1.As grandes mobilizações ocorridas no Brasil, desde 13 de junho de
2013, constituem motivo de comemoração e otimismo. O país, nosso governo e
nosso Partido dos Trabalhadores necessitavam deste chacoalhão, que abre a
possibilidade de avançarmos, e avançarmos mais rápido, no processo de reformas
sociais e políticas. Mas para isto é preciso fazer uma detida reflexão sobre os
acontecimentos.
2.Os acontecimentos das últimas
semanas não constituem um raio em céu azul, ao menos para os que vinham
acompanhando a mudança nas condições do país, desde o início do governo
Dilma. Vários setores do Partido já
apontavamos para os limites de nossa estratégia, as contradições crescentes de
nossa política, as mudanças sociológicas e geracionais do país, a alteração na
postura do grande Capital, a ofensiva ideológica e política da direita
partidária e midiática, o distanciamento das bases sociais e eleitorais e,
principalmente, para o fato de que a política econômica vem provocando um
atendimento limitado às necessidades e demandas das massas populares. O próprio
Diretório Nacional já apontara, na convocatória do V Congresso do Partido, a
necessidade de reformas estruturais mais profundas no país, inclusive no âmbito
da comunicação, educação e cultura. Mas mesmo quando esta crítica comparecia
nos discursos, não era a interpretação nem a postura predominantes na prática.
Nesse sentido, é necessário e pedagógico recordar alguns fatos, ocorridos antes
de 13 de junho de 2013.
3.A imprensa atribuiu a um afamado marqueteiro –categoria cuja nefasta
influência política deve ser repensada— a opinião de que as pesquisas apontavam
para uma reeleição de Dilma já no primeiro turno. Avaliação equivocada que havia
sido cometida em 2010, quase resultando em danos irreparáveis.
4.Nas atividades comemorativas dos dez anos de governos Lula e Dilma, o
reconhecimento dos erros, insuficiências e contradições era muitas vezes
soterrado por um discurso de auto-propaganda, que também pode ser encontrado em
publicações recentes acerca do tema. Não temos dúvida de que hoje estamos
melhor do que estávamos na era FHC, e de que estamos melhor do que estaríamos
sob Serra e Alckmin. Mas estaríamos ainda melhor se tivéssemos aplicado o
conjunto do programa do PT, sendo necessário reconhecer as limitações do que
foi feito e o quanto ainda resta por fazer.
5.Era frequente, entre amplos setores do Partido, uma postura arrogante
que minimizava a força política e ideológica de nossos inimigos, assim como as
decorrências negativas do tipo de governabilidade adotada, entre as quais a
influência do do PMDB e a presença crescente de fundamentalistas de direita em
partidos da base do governo, sendo Marcos Feliciano seu símbolo mais vistoso, compondo
um Congresso Nacional que tem derrotado a imensa maioria das propostas
progressistas. Virou hábito dizer que a oposição de direita “não tinha
programa”, “não tinha proposta”, “estava dividida”, “não conseguia influenciar
a opinião pública, só a opinião publicada”, dependia “apenas” do PIG etc.
Cegueira política e preguiça intelectual, incapaz de perceber os desdobramentos
do que vem ocorrendo no Brasil há anos: uma brutal ofensiva ideológica do
conservadorismo, que assume ademais novas formas e conteúdos, por exemplo
através da agitação e propaganda nas novas e velhas mídias. Ofensiva contra a
qual o governo e o Partido não ofereceram devida resistência. Pelo contrário:
na Comunicação, na Casa Civil e em outros ministérios, brotam frequentes sinais
de apoio prático e retórico às teses de direita.
6.Finalmente e mais importante, tornou-se frequente confundir a
fotografia com o filme. A fotografia dos índices de pesquisa era favorável. Mas
o filme mostrava uma realidade em movimento: uma mudança na postura do grande Capital
em relação ao nosso governo; a radicalização política e ideológica de setores
médios contra as posições de esquerda; a insatisfação crescente de setores da
classe trabalhadora tradicional; e uma ambiguidade no apoio da "nova
classe trabalhadora". Mostrava, também, grandes novidades geracionais: a
mais alta proporção de jovens e jovens trabalhadores no conjunto da população,
com acesso a empregos precários e mal remunerados, dividindo seu tempo entre
trabalho, estudo e transporte, o que ajuda a entender porque a qualidade do
transporte e o valor das tarifas são temas tão sensíveis.
7.Estes e outros elementos eram completamente perceptíveis antes do 13
de junho de 2013. Tomados isoladamente ou de conjunto, as reuniões das direções
partidárias, de nossas bancadas, das nossas lideranças sociais e intelectuais
apontavam para tais problemas. Mas o Partido como um todo, e o governo em
especial, foram incapazes de sintetizar isto numa orientação alternativa. O que
reforça algo que todos sabemos: é preciso mudar a dinâmica partidária, bem como
a relação entre partido e governo. E sem cair na tentação de personificar os
problemas, pois não podemos desconsiderar os equívocos coletivos, alguns dos
quais se acumulam desde 1995, outros desde 2003.
8.A partir de 13 de junho de 2013, a quantidade converteu-se em
qualidade, num processo de mobilização social que devemos analisar com o máximo
de atenção. Cabe ao Partido, e também a nós, reunir o conjunto de informações e
interpretações acerca do processo e elaborar uma síntese capaz de nos orientar
melhor na luta política. De imediato, algumas variáveis já podem ser apontadas.
9.Em primeiro lugar, é preciso atentar para a heterogeneidade do
processo. Não apenas a existência de múltiplos movimentos, setores sociais e
políticos envolvidos, disputando e sendo disputados. Mas também a existência de
etapas distintas no processo, cada qual com um sentido e hegemonia distintas.
Está claro, por exemplo, que o movimento começou em torno da luta contra as
tarifas do transporte urbano; cresceu como movimento de solidariedade contra a
repressão policial; depois entrou numa terceira fase, onde a direita passou a
disputar com força a condução do movimento; houve então (no momento em que
concluímos este texto) uma reação do governo e das esquerdas, em torno
principalmente da proposta de Plebiscito. É fundamental, portanto, fazer
análise concreta da situação concreta.
