O Globo apoiou o golpe militar de 1964.
Décadas depois, fez uma suposta autocrítica.
O Globo apoiou o golpe de 2016.
Mas, neste caso, a hora da autocrítica ainda não chegou.
Pelo contrário.
No dia 29 de agosto, O Globo publicou um editorial intitulado "Não cabe a ninguém tentar reescrever história do impeachment".
O editorial pode ser lido no link abaixo:
Não cabe a ninguém tentar reescrever história do impeachment (globo.com)
Segundo o dito-cujo, "não tem cabimento" que parlamentares petistas estejam se mobilizando para "aprovar no Congresso uma resolução restabelecendo o mandato de Dilma".
A bem da verdade, não é exatamente isso que está sendo proposto, mas sim algo parecido: anular as decisões e, portanto, reestabelecer simbolicamente o mandato interrompido pelo golpe.
Também a bem da verdade, a recente decisão do TFR-1 - arquivando processos contra Dilma - é toda cheias de "tecnicalidades", bem ao estilo Zanin.
Aliás, técnica jurídica serve para muita coisa, inclusive para justificar crimes, vide a decisão do STF validando a eleição indireta de Castelo Branco e o golpe de 1964.
Seja como for, a questão é política, não jurídica.
Aliás, O Globo reconhece isto.
Segundo é dito no próprio editorial, não importa o que a justiça tenha decidido ou venha a decidir, pois "os processos de impeachment têm natureza política".
Noutras palavras: legal ou ilegal, legítimo ou ilegítimo, justo ou injusto, a decisão é política.
Portanto, "como se trata de decisão com componente político, não cabe — nem jamais caberá — recurso sobre um impeachment".
Para arrematar, o editorial cita Brosssard, para quem "as decisões do Senado são incontrastáveis, irrecorríveis, irrevisíveis, irrevogáveis, definitivas”.
Estas afirmações do editorial de O Globo precisam ser lidas e relidas pelos amigos de esquerda que acreditam na "justiça" e, pior ainda, pensam que o inimigo acredita também.
Mas se o impeachment é cláusula pétrea, por qual motivo o jornal dos Marinho se preocupa com a questão?
A resposta está aqui: "chamar de golpe o que aconteceu em 2016, como fazem os petistas, despreza a legitimidade das instituições que referendaram o impeachment de Dilma".
Ou seja, a preocupação de O Globo não é com quem estaria tentando "reescrever" a história passada.
A preocupação de O Globo é com quem poderia tentar escrever de outra forma a história presente e futura.
Por isso, autocrítica (como a suposta que fizeram acerca do golpe de 64), só quando não causar mais nenhum efeito prático.
Por isso, não aceitam chamar o golpe de 2016 de golpe, pois ainda dá tempo de rever as decisões tomadas desde 2016.
É também por isso que O Globo se diz preocupado com a legitimidade das "instituições", claro, com aquelas que defendem seus (deles) interesses,
Com a instituição presidência da República, não tiveram nenhuma preocupação, nem em 1 de abril de 1964, nem quando do golpe contra a Dilma.
Tampouco se preocupam com o fato do Brasil não ser parlamentarista.
Caso se preocupassem com isto, se dariam conta de que é legalmente indiferente o número de parlamentares que votou a favor do impeachment.
Afinal, um crime continua sendo um crime, mesmo que cometido por uma grande turba verde-e-amarela.
Para quem não vai ler o editorial, transcrevo um trecho: o golpe foi apoiado por "um grupo heterogêneo de 367 dos 513 deputados (representando, apenas na votação nominal, 74,4% dos 57,4 milhões de votos para a Câmara) e por 61 dos 81 senadores (representando 74,9% entre os 155,1 milhões de votos ao Senado). Desrespeitar a vontade de parcela tão expressiva do Congresso equivale a desrespeitar o voto popular."
Lembramos: o Brasil não é parlamentarista, aqui não tem voto de desconfiança, para ter impeachment precisa ter crime de responsabilidade, não houve crime de responsabilidade, logo foi golpe.
O Globo dá uma fraquejada, no final de seu editorial, ao reconhecer que "Lula e os petistas têm o direito de acreditar que as pedaladas não eram motivo para o afastamento de Dilma, mas isso é irrelevante".
E seria irrelevante, segundo O Globo, porque "a instituição encarregada democraticamente de tomar a decisão pensou o contrário".
