terça-feira, 9 de julho de 2013

A esperança é vermelha (versão completa da tese)




1.As grandes mobilizações ocorridas no Brasil, desde 13 de junho de 2013, constituem motivo de comemoração e otimismo. O país, nosso governo e nosso Partido dos Trabalhadores necessitavam deste chacoalhão, que abre a possibilidade de avançarmos, e avançarmos mais rápido, no processo de reformas sociais e políticas. Mas para isto é preciso fazer uma detida reflexão sobre os acontecimentos.

 2.Os acontecimentos das últimas semanas não constituem um raio em céu azul, ao menos para os que vinham acompanhando a mudança nas condições do país, desde o início do governo Dilma.  Vários setores do Partido já apontavamos para os limites de nossa estratégia, as contradições crescentes de nossa política, as mudanças sociológicas e geracionais do país, a alteração na postura do grande Capital, a ofensiva ideológica e política da direita partidária e midiática, o distanciamento das bases sociais e eleitorais e, principalmente, para o fato de que a política econômica vem provocando um atendimento limitado às necessidades e demandas das massas populares. O próprio Diretório Nacional já apontara, na convocatória do V Congresso do Partido, a necessidade de reformas estruturais mais profundas no país, inclusive no âmbito da comunicação, educação e cultura. Mas mesmo quando esta crítica comparecia nos discursos, não era a interpretação nem a postura predominantes na prática. Nesse sentido, é necessário e pedagógico recordar alguns fatos, ocorridos antes de 13 de junho de 2013.

3.A imprensa atribuiu a um afamado marqueteiro –categoria cuja nefasta influência política deve ser repensada— a opinião de que as pesquisas apontavam para uma reeleição de Dilma já no primeiro turno. Avaliação equivocada que havia sido cometida em 2010, quase resultando em danos irreparáveis.

4.Nas atividades comemorativas dos dez anos de governos Lula e Dilma, o reconhecimento dos erros, insuficiências e contradições era muitas vezes soterrado por um discurso de auto-propaganda, que também pode ser encontrado em publicações recentes acerca do tema. Não temos dúvida de que hoje estamos melhor do que estávamos na era FHC, e de que estamos melhor do que estaríamos sob Serra e Alckmin. Mas estaríamos ainda melhor se tivéssemos aplicado o conjunto do programa do PT, sendo necessário reconhecer as limitações do que foi feito e o quanto ainda resta por fazer.

5.Era frequente, entre amplos setores do Partido, uma postura arrogante que minimizava a força política e ideológica de nossos inimigos, assim como as decorrências negativas do tipo de governabilidade adotada, entre as quais a influência do do PMDB e a presença crescente de fundamentalistas de direita em partidos da base do governo, sendo Marcos Feliciano seu símbolo mais vistoso, compondo um Congresso Nacional que tem derrotado a imensa maioria das propostas progressistas. Virou hábito dizer que a oposição de direita “não tinha programa”, “não tinha proposta”, “estava dividida”, “não conseguia influenciar a opinião pública, só a opinião publicada”, dependia “apenas” do PIG etc. Cegueira política e preguiça intelectual, incapaz de perceber os desdobramentos do que vem ocorrendo no Brasil há anos: uma brutal ofensiva ideológica do conservadorismo, que assume ademais novas formas e conteúdos, por exemplo através da agitação e propaganda nas novas e velhas mídias. Ofensiva contra a qual o governo e o Partido não ofereceram devida resistência. Pelo contrário: na Comunicação, na Casa Civil e em outros ministérios, brotam frequentes sinais de apoio prático e retórico às teses de direita.

6.Finalmente e mais importante, tornou-se frequente confundir a fotografia com o filme. A fotografia dos índices de pesquisa era favorável. Mas o filme mostrava uma realidade em movimento: uma mudança na postura do grande Capital em relação ao nosso governo; a radicalização política e ideológica de setores médios contra as posições de esquerda; a insatisfação crescente de setores da classe trabalhadora tradicional; e uma ambiguidade no apoio da "nova classe trabalhadora". Mostrava, também, grandes novidades geracionais: a mais alta proporção de jovens e jovens trabalhadores no conjunto da população, com acesso a empregos precários e mal remunerados, dividindo seu tempo entre trabalho, estudo e transporte, o que ajuda a entender porque a qualidade do transporte e o valor das tarifas são temas tão sensíveis.

7.Estes e outros elementos eram completamente perceptíveis antes do 13 de junho de 2013. Tomados isoladamente ou de conjunto, as reuniões das direções partidárias, de nossas bancadas, das nossas lideranças sociais e intelectuais apontavam para tais problemas. Mas o Partido como um todo, e o governo em especial, foram incapazes de sintetizar isto numa orientação alternativa. O que reforça algo que todos sabemos: é preciso mudar a dinâmica partidária, bem como a relação entre partido e governo. E sem cair na tentação de personificar os problemas, pois não podemos desconsiderar os equívocos coletivos, alguns dos quais se acumulam desde 1995, outros desde 2003.

8.A partir de 13 de junho de 2013, a quantidade converteu-se em qualidade, num processo de mobilização social que devemos analisar com o máximo de atenção. Cabe ao Partido, e também a nós, reunir o conjunto de informações e interpretações acerca do processo e elaborar uma síntese capaz de nos orientar melhor na luta política. De imediato, algumas variáveis já podem ser apontadas.

9.Em primeiro lugar, é preciso atentar para a heterogeneidade do processo. Não apenas a existência de múltiplos movimentos, setores sociais e políticos envolvidos, disputando e sendo disputados. Mas também a existência de etapas distintas no processo, cada qual com um sentido e hegemonia distintas. Está claro, por exemplo, que o movimento começou em torno da luta contra as tarifas do transporte urbano; cresceu como movimento de solidariedade contra a repressão policial; depois entrou numa terceira fase, onde a direita passou a disputar com força a condução do movimento; houve então (no momento em que concluímos este texto) uma reação do governo e das esquerdas, em torno principalmente da proposta de Plebiscito. É fundamental, portanto, fazer análise concreta da situação concreta.

