O texto a seguir é de responsabilidade da tendência petista Articulação de Esquerda, sendo apresentado por Jandyra Uehara, Júlio Quadros, Natália Sena, Patrick Araújo, Valter Pomar.
1.Faltam pouco mais de 6 meses para o primeiro
turno das eleições presidenciais de 2022. No momento, segue a polarização entre
a candidatura Lula e a candidatura Bolsonaro. Entretanto, outras candidaturas
almejam ser uma “terceira via”. Mesmo que não tenham êxito, o esforço por criar
uma “terceira via” pode contribuir para que a eleição presidencial seja
resolvida no segundo turno.
2.A tática de Bolsonaro envolve dois movimentos
combinados. Por um lado, manter seu núcleo duro de apoio junto ao eleitorado
conservador, reacionário, fundamentalista, de extrema-direita, racista,
misógino e neofacista. Por outro lado, disputar o voto das camadas populares
através do fisiologismo e do populismo de direita.
3.Embora enfrente grandes dificuldades – seja por
conta da crise econômica e seus efeitos sociais, seja por conta da política
genocida adotada frente a pandemia, seja por conta dos mais variados desgastes
ao longo do governo – não devemos subestimar a candidatura da extrema-direita.
Nem subestimar, nem baixar a guarda: frente a uma derrota eleitoral, Bolsonaro
pode tentar algum tipo de golpe, seja contra a pessoa de Lula, seja contra o
PT, seja contra o processo eleitoral. O golpismo pode vir, também, como ocorreu
em 2016, de diversos setores da direita: um exemplo disso é o recém anunciado
grupo de trabalho criado pelo deputado Arthur Lira e com a participação de parlamentares
de diversos partidos e de cidadãos como Michel Temer, com o objetivo de estudar
a adoção do “semipresidencialismo”.
4.Frente a esta a situação, há diferentes táticas
na oposição em geral e na oposição de esquerda em particular. Parte da direita
não bolsonarista, como já foi dito, insiste em criar uma candidatura
alternativa. Outra parte faz gestos em direção à candidatura Lula. Na oposição
de esquerda cresce a convergência em torno da candidatura Lula, mas persistem
divergências em torno do programa, da política de alianças, da linha de
campanha da candidatura Lula, assim como persistem diferenças acerca da relação
entre a candidatura Lula e as eleições para a Câmara, senado, governos
estaduais e assembleias legislativas.
5.O centro da divergência reside em definir o
objetivo de nossa tática: se nosso objetivo é derrotar Bolsonaro e seus aliados
diretos; ou se nosso objetivo é derrotar o bolsonarismo e o neoliberalismo.
6.Em nossa opinião, para derrotar o bolsonarismo é
preciso enfrentar e derrotar o neoliberalismo. E nossa prioridade é disputar o
voto dos setores populares, não o apoio do mal denominado “centro” (nome dado
para a direita neoliberal que hoje não apóia Bolsonaro) nem muito menos o apoio
dos chamados “mercados”. Nossa prioridade é a classe trabalhadora, os setores
populares, inclusive os que em 2018 votaram em Bolsonaro, branco, nulo ou se
abstiveram. Para conquistar o apoio e o voto destes setores, será preciso
mobilização militante e programa popular.
7.Outra divergência reside em prever e organizar a
campanha para uma disputa em dois turnos ou prever e organizar a campanha para
uma disputa de primeiro turno. Alguns setores da esquerda argumentam que uma
aliança com setores golpistas e neoliberais permitiria ganhar a eleição no
primeiro turno. No fundo defendem antecipar eventuais alianças de segundo
turno. Em nossa opinião, são mínimas as chances de uma vitória no primeiro
turno; e estas chances ficam ainda menores se retirarmos – da polarização Lula
e Bolsonaro – parte de seu conteúdo programático.
8.Vencer as eleições presidenciais exige um
ambiente de luta social (não apenas eleitoral), exige uma campanha militante (e
para isto é preciso dar conteúdo programático à campanha) e exige polarização
ideológica e política. Neste sentido o DN deve apoiar o ato convocado para o
dia 9 de abril pela campanha Fora Bolsonaro.
9.O embate eleitoral ocorrerá num cenário marcado
pela destruição da economia, dos direitos sociais, das instituições públicas,
das liberdades democráticas, da soberania nacional; enfim, no contexto da obra
devastadora de Bolsonaro e de suas políticas. As mais de 657 mil mortes por
Covid, os 20 milhões de famintos, a carestia, o desemprego, o aprofundamento da
exclusão social, a devastação ambiental, a liquidação do patrimônio público são
o resultado nefasto de um governo que afunda o Brasil numa crise brutal e se
alimenta dela para tentar manter-se no poder.
10.Diante deste diagnóstico sinistro, as eleições
de 2022 são uma grande oportunidade de a soberania popular corrigir os rumos do
país, apesar das limitações impostas pelo sistema dominante. Mas para isso
ocorrer, é preciso que as forças populares compreendam que não estamos diante
de uma eleição a mais, mas sim diante de uma verdadeira guerra entre o passado
e o futuro; entre as forças do atraso e as forças do progresso; entre os
defensores da soberania nacional e os serviçais do imperialismo; entre a
maioria da população e a minoria privilegiada; entre a esquerda e a direita.
11.É preciso compreender, também, a diferença entre
o momento atual e o vigente em eleições anteriores, sobretudo as de 2002,
quando conquistamos pela primeira vez a Presidência da República: o país é
outro, a situação das classes trabalhadoras alterou-se profundamente, a vida do
povo agravou-se e nosso adversário mais provável incita o ódio, arma suas
milícias e anuncia a disposição de não aceitar um resultado que não seja a sua
permanência no governo. Por estes motivos, a liderança do companheiro Lula em
todas as pesquisas, bem como a notável preferência de 28% da população para o
PT, que serve de estímulo para a militância e simpatizantes, não asseguram por
si só a vitória em outubro. O “já ganhou”, que produz euforia, arrogância,
subestimação dos adversários, deve ser combatido implacavelmente.
