quarta-feira, 3 de maio de 2017

O congresso, a conjuntura e o período (ou por quais motivos a fraude não é nosso principal problema)

Este texto é um subsídio para a reunião que a direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda fará, nos dias 20 e 31 de maio, para discutir nossa intervenção no 6º Congresso Nacional do Partido dos Trabalhadores. O texto ainda está sendo revisto e, portanto, está sujeito a correções de maior ou menor monta.

Nos dias 5 a 7 de maio, vão ocorrer os congressos estaduais do Partido dos Trabalhadores, nos quais serão eleitos os delegados e as delegadas ao 6º Congresso nacional do PT, que vai reunir-se nos dias 1 a 3 de junho de 2017.

Os congressos estaduais ocorrem logo depois da greve geral de 28 de abril e das manifestações de 1º de maio. A greve demonstrou que o golpismo não destruiu e até mesmo estimulou a enorme energia que existe nos setores populares. Mas também revelou que muito mais mobilização será necessária para deter as contrarreformas, para derrubar o governo ilegítimo e para realizar eleições diretas antecipadas, nas quais pretendemos eleger Lula presidente da República.

Em seguida aos congressos estaduais, deve ocorrer o depoimento de Lula em Curitiba. Embora haja posições diferentes no condomínio golpista -- e até mesmo em sua fração judiciária, como demonstrou a recente decisão adotada por uma turma do STF, concedendo habeas corpus a José Dirceu--, parece claro que a fração que tem em Moro uma cabeça visível segue orientada pela vontade de tentar inabilitar e inclusive prender o ex-presidente.

Portanto, ao longo do mês de maio e adiante, continuará a ofensiva jurídica e midiática contra o PT e contra Lula. Também continuarão tramitando no congresso nacional as reformas trabalhista e previdenciária. Ao mesmo tempo, o cenário mundial e latino-americano segue repleto de crises e polarizações, que podem converter-se a qualquer momento em enfrentamentos de outra natureza.

Por tudo isto, fica cada vez mais claro que o 6º Congresso do PT deveria ter sido realizado muito antes. Se isto tivesse ocorrido, hoje o Partido poderia estar totalmente concentrado na disputa política contra o golpismo e não distraído pela luta interna.
Entretanto, realizado antes ou agora, o sucesso ou insucesso do 6º Congresso depende de sua capacidade de elaborar diretrizes programáticas, estratégicas, táticas e organizativas à altura da situação. O que só ocorrerá se houver disposição para o debate e para a reformulação da linha política.

Não foi isso que assistimos acontecer, nem antes nem durante o PED realizado dia 9 de abril. Em comparação com todos os PED realizados desde 2001, este de 2017 foi o que teve menor número de debates em todos os níveis. Além disso, o setor majoritário do Partido -- a começar pela tendência intitulada Construindo um novo Brasil (CNB) -- optou por adotar uma posição defensiva, taticista e muitas vezes paroquial.

O paroquialismo foi estimulado pelas regras do próprio PED, levando a debates e composições centradas nas questões municipais e estaduais, além de distritalizar a votação, em prejuízo das chapas com menor votação.

O taticismo consiste em contentar-se com a adoção de uma atitude dura contra o golpismo e contra o governo Temer, em defesa de diretas Já e da candidatura Lula presidente. A expressão máxima desta opção foi o lançamento de Gleisi Hoffman à presidência nacional do PT. Mas, ao mesmo tempo em que realizava esta importante inflexão tática – colocando provisoriamente em segundo plano aqueles que, como Humberto Costa, defendem “virar a página do golpe” – o grupo majoritário, especialmente a chamada CNB, não priorizou o debate sobre o programa e sobre uma estratégia que buscassem evitar as armadilhas e os limites que experimentamos durante nossas gestões presidenciais. E ao não debater e não abandonar explicitamente a estratégia de conciliação, esta persiste influenciando as posições do Partido; exemplo disto é o debate sobre as "mesas diretoras" do Senado, de várias Assembleias e Câmaras Municipais.