10.Em segundo lugar, é importante destacar a predominância da
juventude. Cabe analisar melhor o perfil deste setor social que foi às ruas. E
atentar para o fato de que a juventude, especialmente nas periferias, é alvo de
uma pauta predominantemente negativa: violência do Estado, toque de recolher,
redução da maioridade penal, com 20 mil jovens negros morrendo vítimas de
homicídio todo ano. Numa primeira aproximação, podemos dizer que, ao menos numa
primeira etapa, foi às ruas uma juventude trabalhadora ou filha de
trabalhadores, com idade média até 25 anos e formação predominante
universitária, exatamente o setor social e geracional que nossas próprias
pesquisas e análises indicavam estar ganhando distância frente ao PT. Aliás,
chama a atenção que alguns que antes comemoravam a “entrada de milhões na
classe média”, agora criticam as manifestações por estarem “compostas
predominantemente por gente de classe média”: tanto a ingênua comemoração
anterior quanto a indistinta ojeriza posterior incidem em erros, sociológicos e
políticos. A verdade é que a intensa mobilização juvenil, de uma geração que
nasceu depois da campanha das Diretas Já, quebrou dois mitos: o de que a
juventude seria naturalmente de esquerda e progressista; e de que seria uma
juventude alienada e desinteressada da política.
11.Em terceiro lugar, é necessário reconhecer o sentido em geral
progressista das demandas e do processo. Ampliação dos direitos sociais e
mudança no sistema político do país são bandeiras do PT, da esquerda, dos
setores progressistas do Brasil. Tarifa zero, como educação e saúde públicas,
não são plataforma da direita, do grande capital e dos setores conservadores,
ainda que estes setores busquem apropriar-se oportunisticamente destas
bandeiras, para tentar dirigir um movimento cujo conteúdo é no limite
contraditório com seus interesses de classe. Como já apontaram muitos, o
sentido das ruas está em contradição com o desejo dos mercados.
12.Em quarto lugar, é fundamental perceber que se trata de um movimento
originalmente espontâneo. É curioso como dirigentes importantes da esquerda,
oriundos eles mesmos de uma situação semelhante no final dos anos 1970 (“quanto
novos personagens entram em cena”), tenham hoje dificuldade de reconhecer ou de
aceitar que outros possam fazer o mesmo. Claro que em todo movimento espontâneo
há incoerências e confusão, elementos organizados, disputa política,
interferência da direita, momentos de fluxo e refluxo, desfechos incertos. Mas
exatamente isto é um movimento espontâneo: a eclosão súbita de centenas de
milhares de pessoas na rua, pessoas que passam a querer ter ação política, as
vezes superando e atropelando até mesmo as ações e forças sociais organizadas,
que por exemplo estiveram presentes desde o início no Movimento Passe Livre.
13.Em quinto lugar, é decisivo entender que sem um forte deslocamento
da correlação de forças, seríamos derrotados, ou na eleição, ou na condução do
governo. Derrota que em certa medida já vinha se dando, pois apesar da batalha
dos juros, o governo não estava conseguindo manter o ritmo das mudanças,
fazendo cada vez mais concessões ao grande capital e a setores da direita. E, graças
à eclosão popular ocorrida desde 13 de junho, abriu-se a possibilidade de
deslocar a correlação de forças para a esquerda.
14.Em sexto lugar, é prudente atentar que o desfecho está em aberto. O
consórcio mídia-partidos de direita está disputando a consciência popular, as
pautas da mobilização, o sentido geral do movimento. Querem converter um
movimento de pressão por mais políticas públicas e mais democracia política,
num movimento contra o PT e contra o governo. Ainda que com propósitos
distintos, setores da oposição de esquerda têm o mesmo objetivo, acreditando
que é possível ultrapassar o PT pela esquerda, embora os acontecimentos tenham
demonstrado de novo que uma derrota do PT abriria caminho para a derrota de
toda a esquerda. Neste sentido, saudamos e nos empenhamos nas diversas
iniciativas de unidade democrática anti-fascista das diferentes forças da
esquerda político-social. E alertamos para o fato de que setores da oposição de
direita estão apostando na desestabilização da economia, inclusive estimulando locautes
("greve" articulada por empresários).
15.Todas estas variáveis apontam qual deve ser nosso caminho: disputar
os rumos do processo, não contra ele, mas apoiando-se no ambiente de mobilização, para realizar mais mudanças
sociais e políticas no Brasil, aprofundando o curso iniciado em 2003. Cabendo
ter claro que disputar os rumos do processo não é igual a “disputar os
movimentos sociais” que conhecemos e com os quais estamos habituados. E tendo
claro, também, que o ambiente político no Brasil mudou: a direita brasileira
resolveu incorporar no seu leque de alternativas uma tática de desestabilização
semelhante a adotada pela direita venezuelana, articulando mídia e oposição
partidária, com disputa de rua.
16.A rigor, isto tampouco constitui novidade absoluta. No Chile de
Allende, na já citada Venezuela, na Bolívia e noutros países, a direita também
busca legitimar-se nas ruas. No Brasil dos anos 1960, a direita ocupou as ruas.
E, nos últimos anos, a direita brasileira vinha ensaiando novamente esta
tática, seja usando igrejas conservadoras, seja estimulando movimentos como o
“Cansei”. Há pouco, tivemos as ondas de boato sobre o "apagão", a
"inflação" e o "fim da bolsa família". Agora, tentam
cavalgar um movimento social espontâneo. Utilizam para isto técnicas e
tecnologias adotadas em outros países do mundo, mas também procedimentos
tradicionais de ultra-direita, entre os quais a infiltração policial,
mobilização de criminosos e lumpens, tropas de choque fascistas, preconceito
religioso. Mas estas técnicas operam no movimento, não são responsáveis pela
sua eclosão.
17.Também aqui, cabe a nós do PT fazer uma autocrítica. Nos anos 1980 e
1990, o petismo era o principal veículo da insatisfação com os problemas
políticos e sociais brasileiros. Eram os tempos em que Lula fazia referência
aos "300 picaretas" que dominavam o Congresso Nacional. A medida que
fomos nos tornando parte da institucionalidade, reduzimos progressivamente
aquela dimensão fundamental de nossa atividade. E, como já dissemos em 1993 no
Manifesto A Hora da Verdade (http://pagina13.org.br/apresentacao/quem-somos/),
o em si positivo crescimento institucional foi acompanhado da domesticação do
Partido, com a adesão de crescentes setores do petismo à norteamericanização da
política (dinheiro, mídia, marketing eleitoral). A crise de 2005 deve ser vista
neste contexto, e nossas dificuldades em equacionar o tema ajudou a direita a
ganhar amplos setores da população, para a tese segundo a qual o PT seria um
partido “tão corrupto quanto os demais”. Para piorar, a domesticação e
institucionalização do petismo foi acompanhada pela burocratização e
esvaziamento não apenas do Partido, mas também de muitas organizações oriundas
dos movimentos sociais. Abriu-se, especialmente na juventude, um vácuo que
tampouco foi ocupado pela esquerda não-petista. É neste espaço que os
diferentes setores da oposição de direita buscam operar.
18.Ou recuperamos nossa capacidade de vocalizar a indignação “com tudo
que está aí”, abandonando a incorreta ideia de que ser governo nos impediria de
tomar esta atitude, ou no médio prazo poderemos ser varridos. Isto que é
chamado de sentimento "antipolítico", deve servir de base para a
defesa de outro tipo de política, portanto contra a política e os políticos conservadores,
tradicionais, de direita. O sentimento expresso na frase "não me
representa", deve levar a esquerda política e social a abrir nossas
organizações à nova militância surgida neste processo; e adotar uma nova
dinâmica de funcionamento, vinculada às bases sociais, presentes no cotidiano
do povo, participando do debate cultural e ideológico, recuperando o sentimento
crítico e a radicalidade programática.
19.Fazer isto implica, também, em combater os sinais de preconceito
geracional presentes em algumas análises feitas, por setores da esquerda,
acerca da mobilização iniciada dia 13 de junho.
20.Há muitas experiências históricas mostrando o que acontece com uma
esquerda que pretende viver de glórias passadas. Lembramos que aquilo que
constitui “conquista” para uma geração, é “parte da paisagem” para as gerações
seguintes. E será assim, especialmente quando as gerações anteriores se
burocratizam e, ao mesmo tempo, se demonstram incapazes de garantir comunicação
de massas, educação pública e formação político-ideológica para as novas
gerações.
21.Grande parte dos que foram às ruas a partir de 13 de junho são
produto do país que nós ajudamos a construir. Que as manifestações tenham sido
por mais direitos, e não contra o corte deles, nem por salários e empregos, é
um sinal disto. Mas cabe lembrar: este é um país profundamente desigual e
contraditório, em que o neoliberalismo continua ideológica e economicamente
hegemônico, ao passo que a esquerda parece ser politicamente hegemônica. Esta
contradição, quase um paradoxo, está na base de grande parte de nossos
problemas, e a política de coalizão com a centro-direita adotada pelo Partido
amplia a dificuldade, pois parece aos olhos da juventude e de outros setores
que somos apenas e tão somente parte integrante do sistema. Duas fotografias
simbolizam os equívocos decorrentes da indiferenciação: a imagem do prefeito
Fernando Haddad com Paulo Maluf, durante a campanha eleitoral de 2012; e a
fotografia do prefeito com o governador Geraldo Alckmin, no anúncio da redução
das tarifas.
22.A análise de que foi às ruas a “geração facebook”, reforçada pelas
palavras-de-ordem múltiplas ao estilo dos posts dos murais do face, tem um
pouco de verdade. Mas é bom lembrar que as organizações tradicionais da
esquerda também tem apresentado pautas reivindicatórias pulverizadas. Por outro
lado, não devemos superestimar o papel das redes: sem o impacto da grande mídia
tradicional, especialmente das televisões, as mobilizações não teriam a mesma
força. Seja como for, é ótimo que os jovens tenham saído às ruas, superando as
limitações inclusive físicas das redes sociais virtuais. Este é um processo
pedagógico, para eles e para todos, para os que foram às ruas e para os que não
foram. Além de estimular certa esquerda acomodada a movimentar-se, nem que seja
por auto-defesa; além de proporcionar uma reflexão muito útil sobre os riscos
de certa retórica nacionalista e de certa crítica rasa aos partidos, ambas
atitudes presentes em setores da própria esquerda organizada.
23.A pedagogia do processo inclui aprender a neutralizar o vandalismo
lumpen e combater a presença do crime
organizado. É preciso, também, aprender a lidar com a atitude de grupos
radicalizados como os anarcopunks. Ao mesmo tempo, é crucial impedir que o movimento
seja capturado pela direita. Por isto, é importante identificar e derrotar os
setores neofascistas, skinheads e grupos paramilitares de direita e,
principalmente, impedir que o movimento adote a pauta da direita. Sem incorrer
no erro e na pretensão de tutelar o movimento, para atingir estes objetivos,
cumprem papel fundamental as organizações tradicionais da classe trabalhadora,
o papel da velha guarda, da esquerda organizada, da militância com experiência
em lutas anteriores. Sobre isto, com todos os cuidados que a situação exige,
nossa posição é clara: as ruas são de todos e delas não seremos expulsos pelos
herdeiros dos galinhas verdes.
24.Tampouco aceitamos a criminalização dos movimentos sociais e a
violenta repressão desencadeada pela Polícia Militar, sob ordem de governos
tucanos e de direita e, em alguns casos, por ausência de controle por parte de
governos encabeçados por partidos progressistas e de esquerda. Alertamos que
algumas atitudes posteriores de setores das polícias --como a de adotar uma
atitude "passiva" e de "reação tardia" frente ao
vandalismo-- parecem estar a serviço de criar um clima de medo e desgoverno,
para justificar e legitimar o posterior chamamento às "forças da
ordem".
25.É bom dizer que a geração que
foi às ruas na primeira etapa do movimento, basicamente gente com sensibilidade
de esquerda, foi surpreendida pela atitude de algumas autoridades filiadas ao
PT. Estas atitudes desencontradas contribuíram muito para confundir, aos olhos
de setores da população, as nossas posições com as posições do tucanato.
Imaginemos: qual teria sido o curso dos acontecimentos, caso Fernando Haddad
tivesse, desde o primeiro dia, suspendido o aumento das passagens na cidade de
São Paulo? Ou caso o ministro Cardozo tivesse criticado a violência policial
desde o primeiro dia? Ou ainda se o conjunto do PT tivesse reconhecido que a
tarifa zero obedece a mesma inspiração da saúde e da educação públicas, a
saber, diferentes maneiras de garantir um direito social? Neste sentido,
saudamos a atitude legitimamente petista de militantes, instâncias,
parlamentares e autoridades executivas ligadas ao PT, que souberam compreender
o recado das ruas e com elas interagiram adequadamente.
26.Entretanto, o conjunto dos
acontecimentos de Junho confirmou que uma parte da esquerda brasileira
converteu-se à tecnocracia, tratando o povo como “paciente”. Paciente no
sentido de ser “objeto” e não sujeito dos processos. E “paciente” no sentido de
ter “paciência”.
27.Para os que adotam esta
postura tecnocrática, é muito difícil compreender o papel que a luta social
pode jogar na transformação social. As condições históricas levaram o setor
majoritário da esquerda brasileira, especialmente o PT, a lutar por ser
governo, nos marcos da ordem capitalista e de um Estado conservador. Exatamente
por isto, esta esquerda não pode diluir-se nas instituições e tornar-se
defensora do status quo; ao contrário, deve preservar sua vocação
anti-sistêmica, democrático-popular e socialista, para fazer de sua presença no
Estado a contra-mola que resiste, altera e transforma.
28.No caso concreto, as
mobilizações em curso podem nos ajudar a defender a ampliação dos direitos
sociais, contra a ortodoxia fiscal. Ajudar a fazer a reforma política, contra o
conservadorismo do atual parlamento brasileiro. Ajudar a colocar as reformas
estruturais na pauta política do país. Aliás, um dos saldos deste processo é
nos lembrar, a todos, que a correlação de forças e a agenda política do país
podem ser alteradas, e que a luta de massas tem esta capacidade.
29.Sem reforma política e
democratização da comunicação, não terá futuro a estratégia defendida pelo PT.
Posto de outra maneira, não há como prosseguir mudando o país, sem alterar as
instituições estatais brasileiras. E não há como fazer esta alteração apenas de
dentro para fora: é preciso que a pressão social entre em cena. Infelizmente,
apesar dos esforços das organizações populares, a pressão recente não surgiu
por nossa iniciativa; mas felizmente surgiu. Por isto, consideramos que foi
absolutamente correto reconhecer a legitimidade das mobilizações e de suas
demandas, assim como apontar o Plebiscito e a Constituinte como caminhos para
tradução institucional da pressão social. Mas também por isso, consideramos
essencial colocar em movimento a classe trabalhadora: é isto e a ação articulada
de nossas organizações que pode derrotar a movimentação da direita.
30.Claro que a direita repudia a
Constituinte e o Plebiscito. Confirmando o divórcio entre capitalismo e
democracia, temem que a pressão das ruas produza uma reforma política que lhes
tire poder. A isso respondemos: todo o poder ao povo, viva a soberania popular
e a democracia. Claro, também, que a direita pretende direcionar a insatisfação
social em direção aos partidos de esquerda, especialmente ao PT. A direita pode
fazê-lo, pois os partidos são para ela parte totalmente secundária de seus
aparatos de poder (entre os quais destacam-se o oligopólio da mídia, mas também
suas casamatas incrustadas dentro do aparato do Estado). Nossa resposta deve
ser defender uma política e partidos de novo tipo. Ou seja: não os partidos em
geral, não a política em geral, mas a política e os partidos vinculados aos
interesses da maioria do povo. Claro, ainda, que a direita busca manipular o
movimento contra o governo Dilma. A isto respondemos fazendo a defesa e
fortalecendo nosso governo, a começar pela presidenta Dilma, que nesta crise
mostrou capacidade de reação, liderança e faro político.
31.Da mesma forma, devemos
defender e reafirmar nosso passado e os êxitos de nossos governos, defender
nossa ação presente, mas reconhecendo as contradições, equívocos e debilidades.
Mas devemos sobretudo dar ênfase ao futuro, ao Brasil que queremos. E apontar
com clareza qual a base de nossas dificuldades: o capital financeiro, as
transnacionais, o agronegócio, o latifúndio tradicional, o oligopólio da mídia,
o controle de setores privados sobre largos setores do aparato de Estado, a
mercantilização da política. Motivo pelo qual é mais atual que nunca a pauta
das grandes reformas estruturais, como as reformas tributária, agrária e
urbana, a democratização da mídia e da política, a ampliação das políticas
públicas e do papel do Estado.
32.Na mesma linha, cabe-nos
rearticular nosso bloco político-social: governos, movimentos, partidos,
intelectualidade, bases sociais e eleitorais. O Partido dos Trabalhadores, em
especial, deve repactuar suas relações com os movimentos sociais e com as bases
populares. Isto inclui articular os militantes petistas que atuam nos
movimentos sociais. E reorganizar, em novas bases, algo similar ao “fórum
nacional de lutas”, articulando partidos e movimentos sociais do campo popular.