10.Em segundo lugar, é importante destacar a predominância da juventude. Cabe analisar melhor o perfil deste setor social que foi às ruas. E atentar para o fato de que a juventude, especialmente nas periferias, é alvo de uma pauta predominantemente negativa: violência do Estado, toque de recolher, redução da maioridade penal, com 20 mil jovens negros morrendo vítimas de homicídio todo ano. Numa primeira aproximação, podemos dizer que, ao menos numa primeira etapa, foi às ruas uma juventude trabalhadora ou filha de trabalhadores, com idade média até 25 anos e formação predominante universitária, exatamente o setor social e geracional que nossas próprias pesquisas e análises indicavam estar ganhando distância frente ao PT. Aliás, chama a atenção que alguns que antes comemoravam a “entrada de milhões na classe média”, agora criticam as manifestações por estarem “compostas predominantemente por gente de classe média”: tanto a ingênua comemoração anterior quanto a indistinta ojeriza posterior incidem em erros, sociológicos e políticos. A verdade é que a intensa mobilização juvenil, de uma geração que nasceu depois da campanha das Diretas Já, quebrou dois mitos: o de que a juventude seria naturalmente de esquerda e progressista; e de que seria uma juventude alienada e desinteressada da política.

11.Em terceiro lugar, é necessário reconhecer o sentido em geral progressista das demandas e do processo. Ampliação dos direitos sociais e mudança no sistema político do país são bandeiras do PT, da esquerda, dos setores progressistas do Brasil. Tarifa zero, como educação e saúde públicas, não são plataforma da direita, do grande capital e dos setores conservadores, ainda que estes setores busquem apropriar-se oportunisticamente destas bandeiras, para tentar dirigir um movimento cujo conteúdo é no limite contraditório com seus interesses de classe. Como já apontaram muitos, o sentido das ruas está em contradição com o desejo dos mercados.

12.Em quarto lugar, é fundamental perceber que se trata de um movimento originalmente espontâneo. É curioso como dirigentes importantes da esquerda, oriundos eles mesmos de uma situação semelhante no final dos anos 1970 (“quanto novos personagens entram em cena”), tenham hoje dificuldade de reconhecer ou de aceitar que outros possam fazer o mesmo. Claro que em todo movimento espontâneo há incoerências e confusão, elementos organizados, disputa política, interferência da direita, momentos de fluxo e refluxo, desfechos incertos. Mas exatamente isto é um movimento espontâneo: a eclosão súbita de centenas de milhares de pessoas na rua, pessoas que passam a querer ter ação política, as vezes superando e atropelando até mesmo as ações e forças sociais organizadas, que por exemplo estiveram presentes desde o início no Movimento Passe Livre.

13.Em quinto lugar, é decisivo entender que sem um forte deslocamento da correlação de forças, seríamos derrotados, ou na eleição, ou na condução do governo. Derrota que em certa medida já vinha se dando, pois apesar da batalha dos juros, o governo não estava conseguindo manter o ritmo das mudanças, fazendo cada vez mais concessões ao grande capital e a setores da direita. E, graças à eclosão popular ocorrida desde 13 de junho, abriu-se a possibilidade de deslocar a correlação de forças para a esquerda. 

14.Em sexto lugar, é prudente atentar que o desfecho está em aberto. O consórcio mídia-partidos de direita está disputando a consciência popular, as pautas da mobilização, o sentido geral do movimento. Querem converter um movimento de pressão por mais políticas públicas e mais democracia política, num movimento contra o PT e contra o governo. Ainda que com propósitos distintos, setores da oposição de esquerda têm o mesmo objetivo, acreditando que é possível ultrapassar o PT pela esquerda, embora os acontecimentos tenham demonstrado de novo que uma derrota do PT abriria caminho para a derrota de toda a esquerda. Neste sentido, saudamos e nos empenhamos nas diversas iniciativas de unidade democrática anti-fascista das diferentes forças da esquerda político-social. E alertamos para o fato de que setores da oposição de direita estão apostando na desestabilização da economia, inclusive estimulando locautes ("greve" articulada por empresários). 

15.Todas estas variáveis apontam qual deve ser nosso caminho: disputar os rumos do processo, não contra ele, mas apoiando-se no ambiente  de mobilização, para realizar mais mudanças sociais e políticas no Brasil, aprofundando o curso iniciado em 2003. Cabendo ter claro que disputar os rumos do processo não é igual a “disputar os movimentos sociais” que conhecemos e com os quais estamos habituados. E tendo claro, também, que o ambiente político no Brasil mudou: a direita brasileira resolveu incorporar no seu leque de alternativas uma tática de desestabilização semelhante a adotada pela direita venezuelana, articulando mídia e oposição partidária, com disputa de rua. 

16.A rigor, isto tampouco constitui novidade absoluta. No Chile de Allende, na já citada Venezuela, na Bolívia e noutros países, a direita também busca legitimar-se nas ruas. No Brasil dos anos 1960, a direita ocupou as ruas. E, nos últimos anos, a direita brasileira vinha ensaiando novamente esta tática, seja usando igrejas conservadoras, seja estimulando movimentos como o “Cansei”. Há pouco, tivemos as ondas de boato sobre o "apagão", a "inflação" e o "fim da bolsa família". Agora, tentam cavalgar um movimento social espontâneo. Utilizam para isto técnicas e tecnologias adotadas em outros países do mundo, mas também procedimentos tradicionais de ultra-direita, entre os quais a infiltração policial, mobilização de criminosos e lumpens, tropas de choque fascistas, preconceito religioso. Mas estas técnicas operam no movimento, não são responsáveis pela sua eclosão.

