço para o debate, a convivência entre as diversas forças políticas.

Finalmente, quero lançar três propostas para o debate: 1)que só possa eleger delegados, participar de processos de prévias e lançar candidatos às eleições, o Diretório que destinar 10% de suas verbas para a formação política; 2)que o próximo Encontro Nacional eleja o secretário nacional de formação política, com um mandato explícito de construir a Escola de Formação Política do PT; 3)que a atividade central da formação, nos próximos dois anos, seja a formação política de base --tendo como meta um curso em cada diretório, ao longo dos próximos dois anos.

É isso que eu preparei para falar, nessa primeira exposição. Obrigado pela atenção dos companheiros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário