A carta abaixo foi enviada no dia 12 de setembro de 2005, ao signatário e pelos motivos expostos abaixo. Desconheço se foi publicada.
Prezado Ricardo Azevedo,
Na segunda-feira, 5 de setembro, você me convidou para participar do ato pela “Refundação” do Partido.
Inicialmente, minha disposição era comparecer.
Pesava nesta decisão inicial o teu convite e o fato do ato ter, como anfitriões, militantes a quem respeito muito.
Pesava, também, a vontade de participar do debate e, é claro, a irresistível tendência que candidatos têm, em aparecer em atividades nas quais a militância comparecerá em peso.
Entretanto, acabei optando por não comparecer.
O motivo fundamental: discordo da proposta de “refundação”.
Nestas condições, comparecer apenas para aparecer não seria correto.
Tampouco seria adequado, penso eu, comparecer para polemizar, exatamente naquele que é o primeiro ato dos defensores da “refundação”, quando os organizadores têm o sagrado direito de se colocar em acordo, sem serem atrapalhados por um convidado impertinente.
De toda forma, acho importante esclarecer os motivos pelos quais discordo da proposta.
O termo “refundação” pode ter vários sentidos, entre os quais “fundar novamente”.
Este foi o sentido que prevaleceu na Itália, no movimento conhecido como Refundação Comunista.
Este movimento foi posterior à consolidação de uma maioria e de uma hegemonia social-democrata no velho Partido Comunista Italiano, que o transformou no Partido Democrático de Esquerda, produzindo na esquerda da organização um movimento de “refundação” do comunismo italiano, que resultou na criação de outro partido, atualmente chamado de Partido da Refundação Comunista.
No nosso caso, faltam poucos dias para a eleição de uma nova direção partidária. Há fortes sinais de que a militância petista votará pela renovação, o que nos distanciará por completo do “caso” italiano.
O termo “refundação” pode ser utilizada noutro sentido: o de trocar de fundamentos.
Voltando ao caso da Itália, foi isso o que a antiga maioria do Partido Comunista fez, diante do impacto da “crise do socialismo”: transformou um partido comunista, já bastante arejado, num partido social-democrata de centro-esquerda.
Na minha opinião, é neste sentido que Tarso Genro emprega o termo, como se pode constatar aliás na leitura do texto “Por uma Refundação Democrática do PT”.
Aquele texto contém uma plataforma pela “refundação” do Campo Majoritário, que seria seguida por uma refundação do Partido, à sua imagem e semelhança.
Isso não decorre apenas dos signatários, entre os quais cito Tarso Genro, Ricardo Berzoini e Aloizio Mercadante, para não falar de Paulo Delgado e Estilac Xavier.
Decorre do que é dito (e do que não é dito) pelo texto, que convida os “integrantes do Campo Majoritário, que pretendem uma profunda renovação do Partido, a construir um movimento”, cujos objetivos são expostos a seguir.
Primeiro: “constituir um novo núcleo dirigente para o partido”, que não governe como maioria quantitativa, mas sim pela “argumentação”, “qualidade” e “coerência” das suas propostas e do “convencimento”.
Segundo: “iniciar um debate sobre a política de alianças”, tendo em vista uma “composição que tenha compromisso programático com as mudanças” que defendemos.
Terceiro: “formular um projeto de transição para um novo modelo de desenvolvimento”.
Quarto: “buscar a formulação de propostas que promovam novos mecanismos de controle público do Estado”.
Quinto: “realizar, no final deste ano, o III Congresso do Partido”.
O texto de Tarso Genro conclui explicando que seus signatários se referenciam “no programa de governo apresentado no primeiro turno da eleição presidencial de 2002”.
Tirante a inexistência de autocrítica, causa espécie a ausência de qualquer referência, mesmo que ritual, ao socialismo, aos movimentos sociais, à classe trabalhadora e à construção partidária.
Estas ausências confirmam, para nós, que a “refundação democrática” proposta por Tarso Genro é uma troca de “fundações”, uma mudança de “fundamentos”.
O termo “refundação” pode ser utilizado, também, noutro sentido: o de reafirmar as fundações.
Esta idéia está presente no discurso de vários dos candidatos à presidência nacional do PT, inclusive dos que se opõem à idéia da “refundação”.
Quando Plínio Sampaio fala em retomar os núcleos, ela está presente. Quando Sokol fala em relançar o Manifesto do PT, ela está presente. Quando Maria do Rosário fala “quero meu PT de volta”, ela está presente.
Acontece que todos sabemos que o “paraíso perdido” não existe. As condições vigentes na origem do PT não se repetirão mais. Portanto, do que realmente se trata é materializar seus princípios fundacionais, em políticas adequadas ao momento presente.
Mas, para que ocorra uma refundação no sentido de materializar os fundamentos, é preciso estabelecer de maneira bastante clara as diferenças existentes, entre os que reivindicam a mesma e simpática consigna da “refundação”.
Por exemplo, as diferenças entre a proposta de “refundação democrática”, feita por Tarso Genro; e a proposta de “refundação socialista”, feita por Raul Pont.
Noutra oportunidade, analisaremos a proposta feita por Raul Pont. Adiantamos, por óbvio, que não temos sobre ela a mesma apreciação que fazemos sobre a proposta de Tarso Genro. Motivo pelo qual trabalhamos para que os apoiadores de nossas candidaturas (Pont e Pomar) estejam unidos, no segundo turno do PED.
Sendo tantos os sentidos da “refundação” e dada a minha discordância com pelo menos dois deles, prefiro acompanhar a alguma distância o movimento de vocês, certo de que nos encontraremos logo mais, apoiando no segundo turno a mesma candidatura a presidência nacional do Partido e organizando o III Congresso do PT, que deve ser realizado o mais breve possível.
Saudações petistas, um abraço
Valter Pomar
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