Mas inclui principalmente tratar de outra forma temas variados, que estão na
origem de muitos conflitos no seio das forças populares: o fator
previdenciário, os leilões do petróleo, a reforma agrária, o respeito aos
indígenas, a defesa das causas LGBT, as politicas de gênero, os gastos da Copa,
a política de transporte urbano, o controle do ministério das Cidades pela
direita, alianças intragáveis etc.
33.Como parte da disputa das ruas, o PT deve participar organizadamente
das atividades convocadas pela Central Única dos Trabalhadores. E assumir a defesa
da pauta da CUT: contra o PL 4330, da “terceirização” que retira direitos dos
trabalhadores brasileiros e precariza ainda mais as relações de trabalho no
Brasil; que as reduções de tarifa do transporte não sejam acompanhadas de
qualquer corte dos gastos sociais; 10% do orçamento da União para a saúde
pública; 10% do PIB para a educação pública, “verbas públicas só para o setor
público”; fim do fator previdenciário; Redução da Jornada de Trabalho para 40
horas sem redução de salários; Reforma Agrária; suspensão dos Leilões de
Petróleo. Também defenderemos o Plebiscito proposto pela presidenta Dilma, a
reforma política, a democratização da comunicação e a Assembleia Constituinte.
34.A disputa das ruas começa já
nas telas de TV. O governo brasileiro está convocado a alterar imediatamente
sua política de comunicação. O atual ministro das Comunicações, Paulo Bernardo,
que foi capaz de imputar à militância petista uma posição que não é a nossa (a
censura), além de nos atacar covardemente nas páginas da pior revista do país,
não está vocacionado para cumprir esta tarefa. O ministério deve ser encabeçado por alguém
comprometido com a democratização da comunicação social.
35.A disputa das ruas começa,
também, alterando a política de comunicação do Partido. Constituir uma redação
de conteúdos capaz de alimentar nossos boletins, páginas eletrônicas, programas
de rádio, entrevistas e discursos em todo o país. E reconstruir nossas redes
sociais, principalmente apoiando a atuação organizada de nossa militância nessa
frente de luta política e ideológica.
36.De maneira geral, trata-se de fazer o Partido funcionar como Partido
e ser capaz de reagir na velocidade que a luta política está impondo. Nesta
crise, como em tantas outras, confirmou-se que atuamos muitas vezes como
“partido de retaguarda”, que sabe operar predominantemente nos anos pares.
37.O centro da tática é, no
momento que concluímos a redação desta tese, disputar e vencer o plebiscito. O
que exigirá uma forte aliança política e social, que já está se conformando,
entre todos os favoráveis à reforma. Ao Partido caberá de imediato, entre
outras tarefas, a de contribuir no essencial debate sobre quais serão as
perguntas feitas à população. O plebiscito pode criar as condições
institucionais necessárias não apenas para reeleger Dilma, mas para fazê-lo de
forma a que o segundo mandato seja superior ao primeiro.
38.Para vencer o plebiscito, é fundamental que haja condições
democráticas, o que começa por definir regras claras, horário eleitoral de
rádio e TV, limites ao financiamento das diferentes posições, democracia nos
meios de comunicação.
39.Também é fundamental a definição de quais temas devem ser objeto de
debate e votação, no Plebiscito. De saída é importante que o conteúdo e a
redação das perguntas dialogue com o sentimento popular, de contestação da
atual maneira de fazer política. Por isto, é importante destacar temas como: ampliar
os meios de participação popular direta; acabar com o financiamento empresarial
de campanhas eleitorais e de partidos políticos; reestabelecer o voto
proporcional (uma pessoa, um voto); garantir que o voto dado seja respeitado,
estabelecendo listas pré-ordenadas e acabando com as coligações proporcionais
oportunistas; garantir que 50% do Parlamento seja composto por mulheres; fim do
Senado; limitação do número de mandatos; convocar uma Assembléia Nacional
Constituinte Exclusiva para Reforma Política em 2014.
40.O PT deve continuar defendendo a necessidade de uma Assembléia
Nacional Constituinte, mecanismo adequado para alterar de conjunto e
democraticamente a institucionalidade brasileira. Também por isto, entendemos
que o governo deveria ter mantido a proposta combinada de Plebiscito e Constituinte
"específica" para fazer a reforma política.
41.É nestes marcos de intensa
luta política e social que ocorrerá o processo de eleição das direções
partidárias, o chamado PED. Trata-se de uma coincidência feliz, pois permitirá
à militância construir, através do debate, uma nova estratégia para um novo
período, de maiores conflitos políticos e sociais, cuja solução positiva exige
a realização de reformas estruturais. Um cenário adequado, também, para que o
Partido reveja de alto a baixo sua organização, reconstruindo suas instâncias e
organismos de base, revendo seus métodos de funcionamento e ação, e
principalmente adotando uma nova estratégia, elegendo uma direção que seja
capaz não apenas de reconhecer os novos tempos, mas também – e principalmente –
capaz de agir em conformidade com isto.
42.Vivemos novos tempos, apesar dos perigos. As próximas semanas podem
confirmar o potencial mudancista do processo, ou podem resultar numa reversão
conservadora, como é o sonho daqueles que comemoram os resultados de recentes
pesquisas de opinião. Cabe a cada um de nós, militantes de esquerda, sustentar
as bandeiras vermelhas da esperança e do socialismo.
43. O PT, que
certamente vem cumprindo um papel imprescindível na luta do povo brasileiro nos
últimos 33 anos, não pode viver do seu passado glorioso, nem dos êxitos do
presente. Nossa sobrevivência, nossa utilidade para a classe trabalhadora
brasileira, depende de sermos capazes de articular a solução dos problemas do
presente, com a construção de um futuro diferente.
44.E não está
garantido que consigamos fazer isto. É uma luta cotidiana contra os hábitos e
costumes dapolítica tradicional, contra a influência da direita e do grande
capital, contra a acomodação e a adaptação que afeta cada um de nós.