12.O que vai decidir o confronto a nosso favor é um
conjunto de iniciativas, que incluem a construção de um arco de alianças
comprometido com a reconstrução e transformação do País; uma tática eleitoral
mobilizadora; a disposição para o enfrentamento e, sobretudo, uma campanha de
corpo a corpo iniciada desde já. As batalhas decisivas, que vão exigir o
engajamento de centenas de milhares de ativistas, serão travadas no interior de
cada casa, de cada família, de cada bairro, de cada escola, de cada grupo de
amigos, de cada local de trabalho.
13.É para esta missão que devemos convocar, desde
já, cada militante, cada simpatizante, cada eleitor, os integrantes de
coletivos populares, associações profissionais, sindicatos, entidades estudantis
e organizações democráticas de todo tipo: criar e integrar Comitês Populares,
cuja tarefa é atuar no território, conversando dia-a-dia com cada eleitor, com
cada eleitora, voltando a conversar no dia seguinte e assim sucessivamente até
o último segundo antes da votação final. Conversar especialmente sobre os males
causados pelos que deram o golpe de 2016, pelos que condenaram e prenderam
ilegalmente Lula, pelos que o impediram de concorrer, pelos que apoiaram o
governo Temer e apoiam o governo Bolsonaro. Dialogar sobre as realizações dos
governos democráticos encabeçados pelo PT, de 2003 até 2016, as conquistas que
precisam ser retomadas e os erros que devem ser corrigidos. Enfatizar a
necessidade de eleger Lula, de votar no 13, de escolher também homens e
mulheres de esquerda para ocupar os governos estaduais, o Senado, a Câmara dos
Deputados e as Assembleias Legislativas. Estimular a atualização dos títulos e
o alistamento eleitoral dos jovens a partir dos 16 anos. Denunciar o
bolsonarismo, o lavajatismo e o neoliberalismo, debatendo também as diferenças
entre o capitalismo e o socialismo. Mais que tudo, conquistar corações e mentes
para apoiar nossas propostas para reconstruir e transformar o Brasil.
DIRETRIZES PROGRAMÁTICAS
14.O debate programático terá grande importância
nas eleições de 2022. O Partido dos Trabalhadores participa de eleições desde
1982. Nesses 40 anos, já apresentamos programas para mandatos legislativos e
executivos, municipais, estaduais e presidenciais. Recentemente, o Diretório
Nacional do PT aprovou um programa de “reconstrução e transformação”, ponto de
partida importante para a elaboração do programa de governo da candidatura Lula
presidente em 2022. É nessa elaboração programática que devemos nos basear para
definir os pontos prioritários de nossa conversa cotidiana com o povo
brasileiro.
15.A nosso ver, destacam-se como prioridades:
i/as propostas emergenciais para superar o
desemprego, a inflação, a fome, a carestia, a miséria; o apagão na saúde; os
retrocessos na educação e na cultura; a falta de perspectivas para a juventude;
ii/as propostas de natureza estrutural, de médio e
longo prazo, capazes de garantir a soberania, o bem-estar, a liberdade e um
desenvolvimento de novo tipo para nosso país.
16.Entre as medidas e ações, destacamos as
seguintes:
i/decretar situação de emergência em âmbito
nacional, para que o novo governo tenha os meios legais necessários para
enfrentar o caos herdado do governo anterior, em particular no enfrentamento
das necessidades mais imediatas: o alimento, a moradia, a saúde, a educação o
transporte, o emprego;
ii/corrigir imediatamente o orçamento herdado do
governo anterior, principalmente ampliando a dotação vinculada às áreas sociais
e ao desenvolvimento econômico, inclusive recuperando a capacidade de
investimento do BNDES, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, bem
como das empresas estatais;
iii/tomar as medidas necessárias para estabelecer
um imposto sobre grandes fortunas, lucros e dividendos, para contribuir no
financiamento das medidas de reconstrução e transformação nacional,
especialmente para dobrar ao longo do primeiro biênio de governo as receitas do
SUS (hoje de aproximadamente 4% do PIB ou 4,00 per capita). Apoiar as propostas
de reforma tributária já apresentadas pelos partidos de esquerda;
iv/retomada imediata do programa Bolsa Família e do
programa Mais Médicos, com as devidas alterações. Convocação de concursos
públicos emergenciais para recompor o quadro de servidores públicos federais;
v/revogação do “teto de gastos” (através de emenda
constitucional), bem como revogação da reforma previdenciária, da reforma
trabalhista e da autonomia do Banco Central. Nos casos de alteração
constitucional, realizar referendo revogatório;
vi/como parte da defesa da economia popular e do
combate à inflação, promover uma lei de reajuste do salário mínimo, garantindo
ganho real capaz de recuperar o poder de compra afetado pela carestia;
ampliação imediata dos recursos disponíveis para agricultura familiar,
principal fonte de alimentos saudáveis e baratos; reduzir os preços da energia
elétrica, do gás de cozinha, da gasolina e demais combustíveis, pondo fim ao
atual sistema subordinado à oscilação dos preços internacionais;
vii/iniciar já em 2023 plano de reconstrução da
infraestrutura nacional (através de obras públicas nas estradas, hidrovias,
ferrovias, fontes de energia, prédios e vias públicas, habitação popular),
reconstrução da Petrobrás como empresa de desenvolvimento nacional, com plena
retomada do sistema de partilha para exploração do pré-sal e das medidas
dinamizadoras da construção civil e da industrial naval, incluindo a anulação
das criminosas vendas dos ativos da empresa: o petróleo deve voltar a ser
nosso;
viii/interrupção da destruição do meio ambiente,
moratória imediata da expansão do agronegócio na Amazônia, retomada da
demarcação das áreas indígenas e das comunidades quilombolas;
ix/reconstrução do Ministério da Cultura,
relançamento da Empresa Brasileira de Comunicação, implementação das previsões
constitucionais contrárias ao oligopólio privado da mídia, recomposição do
orçamento de ciência e tecnologia e retomada dos projetos de expansão e
democratização do setor público de educação, ampliando as políticas de ação
afirmativa e desenhando políticas específicas para avaliar e superar as perdas
provocadas pela pandemia;
x/reconstrução das Secretarias Especiais de
Mulheres, Igualdade Racial, da Juventude e criação da Secretaria Nacional
LGBTQIA+, do Sistema Nacional de Igualdade Racial e retomada das políticas em
defesa dos idosos, das pessoas com deficiência, dos povos indígenas e
quilombolas;
xi/medidas em defesa do direito à memória e à
verdade do povo brasileiro e responsabilização dos agentes envolvidos em
desrespeitos aos direitos, liberdades e vida do povo desde o golpe de 2016.