17.Também aqui, cabe a nós do PT fazer uma autocrítica. Nos anos 1980 e 1990, o petismo era o principal veículo da insatisfação com os problemas políticos e sociais brasileiros. Eram os tempos em que Lula fazia referência aos "300 picaretas" que dominavam o Congresso Nacional. A medida que fomos nos tornando parte da institucionalidade, reduzimos progressivamente aquela dimensão fundamental de nossa atividade. E, como já dissemos em 1993 no Manifesto A Hora da Verdade (http://pagina13.org.br/apresentacao/quem-somos/), o em si positivo crescimento institucional foi acompanhado da domesticação do Partido, com a adesão de crescentes setores do petismo à norteamericanização da política (dinheiro, mídia, marketing eleitoral). A crise de 2005 deve ser vista neste contexto, e nossas dificuldades em equacionar o tema ajudou a direita a ganhar amplos setores da população, para a tese segundo a qual o PT seria um partido “tão corrupto quanto os demais”. Para piorar, a domesticação e institucionalização do petismo foi acompanhada pela burocratização e esvaziamento não apenas do Partido, mas também de muitas organizações oriundas dos movimentos sociais. Abriu-se, especialmente na juventude, um vácuo que tampouco foi ocupado pela esquerda não-petista. É neste espaço que os diferentes setores da oposição de direita buscam operar.

18.Ou recuperamos nossa capacidade de vocalizar a indignação “com tudo que está aí”, abandonando a incorreta ideia de que ser governo nos impediria de tomar esta atitude, ou no médio prazo poderemos ser varridos. Isto que é chamado de sentimento "antipolítico", deve servir de base para a defesa de outro tipo de política, portanto contra a política e os políticos conservadores, tradicionais, de direita. O sentimento expresso na frase "não me representa", deve levar a esquerda política e social a abrir nossas organizações à nova militância surgida neste processo; e adotar uma nova dinâmica de funcionamento, vinculada às bases sociais, presentes no cotidiano do povo, participando do debate cultural e ideológico, recuperando o sentimento crítico e a radicalidade programática.

19.Fazer isto implica, também, em combater os sinais de preconceito geracional presentes em algumas análises feitas, por setores da esquerda, acerca da mobilização iniciada dia 13 de junho.
20.Há muitas experiências históricas mostrando o que acontece com uma esquerda que pretende viver de glórias passadas. Lembramos que aquilo que constitui “conquista” para uma geração, é “parte da paisagem” para as gerações seguintes. E será assim, especialmente quando as gerações anteriores se burocratizam e, ao mesmo tempo, se demonstram incapazes de garantir comunicação de massas, educação pública e formação político-ideológica para as novas gerações. 

21.Grande parte dos que foram às ruas a partir de 13 de junho são produto do país que nós ajudamos a construir. Que as manifestações tenham sido por mais direitos, e não contra o corte deles, nem por salários e empregos, é um sinal disto. Mas cabe lembrar: este é um país profundamente desigual e contraditório, em que o neoliberalismo continua ideológica e economicamente hegemônico, ao passo que a esquerda parece ser politicamente hegemônica. Esta contradição, quase um paradoxo, está na base de grande parte de nossos problemas, e a política de coalizão com a centro-direita adotada pelo Partido amplia a dificuldade, pois parece aos olhos da juventude e de outros setores que somos apenas e tão somente parte integrante do sistema. Duas fotografias simbolizam os equívocos decorrentes da indiferenciação: a imagem do prefeito Fernando Haddad com Paulo Maluf, durante a campanha eleitoral de 2012; e a fotografia do prefeito com o governador Geraldo Alckmin, no anúncio da redução das tarifas.

22.A análise de que foi às ruas a “geração facebook”, reforçada pelas palavras-de-ordem múltiplas ao estilo dos posts dos murais do face, tem um pouco de verdade. Mas é bom lembrar que as organizações tradicionais da esquerda também tem apresentado pautas reivindicatórias pulverizadas. Por outro lado, não devemos superestimar o papel das redes: sem o impacto da grande mídia tradicional, especialmente das televisões, as mobilizações não teriam a mesma força. Seja como for, é ótimo que os jovens tenham saído às ruas, superando as limitações inclusive físicas das redes sociais virtuais. Este é um processo pedagógico, para eles e para todos, para os que foram às ruas e para os que não foram. Além de estimular certa esquerda acomodada a movimentar-se, nem que seja por auto-defesa; além de proporcionar uma reflexão muito útil sobre os riscos de certa retórica nacionalista e de certa crítica rasa aos partidos, ambas atitudes presentes em setores da própria esquerda organizada. 

23.A pedagogia do processo inclui aprender a neutralizar o vandalismo lumpen e  combater a presença do crime organizado. É preciso, também, aprender a lidar com a atitude de grupos radicalizados como os anarcopunks. Ao mesmo tempo, é crucial impedir que o movimento seja capturado pela direita. Por isto, é importante identificar e derrotar os setores neofascistas, skinheads e grupos paramilitares de direita e, principalmente, impedir que o movimento adote a pauta da direita. Sem incorrer no erro e na pretensão de tutelar o movimento, para atingir estes objetivos, cumprem papel fundamental as organizações tradicionais da classe trabalhadora, o papel da velha guarda, da esquerda organizada, da militância com experiência em lutas anteriores. Sobre isto, com todos os cuidados que a situação exige, nossa posição é clara: as ruas são de todos e delas não seremos expulsos pelos herdeiros dos galinhas verdes. 

