quinta-feira, 20 de abril de 2023

Proposta de texto-base do Oitavo congresso nacional da AE

(texto em debate, sujeito a alterações)


À militância petista

À militância da tendência petista Articulação de Esquerda

O Partido dos Trabalhadores aprovou, no V Encontro Nacional (1987) e no I Congresso (1991), o direito de tendência. E determinou que as tendências devem dar publicidade, ao Partido, acerca de suas posições e atividades.

Cumprindo esta determinação, informamos ao conjunto do Partido que nos dias 28, 29 e 30 de julho de 2023, acontecerá o Oitavo Congresso nacional da tendência petista Articulação de Esquerda. 

Destacamos o fato que neste ano de 2023 a tendência petista Articulação de Esquerda completará 30 anos, fato que será lembrado na abertura do Oitavo Congresso. 

Ficam desde já convidadas a participar, tanto a direção nacional do PT quanto as direções de todas as tendências existentes no Partido, a começar pelas 14 tendências que fazem parte das 8 chapas representadas no Diretório Nacional do Partido eleito em 2019.

O mesmo convite é extensivo aos congressos de base, que elegerão as delegadas e delegados que terão direito a voto no Oitavo Congresso nacional da AE. Nestes congressos de base, terão direito a voto os/as militantes da tendência que estiverem em dia com sua contribuição militante (conforme disposto no regulamento do congresso, disponível em www.pagina13.org.br).

Como subsídio aos congressos de base, a direção nacional da AE aprovou o seguinte texto, que com as devidas emendas e atualizações será submetido ao debate na plenária final do Oitavo Congresso nacional.

Destacamos nossa opção por elaborar um texto-base que possa ser discutido nos congressos de base e, aos poucos, ser ampliado a partir das emendas que surjam do próprio debate.

Imensos desafios, enormes perigos

A situação mundial, continental e nacional pode ser sintetizada por duas palavras: crise sistêmica. Esta crise possui múltiplas dimensões (militar, política, social, econômica, ambiental, cultural), tem duração indeterminada e seu desfecho dependerá dos conflitos que estão em curso, entre Estados e entre classes sociais.

No âmbito mundial, o conflito fundamental se dá entre Estados Unidos e República Popular da China. No âmbito continental, o conflito fundamental se dá entre imperialismo e integração regional latino-americana e caribenha. No âmbito nacional, o conflito fundamental se dá entre defensores e opositores do modelo primário-exportador.

Nenhum destes conflitos é recente. Mas todos ganharam maior dimensão e velocidade nos últimos anos, como se viu na crise de 2008, na pandemia, na segunda onda de governos progressistas e de esquerda, na guerra travada na Ucrânia entre Otan e Rússia. 

Em 2015, a tendência petista Articulação de Esquerda alertou que vivíamos “tempos de guerra” e que precisávamos estar à altura disto. Oito anos depois, o desafio segue posto e ampliado. 

Lula tomou posse na Presidência da República do Brasil em 1 de janeiro de 2023. Esta vitória só foi possível porque as forças democráticas e populares resistiram e derrotaram os golpistas e os neofascistas, derrota consagrada no dia 30 de outubro de 2022, tendo sido decisivo o voto da classe trabalhadora com consciência de classe, das mulheres, das negras e negros, da juventude e dos eleitores de coração nordestino, moradores ou não daquela região do país. 

A partir de então e mesmo antes de ser diplomado, Lula começou de imediato a tomar decisões e atitudes tipicamente presidenciais. É o caso de sua participação na 27ª Conferência do Clima das Nações Unidas e, também, da participação de Lula nas negociações junto ao Congresso Nacional, buscando alterar o orçamento 2023 de forma a incluir recursos para pagar a chamada Bolsa Família para milhões de famílias. O governo cavernícola não havia incluído tais recursos na previsão orçamentária e, caso a negociação não fosse feita, Lula iria iniciar seu governo administrando uma crise humanitária de proporções ainda mais graves. 

Também no período de 31 de outubro a 1 de janeiro, Lula dedicou grande atenção ao balanço do governo findante, realizada pelo chamado “governo de transição”, figura prevista na legislação brasileira desde 2002. O resultado do trabalho da equipe de transição está consolidado num relatório que foi tornado público no dia 22 de dezembro de 2022 e cuja leitura é essencial para dar conta da herança maldita recebida pelo governo Lula, que dificulta imensamente nossa atuação.

