Artigo divulgado no dia 1 de julho de 2008.
A retórica da política é enganosa, sendo comum as palavras assumirem um significado oposto ao usual. Quem já não viu “vossa excelência” servindo de sucedâneo ou ante-sala de um xingamento?
Vejamos, por exemplo, o uso dado à palavra “generosidade”, ao longo do processo que sagrou a chapa Márcio Lacerda (PSB) - Roberto Carvalho (PT) para disputar as eleições municipais em Belo Horizonte.
“Generoso”, para alguns, estaria sendo o governador Aécio Neves. Segundo seus áulicos, o tucano mineiro estaria abrindo mão de lançar um candidato do PSDB a prefeito de Belo Horizonte, para em lugar disto apoiar a dobradinha PSB-PT. E, mesmo diante da atitude da executiva nacional do PT, proibindo a coligação formal com os PSDB em Belo Horizonte , Aécio faria o “sacrifício” de apoiar informalmente a chapa Lacerda-Carvalho.
Trata-se de retórica enganosa. A atitude de Aécio não contém um grama de generosidade.
Para Aécio, candidato a “pós-Lula”, uma aliança formal em Belo Horizonte seria duplamente vantajosa. Ao demonstrar amplitude, vitaminaria suas possibilidades de virar candidato à presidência da República. E, de quebra, tornar-se-ia um dos sócios majoritários da coligação que governa Belo Horizonte.
Frente à resistência de metade do PT de Minas Gerais e da quase totalidade da direção nacional do PT, Aécio teve que escolher entre apoiar informalmente a coligação ou lançar candidatura tucana.
Acontece que um eventual candidato tucano perderia as eleições em Belo Horizonte , mostrando a nudez do príncipe. Quem duvida, leia a pesquisa Sensus sobre a sucessão municipal em BH, registrada no TRE mineiro sob o número 36.971/2008.
Ademais, para que correr riscos, se o candidato Márcio Lacerda é mais “aecista” do que muitos tucanos? Enfim, a “generosidade” de Aécio cheira apenas e tão somente a esperteza.
Mas um “esperto” deste naipe nunca age sozinho. Junto com ele estavam aqueles que diziam que o PT só venceria as eleições em Belo Horizonte , se lançasse Patrus Ananias. E como Patrus não aceitou ser candidato, a “única alternativa” seria uma aliança com o PSB e com Aécio Neves.
Novamente, a pesquisa Sensus confirma que havia uma alternativa, chamada Partido dos Trabalhadores. Mas o PT de Belo Horizonte, dirigido politicamente pelo prefeito Pimentel, preferiu entregar a candidatura à prefeito para Márcio Lacerda, aliado político do governador Aécio Neves.
Noutras épocas chamar-se-ia este ato de parvo ou de “liquidacionismo”, mas hoje há quem prefira “generosidade”: o PT, mesmo dirigindo um governo muito bem avaliado e mesmo tendo enorme aceitação eleitoral, preferiu abrir mão em favor de um aliado e de um inimigo. Mas, claro, “inimigo” é palavra borrada de alguns dicionários.
Aliás, o “inimigo” de alguns é amigo de outros, que contam com Aécio como apoiador nas eleições para governador em 2010. Veremos se a encomenda vai ser entregue, de um lado e de outro.
Claro que poderíamos ter candidatura própria, por decisão soberana do PT de Belo Horizonte, mas para isso teria que ter sido outra a atitude de algumas lideranças locais e nacionais do Partido.
Como não foi, sobraram poucas alternativas para a direção nacional do PT: aderir ativa ou passivamente, como fizeram algumas lideranças; intervir, obrigando o lançamento de candidatura própria; ou impedir a coligação formal com o PSDB.
A direção nacional optou por impedir a coligação com o PSDB.
Os tucanos e seus amigos, é claro, não gostaram desta decisão. Mas, frente à postura corretamente irredutível da direção do PT, optaram pela redução de danos. Aécio, por exemplo, aceitou apoiar sem participar formalmente.
Li na imprensa que Lula também não teria gostado da posição da direção nacional do PT. É seu direito de filiado, tão líquido e certo quanto o direito de outros filiados criticarem opções feitas pelo presidente Lula.
Gostando ou não, o relativo atraso com que Lula se movimentou acerca da situação em Belo Horizonte e suas declarações póstumas foram estratégicas: coube ao Partido impedir a coligação e assumir os desgastes. Agora que Aécio foi colocado no seu devido lugar, o presidente surge assumindo um papel tolerante e generoso.
Nesta hipótese, a atitude compreensiva de Lula seria uma resposta elegante ao que ocorreu nas eleições de 2006, em Belo Horizonte ; às declarações de Ciro Gomes sobre a “escória da política”; às críticas que Aécio faz ao PT e ao governo Lula. Bem como uma tentativa de enfraquecer Serra, dando uma força indireta para Aécio.
Esperteza? Pode ser. Cria cuervos? Pode ser. Mas também poderíamos dizer que foi apenas generosidade. Capisco?
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