O texto a seguir foi divulgado no dia 28 de maio de 2005.
A direita brasileira decidiu antecipar o processo eleitoral de 2006, criando um clima de instabilidade no Parlamento, aumentando os ataques via meios de comunicação, apostando no caos econômico e social. O ex-presidente FHC, principal porta-voz da direita, já chegou a falar em “clima de crise institucional”. E o senador Antonio Carlos Magalhães defendeu em discurso a derrota do governo, através dos meios que forem necessários.
Frente a este quadro, o Partido dos Trabalhadores e o governo Lula precisam, de maneira articulada, mas cada qual na sua esfera de atuação, deflagrar uma imediata contra-ofensiva, visando tanto concluir vitoriosamente este primeiro mandato, quanto conseguir um segundo mandato mais avançado. Quatro medidas fazem parte desta contra-ofensiva:
i)implementar uma política econômica democrática e popular, que inclui um imenso investimento nas políticas sociais, na infra-estrutura e na reforma agrária;
ii)adotar uma política de alianças baseada na esquerda e nos movimentos sociais;
iii)realizar ou apoiar grandes mobilizações de massa, em defesa de nosso programa e de nosso governo;
iv)preparar para 2006 campanhas eleitorais de polarização programática.
Este foi o núcleo da resolução apresentada pela Articulação de Esquerda ao Diretório Nacional do Partido, reunido nos dias 21 e 22 de março. Já a resolução proposta pelo "Campo majoritário" estava concentrada em orientar o PT a derrotar a Comissão Parlamentar de Inquérito.
Nós também fomos contra a instalação da chamada CPI dos Correios. Instalada no contexto que descrevemos antes, esta CPI será utilizada pela direita como um palanque contra o governo Lula e contra o PT. Mas, agora como no episódio em que a oposição pediu CPI para o caso Waldomiro Diniz, alertamos para o fato de que nossa posição contrária a uma CPI também será pauta de campanha e do debate político nos próximos meses, somente se justificando perante a base social do partido, se vier acompanhada de sinais inequívocos de uma mudança de postura do Partido e do governo.
Neste sentido, a resolução proposta pelo Campo majoritário e aprovada pelo Diretório Nacional é totalmente insuficiente. Não basta derrotar esta CPI. É preciso mudar o terreno da batalha. Enquanto o governo aceitar ser acuado no terreno do Parlamento e não levar a disputa política para a sociedade, ele será seguidamente derrotado pelos conservadores. E, para levar a disputa política para a sociedade, é preciso alterar a política econômica.
Outro equívoco cometido pela resolução proposta pelo Campo majoritário era o de exigir que os parlamentares signatários da CPI retirassem seu apoio. Propusemos e foi aprovada pelo Diretório Nacional, por consenso, uma emenda suprimindo esta exigência. Desta forma, o Diretório Nacional, ao posicionar-se contra a CPI, apenas recomendou que não fosse assinada; e não exigiu a retirada das assinaturas já postas.
Esta opção pelo método do convencimento tinha um pressuposto implícito, ao menos para nós: a CPI seria instalada. Infelizmente, a maioria teve outro entendimento e operou, pesadamente, pela retirada das assinaturas. Colhemos com isso um grande desgaste, sem evitar a CPI. E, ao término do processo, o ministro José Dirceu referiu-se aos petistas signatários em termos que não tinham respaldo algum na resolução do Diretório Nacional.
Alguns parlamentares petistas mantiveram seu apoio à instalação da CPI, argumentando que o PT e o governo não teriam nada a temer; que a corrupção envolvia um partido e um parlamentar que deveriam ser investigados; e que o PT sempre deu apoio a CPIs.
É paradoxal que deputados de esquerda difundam ilusões acerca da capacidade deste Congresso, sob a presidência Renan-Severino, ser capaz de gerar investigações sérias sobre alguma coisa que envolva corrupção e fisiologismo.
Ao contrário do que dizem os petistas signatários da CPI, o governo e o PT têm todos os motivos do mundo para "temer" a atual maioria do Congresso Nacional. Esta maioria está a serviço de nos derrotar e utilizará, neste sentido, todas as oportunidades que tiver. E não há tradição alguma que justifique facilitar a vida dos nossos inimigos.
É evidente que a CPI não ficará focada apenas no caso dos Correios, em Roberto Jefferson ou no PTB, cuja averiguação e punição o governo deve realizar de maneira célere. Da mesma forma como está ocorrendo na CPMI da Terra, a direita transformará a CPI num espaço para armar denúncias contra o PT e contra o governo Lula.
Alguns dos signatários da CPI sabem disto. Mas, no fundo, parecem achar que isto será positivo para o PT, para o governo e para o Brasil. Esta tese é, para dizer o mínimo, controversa.