No mesmo período, Lula se dedicou principalmente à composição de seu governo e à definição de suas relações com o judiciário e com o legislativo. Nos três casos, aplicou-se a chamada “política de frente ampla”, ou seja, de alianças entre o Partido dos Trabalhadores e um amplo leque de forças, incluindo aí outros partidos de esquerda, partidos de centro, partidos de centro-direita e partidos de direita, bem como setores de partidos.

No que diz respeito ao judiciário, Lula e seu governo adotam relações institucionais e respeitosas para com o colegiado de 11 ministros que integram a cúpula do poder judiciário brasileiro, a começar pelo Supremo Tribunal Federal. Isso ocorre não obstante parte do judiciário, inclusive da suprema corte, ter dado respaldo à ilegal condenação, prisão e interdição eleitoral de Lula.

No que diz respeito ao legislativo, atendendo orientação do governo, a bancada do PT no Congresso Nacional votou a favor da reeleição do presidente da Câmara dos Deputados e do presidente do Senado federal. Isto apesar de ambos presidentes terem contribuído para dar sustentação legislativa à administração da extrema-direita, além de terem introduzido métodos – como o popularmente designado “orçamento secreto” – duramente criticados pelo PT. Um dos nossos desafios segue sendo, exatamente, derrotar a hegemonia da direita e da extrema-direita no Congresso Nacional.

No caso da composição do ministério, Lula contemplou a coligação que o elegeu, mas também forças necessárias para compor uma maioria congressual.  Dos 37 ministros, 17 são petistas ou simpatizantes do Partido; 3 são filiados ao PSB; 3 são filiados ao MDB; 3 são filiados ao PSD; 2 são filiados ao União Brasil (partido que, entretanto, não se considera parte da base do governo no Congresso Nacional); 2 são vinculados ao PDT (embora um destes dois seja na verdade vinculado ao União Brasil, que portanto ocupa de fato três cadeiras no ministério); 1 é integrante do PCdoB, 1 da Rede e 1 do PSOL (embora não tenha se oposto a participação de uma filiada como ministra, o PSOL enquanto partido não se considera parte do governo).

Ademais da composição partidária estrito senso, é importante ressaltar que o ministério é composto por uma maioria de homens e brancos, realidade que precisa ser alterada. Assim como se faz necessário corrigir distorções regionais e contemplar a diversidade partidária.

O ministério tomou posse no início de janeiro. Desde então e até hoje, está em curso uma intensa atividade, tanto por parte do presidente Lula quanto por parte dos ministros e ministras, como fica evidente nos relatórios que o governo divulgou acerca de seus 100 primeiros dias, cuja leitura e estudo atento recomendamos a toda militância. Destacamos, entre as ações realizadas, as medidas tomadas em defesa dos povos indígenas, em particular as ações para deter o genocídio contra o povo Yanomami; a retomada de várias obras paradas; as iniciativas relativas ao programa Minha Casa, Minha Vida e ao programa Mais Médicos; e a interrupção de privatizações.

O desempenho do governo Lula nesses primeiros 100 dias seria melhor e maior, se vários ministérios não tivessem sido saqueados, desmontados ou até mesmo extintos pelo governo cavernícola, o que exige uma engenharia administrativa, legal e orçamentária que torna muito difícil este início de governo. Além disso, o orçamento deixado pelo cavernícola é absolutamente inferior ao necessário. 

Em resumo, a ação de muitos ministérios precisa enfrentar o peso da herança maldita deixado pelo governo da extrema direita: desmonte e recursos à míngua, contrastando com a realidade, que exige grande e imediata intervenção. 

Outro fator que dificulta a ação de vários ministérios é o fato das equipes ainda não estarem completamente compostas, entre outros motivos porque o governo busca calibrar as nomeações com as busca de ter maioria no Congresso Nacional. 

