sábado, 14 de janeiro de 2012

A direita brasileira não tem crise de direção

Como expliquei na primeira postagem, o objetivo deste blog é reunir e tornar disponíveis os textos que venho elaborando desde os anos 1980. Abaixo, um texto divulgado provavelmente em agosto de 2005.


Grande parte dos intelectuais brasileiros rejeita a tese de que existiria uma conspiração das elites contra o governo Lula e contra o PT. Seus argumentos são variados, mas podem ser resumidos no seguinte: “Lula governa para as elites, logo elas não teriam interesse em derrubar seu governo”.

Ademais, pensam eles, se conspiração houvesse, teria origem nas trapalhadas do PT e do governo, cujos erros teriam constituído o ambiente propício para os ataques da direita.

É verdade que somente dentro de alguns anos, quanto tivermos acesso ao que realmente está acontecendo nos bastidores da crise, poderemos saber com certeza se estávamos ou não diante de uma conspiração das elites, que é o “equivalente político” da formação de quadrilha.

Apesar disso, não é preciso admitir a existência de uma conspiração, nem é preciso minimizar os erros do PT e do governo, para chegar à seguinte conclusão: a ofensiva que a direita brasileira desencadeou a partir de 14 de maio de 2005 está chegando cada vez mais perto do impeachment.

É bom reafirmar que nada disso é raio em céu azul. Do ponto de vista factual e tático, tivemos o caso Waldomiro Diniz, a derrota nas eleições de 2004 e a eleição de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara. Do ponto de vista estratégico e programático, não é difícil constatar nossa incapacidade de reduzir a força institucional e midiática da direita.

Muito embora todos esses casos mereçam um tratamento mais adequado, no momento o que nos interessa, fundamentalmente, é alertar para o seguinte: se, nos próximos dias, o PT não for capaz de perceber e de reagir ao movimento pelo impeachment, poderemos ser apeados do governo de forma tão desmoralizante que a esquerda brasileira poderá ser neutralizada, como força ativa de mudança, por algumas décadas.

É verdade que uma parte da intelectualidade minimiza este risco, por achar que poderemos ser apeados pelo povo, democraticamente, em 2006, como uma reação aos descaminhos do governo e do Partido. Sua percepção é que isso não significaria necessariamente um retrocesso, nem afetaria necessariamente o conjunto da esquerda.

No fundo, seu raciocínio baseia-se na hipótese de que as elites não estão interessadas no impeachment, seja porque isto causaria turbulências imprevisíveis (por exemplo, a posse do vice-presidente José Alencar), seja porque o atual governo estaria cumprindo um receituário conservador.

Esta linha de raciocínio, apesar de conter muitos aspectos corretos, não consegue explicar, de maneira adequada, a intensidade dos ataques contra o governo Lula e o PT.

É importante lembrar que estes ataques vêm de cinco direções diferentes: dos partidos de direita; dos meios de comunicação de massa; dos setores médios; da ultra-esquerda (principalmente PSTU e PSOL); e do grande capital.

O que há de comum é que todos esses setores atacam ao PT e o tomam como inimigo principal, mas nenhum deles controla a situação. Alimentada pelos erros cavalares do Partido e do governo, a crise ganhou dinâmica própria e, por isso mesmo, pode descambar para o impeachment, mesmo que algum daqueles setores não tenha interesse no impeachment.

O grande capital, por exemplo, parece não querer ou, pelo menos, parece não ter como objetivo principal o impeachment do presidente. O que ele certamente quer é manter e aprofundar a política econômica. Porém, para atingir tal objetivo, ele se une aos demais setores para enfraquecer mais e mais o PT. O que gera uma espiral que tende ao impeachment, desejado abertamente por outros setores conservadores e alimentado pela ultra-esquerda.

Nessas condições, quem minimiza o risco de impeachment ou pouco faz contra ele, contribui inadvertidamente para que essa onda cresça. É o caso, paradoxalmente, da direção nacional do Partido dos Trabalhadores. Ou, para ser mais exato, dos setores que controlam esta direção: o cada vez mais mal denominado Campo Majoritário.

Foi a política (programa, estratégia, alianças, maneira de conduzir o partido) deste Campo Majoritário que levou o governo e o PT a enredaram-se numa armadilha, cuja manifestação mais evidente é a presente crise.

Para sair dessa armadilha, será necessário adotar outra política. No entanto, nas condições críticas atuais, adotar outra política pode implicar, pelo menos a curto prazo, no agravamento da própria crise.

Se essa outra política romper com o PT e levar a uma aliança explícita com o PSDB, como propõem alguns condestáveis do governo, isso agravará a crise com os de baixo. Se essa outra política mudar a política econômica e romper as alianças com a direita, como propõe a esquerda petista, isso agravará a crise com os de cima.

Neste último caso, basta notar o desagrado com que a direita recebeu os acenos do presidente Lula para os setores populares, embora tais acenos tenham sido absolutamente retóricos, sem desdobramentos na ação governamental e sem nenhum tipo de articulação com a direção do Partido.