Entre as medidas destaca-se, emergencialmente, a declaração oficial do novo
chefe de Estado e de Governo sobre o conjunto de ataques aos direitos,
liberdades e vida do povo brasileiro desde o golpe de 2016 até o governo
Bolsonaro. Paralelamente à difusão nacional da declaração oficial do Estado
brasileiro, que sejam instaladas Comissões da Verdade nos Estados brasileiros,
sob coordenação do governo federal, para apuração/sistematização detalhada
localmente. Outras medidas cabíveis: a)punição imediata dos responsáveis no que
estiver sob alcance do Executivo; b) abertura de procedimentos administrativos
e judiciais contra todos que tenham atentado contra os direitos humanos durante
a administração anterior, especialmente os relacionados ao genocídio causado
por políticas negacionistas frente à pandemia; c)devolução imediata às Forças
Armadas de todos os militares nomeados para cargos de natureza
civil;d)transferência para a reserva de todos os comandantes nomeados no mesmo
período; e) apresentar PEC para revogar o artigo 142 da Constituição;
f)apresentar PEC para desmilitarizar a segurança pública, com o objetivo de
deter a escalada de violência contra as populações pobres, periféricas e
negras, combinado com medidas para por fim à denominada “guerra às drogas”
xii/retomar e intensificar a presença do Brasil nos
fóruns e organismos multilaterais, em especial nos BRICS. Construir uma agenda
de recuperação da imagem do país em todo o mundo, priorizando a luta pela
integração latino-americana e caribenha. Restabelecer as relações com os países
da África, da Ásia e do Oriente Médio;
xiii/tomando como referência a resolução do 6º
Congresso do PT, abrir o debate com a sociedade brasileira acerca da convocação
de uma Assembleia Nacional Constituinte.
A PROPOSTA DE PROGRAMA DA FEDERAÇÃO
17.Um dos graves problemas do debate sobre a
federação, estabelecido no partido desde 16 de dezembro, foi ter secundarizado
a dimensão programática. Não foi o debate programático que organizou o debate,
mas sim as candidaturas a governador e o estatuto da presunta federação. Só na
reunião da CEN dia 7 de fevereiro foi apresentada uma minuta de uma carta
programática. Outra minuta (intitulada “PROPOSTA DE CARTA PROGRAMA DA FEDERAÇÃO
DE PARTIDOS”) foi enviada aos integrantes da comissão executiva nacional no dia
14 de março. Ambas não foram até o momento debatidas no Partido.
18.A “PROPOSTA DE CARTA PROGRAMA DA FEDERAÇÃO DE
PARTIDOS” afirma o seguinte: “a (Federação de Partidos) nasce como expressão do
anseio de grande parcela do nosso povo pela inadiável superação da profunda”
etc. Isto simplesmente não é verdade. A verdade é: a federação nasceu do anseio
de alguns partidos não serem vítima da cláusula de barreira.
19.Do ponto de vista programático, a “PROPOSTA DE
CARTA” tem um defeito fundamental: se intitula um programa de uma federação com
pretensões de médio prazo, mas seu conteúdo corresponde no máximo ao de uma
coligação eleitoral. Uma coligação apresenta um programa de governo, uma
federação deveria apresentar um projeto de país. Mas a “PROPOSTA DE CARTA” se
limita a um programa de governo genérico. A síntese desta limitação está no enunciado
segundo o qual a “questão central de seu Programa e objetivo político a tarefa
da reconstrução nacional”. Pensando do ponto de vista de um mandato executivo,
isto poderia fazer sentido, concordemos ou não. Mas pensando do ponto de vista
de uma federação, portanto pensando no ponto de vista de médio e longo prazo, é
óbvio que a questão central do programa deveria ser a tarefa da transformação nacional.
Aceitar um programa cujo ponto central é a “reconstrução” é uma ameaça ao
projeto histórico e estratégico do PT, um rebaixamento de metas que não devemos
e não precisamos fazer. Aliás, um dos enunciados da “PROPOSTA DE CARTA” afirma
o seguinte: “Os partidos democráticos, patrióticos, populares e progressistas
que compõem esta Federação”. Ou seja: o PCdoB e o PT são partidos
programaticamente socialistas, mas a expressão “socialista” some do texto. Ou
seja: um neoliberal como Alckmin se veste de “socialista” e partidos
verdadeiramente socialistas se apresentam como tudo, menos como socialistas.
20.Citamos a seguir alguns dos problemas
programáticos da “PROPOSTA DE CARTA”: não diz uma palavra sobre a proposta,
aprovada em Congresso pelo PT e nunca revogada, e refirmada no Programa de
reconstrução e transformação, de uma Assembleia Constituinte. A PROPOSTA
defende a “revisão” da Reforma Trabalhista e manifesta dúvida sobre o que fazer
com a deforma da Previdência. Nossa posição deve ser pela revogação destas e de
outras reformas aprovadas pelos golpistas desde 2016. A PROPOSTA não contém uma
frase explícita de enfrentamento em relação ao agronegócio. Outro silêncio
ensurdecedor é não se falar nada sobre forças armadas (nem sobre o papel das
policiais militares). Por fim, mas talvez o mais importante, a “PROPOSTA DE
CARTA” silencia sobre a natureza neoliberal e tucana do programa combatido por
nós. Se depender desta PROPOSTA, não haverá nem transformação, tampouco
reconstrução. Pelos motivos acima citados, o Diretório Nacional deve rejeitar
esta PROPOSTA.
A PROPOSTA DE FEDERAÇÃO
21.A Direção Nacional do PT, no dia 16 de dezembro
de 2022, aprovou uma resolução sobre o tema da Federação Partidária. Esta
resolução dizia assim: “Resolve iniciar conversações sobre Federação Partidária
com PSB, PCdoB, PSOL e PV, cabendo à Comissão Executiva Nacional do Partido
conduzir este processo de diálogo para posterior decisão do DN, sobre eventual
participação, a partir de um debate programático, esgotando o debate interno a
partir da escuta às direções estaduais, municipais, observando os prazos
definidos pela Justiça Eleitoral.”