24.Tampouco aceitamos a criminalização dos movimentos sociais e a violenta repressão desencadeada pela Polícia Militar, sob ordem de governos tucanos e de direita e, em alguns casos, por ausência de controle por parte de governos encabeçados por partidos progressistas e de esquerda. Alertamos que algumas atitudes posteriores de setores das polícias --como a de adotar uma atitude "passiva" e de "reação tardia" frente ao vandalismo-- parecem estar a serviço de criar um clima de medo e desgoverno, para justificar e legitimar o posterior chamamento às "forças da ordem".  

 25.É bom dizer que a geração que foi às ruas na primeira etapa do movimento, basicamente gente com sensibilidade de esquerda, foi surpreendida pela atitude de algumas autoridades filiadas ao PT. Estas atitudes desencontradas contribuíram muito para confundir, aos olhos de setores da população, as nossas posições com as posições do tucanato. Imaginemos: qual teria sido o curso dos acontecimentos, caso Fernando Haddad tivesse, desde o primeiro dia, suspendido o aumento das passagens na cidade de São Paulo? Ou caso o ministro Cardozo tivesse criticado a violência policial desde o primeiro dia? Ou ainda se o conjunto do PT tivesse reconhecido que a tarifa zero obedece a mesma inspiração da saúde e da educação públicas, a saber, diferentes maneiras de garantir um direito social? Neste sentido, saudamos a atitude legitimamente petista de militantes, instâncias, parlamentares e autoridades executivas ligadas ao PT, que souberam compreender o recado das ruas e com elas interagiram adequadamente.

 26.Entretanto, o conjunto dos acontecimentos de Junho confirmou que uma parte da esquerda brasileira converteu-se à tecnocracia, tratando o povo como “paciente”. Paciente no sentido de ser “objeto” e não sujeito dos processos. E “paciente” no sentido de ter “paciência”.

 27.Para os que adotam esta postura tecnocrática, é muito difícil compreender o papel que a luta social pode jogar na transformação social. As condições históricas levaram o setor majoritário da esquerda brasileira, especialmente o PT, a lutar por ser governo, nos marcos da ordem capitalista e de um Estado conservador. Exatamente por isto, esta esquerda não pode diluir-se nas instituições e tornar-se defensora do status quo; ao contrário, deve preservar sua vocação anti-sistêmica, democrático-popular e socialista, para fazer de sua presença no Estado a contra-mola que resiste, altera e transforma.

 28.No caso concreto, as mobilizações em curso podem nos ajudar a defender a ampliação dos direitos sociais, contra a ortodoxia fiscal. Ajudar a fazer a reforma política, contra o conservadorismo do atual parlamento brasileiro. Ajudar a colocar as reformas estruturais na pauta política do país. Aliás, um dos saldos deste processo é nos lembrar, a todos, que a correlação de forças e a agenda política do país podem ser alteradas, e que a luta de massas tem esta capacidade.

 29.Sem reforma política e democratização da comunicação, não terá futuro a estratégia defendida pelo PT. Posto de outra maneira, não há como prosseguir mudando o país, sem alterar as instituições estatais brasileiras. E não há como fazer esta alteração apenas de dentro para fora: é preciso que a pressão social entre em cena. Infelizmente, apesar dos esforços das organizações populares, a pressão recente não surgiu por nossa iniciativa; mas felizmente surgiu. Por isto, consideramos que foi absolutamente correto reconhecer a legitimidade das mobilizações e de suas demandas, assim como apontar o Plebiscito e a Constituinte como caminhos para tradução institucional da pressão social. Mas também por isso, consideramos essencial colocar em movimento a classe trabalhadora: é isto e a ação articulada de nossas organizações que pode derrotar a movimentação da direita.

 30.Claro que a direita repudia a Constituinte e o Plebiscito. Confirmando o divórcio entre capitalismo e democracia, temem que a pressão das ruas produza uma reforma política que lhes tire poder. A isso respondemos: todo o poder ao povo, viva a soberania popular e a democracia. Claro, também, que a direita pretende direcionar a insatisfação social em direção aos partidos de esquerda, especialmente ao PT. A direita pode fazê-lo, pois os partidos são para ela parte totalmente secundária de seus aparatos de poder (entre os quais destacam-se o oligopólio da mídia, mas também suas casamatas incrustadas dentro do aparato do Estado). Nossa resposta deve ser defender uma política e partidos de novo tipo. Ou seja: não os partidos em geral, não a política em geral, mas a política e os partidos vinculados aos interesses da maioria do povo. Claro, ainda, que a direita busca manipular o movimento contra o governo Dilma. A isto respondemos fazendo a defesa e fortalecendo nosso governo, a começar pela presidenta Dilma, que nesta crise mostrou capacidade de reação, liderança e faro político.

 31.Da mesma forma, devemos defender e reafirmar nosso passado e os êxitos de nossos governos, defender nossa ação presente, mas reconhecendo as contradições, equívocos e debilidades. Mas devemos sobretudo dar ênfase ao futuro, ao Brasil que queremos. E apontar com clareza qual a base de nossas dificuldades: o capital financeiro, as transnacionais, o agronegócio, o latifúndio tradicional, o oligopólio da mídia, o controle de setores privados sobre largos setores do aparato de Estado, a mercantilização da política. Motivo pelo qual é mais atual que nunca a pauta das grandes reformas estruturais, como as reformas tributária, agrária e urbana, a democratização da mídia e da política, a ampliação das políticas públicas e do papel do Estado.

 32.Na mesma linha, cabe-nos rearticular nosso bloco político-social: governos, movimentos, partidos, intelectualidade, bases sociais e eleitorais. O Partido dos Trabalhadores, em especial, deve repactuar suas relações com os movimentos sociais e com as bases populares. Isto inclui articular os militantes petistas que atuam nos movimentos sociais. E reorganizar, em novas bases, algo similar ao “fórum nacional de lutas”, articulando partidos e movimentos sociais do campo popular. Mas inclui principalmente tratar de outra forma temas variados, que estão na origem de muitos conflitos no seio das forças populares: o fator previdenciário, os leilões do petróleo, a reforma agrária, o respeito aos indígenas, a defesa das causas LGBT, as politicas de gênero, os gastos da Copa, a política de transporte urbano, o controle do ministério das Cidades pela direita, alianças intragáveis etc.

