A tendência Democracia Socialista apresentou, como contribuição à reunião do Diretório Nacional do PT no dia 16/12/2021, um texto intitulado “Dar passos para construir a Federação e a unidade da esquerda”.
O referido texto pode ser lido no seguinte endereço:
Segundo entendi, o texto defende duas teses fundamentais.
A primeira é que o PT deve ser protagonista da “unidade das
forças socialistas”, da “unidade da esquerda”, incluindo nisso “os partidos que
defendem o socialismo”, “movimentos e organizações de massas” que “percebem a
necessidade de transformar o país e o mundo” e “inúmeros militantes que se
identificam com a esquerda e que buscam participar em seus processos unitários”.
A segunda é que a unidade da esquerda é essencial para “eleger
Lula, derrotar a extrema-direita e o neoliberalismo”, bem como para “conquistar
a maior força parlamentar para defender o governo e o programa democrático e
popular”, força parlamentar que “será tão maior quanto mais unificada estiver a
esquerda, quanto mais unida estiver à mobilização popular”.
Até aí entendi e achei tudo bonito e elegante.
Além disso, como o papel aceita tudo, ao menos no plano textual a felicidade é garantida.
Acontece que o inferno
da realidade se infiltra até mesmo nas mais perfeitas construções de laboratório.
E os problemas da realidade começam a aparecer quando se coloca um sinal de igual entre a "unidade da esquerda" e a federação aprovada recentemente pelo Congresso Nacional.
Segundo o texto da DS, o PT “deve se propor a construir uma
federação partidária com todos os partidos de esquerda no Brasil”.
Todos?
Todos!
Ou seja: PCO, PCB, PSTU inclusive.
E devemos buscar construir “em comum” um programa “de base
antineoliberal e democracia participativa”, mais “procedimentos que garantam
identidade e legitimidade de cada força, regras democráticas de decisões e de
formas de representação e ocupação de futuros espaços e a própria unidade na
diversidade do seu conjunto, sempre de forma aberta a ampliar a participação”.
Um programa em comum com “todos”
e uma espécie de super-estatuto para administrar toda a nossa diversa fauna e flora.
Como sabemos por nossa experiência de quatro décadas (!) com a diversidade existente no PT, são tarefas nada triviais.
Entretanto, o melhor ainda está por vir.
Diz o texto da DS: “nas condições concretas os primeiros
passos devem ser dados agora nessa direção propondo a federação ao PCdoB, PSB e
PSOL”.
Mas como a meta é unir “todos”, o texto da DS acrescenta:
“manter o diálogo também com as forças não participantes de imediato na construção
da federação da esquerda, de modo a buscar a unidade possível ao longo do
processo”.
Para facilitar o raciocínio, vamos supor – indevidamente, é claro
– que a referência a “todos” é apenas licença poética e vamos nos concentrar na
unidade realmente proposta.
Sobre o PCdoB, é aliado do PT nas disputas nacionais desde
1989.
Sobre o PSOL, vem se aliando ao PT desde a luta contra o golpe de
2016.
Nos dois partidos há setores que mantém profundas
divergências com o PT. Mas isto não impediu estarmos juntos na luta contra o
golpe, na luta contra Bolsonaro e na luta em defesa de direitos fundamentais do
povo brasileiro.
Sobre o PSB, em várias questões estivemos juntos (no plano
nacional, pois no plano estadual e municipal as diferenças são bem maiores: há
situações em que o PSB é sem disfarces um partido de direita).
Mas vamos lembrar: no segundo turno de 2014 o PSB apoiou Aécio Neves.
É bom lembrar, também: na votação do impeachment, em 2016, grande parte da
bancada do PSB apoiou o golpe.
E lembrar ainda: um setor expressivo da atual bancada federal do PSB vota
regularmente contra os interesses do povo.
Salvo engano, o texto da DS não fala nada sobre estas, nem
sobre outras questões (tipo: os efeitos da federação sobre nossas bancadas
parlamentares, sobre as eleições de 2022, sobre nosso funcionamento interno,
sobre os recursos, sobre a orientação das bancadas etc.).
Fica a impressão de que a DS acredita que constituir uma federação poderia ter o seguinte efeito: ampliar os pontos de concordância e reduzir os pontos de divergência. Por exemplo, levando a "direita do PSB" a cair fora (expectativa contraditória com o apoio unânime - !!! - da bancada "socialista" à federação).
Em nenhum momento o texto da DS se pergunta se uma federação, ao invés de ser a maravilha descrita, não poderia se converter em um atalho para enfraquecer o PT, desejo de muita gente.
Seja como for, admitamos: se estivesse em jogo apenas uma coligação majoritária, estas e
outras dificuldades poderiam ser contornadas. Mas não estamos falando de uma coligação, estamos falando de uma federação por 4 anos, ou seja, estamos falando em constituir um partido-de-partidos.