Prisioneira de uma armadilha criada por si mesma - sabe que precisa mudar, mas teme que a mudança agrave as condições conjunturais - a atual direção do Partido tornou-se incapaz de elaborar uma política para enfrentar e resolver a situação.

E como em política não há espaços vazios, a influência da direita sobre o governo Lula cresce proporcionalmente às vacilações da direção partidária.

Tudo indica que a direita brasileira pretende tratar nosso governo federal com os mesmos procedimentos que foram adotados durante a fase final do governo Collor: primeiro, alvejaram o PC Farias; depois blindaram a administração federal, quando Jarbas Passarinho, Marcílio Marques Moreira e Jorge Bornhausen assumiram ministérios, supostamente para evitar a ingovernabilidade; depois, derrubaram o presidente.

Para enfrentar esta situação, não adianta tentar separar o Presidente do Partido, até porque a eleição de 2006 está aí e não existe candidatura avulsa. Tampouco adianta ameaçar as elites, argumentando que o impeachment romperia a blindagem que protege a política econômica. Até porque, para as elites, quem blinda a economia é Palocci e Meirelles.

Quanto aos discursos do presidente para as camadas populares, estes só terão efetividade se forem acompanhados por uma reorientação na ação do governo, inclusive no sentido de recuperar o apoio das camadas médias (categoria que inclui amplas camadas de trabalhadores assalariados). Para tanto, é necessário formular e aplicar um plano estratégico global, distinto daquele seguido, até agora, pelo Partido e pelo governo.

Apesar dessa necessidade premente, a direção do PT não conseguiu, nem dá sinais de que vá conseguir produzir este plano alternativo. E, na sua ausência, o movimento partidário virou uma sucessão de recuos, para evitar derrotas que acabam acontecendo, produzindo novos recuos, seguidos de novas derrotas que geram novos recuos.

Para usar uma imagem militar, as linhas de defesa têm caído, uma atrás da outra. E, o que é pior, as linhas de defesa não estão sendo abandonadas em ordem, num recuo planejado, que entrega algumas trincheiras para defender melhor as outras, frente a um adversário superior. O que ocorre é outra coisa: nossas linhas de defesa estão sendo abandonadas num clima de debandada. Não porque os soldados não queiram defender nosso território, mas porque os oficiais estão desmoralizados.

O que nos remete para o seguinte: se não reconstituirmos o Estado-maior, esta guerra estará perdida. Reconstituir o Estado-maior exige algumas medidas disciplinares (sem o que não haverá confiança das tropas nos seus comandantes) e algumas medidas políticas (sem o que não conseguiremos deter a ofensiva dos adversários).

Nesse sentido, a reunião que o Diretório Nacional do PT fez no dia 6 de agosto foi totalmente inútil. Não decidiu a expulsão de Delúbio Soares, nem aprovou a formação de uma comissão de sindicância, medidas que ajudariam a recuperar as relações de confiança do partido em sua direção. E nem sequer aprovou uma política capaz de armar o Partido para os próximos dias, que definirão se teremos ou não um movimento aberto pelo impeachment.

A verdade é que a atual direção nacional do PT está paralisada. No seu interior, há aqueles que querem desembarcar do Partido (ou desembarcar o Partido), se esse for o preço para salvar o governo. E há os que querem desembarcar do governo (ou do Partido), se esse for o preço para salvar nossas bandeiras.

Enquanto isso, as bases petistas oscilam entre a vontade de resistir e o afastamento em relação ao PT. Afastamento que pode virar um movimento de massas, se não conseguirmos canalizar, para o processo de eleição da direção (PED), a insatisfação da militância. Acontece que a eleição está muito distante (18 de setembro) e a crise política estará chegando ao seu ponto máximo antes disso. Frente a isto, o que fazer?

Em primeiro lugar, reabrir o debate na Comissão executiva nacional do Partido. Esta precisa ser convocada esta semana, em caráter emergencial, para rediscutir as medidas disciplinares necessárias para recompor o moral da tropa e as medidas políticas necessárias para acertar a mira de nossas ações.

Em segundo lugar, convocar o conjunto da militância democrática e popular adeixar claro que exigimos mudanças de rumo por parte do governo, especialmente na política econômica, mas que não aceitaremos passivamente as tentativas de interromper o mandato do Presidente da República e de criminalizar a esquerda brasileira.

Em terceiro lugar, realizar uma reunião entre a direção do Partido e o Presidente da República, para debater a situação política e acertarmos uma agenda comum de ação.

Em quarto lugar, converter os debates do PED em momentos de defesa do Partido, ocasiões para alertar a militância, os filiados, nossa base social e eleitoral, sobre a necessidade de mobilização imediata.

O cavalo está passando encilhado. E a direita brasileira, embora não esteja totalmente unificada, não sofre de crise de direção. Por isso, toda urgência é pouca.



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