A defensiva se manifestou, no plano das ideias, numa recusa peremptória a fazer um balanço autocrítico sobre a política partidária entre 1995 e 2016. A demanda por uma autocrítica foi respondida com afirmações retóricas sobre a "caça às bruxas", a "defesa do legado" e da "unidade", como se fosse desnecessário e secundário reconhecer os graves erros cometidos, como se fosse possível ter sucesso nas lutas imediatas sem enfrentar o debate e ter clareza sobre o que fazer frente aos desafios de médio prazo.

No plano das ações, a defensiva se manifestou de diversas formas; por exemplo em priorizar, no lugar do debate político, a arregimentação de filiados para constituir não apenas maioria, mas uma maioria que fosse ampla o suficiente para evitar disputas entre os atuais dirigentes da maioria, sobre quem fica e quem sai das direções.

É isto que explica que este PED, além de ter sido aquele com menos debate de toda a nossa história, tenha sido também o mais marcado por denúncias de irregularidades, desde interpretações criativas e casuísticas do regimento até fraudes, sem falar a interferência de grupos políticos externos ao PT.

Há quem considere que o problema está naqueles que denunciaram estas irregularidades. Há também quem aponte que não foram apenas os grupos majoritários que praticaram fraudes. Há quem se conforte com acordos, mesmo que desconsiderando dispositivos estatutários e regimentais, sem falar no pudor.

Convenhamos: casos em que denúncias de fraude foram acompanhadas de detalhados exames grafotécnicos, não poderiam ter resultado em "acordos" de divisão de direções e delegações, ademais sem punição dos responsáveis pelas "irregularidades". 

Seja como for, cabe perguntar se um Congresso marcado por suspeitas de irregularidades e não precedido de debates será capaz de produzir uma orientação e uma direção capazes de enfrentar e derrotar o golpismo.

A natureza e a extensão das fraudes comprovadas -- assim como a carência de debates – demonstram, em nossa opinião, que a direção nacional do Partido deveria ter acabado com o PED e adotado, no seu lugar, um processo de congressos de base, que vinculasse o voto à participação no debate e a contribuição de cada militante com a sustentação material do Partido.

Mas é preciso dizer com todas as letras: a fraude, mesmo sendo sistemática e industrial, não é o maior de nossos problemas. O maior de nossos problemas é que, neste ambiente, perdeu-se de vista o principal, que seria fazer do 6º Congresso um espaço para discutir como vamos derrotar a direita, como vamos reconquistar a classe trabalhadora, qual estratégia e programa vamos adotar.

A fraude contribuiu para que isto não ocorresse. Mas é preciso lembrar que, na maioria das cidades e estados, bem como em âmbito nacional, os grupos que hoje são majoritários – a começar pela chamada CNB -- continuariam sendo maioria, mesmo que não tivesse ocorrido fraude.

O que a fraude define é o tamanho desta maioria, o número de cadeiras na direção e, eventualmente, o número de cargos. Dito de outra maneira, além de preservar os espaços físicos de alguns dirigentes, um dos efeitos da fraude é tornar mais difícil que – depois do Congresso -- setores da atual maioria mudem de posição e façam alianças com a esquerda do Partido.

Neste sentido, frustrou-se triplamente a expectativa que a esquerda do PT alimentava acerca do que poderia ocorrer neste Congresso.
Por um lado, salvo fatos conjunturais extraordinários, que incidam sobre as deliberações de fora para dentro, não há sinais de que o 6º Congresso vá produzir uma reorientação na linha política do Partido.
Por outro lado, feita a mesma ressalva anterior, a atual maioria vai continuar comandando o Partido.

Em terceiro lugar, não houve nenhum deslocamento na atual maioria. Ao contrário do ocorrido no 5º Congresso, não houve uma movimentação independente por parte da base sindical da atual maioria. Ao mesmo tempo, nenhum dos chamados “dirigentes históricos” do grupo majoritário quis correr o risco de promover um debate de fundo acerca dos rumos do Partido. Suas reclamações e ponderações privadas não se converteram em debate público. Pior ainda, não denunciaram nem se empenharam em tentar cancelar as fraudes, demostrando não apenas hipocrisia, mas também cumplicidade com o malfeito e, principalmente, incompreensão acerca das consequências disto sobre o Partido.