E em se tratando de uma federação, não é possível omitir uma análise dos problemas citados anteriormente e de outros mais. Nem
os problemas políticos de fundo, nem os temas pragmáticos podem ser sublimados.
O texto da DS prefere deixar de lado todas as dificuldades e só oferece as facilidades.
Ao final, o texto apresenta uma síntese de
pontos programáticos.
Salvo engano, na tal síntese não comparecem alguns temas (forças armadas, polícias,
meios de comunicação, política agrária e agrícola), mas certamente isso se deve
a economia de espaço.
Seja como for, não devemos nos preocupar, pois seremos todos “iluminados”
pela perspectiva do socialismo democrático, objetivo que “devemos propor” incorporar
“na construção da federação e da unidade da esquerda”.
Isto posto, uma opinião: se deixarmos de lado as diferenças
políticas e programáticas (gravíssimas no caso do PSB), se deixarmos de lado os
problemas pragmáticos e as dificuldades organizativas, ou seja, se deixarmos
de lado a realidade, a federação parece uma proposta bem legal.
Mas mesmo que deixassemos de lado a realidade, fazer funcionar esta geringonça tomaria um certo tempo, exigiria uma certa atenção, daria muito trabalho. Tudo isso no "tranquilo" ano de 2022.
Com um agravante: para esta federação ter efeitos práticos em 2022, teremos mais ou menos três meses a contar de hoje. Trocando em miúdos, nada desta mudança profunda poderia ser submetida à deliberação prévia da base do Partido dos Trabalhadores.
Neste ponto surge o argumento implícito que justificaria a pressa: a tal federação, na opinião de seus defensores, seria essencial para ganhar e governar.
Comecemos pelo final: nem o mais otimista acredita que a bancada eleita por esta projetada federação constituirá maioria no Congresso. Portanto, "para governar" a federação seria no mínimo insuficiente. E está para ser provado que possas vir a ser um instrumento útil para constituir a tal maioria. Há bons argumentos no sentido contrário.
E para ganhar? Será que uma vitória na eleição presidencial e bons desempenhos nas eleições para governador dependem de termos uma federação? Ou será que podemos alcançar os mesmos resultados através de alianças tradicionais? Sobre isto, também há controvérsias.
Ao baixar do mundo da ficção para o mundo da realidade, as vezes o todo é menor do que a soma das partes.
Resumo da ópera: o inferno segue cheio de boas intenções.
Por isso, seja para nos concentramos na tarefa principal de 2022, seja para construir uma unidade da esquerda efetivamente "unidade" e efetivamente de "esquerda", seja para preservar o PT, o melhor é ir devagar com este andor.
Sim o inferno segue cheio de boas intenções e a realidade é bem mais complexa que textos políticos determinados dão a entender.
ResponderExcluirPor exemplo, o articulista já tomou posição contra a Federação partidária de esquerda que, pragmaticamente, é a concretização da Frente de Esquerda. Que pode ser um avanço na disputa política na sociedade. Negar diante mão e com argumentos que mostram a realidade como foto do passado, escondendo os desafios do presente pode agradar quem se acomoda com a situação atual de enormes divisões na esquerda. Um fato é a divisão das Centrais sindicais que servem mais para justificar burocratas do que ajudam na luta dos trabalhadores e das classes Populares.
A federação com os partidos de esquerda e centro-esquerda será um divisor de águas nestas agremiações, muita gente no PSB vai abandonar este partido, caso a federação vingue. E serão os setores mais a direita que ora são sublegenda tucana, ora servem de escora de outras direitas. Deixar de disputar estes partidos é entender que somos autosuficientes e passa uma ideia equivocada sobre a importância da unidade na luta eleitoral. Isto sim é ver unicórnio e não enxergar as possibilidades concretas para situações concretas. Pelo PT organizado e militante, viva a Frente de Esquerda
Vamos começar essa federação pelo PCO e pelo PSOL? Esquece o PSB. Seria mais fácil o Freixo vir para o PT e o Dino também. Porque foram parar no PSB?
ExcluirQuerem repetir o velho MDB, todas as forças de oposição juntas, utilizando a militância gratuita da esquerda para eleger uma soma gigante de conservadores disfarçados de DS,democratas, liberais. Duzentos anos de independência já deviam ter inventado outros argumentos ( teses), para acorrentar a classe trabalhadora.
ResponderExcluirHá quem confunda federação com coligação. E há também quem confunda federação com frente. Mas o que mais me espanta é a fé que se deposita na federação como panacéia de todos os males. Por exemplo, que a federação garantirá que os setores de direita do PSB vão abandonar o partido - curiosa e contraditoriamente, os mesmos que são, desde o primeiro momento, entusiastas da federação.
ResponderExcluirAguardando as diretrizes que o STE dará sobre o que pode e que não pode e como se dará as coligações de forças dentro das federações. Não tem nada estabelecido ainda.
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