33.Como parte da disputa das ruas, o PT deve participar organizadamente das atividades convocadas pela Central Única dos Trabalhadores. E assumir a defesa da pauta da CUT: contra o PL 4330, da “terceirização” que retira direitos dos trabalhadores brasileiros e precariza ainda mais as relações de trabalho no Brasil; que as reduções de tarifa do transporte não sejam acompanhadas de qualquer corte dos gastos sociais; 10% do orçamento da União para a saúde pública; 10% do PIB para a educação pública, “verbas públicas só para o setor público”; fim do fator previdenciário; Redução da Jornada de Trabalho para 40 horas sem redução de salários; Reforma Agrária; suspensão dos Leilões de Petróleo. Também defenderemos o Plebiscito proposto pela presidenta Dilma, a reforma política, a democratização da comunicação e a Assembleia Constituinte.

 34.A disputa das ruas começa já nas telas de TV. O governo brasileiro está convocado a alterar imediatamente sua política de comunicação. O atual ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, que foi capaz de imputar à militância petista uma posição que não é a nossa (a censura), além de nos atacar covardemente nas páginas da pior revista do país, não está vocacionado para cumprir esta tarefa. O  ministério deve ser encabeçado por alguém comprometido com a democratização da comunicação social.

 35.A disputa das ruas começa, também, alterando a política de comunicação do Partido. Constituir uma redação de conteúdos capaz de alimentar nossos boletins, páginas eletrônicas, programas de rádio, entrevistas e discursos em todo o país. E reconstruir nossas redes sociais, principalmente apoiando a atuação organizada de nossa militância nessa frente de luta política e ideológica.

36.De maneira geral, trata-se de fazer o Partido funcionar como Partido e ser capaz de reagir na velocidade que a luta política está impondo. Nesta crise, como em tantas outras, confirmou-se que atuamos muitas vezes como “partido de retaguarda”, que sabe operar predominantemente nos anos pares.

 37.O centro da tática é, no momento que concluímos a redação desta tese, disputar e vencer o plebiscito. O que exigirá uma forte aliança política e social, que já está se conformando, entre todos os favoráveis à reforma. Ao Partido caberá de imediato, entre outras tarefas, a de contribuir no essencial debate sobre quais serão as perguntas feitas à população. O plebiscito pode criar as condições institucionais necessárias não apenas para reeleger Dilma, mas para fazê-lo de forma a que o segundo mandato seja superior ao primeiro.

38.Para vencer o plebiscito, é fundamental que haja condições democráticas, o que começa por definir regras claras, horário eleitoral de rádio e TV, limites ao financiamento das diferentes posições, democracia nos meios de comunicação.

39.Também é fundamental a definição de quais temas devem ser objeto de debate e votação, no Plebiscito. De saída é importante que o conteúdo e a redação das perguntas dialogue com o sentimento popular, de contestação da atual maneira de fazer política. Por isto, é importante destacar temas como: ampliar os meios de participação popular direta; acabar com o financiamento empresarial de campanhas eleitorais e de partidos políticos; reestabelecer o voto proporcional (uma pessoa, um voto); garantir que o voto dado seja respeitado, estabelecendo listas pré-ordenadas e acabando com as coligações proporcionais oportunistas; garantir que 50% do Parlamento seja composto por mulheres; fim do Senado; limitação do número de mandatos; convocar uma Assembléia Nacional Constituinte Exclusiva para Reforma Política em 2014.

40.O PT deve continuar defendendo a necessidade de uma Assembléia Nacional Constituinte, mecanismo adequado para alterar de conjunto e democraticamente a institucionalidade brasileira. Também por isto, entendemos que o governo deveria ter mantido a proposta combinada de Plebiscito e Constituinte "específica" para fazer a reforma política.

 41.É nestes marcos de intensa luta política e social que ocorrerá o processo de eleição das direções partidárias, o chamado PED. Trata-se de uma coincidência feliz, pois permitirá à militância construir, através do debate, uma nova estratégia para um novo período, de maiores conflitos políticos e sociais, cuja solução positiva exige a realização de reformas estruturais. Um cenário adequado, também, para que o Partido reveja de alto a baixo sua organização, reconstruindo suas instâncias e organismos de base, revendo seus métodos de funcionamento e ação, e principalmente adotando uma nova estratégia, elegendo uma direção que seja capaz não apenas de reconhecer os novos tempos, mas também – e principalmente – capaz de agir em conformidade com isto. 

42.Vivemos novos tempos, apesar dos perigos. As próximas semanas podem confirmar o potencial mudancista do processo, ou podem resultar numa reversão conservadora, como é o sonho daqueles que comemoram os resultados de recentes pesquisas de opinião. Cabe a cada um de nós, militantes de esquerda, sustentar as bandeiras vermelhas da esperança e do socialismo.

43. O PT, que certamente vem cumprindo um papel imprescindível na luta do povo brasileiro nos últimos 33 anos, não pode viver do seu passado glorioso, nem dos êxitos do presente. Nossa sobrevivência, nossa utilidade para a classe trabalhadora brasileira, depende de sermos capazes de articular a solução dos problemas do presente, com a construção de um futuro diferente.

44.E não está garantido que consigamos fazer isto. É uma luta cotidiana contra os hábitos e costumes dapolítica tradicional, contra a influência da direita e do grande capital, contra a acomodação e a adaptação que afeta cada um de nós.