A comissão executiva nacional optou por não cancelar o conjunto dos processos fraudulentos, escolhendo tão somente cancelar alguns casos, fechando os olhos para a maioria dos problemas, problemas que como já dissemos não constituem somatória de casos isolados, mas sim um sistema.

Em tese, a última palavra a respeito das fraudes poderá ser dada pelo próprio 6º Congresso do PT. Caso a maioria do Congresso desconsidere os questionamentos, então os delegados e as delegadas que consideram ter ocorrido uma fraude terão que decidir o que fazer.

Muitos militantes defendem que a alternativa seria protestar, não participar dos debates, nem da eleição da nova direção. Há quem pretenda fazer isto já nos congressos daqueles estados onde ocorreu uma fraude escandalosa.

Há quem defenda esta alternativa, imaginando que frente a esta ameaça, a direção do grupo majoritário poderia recuar e anular, senão toda, ao menos parte maior das fraudes.

Entretanto, não há sinais de que isto venha a ocorrer. Portanto, o mais provável é que uma ameaça daquele tipo tenha como principal desdobramento prático reduzir ainda mais o espaço da esquerda nas direções partidárias. Sendo muito incerto qual seria o efeito deste tipo de atitude, sobre a imagem pública do Partido, sobre a legitimidade das direções e sobre o futuro dos que levarem a cabo a “ameaça” de não participar.

Como é público, para os que integram a tendência Articulação de Esquerda, não está posta qualquer discussão sobre sair do PT. Somos petistas e continuaremos disputando os rumos do PT. Por isto, sempre evitamos e sempre evitaremos qualquer posição que possa ser interpretada de maneira ambígua ou que possa ter desdobramentos indesejados.

Entretanto, os acontecimentos do PED 2017 exigem enfrentar, mais uma vez, a discussão sobre como prosseguir travando a disputa pelos rumos do PT, frente a um grupo majoritário composto, entre outros, por setores que demonstraram não ter limites; e que, ao mesmo tempo, demonstram imensa dificuldade em debater mudanças na linha adotada pelo Partido no último período.

É importante ter claro que parte da militância petista interpretou o que ocorreu no PED 2017 como uma “demonstração” de que as “regras” determinadas pela maioria simplesmente impedem que a minoria vire maioria.

Se isto for verdade, ou se isto for aceito como verdade, então a disputa pelos rumos do PT deixaria de ser possível, restando à esquerda do Partido capitular, fazer pressão de fora para dentro, aceitar a condição de eterna minoria, simplesmente desistir do PT ou ainda, como deixou escapar Tarso Genro numa entrevista recente à BBC (http://www.bbc.com/portuguese), ficar esperando para ver o que acontece: “só sairei do PT quando eu verificar que existe fora do PT uma alternativa melhor do que essa que nós construímos, e até agora eu desconheço essa alternativa".

Atitudes como as descritas anteriormente foram adotadas  por diversos setores do PT, desde os anos oitenta. Neste sentido, é importante lembrar o que ocorreu com estes setores, se tiveram êxito no que se propunham a fazer originalmente, ou seja, construir uma alternativa ao PT.

O Partido da Causa Operária, cujos fundadores saíram do PT em 1989, hoje se destaca por uma linha política de defesa do PT e de Lula contra o golpismo. O PSTU, cujos fundadores saíram do PT no início dos anos 1990, esperava capitalizar o movimento Fora Collor, não conseguiu constituir uma alternativa de massas, dividindo-se recentemente entre os que negam e os que reconhecem ter ocorrido um golpe. Entre estes últimos, intitulados MAIS, há os que debatem o ingresso no PSOL. Este partido, formado a partir de parlamentares expulsos em 2003 e reforçado a partir de setores que saíram do PT em 2005, também possui no seu interior posições muito distintas acerca de como tratar o golpismo, havendo até quem elogie a Operação Lava Jato.