O curioso, nesse modo de pensar, é que se ele fosse válido, o mundo marcaria passo eternamente, sem nunca sair do lugar.
Pois o que uma maioria eventual "pensou" num certo momento, seria válido per omnia saeculo saeculorum.
Colocando de outro jeito: a "insistência do PT" em chamar o impeachment de golpe não visa "tentar confundir a opinião pública". Nossa insistência visa convencer a maioria do povo de que, em 2016, foi cometido um crime contra o povo.
Que o O Globo ache que isso "só contribui para pôr em xeque seu [do PT] próprio compromisso com as regras da democracia", apenas revela que o conceito de democracia do jornal dos Marinho é... golpista.
O Globo não é dono da história.
E a história ainda não terminou.
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Não cabe a ninguém tentar reescrever história do impeachment
EDITORIAL 29 AGOSTO 2023 | 2min de leitura
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou em visita a Luanda, em Angola, que a Justiça Federal absolvera Dilma Rousseff da acusação que levara a seu impeachment em 2016 — popularizada pela expressão “pedaladas fiscais”. Por isso, disse Lula, o Brasil devia desculpas a Dilma, “cassada de forma leviana”. Imediatamente parlamentares petistas começaram a se mobilizar para aprovar no Congresso uma resolução restabelecendo o mandato de Dilma.
A iniciativa não tem cabimento. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) apenas arquivou uma ação por improbidade administrativa contra ela e integrantes de seu governo sem julgar o mérito, referendando decisão da primeira instância. O motivo para o arquivamento, diz a decisão, é que Dilma, pelo cargo que ocupava, deveria responder por crime de responsabilidade, não por ação de improbidade. Foi justamente por crime de responsabilidade que foi julgada no Senado. Um novo julgamento na esfera administrativa equivaleria, segundo os juízes, a reabrir uma questão jurídica sobre a qual o Senado já se pronunciara ao condená-la.
Impeachment: Lula diz que é preciso discutir uma forma de compensar Dilma após Justiça arquivar caso das 'pedaladas'
Ainda que Dilma estivesse respondendo a processo criminal pelas pedaladas e fosse absolvida, isso em nada mudaria o veredito do Senado. O ex-presidente Fernando Collor foi, depois do impeachment, absolvido na esfera penal pelo Supremo. E não houve efeito nenhum na decisão do Congresso sobre seu mandato. Isso porque os processos de impeachment têm natureza política. O objetivo da deposição do governante não é puni-lo, mas tão somente proteger o Estado da má gestão. Como se trata de decisão com componente político, não cabe — nem jamais caberá — recurso sobre um impeachment. Nas conhecidas palavras do jurista Paulo Brossard na clássica monografia sobre o tema: “As decisões do Senado são incontrastáveis, irrecorríveis, irrevisíveis, irrevogáveis, definitivas”.
Chamar de golpe o que aconteceu em 2016, como fazem os petistas, despreza a legitimidade das instituições que referendaram o impeachment de Dilma. Primeiro, do próprio Supremo Tribunal Federal (STF), que estabeleceu o rito do processo seguido no Parlamento, onde foi comandado pelo então presidente do STF, Ricardo Lewandowski. O rito seguiu estritamente o que diz a Constituição. Ao falar em irregularidade, Lula dá a impressão de que Lewandowski teria chancelado uma trama golpista, algo impensável.
Em seguida, do Tribunal de Contas da União, cujo trabalho de análise das contas públicas embasou as acusações contra Dilma, de crimes fiscais previstos na Lei do Impeachment. Por fim, do próprio Parlamento. O impeachment foi aprovado por um grupo heterogêneo de 367 dos 513 deputados (representando, apenas na votação nominal, 74,4% dos 57,4 milhões de votos para a Câmara) e por 61 dos 81 senadores (representando 74,9% entre os 155,1 milhões de votos ao Senado). Desrespeitar a vontade de parcela tão expressiva do Congresso equivale a desrespeitar o voto popular.
Lula e os petistas têm o direito de acreditar que as pedaladas não eram motivo para o afastamento de Dilma, mas isso é irrelevante. A instituição encarregada democraticamente de tomar a decisão pensou o contrário. A insistência do PT em tentar confundir a opinião pública chamando o impeachment de golpe só contribui para pôr em xeque seu próprio compromisso com as regras da democracia.
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