Finalmente, há o fato de que vários ministérios são encabeçados por titulares vinculados a direita, inclusive a setores que participaram do golpe, do lavajatismo, além de terem apoiado o governo cavernícola; evidente que enquanto prosseguir esta situação, nesses ministérios - com destaque para os da Comunicação e da Defesa - não haverá avanços, no sentido do cumprimento do programa de reconstrução e transformação.

Julgar, condenar e prender os criminosos de 8 de janeiro

Estas dificuldades eram previsíveis, especialmente para quem acompanhou o trabalho da chamada transição. Apesar disso, muitos eleitores de Lula externaram publicamente -- no dia 1 de janeiro de 2023 -- a certeza de que o “pesadelo havia chegado ao fim”. Mas, como se comprovou no dia 8 de janeiro, a verdade era outra. Naquele dia, milhares de criminosos atacaram os prédios do governo federal, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Depois de algumas horas de depredação, foram reprimidos pela polícia. Para fazer a polícia da capital do país agir adequadamente contra os criminosos, o presidente Lula foi obrigado a decretar intervenção na segurança do Distrito Federal. Posteriormente, o presidente do Supremo Tribunal Federal decretou o afastamento temporário do governador do Distrito Federal. E, dias depois, foi a vez do comandante do Exército ser demitido e substituído. 

O ataque da extrema-direita não foi um ato espontâneo, nem totalmente inesperado. Já no dia 12 de dezembro de 2022, após a diplomação de Lula, a extrema-direita havia promovido um quebra-quebra na cidade de Brasília, contando com a cumplicidade do ainda presidente da República, do governo do Distrito Federal, de setores das Forças Armadas e das polícias. E no final de dezembro de 2022 e início de janeiro de 2023, as redes (anti)sociais da extrema-direita foram tomadas por mensagens arregimentando pessoas para vir a Brasília. Tratou-se, portanto, de uma operação de guerra, financiada por empresários, coordenada por uma aliança cívico-militar e perpetrada por alguns milhares de neofascistas, que usaram o acampamento defronte ao Quartel General do Exército como base de operações.

Desde o ocorrido no dia 8 de janeiro, está posta a necessidade de processar, julgar e punir quem financiou as caravanas e os acampamentos da extrema-direita; quem, por ação ou omissão, facilitou o acesso da extrema-direita à Esplanada dos Ministérios, onde ficam os três prédios atacados; assim como processar, julgar e punir quem invadiu e depredou os três palácios. Ficou patente, também, a necessidade de uma revisão completa dos protocolos de segurança e inteligência do governo federal. Parte disto vem sendo feito. Mas a cada dia fica mais evidente que estamos muito longe do necessário. A demissão do General encarregado do chamado GSI é a prova mais recente disto.

Enfrentar a “questão militar” segue na ordem do dia

Até agora, oficiais-generais e outros militares de altas patentes envolvidos com o golpe não foram punidos, nem mesmo administrativamente. O ex-comandante do Exército, por exemplo, general Júlio César Arruda, precisa ser compulsoriamente reformado, uma vez que resistiu às ordens para desalojar o acampamento bolsonarista montado diante do Quartel General do Exército em Brasília, desacatou ministros e o interventor federal no Distrito Federal (DF) e chegou a ameaçar um coronel da Polícia Militar que tentava remover os acampados.

Outro general de quatro estrelas, Gustavo Dutra de Menezes, foi responsável por impedir ações contra os bolsonaristas acampados no QG. Portanto, é outro caso de militar da mais alta patente que não pode permanecer na ativa, independentemente das ações que vierem a ser ajuizadas contra ele por participação nos eventos golpistas.

Caso os generais Arruda e Dutra não sejam objeto de reforma, passando à reserva, eles continuarão participando do Alto Comando do Exército, o que é uma situação inaceitável, tais as evidências de seu envolvimento com os golpistas. Reformá-los imediatamente é uma prerrogativa do governo federal e deve ser levada a cabo, sob pena de premiar quem conspirou contra a vontade popular. Dutra, por exemplo, vem até o momento exercendo uma subchefia do Estado-Maior do Exército.

Destaque-se como ação extremamente positiva a transferência da Agência Brasileira de Informações (ABIN) para a Casa Civil, deixando assim de fazer parte do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Mas o próprio GSI deve ser extinto. E seguimos longe de ter um Ministério da Defesa que seja um legítimo representante do poder civil. Além de seguir pendente a necessidade de criar um Ministério da Segurança Pública.