22.A resolução foi totalmente descumprida. Em
primeiro lugar, a CEN não “conduziu” o processo de diálogo. De 17 de dezembro
até as 19h00 do dia 7 de fevereiro, a CEN não se reuniu uma única vez. Não se
reuniu e, além disso, até as 19h00 do dia 7 de fevereiro, a CEN não recebeu
absolutamente nenhum informe a respeito. Desde o dia 7 de fevereiro até o dia 2
de março, a CEN reuniu-se duas vezes, para ouvir informes, não tendo decidido
nada, nem mesmo tendo decidido formalmente quem a representa nas negociações
com os demais partidos. Uma reunião da CEN convocada para o dia 25 de fevereiro
foi cancelada. E no dia 13 de março a CEN foi informada do seguinte: o PSB, que
havia proposto ao PT a federação, havia desistido dela. Cabendo ao PT debater
com o PCdoB e com o PV a respeito, partidos que originalmente haviam procurado
o PSB e não o PT para negociar a federação. Seja como for, em nenhum momento a
Comissão Executiva Nacional conduziu o processo. As posições defendidas pelos petistas
que se reuniram com representantes do PSB, do PCdoB e do PV não resultaram do
debate e de resoluções previamente aprovadas nas instâncias nacionais do PT: o
Diretório e a Executiva.
23.Já observamos, também, que a resolução foi
descumprida em algo ainda mais importante: não foi o debate programático que
organiza o debate. A resolução do DN de 16 de dezembro falava também da
“escuta” das instâncias partidárias. Mas em nenhum momento foi apresentado um
informe consolidado acerca da posição adotada pelas instâncias municipais e
estaduais. Pouco ajudou, nesse sentido, a postura de setores da direção, que
diziam que a “decisão já está tomada”, atribuindo isto ao companheiro Lula e
criando situações insólitas como a de um seminário da bancada, onde no debate
sobre a federação todos os oradores escolhidos para falar eram a favor, embora
fosse público e notório que parte da bancada divergia.
24.É importante dizer: não somos contra a
existência de federações em geral, nem somos contra – por princípio – que o PT
venha a participar de uma federação. Entretanto, sempre nos manifestamos
absolutamente contrários a que o PT participasse desta federação que estava
sendo negociada com o PSB. Parte de nossos motivos contrários à federação
decorre de nossa avaliação acerca do que é o PSB, de sua linha política desde
2014 até hoje, nas eleições, no congresso, nos governos estaduais e nas
prefeituras. Portanto, nunca concordamos em obrigar o PT a se amarrar – por
quatros anos, em todo o país, em todos os estados, em todos os municípios, em
todas as bancadas e em todos os governos e eleições – com o PSB. Até porque
nunca foi necessário ter federação, para tornar possível uma coligação entre o
PSB e o PT nas eleições presidenciais, ou nas eleições estaduais em vários
estados do país.
25.Além disso, sempre argumentamos que uma
federação iria produzir – nas eleições parlamentares estaduais e nacional – os
mesmos efeitos de uma coligação, ou seja, parte da votação dada ao PT vai ser
transferida para os partidos coligados/federados. Sem falar no impacto negativo
sobre a renovação das bancadas, vitimando em especial os setores historicamente
menos representados.
26.Em resumo, defendemos que a reunião do DN do PT no
dia 24 de março sepulte - em definitivo e a pedidos - a federação com o PSB,
negue a federação com o PV e aprove a federação com o PCdoB. No caso do PCdoB,
independente de divergências programáticas, estratégicas e táticas, trata-se de
um aliado nosso desde pelo menos 1989. Portanto, em nome de impedir que este
partido seja prejudicado pela clausula de barreira, somos a favor da federação
com o PCdoB. No caso do PV, compreendemos que não existe uma identidade que
justifique a federação.
A MINUTA DE ESTATUTO DA FEDERAÇÃO
27.Caso o DN aprove a federação sem o PSB e com o
PCdoB, será preciso aprovar, além da carta programa, um estatuto. Depois da
reunião da CEN realizada dia 12 de março, os integrantes da direção tiveram
acesso a versão atualizada da MINUTA proposta de estatuto (lembrando sempre que
tal proposta nunca foi objeto de debate prévio nas instâncias partidárias). A seguir
opinamos sobre esta MINUTA.
28.A MINUTA fala que a Federação reúne “Partidos
Políticos que defendem a soberania nacional, o regime democrático, o
pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana”. São termos tão
genéricos, que rigorosamente pode caber quase qualquer um. É preciso falar pelo
menos em soberania nacional, desenvolvimento ambientalmente orientado,
bem-estar social, liberdades democráticas e socialismo.
29.A MINUTA fala que a Federação “tem como
finalidade a construção de unidade política e a ação conjunta dos partidos
políticos federados, em todo o território nacional, na defesa e implementação
do Programa da Federação”. Se o objetivo é definido em termos do programa, então
o programa não pode ser genérico, como já criticamos no ponto anterior. Não
basta dizer que “cada um dos Partidos Políticos integrantes” mantém “suas
respectivas personalidades jurídicas, registro no Tribunal Superior Eleitoral,
identidades e autonomias ideológicas, político-programáticas e organizativas”.
30.A MINUTA contém um artigo (de número 4) que na
prática permite a ampliação da federação por decisão dela própria. Não estamos
de acordo com isso, especialmente levando em consideração o ocorrido nas
negociações e, também, devido a frouxidão dos termos programáticos. Entrada de
novos partidos na Federação deve ser aprovada consensualmente pelos partidos,
sendo que caba partido adotará a sua decisão através de métodos muito democráticos,
no caso do PT através de consulta a base em plebiscito ou através de encontro
nacional com delegados eleitos a partir deste debate.
31.No artigo 7 da minuta é dito o seguinte: “Art.
