terça-feira, 2 de outubro de 2018

Entrevista para a Fisenge

Entrevista para a jornalista Camila Marins e publicada na revista da Fisenge (Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros).

https://www.fisenge.org.br/index.php/publicacoes/revista/item/5337-em-movimento-n-26

De que forma é possível construir uma maioria democrática no país?

A pergunta já revela o problema envolvido na resposta: falar em "maioria democrática" traz implícito que pode haver uma "maioria" que não seja democrática e/ou que não se constitua de forma democrática. Estas duas possibilidades estão relacionadas, por sua vez, a um paradoxo típico da sociedade capitalista moderna: supostamente todos os indivíduos são livres e iguais; mas existe uma minoria que tem os meios para impor seus desejos sobre os outros. Ou seja: a minoria dispõe de meios para constituir uma "maioria" a seu favor e apresentar isto como "democrático". E, se porventura a maioria consegue impor sua vontade, é muito comum que a minoria utilize aqueles mesmos meios (dinheiro, propriedade, controle de fato de instituições estatais e paraestatais etc.) para fazer as coisas voltarem ao que eles acham que é seu devido lugar. Em resumo, há uma contradição entre capitalismo e democracia. No capitalismo, ou seja, numa sociedade em que uma minoria dispõe de uma imensa concentração de meios fáticos de poder, a democracia sempre estará ameaçada.

Qual o papel das empresas estatais num projeto de país soberano?

Depende do tipo de país. Nos países em que o capitalismo se desenvolveu exitosamente ainda no século XIX (desde a Inglaterra até os Estados Unidos, passando por Alemanha e Japão), nos países que no início do século XX eram chamados de "imperialistas", nesses países o papel de uma empresa estatal é subsidiários. A situação é muito diferente naqueles países que foram território de caça dos países imperialistas. Nesses países, seja para desenvolver o capitalismo, seja para tentar escapar dele & do imperialismo, as empresas estatais constituem um elemento central. Não há como superar o atraso em relação aos países economicamente avançados, nem há como enfrentar a "concorrência" do imperialismo, sem empresas estatais. Ou por fraqueza relativa, ou por ganharem mais dinheiro sendo sócios subalternos, os capitalistas privados não conseguem, não podem, não querem e não vão cumprir um papel de liderança no desenvolvimento da "periferia". Está aí a China para demonstrar o papel que as estatais podem jogar no desenvolvimento acelerado e na transformação da periferia em centro.

Soberania de quem e para quem? Quais deveriam ser os princípios de um projeto nacional comprometido com a soberania nacional?

Novamente, depende de que país estamos falando. Os Estados Unidos tem soberania. Mas isto depende de uma ordem social e política, interna e externa, que não devemos nem podemos copiar. No caso do Brasil, soberania depende de termos capacidade de nos defender dos poderosos do mundo. E esta capacidade não é, em primeiro lugar, militar. Em primeiro lugar, a capacidade de defesa depende do povo. E para que o povo esteja disposto a defender a soberania do país, é preciso que haja motivos para isto. E o primeiro motivo está ligado as condições de vida que o país oferece a seus cidadãos. Claro que as pessoas podem se mobilizar e se sacrificar por outras motivações. Mas no longo prazo, se queres que a população defenda a soberania, garantas o máximo de igualdade social.

Em segundo lugar, a capacidade de defesa depende da economia. Em poucas palavras: oficinas e laboratórios, indústria e tecnologia. E aí estamos de volta ao papel do Estado. Em terceiro lugar, a capacidade de defesa depende da democracia, no sentido mais profundo da palavra. Para que haja uma ordem social o mais igualitária possível, para que o Estado esteja a serviço do desenvolvimento, é preciso que a ordem política seja estruturada de maneira a fazer valer o ponto de vista da maioria. Finalmente, em quarto lugar, a capacidade de defesa depende da vizinhança: quando mais integração regional, mais soberania.

Qual a importância da engenharia nacional para o desenvolvimento do Brasil?

A palavra "desenvolvimento" é interpretada de maneiras muito diferentes. Quando a compreendemos no sentido mais amplo, não apenas como crescimento, não apenas como acumulação de riquezas materiais estrito senso, mas como a ampliação de nossa capacidade de sobrevivência no longo prazo, então é preciso pensar em escala planetária, em escala de humanidade, em escala de civilização, em escala de modo de produção e reprodução da vida.

Nesta escala mais ampla, o desenvolvimento depende das forças produtivas da humanidade enquanto coletivo, ou seja, da capacidade de transformar a matéria em benefício da vida. Quando baixamos um degrau na abstração, chegamos na "engenharia". Não no sentido estritamente técnico ou corporativo, mas no sentido de uma capacidade de organizar processos.

Quando baixamos dois degraus na abstração, ou seja, quando pensamos onde estamos neste momento histórico, a resposta para a pergunta é, na minha opinião: se o Brasil quiser contribuir para o futuro da humanidade, precisaremos trilhar um caminho que exigirá de nós um imenso esforço produtivo, tecnológico, cultural, de transformações nas condições materiais e espirituais de vida de nossa população.

Este imenso esforço produtivo exigirá de tudo um pouco, e muito de "engenharia", tanto no sentido estrito quanto no sentido amplo da palavra. Precisaremos elevar a capacidade produtiva da sociedade como um todo e a capacidade produtiva individual de cada um de nossos compatriotas. A desindustrialização do Brasil e, no período mais recente, a destruição de parte das empresas de engenharia nacional, tem como contrapartida uma destruição e um desperdício de capacidade criativa, produtiva, que precisa ser revertida.

Que pontos você destacaria do exemplo chinês?

Noção clara sobre o longo prazo, vontade política, persistência, capacidade de gestão, esforço coletivo e esforço individual. E algo sem o que nada disto teria dado no que deu: disposição de fazer uma revolução. Sem a revolução, processo personificado de início pelo republicano Sun Yat Sen e ao final pelos comunistas Mao, Chu En Lai e Deng Xiao Ping, a China não seria o que é hoje.

O próximo governo para presidência da República deveria tomar quais medidas ao tomar posse?

Revogar as medidas antinacionais, antipopulares e antidemocráticas adotadas pelo governo Temer e pelo Congresso Nacional a partir de 2016, adotar um plano de emergência para retomar o desenvolvimento e as políticas sociais, convocar uma Assembleia Nacional Constituinte para aprovar uma institucionalidade conforme as necessidades do povo brasileiro no século XXI.

https://www.fisenge.org.br/index.php/publicacoes/revista/item/5337-em-movimento-n-26

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