Segue necessária, também, uma reforma das Forças Armadas e das PMs, que seja capaz de democratizar tanto os processos de recrutamento e de formação de oficiais como suas estruturas internas (organização, regulamentos, hierarquia). Os currículos atuais das escolas militares são fortemente enviesados pelo conservadorismo mais reacionário, calcado nas antigas doutrinas de “Segurança Nacional” e nas agendas expansionistas dos EUA, a ponto de as Forças Armadas considerarem seriamente a possibilidade de uma invasão da Amazônia pela França e de colocarem um oficial-general a serviço da 5ª Frota norte-americana.

As escolas militares não podem se furtar às orientações do Ministério da Educação nem escamotear uma vasta bibliografia de autores e escolas de pensamento que os generais ainda hoje enxergam como “subversivos”. A resistência dos militares a qualquer alteração no seu sistema escolar indica precisamente quão crucial é esse sistema na reprodução da ideologia profundamente antidemocrática, visceralmente oligárquica, que historicamente vem enquadrando a visão de mundo de gerações e gerações de oficiais.

Além disso, a gestão das escolas militares é profundamente autoritária, desrespeitando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e a Constituição Federal, que preveem a gestão democrática do ensino, com a participação de professores, funcionários e estudantes nos colegiados e nas decisões das instituições escolares. No ensino superior, um exemplo é o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), cujo reitor é escolhido em processo de seleção decidido exclusivamente pelo Alto Comando da Aeronáutica, sem consulta à comunidade do ITA.

A extinção da diretoria responsável pelas escolas cívico-militares, no âmbito da Secretaria de Educação Básica do MEC, foi um passo importante para sepultar a política do governo anterior. Contudo, não é suficiente para avançarmos na desmilitarização da gestão educacional e escolar das redes públicas. É preciso induzir a descontinuidade e a reversão do processo de militarização de escolas em estados e municípios, para que as estruturas civis responsáveis por essas unidades escolares reassumam plenamente sua gestão, em todos os aspectos, livrando-as da interferência de militares e de suas respectivas corporações.

Outra alteração que devemos priorizar, apesar das pesadas adversidades conjunturais, é a desmilitarização das PMs e sua desvinculação do Exército. É preciso pôr fim na falida “guerra às drogas”. As PMs comportam-se como “tropa de ocupação” nas periferias e comunidades faveladas dos grandes centros urbanos. São as forças policiais que mais matam no mundo inteiro! O texto atual da Constituição Federal as define como “forças auxiliares do Exército” e dificulta aos governadores e governadoras exercer comando sobre elas.

Vale lembrar da necessidade de alterar o artigo 142 da Constituição Federal, que prevê, atualmente, a figura da “garantia da lei e da ordem” (GLO). É preciso por fim às operações de GLO e transferir automaticamente para a reserva o militar que assumir cargo público, encerrando as especulações sobre o suposto “poder moderador” das Forças Armadas, pondo fim a um certo discurso praticado por setores neofascistas com a finalidade de justificar a tutela militar sobre a sociedade civil.

É central a reformulação do artigo 1º da Lei da Anistia (lei 6.683/1979) e do seu parágrafo 1º, que preveem anistia para os autores de “crimes conexos”, uma espécie de código para anistiar agentes militares e civis que praticaram torturas, assassinatos e toda sorte de atrocidades contra aqueles e aquelas que se opuseram à Ditadura Militar, bem como contra diferentes grupos populacionais, inclusive camponeses e povos indígenas.

Ao “interpretar” essa lei, em 2010, o Supremo Tribunal Federal considerou válidos os dispositivos de “crimes conexos”, legitimou a anistia que os militares se autoconcederam (e a seus cúmplices civis), e interditou todo e qualquer processo criminal contra torturadores e assassinos a serviço do regime ditatorial e de seu Terrorismo de Estado: centros de tortura, execuções sumárias, “casas da morte”, desaparecimento forçado de corpos, falsificação de laudos etc.