7o Os Partidos associados têm direito de: (....) IV. apresentar, sempre que
considere necessário ou adequado, propostas e sugestões a serem apreciadas
pelos demais integrantes da Federação. § 1o A filiada ou o filiado indicados
pelos Partidos associados devem representar e manifestar a posição de sua
respectiva agremiação partidária dentro da Federação. § 2o Cabe ao presidente
de Partido associado orientar a posição de sua agremiação partidária aos seus
respectivos filiados e filiadas, podendo fazer isso em qualquer ocasião,
inclusive nas deliberações dos órgãos da Federação.” Da maneira como está
redigido, há um potencial conflito entre duas coisas distintas: i/dentro das
instâncias da federação os partidos apresentam uma única posição, capitaneada
pela presidência do respectivo partido; ii/mas os organismos da Federação e
suas deliberações NÃO orientam a posição dos filiados e filiadas de cada partido.
Isto é potestade exclusiva das instâncias partidárias. O mesmo problema aparece
no artigo oitavo, onde se diz: “São deveres dos associados” (ou seja, dos
partidos integrantes) “delegar poderes necessários para que os órgãos da
Federação possam cumprir com as obrigações contidas na legislação eleitoral e
partidária, especialmente no âmbito das convenções eleitorais”. Posto em termos
tão amplos, estaremos substituindo os partidos pela federação.
32.Sobre a estrutura da Federação de Partidos, a
MINUTA propõe uma Assembleia Geral de 50 integrantes. Na MINUTA há duas
alternativas: i/representação proporcional aos votos válidos obtidos na eleição
para a Câmara dos Deputados OU ii/15 vagas sejam distribuídas paritariamente e
as outras 35 vagas obedeçam o critério da proporcionalidade. Somos contrários a
ambas propostas. Embora para efeitos imediatos essa possa ser a única
alternativa, a federação não pode ser composta com base na proporcionalidade
congressual, pois isso corresponde a um modelo de funcionamento oposto à lógica
do PT e do próprio PCdoB. Mais estranho fica vendo a MINUTA falar de uma
secretaria de movimentos sociais em uma federação composta em bases
parlamentares. Defendemos a proporcionalidade com base no tamanho dos
respectivos partidos, em número total de filiados; ou critério equivalente.
Pior ainda é adotar como critério a votação para a Câmara dos Deputados de
2018.
33.A MINUTA, no artigo 11, diz o seguinte: Ҥ 2o
Todas as deliberações serão tomadas por maioria de 2/3 da sua composição”. Somos
contra este critério, pois na prática ele pode inviabilizar o fechamento de
questão.
34.A MINUTA diz que “compete à Comissão Executiva
Nacional” (...) VII – decidir sobre coligações e candidaturas em âmbito
nacional, estadual, distrital”. Somos totalmente contrários a este nível de
verticalização, que vai ademais anular a existência do Partido em âmbito local.
Note-se que a mesma MINUTA, mais adiante, diz o seguinte: “Em conjunto, a
Presidência e as Vice-Presidências da Federação poderão, por consenso, decidir
em substituição à Comissão Executiva Nacional, submetendo suas decisões ao
referendo do colegiado”. Aprovado este tipo de resolução, saímos do terreno de
república e entramos no terreno do absolutismo.
35.A MINUTA diz o seguinte, no final do Título III:
“§ 3o Na hipótese do inciso VII, em havendo mais de uma pré-candidatura a cargo
majoritário, a Comissão Executiva Nacional deverá obter pesquisa de intenção de
voto para aferir a competitividade dos postulantes”. Somos por princípio
contrários ao método das pesquisas para decidir candidaturas. Mesmo que a
MINUTA não diga isto, induz a isto.
36.A MINUTA afirma o seguinte: “Fica criada, na
estrutura da Comissão Executiva Nacional, uma comissão provisória em cada um
dos Estados e no Distrito Federal para representar a direção nacional no
território das unidades da federação. § 1o A Comissão Executiva Nacional
definirá, por resolução, a forma de funcionamento e os poderes delegados a cada
uma das comissões provisórias. § 2o A comissão provisória estadual será
integrada pelos presidentes estaduais dos Partidos associados, podendo a
Comissão Executiva Nacional alterar sua composição ou substituir seus
integrantes”. Somos totalmente contrários a isto: na prática, do ponto de vista
técnico, seria decretar a intervenção em todos os diretórios estaduais do PT em
todo o país. Caso o DN aprove fazer a federação com o PCdoB, é preciso
deliberar com anterioridade sobre a situação de todos os estados.
37.O artigo 19 diz o seguinte: “Para composição da
lista de candidaturas proporcionais da Federação em cada um dos Estados e no
Distrito Federal, serão observados: II - o potencial de votos das
pré-candidaturas; III – a pluralidade dos perfis das pré-candidaturas”. Estes
dois itens não cabem a federação, mas aos partidos.
38.O artigo 20 diz: “Para a formação da lista
proporcional, cada Partido associado terá direito de indicar candidaturas em
número proporcional aos votos válidos obtidos em 2018 na eleição do cargo em
disputa”. Esta proposta na prática prejudica o PT, pois comprime nosso
potencial em 2022 aos limites do realizado em 2018 (uma situação difícil). Por
outro lado, não se toca em algo fundamental: como evitar candidaturas
“laranjas”. Um dispositivo deve ser incluído neste sentido.
39.O título VI contém uma série de DISPOSIÇÕES
ESPECIAIS PARA A ELEIÇÃO DE 2024 totalmente inaceitáveis, em nossa opinião.
Além do já objetado relativamente aos arts. 19 e 20, não estamos de acordo com
candidatura nata (artigo 23), especialmente nos termos previstos no artigo § 1.
40.Discordamos também do proposto no artigo 29, a
saber: “Até que o processo de revisão estatutária previsto no art. 29 seja
concluído, a Assembleia Geral, através de resolução política, fixará os
parâmetros para o funcionamento parlamentar conjunto dos Partidos associados e
a forma como se aplicará, no âmbito da Federação, os mecanismos de disciplina
existentes nos estatutos dos Partidos associados”. Propomos adotar para a
bancada da federação os mesmos critérios previstos em nosso estatuto para a
bancada do PT (ou seja, fechamento de questão).