45.Sem saudosismo, o PT precisa refletir mais sobre os motivos e os mecanismos que nos fizeram construir isto que somos hoje, um partido de esquerda, popular, de massas, com forte raiz entre os trabalhadores e trabalhadoras.

46.Fizemos isto nos anos 80, radicalizando, enquanto outros partidos de esquerda apostaram na conciliação com a transição democrática. Fizemos isto nos anos 90, quando não abrimos mão de ser, ao mesmo tempo, oposição de massas ao neoliberalismo e alternativa institucional de governo. E seguimos fazendo isto depois de 2003, lutando para ser ao mesmo tempo partido de esquerda e a referência principal de um governo de centroesquerda.

47.Mas exatamente a partir de 2003, esta nova situação ampliou o tensionamento e as pressões sobre o partido, a ponto de que, se dependesse de setores importantes, o PT deixaria de existir como partido autônomo, se subordinando completamente ao
governo.

48.Agora em 2013, passados dez anos de governos de coalizão encabeçados por Lula e Dilma, temos uma nova conjuntura que mostra com nitidez a necessidade e o papel insubstituível de uma ferramenta como o PT para a classe trabalhadora intervir na disputa na sociedade.

49.Uma nova conjuntura, que exige novas respostas. Seus traços principais são: um agravamento da situação internacional, a conduta do grande capital frente ao governo Dilma, as concessões do governo frente a estas pressões, a postura crescentemente anti-petista dos partidos da “base aliada”, a escalada de ataques diretos ao PT por parte da mídia e de setores do aparelho de Estado, destacadamente do Judiciário.

50.De conjunto, um quadro que deixa claro que a disputa eleitoral de 2014 é encarada pelos setores fundamentais da burguesia (brasileira e imperialista) como uma oportunidade para derrotar o PT, nos obrigando a encarar esta batalha central sob uma nova perspectiva, simultaneamente tática e estratégica, à altura da nova situação.

51.Aqui, é preciso falar francamente: se a estratégia de centro-esquerda que hegemoniza o partido desde pelo menos 1995 foi capaz de nos levar à conquista do governo federal em 2002, crescentemente foi se revelando incapaz de orientar um processo de amplas e profundas transformações sociais no Brasil, tendendo ao esgotamento quanto mais se aproximam os limites de poder, renda e riqueza que a burguesia brasileira está disposta a ceder, ou colocada na contingência de fazê-lo. Limites que se estreitam tanto mais quanto mais se fazem sentir os efeitos da crise global do capitalismo sobre a dinâmica política e econômica do país.

52.Os setores fundamentais da burguesia, que puderam conviver, ainda que sempre protestando e sabotando, com diminuição do desemprego (e redução do exército industrial de reserva) e aumentos salariais (destacadamente o do salário mínimo) durante determinado tempo, não estão dispostos a permitir que se consolide de maneira permanente um novo patamar nas relações econômicas e sociais do país, pois isto implicaria num horizonte de redução de suas taxas de lucro.

53.Noutras palavras, as frações dirigentes da burguesia não estão dispostas a permitir que se instale aqui, no Brasil, algo nem mesmo similar ao Estado de bem estar social construído na Europa do pós-Segunda Guerra, que mesmo lá se encontra sob forte ataque nas últimas décadas.

54.De um ponto de vista mais global, não estão dispostos a assistir sem reação a continuidade de um governo de esquerda (ainda que moderado) no Brasil, principalmente quando este se constitui em ponto de apoio fundamental para a continuidade do processo de integração e avanços sociais protagonizados por vários países da América Latina desde 1998, com a eleição de Chávez na Venezuela.

55.Na situação de crise mundial do capitalismo que se abriu em 2007/2008, a América Latina vai se constituindo num espaço avançado de lutas e resistência às ofensivas do grande capital, que dobra a aposta nas receitas neoliberais de “austeridade” e ataques às conquistas dos trabalhadores no mundo todo, destacadamente nos países da Europa e nos Estados Unidos.

56.Na América Latina, devemos seguir trabalhando em favor da ruptura com o neoliberalismo e apoiando aqueles processos onde esta ruptura se faz em favor
do socialismo. A recente disputa presidencial na Venezuela, após a morte de Hugo Chávez, com a apertada vitória de Nicolas Maduro, mostra que os setores fundamentais das respectivas burguesias nacionais, com a cobertura explícita do imperialismo, estão dispostos a investir a fundo para enfraquecer, desestabilizar e derrotar os governos de esquerda da região.

57.Também no Brasil, seguimos enfrentando uma dura batalha contra a hegemonia das ideias e dos interesses neoliberais. Existem no PT aqueles que pretendem enfrentar esta disputa contra o neoliberalismo, a partir de valores como a “ética”, a “cidadania”, a “república“ e a “revolução democrática”. Respeitamos os que pensam assim. Mas, de nossa parte, entendemos que tais valores não são suficientes para orientar a ação dos que querem, não apenas derrotar o neoliberalismo, mas também derrotar o capitalismo.

58.Como demonstraram os acontecimentos recentes, o conceito de “Revolução Democrática” não serve para descrever o que de fato vem ocorrendo no Brasil nos últimos anos. Exemplos disto são as debilidades e contradições na participação e mobilização autônoma da sociedade nesta década; a realidade cultural, onde se verificou crescente influência dos setores conservadores; a prática de um aparelho de Estado ainda controlado no essencial pelas forças hegemonizadas pela burguesia, destacadamente no Poder Judiciário e nas Forças Armadas; para não falar no monopólio absoluto da mídia por um punhado de grandes conglomerados.