Não haverá sequer liberdades democráticas no Brasil, muito menos uma “democracia”, enquanto persistir a tutela militar sobre a sociedade civil, enquanto a tortura não for definitivamente banida, enquanto as Polícias Militares tiverem licença para matar. Razão pela qual devemos incluir a questão militar entre os itens prioritários do programa do PT e exortar o governo do companheiro Lula a prosseguir avançando.

As armadilhas da herança maldita

No terreno militar, assim como em outros terrenos, o governo Lula ainda está travando uma guerra de posição, parecida com aquela que se precisa fazer quando se reocupa uma cidade que fora tomada por um exército invasor. É preciso ir de casa em casa, desalojando franco-atiradores, desmontando minas e armadilhas de todo tipo. 

Uma dessas armadilhas está no campo da educação. É necessário retomar a pauta do financiamento, que de acordo com a Meta 20 do Plano Nacional de Educação deveria chegar até 10% do PIB, objetivo que sofreu um profundo retrocesso com a Emenda Constitucional que instituiu o chamado "teto dos gastos". É preciso enfrentar, também, os retrocessos ocorridos, desde 2016, na Educação Básica e no Ensino Médio. O Diretório Nacional do PT se soma a luta dos trabalhadores da educação e dos estudantes que pedem a revogação da chamada reforma do ensino médio.

A principal das armadilhas deixadas pelo governo anterior ficou no Banco Central.  Legislação aprovada durante o golpe concedeu uma suposta “independência” ao Banco Central, suposta porque na prática o tornou dependente e uma extensão dos interesses da especulação financeira.

Nomeado pelo cavernícola, o atual presidente do Banco Central mantém uma política de juros absolutamente alucinada, cujo único propósito é transferir recursos para o setor financeiro. É preciso tomar todas as medidas legais e institucionais para, no mais rápido prazo possível, alterar a diretoria do Banco Central, a começar pela sua presidência, sob pena de não conseguirmos adotar uma política de desenvolvimento com ampliação do bem-estar social. O Diretório Nacional apoia as críticas feitas pelo presidente Lula contra a política de juros e buscará desencadear uma campanha nacional contra os juros altos e em favor de que os ricos paguem impostos.

Destacamos a importância da revogação das contrarreformas trabalhista e da previdência, bem como destacamos a política de valorização do salário-mínimo que, como defendeu a CUT, deveria ser de, no mínimo, R$ 1.382,71 e valendo já a partir do início do ano, como forma de compensar o confisco salarial resultante da inflação. Destacamos, também, a necessidade de a Petrobrás adotar medidas que rompam com a política adotada no governo anterior e a façam adotar papel central (junto com a Eletrobrás) no processo de retomada do crescimento, do desenvolvimento e da reindustrialização de novo tipo.

Nessa mesma perspectiva, o Diretório Nacional do PT e nossa bancada federal deve apresentar emendas ao chamado “novo arcabouço fiscal”, emendas coerentes com os propósitos do desenvolvimento com ampliação do bem-estar social.

No lugar do “teto de gastos”, uma política fiscal amiga do desenvolvimento

O chamado “teto de gastos”, implementado desde 2017, buscava limitar por 20 anos a expansão do gasto público à variação inflacionária, excetuando os gastos financeiros, cuja evolução seguiu descontrolada. O resultado foi a evolução descontrolada da dívida pública, a desestruturação das políticas públicas e a estagnação da economia nacional.

A proposta elaborada pelo Ministério da Fazenda, de um Novo Arcabouço Fiscal (NAF), visa substituir o teto de gastos por um conjunto de metas de evolução para o saldo primário e regras de variação das despesas. 

O NAF estabelece metas de superávit primário, com o objetivo de chegar ao superávit primário em 2026. São previstas bandas (variações em torno da meta) e, também, punições, para o caso da meta de não ser atingida. Para atingir este objetivo, o NAF limita a expansão dos gastos públicos a um percentual (70%) do crescimento das receitas, estabelecendo exceções a esta regra (na saúde, na educação, na previdência). Ao mesmo tempo, o NAF estabelece um piso (0,6%) e um teto (2,5%) de expansão real (acima da inflação), percentuais reajustáveis periodicamente. E se estabelece um piso (valor mínimo, a ser reajustado pela inflação) de investimentos, de R$ 70 bilhões. Portanto, enquanto o teto de gastos impedia a expansão real do gasto público, o NAF permite que isso ocorra, mas apenas sob determinadas condições, entre as quais a obtenção de superavit, o crescimento das receitas e – como pressuposto geral – o crescimento da economia.