Em primeiro lugar, não é verdade que haja mais casos de corrupção no governo Lula do que no governo FHC. Pelo contrário, desde o início de 2003 temos visto mais publicidade, mais investigação e mais punições contra casos de corrupção. As CPIs têm contribuído pouco para isto; pelo contrário, se tornaram palcos de achaques e manobras exclusivamente politiqueiras.
Em segundo lugar, colocar a corrupção no centro do debate político nacional ajuda a direita, não ajuda a esquerda. Não é preciso lembrar de 1954, nem de 1964, em que a UDN usou e abusou da “corrupção” como cortina de fumaça para atacar as posições nacionalistas, progressistas ou de esquerda. Lembremos de Collor, que foi apresentado como o “caçador de Marajás”. E lembremos do Fora Collor (apoiado por Maluf, Quércia e outras personalidades de mesmo quilate), que mobilizou a sociedade pela “ética na política”, após o que tivemos a eleição de FHC e oito anos de neoliberalismo.
Identificar a corrupção como o principal problema do país; e os políticos (inclusive os de esquerda) como os grandes responsáveis pela corrupção; cria um ambiente favorável para as posições de direita, autoritárias, neoliberais, pró-Estado mínimo.
Curiosamente, quem deu status estratégico para a “ética na política” foi o campo moderado do PT, que num texto recente afirmou que “a corrupção é o principal mal das Repúblicas e se opõe ao ideal da vida cívica virtuosa”. A esquerda do PT, ao atacar as concessões do campo moderado, não pode repetir o mesmo roteiro.
Em terceiro lugar, a melhor maneira de derrotar a corrupção dentro do governo e da sociedade, é alterar o modelo econômico e quebrar a dependência do governo frente à maioria do Congresso Nacional.
A corrupção não foi uma invenção do capitalismo, nem do neoliberalismo. Mas com o neoliberalismo, houve um crescimento da corrupção. Várias causas explicam isso, desde o ambiente hiper-individualista e competitivo, até o fato da rentabilidade dos monopólios, inclusive do setor financeiro, ser inseparável do tráfico de influência.
Neste sentido, o grande “escândalo de corrupção” a ser investigado não está no âmbito dos Correios, mas sim no âmbito do Copom, onde a elevação da taxa Selic gera lucros bilionários.
A atual política econômica possui três pontos de apoio: setores do grande capital, setores da elite política e setores do PT. Do ponto de vista destes “apoiadores”, a política de alianças com setores fisiológicos e de direita constitui um “detalhe” inconveniente, mas necessário para constituir maioria no Congresso Nacional.
Acontece que este “detalhe” transformou-se no flanco através do qual setores da elite política e do grande capital estão atacando o governo e o PT.
Um ataque duplamente cínico: primeiro, por vir de uma direita profundamente envolvida com o fisiologismo e com a corrupção; segundo, por vir de uma direita que praticou e quer voltar a praticar uma política econômica neoliberal. Mas, cínico ou não, trata-se de um ataque exitoso, pois atinge as bases sociais e eleitorais do PT, especialmente entre os setores médios.
Se o PT quiser fechar o flanco e passar à ofensiva, terá que rever sua política de alianças e sua política econômica (sem o que não terá êxito em mobilizar suas bases sociais em defesa do governo Lula).
Até o momento, o Partido e o governo têm agido como se o parlamentarismo tivesse sido vitorioso em 1993, caso em que o gabinete ministerial e o programa de governo teriam que corresponder a maioria congressual.
Nestes quase três anos, esta concepção parlamentarista de governabilidade demonstrou todos os seus limites. Em primeiro lugar, tornou o governo dependente de uma maioria de direita. Em segundo lugar, tornou o governo refém do fisiologismo predominante nos partidos conservadores. Em terceiro lugar, transformou o PT e o governo em anteparo das atitudes tomadas pelos partidos das elites. Em quarto lugar, abriu mão da tática tradicionalmente adotada pela esquerda, qual seja, a mobilização popular para pressionar o Congresso.
A instalação da CPI mostra, mais uma vez, que precisamos abandonar a equivocada concepção parlamentarista de governabilidade, colocando no seu lugar a visão tradicional em nosso Partido: a da governabilidade conquistada através da combinação entre atuação parlamentar, ação de governo, mobilização social e pressão da opinião pública.
Evidente que este tipo de governabilidade é conflituosa. Mas é a única capaz, hoje, de enfrentar a situação criada. E corresponde, também, à política de recompor as bases do campo democrático e popular.
O movimento político que levou à eleição de Lula em 2002 foi antes de tudo social e teve como núcleo a classe trabalhadora da cidade e do campo, incorporando ainda grandes contingentes das camadas médias até então avessas ao nosso partido. Aquela coalizão viu no PT e na candidatura de Lula o compromisso com a mudança do país. Quase três anos de governo afetaram negativamente esta percepção, seja pela política econômica, seja pelo caráter predominantemente compensatório das políticas sociais, seja pelo ritmo moroso das reformas estruturais, seja pelo tradicionalismo adotado na conduta geral do governo (com exceções, por exemplo na política externa), seja pelos casos de corrupção derivados, em última instância, das “necessidades da governabilidade”.