OBSERVAÇÕES GERAIS SOBRE A MINUTA
41.Embora a saída do PSB reduza parte importante dos
problemas imediatos, não desaparece o impacto negativo deste tipo de federação
sobre o PT. Em nossa opinião, este impacto será de dois tipos: i/o PT vai
perder parte de sua autonomia política; ii/o PT vai perder parte de seu caráter
militante. Embora tudo esteja em negociação, fica evidente pela proposta acima
comentada que estamos diante de medidas que afetarão profundamente a autonomia
das instâncias partidárias, especialmente nos estados e municípios. Sabendo
disso, a proposta prevê uma “compensação”: uma suposta revisão estatutária no
ano de 2023. Não achamos isso suficiente.
42.Um dos efeitos negativos (omitido na MINUTA mas
presenta na legislação) será o seguinte: “o partido que transferir recursos
públicos a outro da mesma federação poderá ter suas contas desaprovadas em
razão da aplicação irregular desses recursos, o que tornará inócua eventual
utilização de uma das agremiações como intermediária para a prática de irregularidades”.
Ou seja: depois de muito lutar para que o TSE não aplicasse, ao DN do PT, as
responsabilidades decorrentes de atos cometidos pelos diretórios estaduais e
diretórios municipais do próprio PT, estaremos agora – com a federação – diante
de uma situação ainda pior: poderemos ser responsabilizados por atos cometidos
por diretórios municipais e estaduais de outros partidos!!!
43.Além disso, a MINUTA passa a impressão de que
sair da federação é um ato simples. Mas não é: segundo a legislação, para entrar
ou para sair da federação, é preciso o “deferimento do pedido pelo Tribunal
Superior Eleitoral”. E mesmo se houver o tal deferimento, o artigo 7º diz
assim: “O partido que se desligar da federação antes do tempo mínimo previsto
no caput do art. 6º desta Resolução ficará sujeito à vedação de ingressar em
federação, de celebrar coligação nas 2 (duas) eleições seguintes e, até
completar o prazo mínimo remanescente, de utilizar o fundo partidário”. 44.A
resolução do TSE afirma também o seguinte: “Art. 11. As controvérsias entre os
partidos políticos relativas ao funcionamento da federação constituem matéria
interna corporis, de competência da justiça comum, ressalvada a competência da
Justiça Eleitoral para dirimir questões relativas ao registro da federação e
das alterações previstas nos arts. 6º e 7º desta Resolução ou que impactem
diretamente no processo eleitoral”. Portanto, as “controvérsias” entre os
partidos da federação serão assunto de competência da justiça comum! Caberia a
justiça eleitoral interferir “apenas” nos assuntos “que impactem diretamente no
processo eleitoral”. No PT, travamos uma batalha permanente com o objetivo de
não levar assuntos internos para a justiça. E salvo raríssimas exceções,
conseguimos isso. Aprovar uma federação abre caminho para a normalização da
judicialização. E não será apenas por motivos políticos, mas também criminais,
como já se comentou acima.
45.Um dos problemas da federação é introduzir uma
hipercentralização do poder numa instância nacional da própria federação,
composta com base na força atual dos partidos na Câmara dos Deputados. Neste
“detalhe” reside, ao nosso ver, o enorme impacto da federação sobre um dos
pilares do PT, a saber, a condição de partido militante. Todo mundo sabe que no
PT exista, há tempos, uma disputa entre a natureza militante do Partido e a
dinâmica institucional, que transfere poder crescente aos governos e aos
mandatos parlamentares. Ao longo destes 42 anos, esta disputa entre militância
e mandatos esteve presente. E o fato é que, apesar de tudo, continuamos a
manter uma dinâmica militante superior a de outros partidos. Pois bem: a
“federação” tende a sufocar esta dinâmica militante, ao transferir para a
cúpula da federação decisões inclusive municipais; e ao formar uma federação com
base em critérios parlamentares (ou seja, através da federação, estamos
introduzindo como estruturante o critério da “cooperativa de parlamentares”).
46.Portanto, de cima para baixo e de fora para
dentro, se está criando uma regra que afetará profundamente a natureza do
Partido. Motivo pelo qual, em nossa opinião, se justifica tomar a decisão sobre
participar ou não de uma federação em um congresso do Partido. Afinal, as bases
de construção dessa Federação conduzirão a constituição de uma direção baseada
no número de parlamentares de cada Partido, ampliando ainda mais o processo de
institucionalização do PT, diminuindo ainda mais o papel da base militante de
nosso partido e de nossas instâncias, atingindo profundamente a dinâmica de
funcionamento do PT.
AS ELEIÇÕES ESTADUAIS
47.Um dos reflexos da política de frente ampla,
agravada pela federação, foi colocar muitas de nossas potenciais candidaturas a
governador e a senador em compasso de espera, quando não deixadas de lado em
favor de aliados de ocasião.
48.Alertamos desde há muito que isso prejudicava o
PT e inclusive a candidatura Lula. Nos últimos dias, a situação vem se
complicando em vários estados, como é o caso da Bahia e de Pernambuco, entre
outros.
49.Embora cada caso tenha sua própria história e
suas particularidades, é impossível não perceber que se trata de uma situação
de conjunto, que precisa de uma solução de conjunto.
50.Observando o conjunto dos estados, verifica-se
ter predominado a “tática” de abrir mão das candidaturas a governador. Alguns
argumentam que isto é feito em favor de reforçar a candidatura de Lula, outros
argumentam que isto é feito para concentrar energias na eleição de deputados.
Mas na prática, se prevalecer esta política, Lula terminará sem “palanque” em
muitos estados e tampouco haverá “puxadores de voto” para nossas chapas
parlamentares.
51.Se o quadro eleitoral não se alterar, isto terá
pouco efeito na eleição presidencial, embora prejudique o PT. Mas se o quadro
eleitoral se alterar, isto pode criar uma situação muito difícil inclusive para
a candidatura presidencial.
52.Neste sentido, defendemos reverter esta
política, a começar por estados de grande densidade eleitoral, como Minas
Gerais. Precisamos de candidaturas majoritárias de esquerda, sempre que
possível petistas, na maioria dos estados do Brasil. O DN deve orientar, portanto,
o lançamento de candidaturas a governador nos estados onde isto se faz
necessário.