45.Sem
saudosismo, o PT precisa refletir mais sobre os motivos e os mecanismos que nos
fizeram construir isto que somos hoje, um partido de esquerda, popular, de
massas, com forte raiz entre os trabalhadores e trabalhadoras.
46.Fizemos isto
nos anos 80, radicalizando, enquanto outros partidos de esquerda apostaram na conciliação
com a transição democrática. Fizemos isto nos anos 90, quando não abrimos mão de
ser, ao mesmo tempo, oposição de massas ao neoliberalismo e alternativa
institucional de governo. E seguimos fazendo isto depois de 2003, lutando para
ser ao mesmo tempo partido de esquerda e a referência principal de um governo
de centroesquerda.
47.Mas
exatamente a partir de 2003, esta nova situação ampliou o tensionamento e as
pressões sobre o partido, a ponto de que, se dependesse de setores importantes,
o PT deixaria de existir como partido autônomo, se subordinando completamente
ao
governo.
48.Agora em
2013, passados dez anos de governos de coalizão encabeçados por Lula e Dilma,
temos uma nova conjuntura que mostra com nitidez a necessidade e o papel
insubstituível de uma ferramenta como o PT para a classe trabalhadora intervir
na disputa na sociedade.
49.Uma nova
conjuntura, que exige novas respostas. Seus traços principais são: um
agravamento da situação internacional, a conduta do grande capital frente ao
governo Dilma, as concessões do governo frente a estas pressões, a postura
crescentemente anti-petista dos partidos da “base aliada”, a escalada de
ataques diretos ao PT por parte da mídia e de setores do aparelho de Estado,
destacadamente do Judiciário.
50.De conjunto,
um quadro que deixa claro que a disputa eleitoral de 2014 é encarada pelos
setores fundamentais da burguesia (brasileira e imperialista) como uma oportunidade
para derrotar o PT, nos obrigando a encarar esta batalha central sob uma nova
perspectiva, simultaneamente tática e estratégica, à altura da nova situação.
51.Aqui, é
preciso falar francamente: se a estratégia de centro-esquerda que hegemoniza o
partido desde pelo menos 1995 foi capaz de nos levar à conquista do governo federal
em 2002, crescentemente foi se revelando incapaz de orientar um processo de amplas
e profundas transformações sociais no Brasil, tendendo ao esgotamento quanto
mais se aproximam os limites de poder, renda e riqueza que a burguesia brasileira
está disposta a ceder, ou colocada na contingência de fazê-lo. Limites que se
estreitam tanto mais quanto mais se fazem sentir os efeitos da crise global do
capitalismo sobre a dinâmica política e econômica do país.
52.Os setores
fundamentais da burguesia, que puderam conviver, ainda que sempre protestando e
sabotando, com diminuição do desemprego (e redução do exército industrial de
reserva) e aumentos salariais (destacadamente o do salário mínimo) durante determinado
tempo, não estão dispostos a permitir que se consolide de maneira permanente um
novo patamar nas relações econômicas e sociais do país, pois isto implicaria
num horizonte de redução de suas taxas de lucro.
53.Noutras
palavras, as frações dirigentes da burguesia não estão dispostas a permitir que
se instale aqui, no Brasil, algo nem mesmo similar ao Estado de bem estar social
construído na Europa do pós-Segunda Guerra, que mesmo lá se encontra sob forte
ataque nas últimas décadas.
54.De um ponto
de vista mais global, não estão dispostos a assistir sem reação a continuidade
de um governo de esquerda (ainda que moderado) no Brasil, principalmente quando
este se constitui em ponto de apoio fundamental para a continuidade do processo
de integração e avanços sociais protagonizados por vários países da América
Latina desde 1998, com a eleição de Chávez na Venezuela.
55.Na situação
de crise mundial do capitalismo que se abriu em 2007/2008, a América Latina vai
se constituindo num espaço avançado de lutas e resistência às ofensivas do
grande capital, que dobra a aposta nas receitas neoliberais de “austeridade” e ataques
às conquistas dos trabalhadores no mundo todo, destacadamente nos países da
Europa e nos Estados Unidos.
56.Na América
Latina, devemos seguir trabalhando em favor da ruptura com o neoliberalismo e
apoiando aqueles processos onde esta ruptura se faz em favor
do socialismo. A
recente disputa presidencial na Venezuela, após a morte de Hugo Chávez, com a
apertada vitória de Nicolas Maduro, mostra que os setores fundamentais das
respectivas burguesias nacionais, com a cobertura explícita do imperialismo,
estão dispostos a investir a fundo para enfraquecer, desestabilizar e derrotar
os governos de esquerda da região.
57.Também no Brasil,
seguimos enfrentando uma dura batalha contra a hegemonia das ideias e dos interesses
neoliberais. Existem no PT aqueles que pretendem enfrentar esta disputa contra
o neoliberalismo, a partir de valores como a “ética”, a “cidadania”, a
“república“ e a “revolução democrática”. Respeitamos os que pensam assim. Mas,
de nossa parte, entendemos que tais valores não são suficientes para orientar a
ação dos que querem, não apenas derrotar o neoliberalismo, mas também derrotar
o capitalismo.
58.Como demonstraram
os acontecimentos recentes, o conceito de “Revolução Democrática” não serve
para descrever
o que de fato vem ocorrendo no Brasil nos últimos anos. Exemplos disto são as
debilidades e contradições na participação e mobilização autônoma da sociedade
nesta década; a realidade cultural, onde se verificou crescente influência dos
setores conservadores; a prática de um aparelho de Estado ainda controlado no
essencial pelas forças hegemonizadas pela burguesia, destacadamente no Poder
Judiciário e nas Forças Armadas; para não falar no monopólio absoluto da mídia
por um punhado de grandes conglomerados.
59.O conceito de
“Revolução Democrática” tampouco corresponde a orientação hegemônica no
governos Lula e Dilma, pois apesar das políticas públicas avançadas e
progressistas que caracterizam setores do governo, apesar de importantíssimas
para uma justa política de acúmulo de forças, o conjunto da obra está longe de poder
caracterizar uma “revolução democrática”, entre outros motivos porque lhes
faltam um sentido de transformação social de amplitude e radicalidade tais que,
ao aprofundar a democracia social, abram a perspectiva de construção de um
poder popular de nova qualidade.