 59.O conceito de “Revolução Democrática” tampouco corresponde a orientação hegemônica no governos Lula e Dilma, pois apesar das políticas públicas avançadas e progressistas que caracterizam setores do governo, apesar de importantíssimas para uma justa política de acúmulo de forças, o conjunto da obra está longe de poder caracterizar uma “revolução democrática”, entre outros motivos porque lhes faltam um sentido de transformação social de amplitude e radicalidade tais que, ao aprofundar a democracia social, abram a perspectiva de construção de um poder popular de nova qualidade.

60.Ademais, cabe lembrar que setores hegemônicos do governo ancoram seu discurso em ideias como “um país de classe média”; para além da incorreção do conceito, o fato é que não haverá nem reformas estruturais nem revolução, seja democrática ou socialista, sem que tenhamos uma classe trabalhadora fortalecida material e culturalmente, capaz de disputar poder, renda e riqueza e propor ao conjunto da sociedade uma forma de organização social superior e mais avançada, radicalmente democrática, econômica e socialmente.

61.A partir do balanço da sua experiência nos últimos dez anos à frente do governo federal, o PT tem todas as condições de aproveitar este PED e o debate do V Congresso para formular uma nova estratégia capaz de enfrentar a nova situação política, nacional, regional e mundial.

62.Como já dissemos, em parte por causa dos efeitos da crise, em parte porque a burguesia não tolera a combinação de salários altos e desemprego baixo, está ocorrendo uma mudança na postura do grande capital frente ao governo federal encabeçado pelo PT. Estão deixando de existir aquelas condições excepcionais que permitiram a um governo de centro-esquerda, liderado por Lula, melhorar a vida dos pobres e ao mesmo tempo garantir grandes lucros aos ricos.

63.O PT precisa reconhecer a existência desta nova situação e decidir que caminho seguir, na sua atuação direta e na interlocução com o governo, na qualidade de partido da presidenta.

64.Do ponto de vista da luta de classes, o caminho trilhado pelo governo Dilma até agora oscilou entre a disposição de enfrentar o capital financeiro, que aplaudimos apesar de considerarmos insuficiente o que foi feito, e as sucessivas concessões ao grande capital em geral, via concessões, desonerações, subsídios e flexibilizações na legislação trabalhista e social. Concessões feitas em parte porque não se percebeu a natureza integrada do grande capital financeiro, nem tampouco sua disposição política de impedir a consolidação de um novo patamar nas relações entre capital e trabalho no Brasil.

65.É fundamentalmente por isto que o conjunto de concessões políticas e econômicas feitas pelo governo, aliadas à queda da taxa de juros, não resultaram numa retomada do investimento privado nos últimos anos.

66.O grande capital parece organizar uma “greve de investimentos” como instrumento para pressionar o governo a ainda maiores concessões, que não apenas manteriam sua taxa de lucro em níveis “neoliberais”, mas principalmente impediriam a consolidação de um estado de bem-estar social no Brasil.

67.De nossa parte, cremos que o partido deve optar por outro caminho estratégico e trabalhar para que o governo opere uma inflexão em sua política: mais democracia, reformas estruturais, fortalecer o mundo do trabalho e reafirmar nossos compromissos
socialistas.

68.Noutras palavras: dobrar o grande capital, fortalecendo a capacidade econômica do Estado e o poder político do trabalho. Estes elementos são parte importante da construção de uma nova estratégia, que supere os limites da atual, que vai se esgotando no “taticismo” e no pragmatismo.

69.Precisamos construir uma estratégia que nos permita passar para uma fase de reformas estruturais no país. Para fazer isto, teremos que retomar e atualizar o programa e a estratégia democrático-popular e socialista que o PT elaborou nos anos 80. Até porque, o sucesso relativo de nossa ação governamental está recolocando os dilemas estratégicos que o Brasil viveu naquela época.

70.Deste ponto de vista, temos algumas lutas e questões que merecem iniciativas urgentes de nossa parte, pelo seu caráter estratégico e pelo lugar que desde já ocupam, pois nossa inação aqui pode bloquear as possibilidades de avanços mais consistentes de conjunto no presente e no futuro.

71.Necessitamos detalhar ações e políticas nos seguintes terrenos: democratização das comunicações; reforma política; reforma tributária; reforma agrária; reforma urbana; ampliação das políticas públicas de saúde, com destaque para o cumprimento das determinações constitucionais pelos estados, Distrito Federal e municípios, e o investimento pela União de 10% das receitas correntes brutas na saúde; ampliação das políticas públicas de educação, com destaque para alocação de 10% do PIB e profundas mudanças curriculares e pedagógicas; ampliação dos direitos dos trabalhadores, com destaque para as 40 horas e o fim do fator previdenciário; direitos humanos, com destaque para o ajuste de contas com os crimes cometidos pela Ditadura Militar e para a instalação de uma política de segurança pública democrática; política ambiental.

72.Ao longo do debate do PED e do V Congresso, detalharemos em textos específicos o que propomos sobre cada um destes temas.

73.Estas ações e políticas devem se desdobrar em diferentes dimensões nos nossos governos, na ação parlamentar, nos movimentos sociais, na ação do partido e na disputa cultural. Em cada uma destas dimensões, devemos lembrar que o aspecto central é a auto-organização, mobilização e conscientização do sujeito histórico das transformações pelas quais lutamos.

74.Neste aspecto, cabe atentar para o fenômeno da constituição de uma nova fração da classe trabalhadora, dos pontos de vista geracional e sociológico, que alguns vêm chamando indevidamente de nova classe média. O PT precisa buscar este setor, organizá-lo, mobilizá-lo, impedir que a direita o hegemonize.

75.Para isso, é necessário que o PT deixe de ser um partido predominantemente eleitoral, voltando a fazer política cotidiana também nos anos ímpares, compreendendo que nosso papel é de educar, disputar e organizar a sociedade e através dela ocupar e transformar o Estado, reativando nossas ações de formação política, mostrando a esta parcela da classe trabalhadora que sua ascensão econômica não é uma obra divina ou resultado de puro esforço pessoal, mas sim de um conjunto de políticas públicas, implementadas pelos governos petistas.