A VICE DE LULA
53.Assim como aconteceu até há pouco com a
federação com o PSB, a vice de Lula tem sido tratada por alguns como se fosse
um fato consumado. Entre os “argumentos” apresentados, está o de que
tratar-se-ia de uma “decisão pessoal” de Lula, acerca da qual o Partido não
teria nada a fazer senão concordar. Registre-se que o próprio Lula tem
reafirmado que a decisão é do Partido. Registre-se, também, que a presidenta
Gleisi Hoffmann reiterou que haverá um encontro de tática, a quem compete
decidir, no voto, sobre a chapa.
54.Da nossa parte, reiteramos o óbvio: somos
petistas, partido que tem uma história de democracia interna, onde as
divergências são resolvidas através do debate e do voto. Ademais, todos os
grandes dirigentes partidários já tomaram decisões erradas. Lembramos por
exemplo o plebiscito sobre forma e sistema de governo, em 1993: 2/3 do nosso
Diretorio Nacional, Lula inclusive, defenderam o parlamentarismo, 2/3 da base
do partido votou em plebiscito no presidencialismo. A base do partido estava
certa, salvou o PT e garantiu as condições para o futuro governo Lula. Teria
sido um desastre se tivesse prevalecido, naquela época, a ideia de que o tema
era fato consumado, que Lula já tinha decidido e que não havia o que discutir.
Também, não vemos nenhum motivo para aceitar como fato consumado o que é, até o
momento, apenas uma proposta.
55.Geraldo Alckmin foi candidato a presidente da
República em 2006 e 2018. Nas duas ocasiões, pelo PSDB e defendendo posições
extremamente conservadoras e antipetistas. Foi vice-governador de SP por dois
mandatos e se elegeu governador por três mandatos, sendo responsável por
implementar sem dó nem piedade tudo o que caracteriza as politicas neoliberais:
privatizações, terceirizações, negociatas, arrocho do funcionalismo, corte de
políticas sociais, repressão contra os pobres, contra a juventude negra e
contra os moradores da periferia. Alckmin tem laços com os setores mais
conservadores da Igreja Católica. Saiu do PSDB por razões de disputa de espaço,
mas o PSDB não saiu dele. Entrou num partido “socialista”, mas continua
neoliberal e golpista. Tem seu nome lembrado como vice e não se ouviu dele
nenhuma autocrítica em relação as posturas adotadas por ele em defesa do programa
neoliberal, em defesa do golpe de 2016 e em defesa da condenação, prisão e
interdição da candidatura de Lula e 2018. Todas as pesquisas confirmam que sua
presença na chapa não agrega nem mesmo a promessa de votos. Golpista e
neoliberal, é um empecilho programático e um Temer em potencial.
56.Defendemos que a vice de Lula seja decidida pelo
Partido, na data limite prevista pelo calendário do TSE, escolhida à luz da
conjuntura eleitoral, levando em conta a afinidade programática e a confiança
política. O cenário mundial e o cenário latinoamericano são marcados pela
instabilidade. As vitórias eleitorais da esquerda em nossa região não
encerram a disputa, nem com a extrema direita, nem com o neoliberalismo, nem
com o imperialismo. Situações como as enfrentadas hoje pela Argentina, pelo
Peru, pela Bolívia e pelo Chile, podem comparecer amanhã na Colômbia e no
Brasil, se as futuras eleições confirmarem as atuais pesquisas. Não apenas a
classe dominante e seus representantes políticos, mas também o imperialismo
europeu e estadounidense seguirão interferindo, sabotando, ameaçando,
conspirando e golpeando. Motivo adicional para termos uma candidatura à
vice-presidência da República alinhada com um programa antineoliberal e de
confiança. Temer nunca mais.
A GUERRA NA UCRANIA
57.A situação mundial é muito complexa e cabe ao
Diretório Nacional do PT fazer um debate de conjunto. Entretanto, há na
esquerda mundial e brasileira um intenso debate sobre a guerra atualmente em
curso, entre Rússia e Ucrânia. O debate envolve o que está ocorrendo e seus
desfechos imediatos. Ademais, envolve polêmicas históricas sobre o ocorrido nos
últimos anos, nas últimas décadas e até mesmo nos últimos séculos. O debate
também envolve a caracterização dos governos ucraniano e russo, bem como
debates de princípio sobre guerra e paz. Não são debates inéditos: no movimento
socialista, polêmicas parecidas foram travadas no século XIX e durante o século
XX. Assim, é importante precisar as premissas de que partimos no presente
debate.
58.A primeira de nossas premissas é a defesa da
paz. As guerras causam destruição, sofrimento e morte, que afetam basicamente
as classes trabalhadoras. Portanto, defendemos a interrupção dos conflitos
militares e uma saída negociada.
59.A segunda de nossas premissas é que, na história
da humanidade, o maior promotor das guerras são as nações imperialistas, em
especial as potências capitalistas europeias e os Estados Unidos. Portanto, não
acreditamos em paz duradoura, sem derrota do imperialismo.
60.A terceira de nossas premissas é que nem todas
as guerras são iguais. As guerras pela independência nacional, as guerras
contra a ocupação estrangeira, as guerras contra o fascismo e o nazismo, as
guerras civis do povo contra seus exploradores são também guerras e, portanto,
são também terríveis, mas são guerras justas e necessárias, portanto devem ser
defendidas. Devido a isto, não nos associamos a um pacifismo abstrato, muito
menos ao pacifismo hipócrita, colonialista e racista de certa mídia e de tantas
lideranças políticas europeias e estadounidenses e inclusive israelenses, que
fazem discursos em favor da paz, mas tem as mãos cheias de sangue palestino,
sírio, iraquiano, afegão, líbio e de inúmeras nações africanas. Colonialistas e
racistas , não reconhecem a humanidade dos que não fazem parte dos
“escolhidos”.
61.A quarta de nossas premissas é a de que o
conflito entre Rússia e Ucrânia só pode ser compreendido e, principalmente, só
poderá ser resolvido se levarmos em conta que ele faz parte de um conflito
maior, acerca dos termos de funcionamento do mundo pós-desaparição da União
Soviética. Com o fim da URSS e do Pacto de Varsóvia, muita gente honesta
imaginou que os EUA e seus aliados desmontariam a Organização do Tratado do
Atlântico Norte. Mas não foi nada disso o que ocorreu. A OTAN não apenas
continuou existindo, como ampliou sua composição e seu âmbito de atuação,
chegando inclusive a atacar a República Federal da Iugoslávia, com bombardeios
aéreos de 24 de março de 1999 a 10 de junho de 1999. Antes já haviam ocorridos
bombardeios na Bósnia e Herzegovina em 1995, tudo isso sem aprovação do
Conselho de Segurança da ONU. Ao contrário do que se disse por toda a Guerra
Fria e ao contrário do que dizem muitos ainda hoje, não coube nem à União
Soviética nem à Rússia protagonizar a “primeira grande operação militar em
território europeu desde a segunda guerra mundial”.