60.Ademais, cabe
lembrar que setores hegemônicos do governo ancoram seu discurso em ideias como
“um país de classe média”; para além da incorreção do conceito, o fato é que
não haverá nem reformas estruturais nem revolução, seja democrática ou
socialista, sem que tenhamos uma classe trabalhadora fortalecida material e
culturalmente, capaz de disputar poder, renda e riqueza e propor ao conjunto da
sociedade uma forma de organização social superior e mais avançada,
radicalmente democrática, econômica e socialmente.
61.A partir do
balanço da sua experiência nos últimos dez anos à frente do governo federal, o
PT tem todas as condições de aproveitar este PED e o debate do V Congresso para
formular uma nova estratégia capaz de enfrentar a nova situação política,
nacional, regional e mundial.
62.Como já
dissemos, em parte por causa dos efeitos da crise, em parte porque a burguesia
não tolera a combinação de salários altos e desemprego baixo, está ocorrendo
uma mudança na postura do grande capital frente ao governo federal encabeçado
pelo PT. Estão deixando de existir aquelas condições excepcionais que
permitiram a um governo de centro-esquerda, liderado por Lula, melhorar a vida dos
pobres e ao mesmo tempo garantir grandes lucros aos ricos.
63.O PT precisa
reconhecer a existência desta nova situação e decidir que caminho seguir, na sua
atuação direta e na interlocução com o governo, na qualidade de partido da
presidenta.
64.Do ponto de
vista da luta de classes, o caminho trilhado pelo governo Dilma até agora
oscilou entre a disposição de enfrentar o capital financeiro, que aplaudimos
apesar de considerarmos insuficiente o que foi feito, e as sucessivas
concessões ao grande capital em geral, via concessões, desonerações, subsídios
e flexibilizações na legislação trabalhista e social. Concessões feitas em
parte porque não se percebeu a natureza integrada do grande capital financeiro,
nem tampouco sua disposição política de impedir a consolidação de um novo
patamar nas relações entre capital e trabalho no Brasil.
65.É
fundamentalmente por isto que o conjunto de concessões políticas e econômicas
feitas pelo governo, aliadas à queda da taxa de juros, não resultaram numa
retomada do investimento privado nos últimos anos.
66.O grande
capital parece organizar uma “greve de investimentos” como instrumento para
pressionar o governo a ainda maiores concessões, que não apenas manteriam sua
taxa de lucro em níveis “neoliberais”, mas principalmente impediriam a
consolidação de um estado de bem-estar social no Brasil.
67.De nossa
parte, cremos que o partido deve optar por outro caminho estratégico e
trabalhar para que o governo opere uma inflexão em sua política: mais democracia,
reformas estruturais, fortalecer o mundo do trabalho e reafirmar nossos
compromissos
socialistas.
68.Noutras
palavras: dobrar o grande capital, fortalecendo a capacidade econômica do
Estado e o poder político do trabalho. Estes elementos são parte importante da
construção de uma nova estratégia, que supere os limites da atual, que vai se
esgotando no “taticismo” e no pragmatismo.
69.Precisamos
construir uma estratégia que nos permita passar para uma fase de reformas
estruturais no país. Para fazer isto, teremos que retomar e atualizar o programa
e a estratégia democrático-popular e socialista que o PT elaborou nos anos 80. Até
porque, o sucesso relativo de nossa ação governamental está recolocando os
dilemas estratégicos que o Brasil viveu naquela época.
70.Deste ponto
de vista, temos algumas lutas e questões que merecem iniciativas urgentes de
nossa parte, pelo seu caráter estratégico e pelo lugar que desde já ocupam, pois
nossa inação aqui pode bloquear as possibilidades de avanços mais consistentes
de conjunto no presente e no futuro.
71.Necessitamos
detalhar ações e políticas nos seguintes terrenos: democratização das
comunicações; reforma política; reforma tributária; reforma agrária; reforma urbana;
ampliação das políticas públicas de saúde, com destaque para o cumprimento das
determinações constitucionais pelos estados, Distrito Federal e municípios, e o
investimento pela União de 10% das receitas correntes brutas na saúde; ampliação
das políticas públicas de educação, com destaque para alocação de 10% do PIB e
profundas mudanças curriculares e pedagógicas; ampliação dos direitos dos
trabalhadores, com destaque para as 40 horas e o fim do fator previdenciário; direitos
humanos, com destaque para o ajuste de contas com os crimes cometidos pela
Ditadura Militar e para a instalação de uma política de segurança pública
democrática; política ambiental.
72.Ao longo do
debate do PED e do V Congresso, detalharemos em textos específicos o que
propomos sobre cada um destes temas.
73.Estas ações e
políticas devem se desdobrar em diferentes dimensões nos nossos governos, na
ação parlamentar, nos movimentos sociais, na ação do partido e na disputa
cultural. Em cada uma destas dimensões, devemos lembrar que o aspecto central é
a auto-organização, mobilização e conscientização do sujeito histórico das
transformações pelas quais lutamos.
74.Neste
aspecto, cabe atentar para o fenômeno da constituição de uma nova fração da
classe trabalhadora, dos pontos de vista geracional e sociológico, que alguns
vêm chamando indevidamente de nova classe média. O PT precisa buscar este
setor, organizá-lo, mobilizá-lo, impedir que a direita o hegemonize.
75.Para isso, é
necessário que o PT deixe de ser um partido predominantemente eleitoral,
voltando a fazer política cotidiana também nos anos ímpares, compreendendo que
nosso papel é de educar, disputar e organizar a sociedade e através dela ocupar
e transformar o Estado, reativando nossas ações de formação política, mostrando
a esta parcela da classe trabalhadora que sua ascensão econômica não é uma obra
divina ou resultado de puro esforço pessoal, mas sim de um conjunto de
políticas públicas, implementadas pelos governos petistas.