A adoção de uma nova política de governabilidade exige que o PT assuma a Coordenação política do governo, não para “administrar o varejo das negociações parlamentares”, mas sim como parte da recomposição do campo democrático e popular. Trata-se de coesionar os partidos e bancadas parlamentares de esquerda, os movimentos sociais, a “opinião pública” democrática e a ação de governo, preparando-nos para a batalha eleitoral de 2006.
Portanto, algo distinto dos métodos utilizados durante o esforço concentrado que o governo fez para impedir a CPI. Distinto, também, das declarações dadas pelo ministro José Dirceu, que açoitado pela direita, parece querer descontar na esquerda petista.
Sem dúvida, os petistas que apoiaram a CPI cometeram um erro enorme: facilitaram o jogo da direita externa e interna. Externamente, ajudaram a dar “credibilidade” ao discurso da direita, que pode ocultar ao menos parcialmente seu efetivo intento ao propor a CPI. Internamente, ajudaram a ressuscitar o discurso da “pátria em perigo”, feito pelo ministro José Dirceu e repercutido por vários jornais, desde o dia 26 de maio.
A “pátria” está mesmo em perigo. O governo Lula corre enormes riscos, agora e em 2006. Mas, ao contrário do que diz o ministro José Dirceu, a “pátria” não corre perigo devido aos acertos da direita, nem devido a erros reais ou supostos do "esquerdismo".
A direita está no seu papel. Quer nos derrotar, agora, em 2006, quando der e com os métodos que forem necessários. Só fica chocado com isto, quem tem ilusões e conta com o apoio dos ACM da vida.
Quanto ao "esquerdismo", não consta que ele seja responsável pela política econômica, nem pelas alianças com partidos fisiológicos, nem pelos equívocos na condução da articulação política.
O ministro José Dirceu sabe disto. Sabe que é preciso mudar a política de alianças. Sabe que é preciso mudar a política econômica. Mas não pode, sob pena da desmoralização, assumir que a estratégia adotada até agora é a responsável pelas dificuldades do governo e do Partido. Por isso, precisa de algo que dê liga e entusiasmo a um campo majoritário que tem, no seu interior, desde o senador Suplicy até militantes que “perdoam” os atos de Virgílio Guimarães na disputa da presidência da Câmara.
Nada melhor, para dar liga ao campo majoritário, especialmente em tempos de PED, do que o brado: “a pátria está em perigo”!!! Patriotismo, unificar as fileiras e derrotar a "quinta coluna esquerdista", este parece ser a operação do ministro José Dirceu.
O ministro certamente sabe, mas talvez lhe seja conveniente ocultar, que o esquerdismo é uma coisa, a esquerda do PT é outra. Aliás, o episódio da CPI teve pelo menos um efeito pedagógico: ninguém precisa mais fazer grandes esforços para entender porque há várias chapas e candidaturas que se reivindicam integrantes esquerda petista.
Nós temos muito claro o que está em jogo e não vamos facilitar a ação da direita, nem externa, nem interna.
Ademais, os planos do ministro José Dirceu esbarram noutro obstáculo: a militância petista não pensa, hoje, como pensava em 2003. Naquela época, o discurso patriótico da cúpula do campo majoritário servia para abafar a insatisfação. Hoje, a maioria tem consciência que a política econômica e a política de alianças precisam de alteração.
Aliás, as críticas de Suplicy e Cristovam Buarque a José Dirceu --críticas vindas de quadros conhecidos por sua moderação, inclusive no âmbito da política econômica-- mostram que, para além de qualquer discussão sobre oportunismo e fototropia, o desgaste do governo também corrói as bases do "Campo majoritário".
Graças a esta consciência, a maioria da militância não vai cair na armadilha de --estando a “pátria em perigo”—dar seu aval para a atual maioria partidária.
Para salvar a “pátria” petista, é preciso mudar nosso comando. E para os que acham perigoso mudar o comando, quando nos encontramos sob ataque, peço licença para lembrar um exemplo clássico: o Império Britânico, uma pátria sem dúvida em perigo mortal, em maio de 1940.
Ali, para salvar a pátria, o primeiro-ministro Chamberlain (homem das concessões, dos recuos, da falta de firmeza, das ilusões no inimigo, da política de "apaziguamento" frente ao nazismo) foi substituído por Winston Churchill. O novo primeiro-ministro mudou a direção adotada pelo seu antecessor, adotando uma linha vitoriosa que teve como bordão seu famoso discurso --feito no dia 13 de maio de 1940-- prevendo tempos de “sangue, suor, fadiga e lágrimas”. Uma boa inspiração para os militantes do PT, no ano do seu PED: para salvar a pátria, mudar a direção.
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