62.Desmentindo a promessa feita em 1991 pelos
Estados Unidos aos soviéticos, promessa segundo a qual a OTAN não avançaria
“uma polegada” no território do Leste Europeu e da antiga URSS, desde então até
hoje a OTAN incorporou em sua composição: a Polônia, Tchéquia, Sérvia,
Hungria, Estônia, Lituânia, Letônia, Romênia, Bulgária, Albânia,
Macedônia do Norte e Montenegro. Além disso, a OTAN tem como objetivo
incorporar, de fato e/ou de direito, a Ucrânia. Por isso estimularam,
patrocinaram e apoiaram o golpe de Estado ocorrido na Ucrânia em 2014, com
aberta e pública participação de forças paramilitares que se proclamam adeptas
do nazismo.
63.Como reação a movimentação da OTAN, a Rússia
operou para recuperar a região da Crimeia e deu suporte a dois movimentos
secessionistas na Ucrânia. Teve início uma guerra civil, supostamente encerrada
com os chamados acordos de Minsk, entre Ucrânia, Rússia, República Popular de
Donetsk e República Popular de Lugansk. Mas especialmente nos últimos meses, a
situação voltou a escalar, basicamente por dois motivos: a posição do
presidente Volodymyr Zelensky em defesa da incorporação da Ucrânia a OTAN e a
ofensiva militar ucraniana contra as duas repúblicas separatistas.
64.Frente a isso, o governo russo exigiu
publicamente que se cumprissem os acordos já citados, em particular o
compromisso de que a Ucrânia não faria parte da OTAN. Ao mesmo tempo, o
governo russo ordenou a mobilização de tropas e, nos últimos dias, decidiu por
fazer o que apresenta como um ataque preventivo. Do ponto de vista formal,
disse fazer isso em cumprimento de acordos recém-firmados com as duas
repúblicas secessionistas. Do ponto de vista factual, atacou todo o território
ucraniano.
65.Há controvérsias sobre os acontecimentos desde
então. Para além das torcidas e das mentiras de guerra, há também analistas
bem-informados fazendo afirmações antagônicas sobre o que está ocorrendo e
sobre o que pode vir a ocorrer. E há, ainda, um festival de notas e declarações
acerca da guerra. Particularmente na esquerda brasileira, temos desde
afirmações que parecem saídas da assessoria de imprensa da OTAN até as que
parecem saídas da assessoria de imprensa de Putin. Temos também declarações em
favor da paz e outras que denunciam todas as partes envolvidas, como se
tivessem responsabilidades simétricas e equivalentes nos acontecimentos. Muitas
posições enfatizam o binômio paz e autodeterminação nacional, desconsiderando o
fato de a Ucrânia ter se convertido num entreposto da OTAN.
66.Putin é um nacionalista, um anticomunista e um
conservador, motivos pelos quais a esquerda em geral e a esquerda russa em
particular tem todos os motivos para se opor a ele e a seu governo. Falam por
si as declarações de Putin criticando a correta política de autodeterminação
nacional defendida por Lênin sobre a Ucrânia. Mas não é preciso aplaudir nem
apoiar Putin ou a ação militar na Ucrânia para constatar algumas obviedades.
Não é o governo russo que está por detrás de todas as brutais intervenções
militares na América Latina, na África e no Oriente Médio ocorridas desde 1991.
Não é o governo russo que, desde 1991, vem cercando os países da OTAN. Não é o
governo russo que vem realizando desde 2014 ataques contra civis residentes nas
duas repúblicas separatistas. Nem é o governo russo quem vem alimentando as
forças nazistas em operação na Ucrânia. Tampouco é o governo russo que vem
desrespeitando os acordos feitos desde 1991, inclusive o de Minsk. Ademais, os
fatos posteriores confirmaram a presença da OTAN na Ucrânia, inclusive de
laboratórios de armas biológicas.
67.Por todos estes motivos, há uma assimetria
fundamental a levar em consideração. Portanto, ao povo brasileiro, à classe
trabalhadora brasileira, à esquerda brasileira, interessa uma saída pacífica e
negociada, uma solução que enfraqueça a OTAN e os governos imperialistas, a
começar pelos Estados Unidos.
68.Até porque, se a OTAN não recuar (inclusive no
fornecimento de armas à Ucrânia) e se a Ucrânia não assumir uma condição neutra
(como a Áustria pós Segunda Guerra), o conflito voltará a escalar, mais cedo ou
mais tarde. Portanto, defendemos o cessar fogo imediato e a negociação entre as
partes.
69.Parte da esquerda brasileira, argumentando
razões de princípio contra as guerras, a defesa da autodeterminação nacional
e/ou por considerar o governo russo imperialista e autoritário, critica a OTAN
mas na prática concentra suas energias em denunciar a “invasão russa”. Alguns
chegam a reconhecer que o governo russo tinha razão em suas denúncias e
queixas, mas teria perdido a razão ao dar o passo de atacar. Talvez algum dia
tenhamos mais elementos para emitir um julgamento mais desenvolvido a respeito,
embora nos pareça curioso reconhecer o fato do governo ucraniano ser um “peão
da OTAN” e, ao mesmo tempo, criticar o governo russo por não ter esperado
pacífica e pacientemente o cerco se fechar sobre ele.
70.Reafirmamos, por tudo isso, nossa defesa da paz
e de uma saída negociada, que faça a OTAN recuar e garanta a autodeterminação e
neutralidade da Ucrânia. Ademais, consideramos imprescindível perceber que a
crise de 2008 abriu um novo período histórico, marcado por imensa
instabilidade, por crises e por guerras. É preciso fazer nosso povo, nossa
classe, nosso partido e nosso futuro governo estarem à altura desta situação.
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