76.Atenção especial
deve ser dada às juventudes, com destaque para a juventude trabalhadora, que
tem que ser reconquistada pelo PT. Esta parcela da população estava na infância
quando chegamos ao governo federal, e não guarda na memória a ação nefasta dos governos
neoliberais. Parte destas jovens mulheres e homens já nos considera como parte
da ordem. Portanto, como algo a ser superado e não como um instrumento de luta
e transformação da ordem.
77.Para que seja
possível conquistar as juventudes, precisamos recuperar o sentido militante da
nossa atuação, seu caráter popular, uma conduta muito forte de contestação, um
compromisso com o futuro, o que deve se traduzir num novo tipo de funcionamento
e postura do PT e da Juventude Petista, passando por fortalecer nosso agir cultural
e políticas de governo.
78.Ao lado,
coerente e concomitantemente a este esforço de realinhamento estratégico, o PT
tem que se preparar para vencer as eleições de 2014 de maneira a que o segundo
governo Dilma tenha condições de se conformar como superior ao primeiro e
oferecer a retaguarda necessária para aqueles avanços mais substantivos do
ponto de vista
programático e
estratégico.
79.Aqui
sobressai a questão da política de alianças. No mundo real a burguesia opera e,
neste momento, costura várias alternativas, além do PSDB e seus tradicionais
aliados, para tentar levar a eleição ao segundo turno e a partir daí nos impor
uma derrota.
80.Além das
movimentações da REDE, de Marina Silva, sobressaem aqui as movimentações do
PSB, seduzido pela perspectiva da candidatura presidencial de Eduardo Campos,
com setores partidários já decididos a iniciar a empreitada.
81.Neste quadro,
o PT é sujeito a enormes pressões nos Estados em nome da manutenção da aliança nacional.
De nossa parte, o PT não deve abrir mão do seu fortalecimento em 2014,
ampliando nossa presença nos governos estaduais, no Senado e na Câmara Federal.
82.Por outro
lado, é preciso construir as bases de uma governabilidade social, que compense
a deterioraçãocrescente da governabilidade institucional, que, ao que tudo
indica, vai se complicar ainda mais, agora e depois de 2014.
83.Em terceiro
lugar, recompor o chamado bloco democrático-popular, entre partidos, movimentos
e intelectualidade. Um dos grandes erros cometidos desde 2003 foi confundir e
priorizar as alianças táticas com partidos de centro-direita, frente à aliança
estratégica com setores político-sociais de esquerda. Se este erro não for
corrigido, corremos o risco de, mesmo vencendo em 2014, chegarmos em 2018
desacumulando politicamente.
84.O Plebiscito
será o eixo ao redor do qual poderá se instalar um novo padrão de alianças e de
governabilidade institucional e social.
85.Para dar
conta deste conjunto de tarefas, o PT tem que sofrer profundas transformações
ideológicas, políticas e organizativas. Devemos voltar a ser um partido que
atua também nos anos ímpares e que sabe combinar luta social, luta cultural,
construção partidária, com disputa eleitoral, ação parlamentar e governamental.
86.Precisamos
reatar laços orgânicos com nossa base social, recobrando a capacidade de
dirigir grandes jornadas de luta, ao lado de outros partidos de esquerda e das
entidades históricas da classe trabalhadora e da juventude, como a CUT, UNE, MST,
MNLM, CMP e outras.
87.Não é
admissível que um Partido do porte do PT não tenha uma imprensa de massas
voltada ao diálogo com sua ampla base social e dedicada à disputa política e ideológica
com os inimigos de classe. A prioridade à formação política e à organização de base
não podem se tornar letra morta após a aprovação das resoluções neste sentido.
88.Precisamos
empreender um sério esforço de debate político sistemático nas instâncias
partidárias, que precisam ser valorizadas em detrimento dos centros de comandos
paralelos localizados nos gabinetes parlamentares e executivos.
89.Neste
sentido, aplaudimos o sentido geral das decisões organizativas adotadas pelo IV
Congresso do PT, ao mesmo tempo em que repudiamos as mudanças contraditórias
com as orientações gerais do Congresso introduzidas de forma indevida pelo Diretório
Nacional no regulamento do PED 2013, mudanças que a pretexto de facilitar a
participação, fortalecem um modelo de PED que privilegia o filiado-eleitor em
detrimento do filiado-militante. O PT precisa empreender urgentemente a
construção de uma nova direção política coletiva. A pluralidade e a diversidade
do PT abrigam inúmeras companheiras e companheiros à altura de dirigir este tão
necessário processo de construção.
90.Finalmente,
mas não menos importante, o PT precisa garantir sua auto sustentação
financeira. Não podemos, como hoje, depender em grande medida de contribuições
empresariais, não apenas para fazer campanhas eleitorais, mas também para
conduzir o cotidiano da vida partidária. Um partido de trabalhadores não pode
depender de recursos financeiros doados pelo empresariado.
91.É este
conjunto de temas que vamos debater no PED e no V Congresso. Não encaramos a
eleição das direções partidárias como um momento de “disputar garrafinhas”,
como alguns falam de maneira desrespeitosa. Encaramos o PED 2013 da mesma forma
como o fizemos, em 2001, 2005, 2007 e 2009, ou seja, como um momento de
apresentar para o conjunto do partido o que pensamos, buscar constituir uma
maioria em torno destas ideias e com elas dirigir o partido no próximo período,
sinalizando que nosso Partido quer continuar se construindo como um partido
socialista, democrático e revolucionário, comprometido com a transformação
radical da sociedade brasileira. Um PT que governa o Brasil e constrói as lutas
do povo, que guarda em si a capacidade de renovação e reinvenção, à altura do
legado das gerações de lutadores que, a seu tempo, ousaram sonhar o sonho de um
Brasil radicalmente democrático e socialista.
Brasil, julho de
2013
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