Por outro lado, organizações adeptas de uma estratégia nacional-popular – como é o caso da Consulta Popular, criada em meados dos anos 1990 a partir de militantes que em boa parte tinham atuação no PT -- vem implementando uma política de aproximação, temperada pelo movimentismo e pelo nacionalismo, com algumas das posições majoritárias no PT. 

O mesmo vale, paradoxalmente, para o MTST e a Frente Povo Sem Medo, que combinam a defesa de um “movimentismo” radicalizado com um horizonte estratégico que segue prisioneiro dos mesmos limites que afetam o campo atualmente majoritário no PT.

Em resumo, o conjunto da esquerda brasileira, do PCdoB ao PCB, segue hegemonizada pelo PT, mais exatamente pela política do setor majoritário do PT. As tentativas de escapar desta situação conduziram muitos personagens e setores a se afastar da esquerda e se aproximar de setores de centro e direita, como é o caso do PSB, daqueles que foram para partidos como o PV e a Rede, bem como daqueles que hoje buscam amparo em Bresser Pereira e Ciro Gomes.

Ou seja: desde 1990, as tentativas de construir uma alternativa de esquerda ao PT não prosperam além de certo ponto, mantendo-se como parte da constelação hegemonizada pelo Partido; ou se convertem em linha auxiliar de alternativas de centro e direita contra o PT. Portanto, ainda que existam valorosas forças de esquerda fora do PT, não foi construída uma alternativa de esquerda ao que o PT representa.

Por outro lado, até agora não obtiveram êxito as tentativas de reorientar pela esquerda o conjunto da política do PT. Por diferentes motivos, foram derrotadas tanto a tentativa feita em 1993-1995 (quando a esquerda petista ganhou o 8º Encontro Nacional do PT), quanto a tentativa feita em 2005 (quando a esquerda petista perdeu o PED por uma diferença minúscula de votos).

Imediatamente antes e depois destas derrotas, setores da chamada esquerda petista desistiram de disputar os rumos do Partido. Por outro lado, os que permaneceram na disputa sofreram não apenas um enfraquecimento numérico, mas também, em alguns casos, uma degeneração organizativa e ideológica, que tornou setores da esquerda parecidos com, digamos, setores moderados do Partido.
Quais as explicações para o fato desta “luta interna”, no sentido estrito da palavra, não ter se demonstrado capaz, ao menos até agora, de alterar a linha seguida pelo Partido?

Há quem aponte para as condições gerais em que o debate ocorre, com destaque para as regras eleitorais, para a debilidade da formação e da comunicação. Há quem aponte o dedo para as divisões no interior da própria esquerda petista. Há quem aponte o dedo, também, para as opções que esta esquerda fez, concentrando majoritariamente suas energias nos temas organizativos e não conseguindo produzir, coletivamente, uma política alternativa que pudesse ser proposta para o Partido. Há, finalmente, os que consideram que o fundamental é que os setores majoritários do PT continuam hegemônicos na classe trabalhadora, sendo daí que eles retiram suas energias fundamentais.

Embora haja de tudo um pouco, entendemos que a razão fundamental das derrotas sofridas pela esquerda petista na luta interna está na base de massa que o grupo atualmente majoritário ainda tem na classe trabalhadora. Duas expressões disto são a sólida maioria da Articulação Sindical na CUT e a liderança de Lula nas pesquisas de opinião.

Apesar de saber disto, parte importante da esquerda petista age como se fosse possível derrotar o grupo majoritário através de uma “vitória súbita” (como ocorreu em 1993) ou através de uma divisão no grupo majoritário (como ocorreu parcialmente em 2005 e como se buscou fazer agora, na frustrada tentativa de conquistar o apoio de Lula para a candidatura de Lindbergh à presidência do Partido).

Isto não funciona, porque o PT não é apenas um “aparelho”, não é apenas uma instituição, o PT é um imenso movimento político-social e uma cultura política. E algo desta natureza não será “conquistado” para outra orientação política, única ou principalmente através de -- pegando emprestado os termos usados por Gramsci para falar doutro assunto --  uma “guerra de movimento”, mas sim através da combinação desta com uma “guerra de posições”. 