Em um cenário em que não se conseguir aumentar os impostos, em que não se conseguir avanços significativos no combate às desonerações e à sonegação, o NAF deixa o crescimento fundamentalmente na dependência do crescimento do investimento privado. O que, no atual cenário nacional e mundial, pode fazer com que as eleições de 2024 e 2026 ocorram em um cenário de estagnação econômica.

Tendo em vista estes problemas, defendemos que o Partido apresente emendas no sentido  de: 1/estabelecer metas de crescimento e geração de empregos, como parâmetros para a política fiscal; 2/estabelecer metas fiscais compatíveis com a política monetária, para evitar um duplo efeito contracionista; 3/estabelecer metas de evolução do superávit que estejam subordinadas às necessidades de investimento, em nenhum caso aceitando déficit zero ou superávit enquanto a economia brasileira não crescer de forma sustentada; 4/diluir ao longo de vários anos as “punições” previstas para o caso de não cumprimento das metas de superávit primário; 5/incluir propostas tributárias que, além de rever desonerações e combater a sonegação, aumentem os impostos sobre os ricos; 6/alterar os números de variação da receita, crescimento mínimo dos gastos e crescimento médio dos gastos, no sentido de garantir que não haja restrição permanente ao papel do setor público na economia brasileira: o peso do setor público frente ao PIB deve crescer; 7/retirar a educação, a saúde, a previdência, o salário-mínimo e os investimentos da conta dos gastos, para evitar arrocho sobre os demais gastos públicos; 8/permitir que o Tesouro transfira recursos aos bancos públicos.

Atuando sob condições mais difíceis

O terceiro governo Lula atua em condições muito mais complexas e difíceis do que os governos encabeçados pelo PT entre 2003 e 2016. Além das dificuldades resultantes da situação mundial e da herança maldita do golpismo e do bolsonarismo, temos as dificuldades ligadas à situação do governo Lula, da classe trabalhadora, da esquerda e do PT.

Ações extremamente importantes foram implementadas pelo governo Lula, antes mesmo da posse, conforme enumerado em documentos aprovados pelo Partido e/ou apresentados por nossa tendência. Fica evidente, a cada dia que passa, que enfrentamos uma dupla oposição: da direita tradicional e da direita neofascista, ambas neoliberais. As duas direitas estão presentes no governo e na máquina de Estado. São majoritárias no Congresso nacional, entre os governadores de Estado, nos aparatos de segurança e na grande mídia. As duas oposições, embora se dividam no que toca a “reconstrução”, unificam-se para impedir a “transformação” nacional. Ambas operam para vencer as eleições de 2024 e tirar o PT da presidência em 2026.

Frente a este quadro, a linha política hegemônica na esquerda brasileira e em nosso Partido está demonstrando ser ineficiente e insuficiente, tanto do ponto de vista tático quanto do ponto de vista estratégico. É preciso mudar de orientação estratégica e tática. E para fazer isto, é preciso abandonar a atitude baluartista, cabotina, autocongratulatória e debater abertamente os problemas existentes, debate que deve ser feito nas instâncias partidárias. 

Hoje ainda tem prevalecido a opção de não travar o debate nas instâncias. Antes mesmo da campanha começar, a maioria dos integrantes do atual Diretório Nacional escolheu não aprovar nenhuma resolução sobre como enfrentar o bolsonarismo nas forças armadas, sobre como enfrentar a mal denominada “independência” do Banco Central. Tampouco debatemos na direção do Partido a proposta de Novo Arcabouço Fiscal. Como resultado, o Partido tem mais dificuldade de enfrentar os problemas, que não desaparecem pelo fato de não serem debatidos.