76.Atenção especial deve ser dada às juventudes, com destaque para a juventude trabalhadora, que tem que ser reconquistada pelo PT. Esta parcela da população estava na infância quando chegamos ao governo federal, e não guarda na memória a ação nefasta dos governos neoliberais. Parte destas jovens mulheres e homens já nos considera como parte da ordem. Portanto, como algo a ser superado e não como um instrumento de luta e transformação da ordem.

77.Para que seja possível conquistar as juventudes, precisamos recuperar o sentido militante da nossa atuação, seu caráter popular, uma conduta muito forte de contestação, um compromisso com o futuro, o que deve se traduzir num novo tipo de funcionamento e postura do PT e da Juventude Petista, passando por fortalecer nosso agir cultural e políticas de governo.

78.Ao lado, coerente e concomitantemente a este esforço de realinhamento estratégico, o PT tem que se preparar para vencer as eleições de 2014 de maneira a que o segundo governo Dilma tenha condições de se conformar como superior ao primeiro e oferecer a retaguarda necessária para aqueles avanços mais substantivos do ponto de vista
programático e estratégico.

79.Aqui sobressai a questão da política de alianças. No mundo real a burguesia opera e, neste momento, costura várias alternativas, além do PSDB e seus tradicionais aliados, para tentar levar a eleição ao segundo turno e a partir daí nos impor uma derrota.

80.Além das movimentações da REDE, de Marina Silva, sobressaem aqui as movimentações do PSB, seduzido pela perspectiva da candidatura presidencial de Eduardo Campos, com setores partidários já decididos a iniciar a empreitada.

81.Neste quadro, o PT é sujeito a enormes pressões nos Estados em nome da manutenção da aliança nacional. De nossa parte, o PT não deve abrir mão do seu fortalecimento em 2014, ampliando nossa presença nos governos estaduais, no Senado e na Câmara Federal.

82.Por outro lado, é preciso construir as bases de uma governabilidade social, que compense a deterioraçãocrescente da governabilidade institucional, que, ao que tudo indica, vai se complicar ainda mais, agora e depois de 2014.

83.Em terceiro lugar, recompor o chamado bloco democrático-popular, entre partidos, movimentos e intelectualidade. Um dos grandes erros cometidos desde 2003 foi confundir e priorizar as alianças táticas com partidos de centro-direita, frente à aliança estratégica com setores político-sociais de esquerda. Se este erro não for corrigido, corremos o risco de, mesmo vencendo em 2014, chegarmos em 2018 desacumulando politicamente.

84.O Plebiscito será o eixo ao redor do qual poderá se instalar um novo padrão de alianças e de governabilidade institucional e social.

85.Para dar conta deste conjunto de tarefas, o PT tem que sofrer profundas transformações ideológicas, políticas e organizativas. Devemos voltar a ser um partido que atua também nos anos ímpares e que sabe combinar luta social, luta cultural, construção partidária, com disputa eleitoral, ação parlamentar e governamental.

86.Precisamos reatar laços orgânicos com nossa base social, recobrando a capacidade de dirigir grandes jornadas de luta, ao lado de outros partidos de esquerda e das entidades históricas da classe trabalhadora e da juventude, como a CUT, UNE, MST, MNLM, CMP e outras.

87.Não é admissível que um Partido do porte do PT não tenha uma imprensa de massas voltada ao diálogo com sua ampla base social e dedicada à disputa política e ideológica com os inimigos de classe. A prioridade à formação política e à organização de base não podem se tornar letra morta após a aprovação das resoluções neste sentido.

88.Precisamos empreender um sério esforço de debate político sistemático nas instâncias partidárias, que precisam ser valorizadas em detrimento dos centros de comandos paralelos localizados nos gabinetes parlamentares e executivos.

89.Neste sentido, aplaudimos o sentido geral das decisões organizativas adotadas pelo IV Congresso do PT, ao mesmo tempo em que repudiamos as mudanças contraditórias com as orientações gerais do Congresso introduzidas de forma indevida pelo Diretório Nacional no regulamento do PED 2013, mudanças que a pretexto de facilitar a participação, fortalecem um modelo de PED que privilegia o filiado-eleitor em detrimento do filiado-militante. O PT precisa empreender urgentemente a construção de uma nova direção política coletiva. A pluralidade e a diversidade do PT abrigam inúmeras companheiras e companheiros à altura de dirigir este tão necessário processo de construção.

90.Finalmente, mas não menos importante, o PT precisa garantir sua auto sustentação financeira. Não podemos, como hoje, depender em grande medida de contribuições empresariais, não apenas para fazer campanhas eleitorais, mas também para conduzir o cotidiano da vida partidária. Um partido de trabalhadores não pode depender de recursos financeiros doados pelo empresariado.

91.É este conjunto de temas que vamos debater no PED e no V Congresso. Não encaramos a eleição das direções partidárias como um momento de “disputar garrafinhas”, como alguns falam de maneira desrespeitosa. Encaramos o PED 2013 da mesma forma como o fizemos, em 2001, 2005, 2007 e 2009, ou seja, como um momento de apresentar para o conjunto do partido o que pensamos, buscar constituir uma maioria em torno destas ideias e com elas dirigir o partido no próximo período, sinalizando que nosso Partido quer continuar se construindo como um partido socialista, democrático e revolucionário, comprometido com a transformação radical da sociedade brasileira. Um PT que governa o Brasil e constrói as lutas do povo, que guarda em si a capacidade de renovação e reinvenção, à altura do legado das gerações de lutadores que, a seu tempo, ousaram sonhar o sonho de um Brasil radicalmente democrático e socialista.

Brasil, julho de 2013

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