Dito de outra forma: para mudar os rumos do PT, será preciso um longo trabalho de luta ideológica, de construção de outras referências políticas e, principalmente, de conquista de base na classe trabalhadora.

Parte importante da esquerda petista sabe disto, mas não deduz daí as consequências práticas em termos organizativos. Motivo pelo qual muitos problemas que afetam o conjunto do Partido e os grupos majoritários, também afetam os setores que se consideram a esquerda do Partido.

Sendo que em alguns casos, há um processo consciente de adaptação às práticas e hábitos do grupo atualmente majoritário. Sempre é bom lembrar que um dos símbolos desta adaptação, o senhor Candido Vacarezza, foi militante do “Movimento Comunista Revolucionário”, da “Força Socialista” e da “Hora da Verdade”, antes de converter-se naquilo que todos conhecemos.

O processo acima descrito só pode ser compreendido adequadamente, se recordarmos a natureza do período histórico que vivemos, no qual a maior parte da classe trabalhadora e da esquerda brasileira fez uma experiência que pode ser sintetizada da seguinte forma: lutar por mudanças nas condições de vida do povo, através de políticas públicas implementadas por governos eleitos, sem reformas estruturais e sem rupturas de tipo revolucionário.

Entre 2003 e 2016, esta experiência mostrou muitas de suas possibilidades e também muitos de seus limites. Alguns destes limites estão vinculados à situação econômica nacional e internacional, cuja evolução conjuntural primeiro favoreceu e depois desfavoreceu a tentativa de fazer mudanças sem reformas estruturais. Outros limites estão vinculados à indisposição genética que a classe dominante brasileira demonstra frente a medidas que se choquem com a dependência externa, com a desigualdade social e com a democracia restrita; indisposição que se tornou mais aguda depois da crise de 2008.

Hoje, depois do golpe de 2016, uma das questões que está posta para centenas de milhares de militantes, petistas ou não, é a seguinte: será possível retomar aquela experiência? Ou as condições internacionais e nacionais exigem adotar outro tipo de orientação, preparar-se para outro tipo de experiência?

Dito de outra maneira:

 -na hipótese da candidatura Lula ser impedida, o Partido lançará outra candidatura ou recusará participar do processo? E quais as implicações estratégicas de uma ou de outra opção?

 -na hipótese de Lula conseguir ser candidato, será com qual política de alianças, com qual linha de campanha, com qual programa?

 -na hipótese de Lula ou de outra candidatura petista disputar e perder, com qual estratégia o Partido e o conjunto da esquerda atuarão a partir de então? 

 -na hipótese de Lula conseguir ser candidato, vencer e tomar posse, qual será a estratégia adotada para que -- partindo de condições piores do que as vigentes em 2003 -- não terminemos como em 31 de agosto de 2016 ou num desfecho ainda mais duro?

Os cenários descritos acima permitem enxergar algumas das tensões, políticas e organizativas, a que está submetido não apenas o PT, mas o conjunto da esquerda brasileira.

Apesar dos esforços neste sentido, é pouco provável que o 6º Congresso consiga debater e produzir respostas para estes e outros temas.

Também é pouco provável que outros setores da esquerda brasileira consigam produzir, ao menos de imediato, uma resposta de conjunto aos dilemas postos para o que parece ser o fim de um período e para o início de outro período na luta de classes.

A isto se agrega o fato de que alguns setores da esquerda estão reagindo a esta mudança de período, ativando o “chip” de períodos anteriores. É por isto que alguns falam em abandonar  a disputa institucional, enquanto outros reciclam a estratégia nacional-popular.

Sejam quais forem, as respostas para estas questões não podem ser produzidas sem o petismo e muito menos contra o petismo. Ou, dizendo com outras palavras, não haverá respostas para as questões postas para a classe trabalhadora brasileira, sem o protagonismo da maior parte dos militantes de esquerda vinculados a classe trabalhadora, militantes que hoje são vinculados ao PT.