A respeito desses e de outros temas, como por exemplo a necessidade de revogar as contrarreformas da previdência, trabalhista, sindical e do ensino médio, a mudança de rumo da Petrobrás e a recuperação da Eletrobrás, a luta por outra política de segurança pública e de Defesa, a Articulação de Esquerda tem apresentado diversas propostas ao Diretório Nacional do PT. Com base nelas, e também com base nas propostas que surjam dos congressos de base, o Oitavo Congresso aprovará um conjunto de resoluções e orientações, tendo como objetivos principais retomar o crescimento, implementar uma industrialização de novo tipo, mudar o curso do desenvolvimento nacional, realizar a reforma agrária, defender o meio ambiente, ampliar as políticas públicas, o bem-estar social e as liberdades democráticas do povo brasileiro, recuperar a soberania nacional, promover a integração latino-americana e caribenha, mudar o lugar do Brasil no mundo.

Nada disso será feito se não conquistarmos maioria organizada junto a classe trabalhadora. As eleições demonstraram que a esquerda é majoritária entre os eleitores ativos, por uma diferença de 2 milhões de votos. Aliás, ganhamos 5 das últimas 9 eleições presidenciais. Entretanto, se consideramos os mais de 30 milhões que votaram branco, nulo e se abstiveram; e somarmos a estes os trabalhadores que votaram na candidatura presidencial da direita, a conclusão inescapável é que, neste momento, a esquerda não tem maioria numérica na classe trabalhadora. 

Ademais, décadas de neoliberalismo, somadas a décadas de institucionalização e burocratização, enfraqueceram brutalmente a presença, a força e a representatividade das organizações da classe trabalhadora: movimentos, associações, sindicatos, partidos. Portanto, nossa tarefa estratégica, de cujo sucesso dependem todas as outras tarefas, é fazer com que a esquerda conquiste e organize a maioria da classe trabalhadora

Quando falamos de esquerda, falamos principalmente de nosso Partido, o Partido dos Trabalhadores. A maioria da classe trabalhadora com consciência de classe, especialmente mulheres, jovens, negros e negras, se identifica com o PT. Desde os anos 1980 até hoje, a vitória da classe trabalhadora brasileira depende, em grande medida, das opções feitas pelo PT. Mas a verdade é que nosso Partido – ao mesmo tempo que tem imensos méritos – vem apresentando imensas debilidades. A principal destas debilidades não é organizativa, nem de comunicação; a principal debilidade é política: nosso Partido não construiu uma linha política e uma maneira de funcionar adequadas aos tempos de guerra em que vivemos

Guerra travada, contra a maioria do povo brasileiro, pelos defensores do imperialismo, do capitalismo, do modelo primário exportador, do neofascismo, do patriarcado, do racismo, do fundamentalismo, pelos defensores de todo tipo de preconceito, opressão e exploração. Guerra que custou a vida de centenas de milhares de pessoas, como é o caso dos indígenas vítimas de genocídio, e também dos brasileiros e brasileiras que poderiam estar entre nós, se o governo de extrema direita não tivesse sido aliado da Covid.

Neste contexto, qual é o papel da tendência petista Articulação de Esquerda? Em resumo, contribuir no limite de nossas forças para que nosso Partido - assim como a CUT, o MST, a CMP, o MNLM, a UNE, a Ubes, as Frentes e todas as demais organizações do nosso povo - estejamos à altura dos imensos desafios postos pela atual situação nacional, continental e mundial. 

Isto significa, em primeiro lugar, contribuir na organização da classe, nos locais de trabalho, de moradia, de estudo, nos espaços de cultura e lazer. Em segundo lugar, contribuir para construir o Partido dos Trabalhadores e das trabalhadoras, como partido de massas e radicalmente democrático. Em terceiro lugar, lutar contra as politicas equivocadas que existem, tanto no PT, quanto em outros setores da esquerda brasileira, com destaque para os setores social liberais infiltrados na esquerda, defensores das privatizações, das terceirizações, do capital financeiro e do agronegócio. E, em quarto e fundamental lugar, trabalhar para que o PT continue lutando, aqui e agora, em favor de soluções efetivamente socialistas e revolucionárias para os grandes problemas do nosso país, de nosso continente e do mundo.

Nos tempos perigosos e desafiantes em que vivemos, não cabe dúvida: o futuro depende da classe trabalhadora lutar com todas as suas forças pela soberania, pela democracia, pelo desenvolvimento e pelo socialismo. 

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