Evidente que esta situação não é imutável. Se o PT não for capaz de produzir estas respostas, ele sempre terá um grande passado pela frente, mas pode terminar convertido em força auxiliar de outras organizações, como em grande medida ocorreu com o comunismo a partir dos anos 1980. Mas muita água salpicada de sangue teria que passar por debaixo da ponte, para que algo assim venha a ocorrer com o PT.

Todas estas e outras razões de fundo justificam a disputa do PT e a existência e a luta da esquerda petista. Especialmente neste momento que estamos vivendo, de encerramento de um período e de abertura de outro período da luta de classes, não apenas no Brasil, mas também no mundo, a esquerda petista não pode cometer equívoco similar aos cometidos – especialmente em 1993 e 2005 -- por quem desistiu da disputa do Partido, seja por considerá-la inócua ou impossível de vencer.

Não é possível saber os efeitos que a mudança de período na luta de classes terá sobre as organizações da classe trabalhadora. Mas, a julgar pelo que ocorreu em outros momentos da história, sobreviverão e continuarão contribuindo positivamente aqueles que resolverem melhor os dilemas políticos e organizativos do período.

Este deve ser o sentido de nossa participação nos congressos estaduais e no congresso nacional do PT: buscar dialogar e dar uma orientação, tendo como referência principal não as maiorias e minorias que em cada congresso votarão as resoluções, mas sim as dezenas de milhões de trabalhadoras e de trabalhadores que têm o PT como referência.

Aliás, o principal é o que virá em seguida ao Congresso. A luta de classes tende a se agudizar ainda mais. Continuará sendo necessária uma orientação política de médio e longo prazo. É preciso produzir esta orientação, realizando os debates de fundo que o grupo majoritário do PT não quis fazer. E é preciso, acima de tudo, um esforço permanente, continuado, de vinculação com a classe trabalhadora.

Alguns setores da esquerda petista acreditam que isto possa ser feito em conjunto, por exemplo através de uma articulação permanente do chamado “movimento Muda PT”. Outros setores consideram que o movimento Muda PT demonstrou -- durante o PED – possuir limites imensos, devido à heterogeneidade política das forças que o integram. Sem falar na propensão de alguns setores do Muda PT a buscar hegemonizar a iniciativa para seus interesses particulares, de autoconstrução. Estas questões que devem ser debatidas, daqui até o congresso do PT, inclusive numa plenária conjunta com toda a delegação identificada com a iniciativa.

Seja qual for o rumo que prevaleça, vivemos e viveremos momentos de imensas tensões, tensões que afetam tanto a vidas dos indivíduos quanto o funcionamento de cada uma das organizações coletivas da classe trabalhadora, das tendências aos partidos, dos sindicatos às centrais, dos movimentos às frentes. O conjunto da esquerda, dentro e fora do PT, está chamado a enfrentar desafios imensos, para os quais estamos longe de possuir as respostas adequadas.

O que estamos certos é que, num momento destes, não nos serve para nada a atitude descrita na conhecida piada: no meio da travessia de um rio, o nadador cansa e resolve nadar de volta ao ponto de partida. Tampouco nos serve ficar boiando, nem o afogamento. A alternativa a tudo isto é a de sempre: manter a política no comando. E não transformar a impaciência pessoal em argumento para a orientação política.

Neste momento, manter a política no comando exige compreender uma questão simples: a direita quer destruir o PT, não apenas pelo que somos ou pelo que fizemos, mas pelo risco potencial que representamos para eles. Com sinais trocados, para a esquerda a recíproca é verdadeira. Ou seja, nos cabe defender, construir e disputar os rumos do PT e do petismo, mesmo que para isso sejamos obrigados a seguir disputando contra os grupos que hoje são majoritários nas instâncias dirigentes de nosso próprio Partido.

O tema central desta disputa está na formulação e na implementação de outra estratégia, que não alimente ilusões na conciliação de classe. Uma estratégia que articule luta social e luta institucional, disputa cultural e organização da classe; uma estratégia que combine políticas públicas com reformas estruturais; uma estratégia democrático-popular e socialista. 


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